Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
9304/13.1TDPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LÍGIA FIGUEIREDO
Descritores: INSTRUÇÃO
DESPACHO DE NÃO PRONÚNCIA
FUNDAMENTAÇÃO
Nº do Documento: RP20150159304/13.1TDPRT.P1
Data do Acordão: 01/21/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – O despacho de não pronuncia, deve ser fundamentado, incluindo a especificação dos factos indiciados e não indiciados que podendo ser feita por remissão (artº 307º 1 CPP) deve sê-lo de forma especificada de modo a esclarecer os precisos factos indiciados, ou a indicação precisa de que nenhum facto se indicia.
II – A omissão de fundamentação integra nulidade sanável dependente de arguição perante o tribunal que praticou o acto.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 1ª secção criminal
Proc. nº 9304/13.1TDPRT.P1
________________________

Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO:

Nos autos de instrução n.º 9304/13.1TDPRT.P1 do 1º Juízo b do Tribunal de Instrução criminal do Porto, 1º Juízo B, o SINDICATO DOS TRABALHADORES DA INDÚSTRIA DE HOTELARIA, TURISMO, RESTAURANTES E SIMILARES DO NORTE apresentou denúncia contra B…, Ldª., C…, D… e E… pela prática de um crime de violação do direito à greve, p.p. à data dos factos, pelos artsº 596º, nº1, 607º e 613º do Código do Trabalho e, actualmente, p.p. pelos artigos 535º, nº1 543º e 546º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº7/2009, de 12/2.
. Na sequência do despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público, a fls.31-36 o Assistente Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Hotelaria, Turismo, Restaurantes e Similares do Norte requereu a Abertura da Instrução contra os arguidos B…, Ldª, C…, D… e E… pela prática de um crime p.p. pelos arts 535º e 543º do Código do Trabalho.
Realizado o debate instrutório foi proferida decisão instrutória, a fls. 223 a 229 na qual se decidiu: Indeferir a arguição de falta de legitimidade do sindicato para se constituir assistente e concordar com o despacho de arquivamento determinando o arquivamento dos autos,
Com a seguinte fundamentação: (transcrição)
(…)
O Tribunal é o competente.
O processo o próprio.
Não há nulidades ou excepções a decidir.
Questão prévia:
Por requerimento de fls. 200, vieram os arguidos a falta de legitimidade do sindicato para se constituir como assistente, pugnando pela inadmissibilidade legal da presente instrução.
Apesar de ser recente a intervenção do Ilustre Mandatário subscritor nestes autos, não podemos deixar de consignar que o pedido é tardio, sendo que foram até realizadas diligências instrutórias com a presença do advogado dos arguidos, nada tendo sido arguido a este respeito.
Alegam então os arguidos que não há norma legal que confira aos sindicatos legitimidade para se constituírem assistente por crimes previstos no Código do Trabalho, pelo que, para o poderem fazer em sede de processo penal, têm que poder ser qualificados como ofendidos. Referem ainda que o direito á greve é um direito individual dos trabalhadores, sendo estes os ofendidos para os efeitos do disposto no art.º 68º, do CPP.
Em sede de debate instrutório pronunciou-se o Sr. Procurador no sentido do indeferimento da pretensão dos arguidos, pelas razões consignadas na respectiva acta, sendo que no mesmo acto e louvando-se nas razões aduzidas no AC da RC, datado 26/2/2014, aderiu o Mandatário da assistente, àquela posição.
Cumpre decidir:
Além das pessoas a quem leis especiais confiram tal direito, podem constituir-se assistentes os ofendidos, considerando-se como tais os titulares dos interesses que a lei quis especialmente proteger com a incriminação, as pessoas de cuja queixa ou acusação particular depender o procedimento e as elencadas nas demais alíneas do art.º 68º, do CPP.
É sabido e pacífico que só ao titular do interesse jurídico tutelado pela norma penal é reconhecida capacidade e legitimidade para intervir no processo penal como assistente.
As associações sindicais podem exercer o direito de ação no que respeita aos interesses coletivos que representam bem como à violação de direitos individuais mas com caráter de generalidade, ou seja, que respeitem à maioria dos trabalhadores seus associados - artigo 5º, n.ºs 1 e 2, c), do C.P.T. Como se refere no AC da RP, datado de 14/10/2013, N.º Conv.31013669/12.3TTBRG.P1, in, www.dgsi.pt, “etimologicamente, a palavra sindicato tem as raízes no latim "sindicus", que por sua vez deriva do grego "syndicos" (que significa aquele que defende a justiça). Actualmente, e dito de uma forma muito sintética, um sindicato é uma associação livre, estável e permanente de empregados ou de trabalhadores pertencentes a uma mesma profissão (ou profissões relacionadas) ou a um mesmo sector de actividade, que se unem para defesa dos respectivos interesses profissionais, individuais ou colectivos, nomeadamente ao nível das condições de trabalho e condições salariais. (…) no que tange à legitimidade processual dos sindicatos para a representação dos interesses, quer colectivos quer individuais dos trabalhadores que representam, a jurisprudência é maioritária no sentido de defender tal legitimidade por parte do sindicato.”
Por ter interesse relativamente ao que aqui se discute e do mesmo Acórdão, “Assim, podemos ler no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24-02- 1999, disponível in BMJ, 484.º-237, o seguinte “o interesse colectivo não elimina nem ofusca os interesses de cada um dos interessados, conferindo-lhes, antes, uma maior força que, pela sua importância, justifica a respectiva tutela.” (sublinhado e negritos serão sempre da nossa autoria). É referido, também, no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 08-09-2010, disponível em www.dgsi.pt, o seguinte: “Os sindicatos, para além da legitimidade para defender os interesses próprios de que sejam titulares, como qualquer outra pessoa colectiva, têm legitimidade para a defesa dos direitos e interesses colectivos e para a defesa dos direitos e interesses individuais dos trabalhadores que representam.” Também é este o entendimento maioritário no Tribunal Central Administrativo Sul, o qual refere no seu Acórdão de 19-05-2005, disponível em www.dgsi.pt, que “A legitimidade dos sindicatos para defesa colectiva de todos os direitos e interesses individuais legalmente protegidos dos trabalhadores que representam, em matéria sócio-profissional, é independente de, no caso concreto, estar ou não em causa o interesse de todos os seus associados.” Também o Tribunal Central Administrativo Sul refere, no seu Acórdão de 22-04-2010, disponível em www.dgsi.pt, o seguinte: “(…) decorre directamente do citado nº 1 do art° 56° da CRP que reconhece às associações sindicais a competência para defenderem os direitos e interesses dos trabalhadores que representem, sem restringir tal competência à defesa dos interesses colectivos desses trabalhadores, antes supondo que ela se exerça igualmente para defesa dos seus interesses individuais.” Ainda neste Tribunal, citamos o Acórdão de 09-03-2006, proferido à luz da legislação então em vigor, disponível em www.dgsi.pt, que diz o seguinte: “A disposição do nº3 do artº 4 do DL 84/99, de 19.3, ao reconhecer às associações sindicais legitimidade «para a defesa colectiva dos direitos e interesses individuais legalmente protegidos dos trabalhadores que representem», consagra a legitimidade processual activa dessas mesmas associações para a defesa dos direitos e interesses individuais de um só trabalhador.” Para não sermos demasiados exaustivos com citações, indicam-se, a título de exemplo, outros Acórdãos que sufragam a posição defendida pelo Recorrente, a saber: Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte de 18-10-2007; de 28-03-2007; de 10-05-2007; de 17-05-2007; de 28-06-2007; de 26-07-2007 e de 26-11-2009; Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 22-10-2003; de 25-04-2004; de 21-09-2004; de 06-10-2005 e de 16-12-2010, todos disponíveis em www.dgsi.pt.”
Considerando o referido na lei a propósito de quem deve ser considerado ofendido, para efeitos de constituição de assistente, e vista a jurisprudência a este respeito, dúvidas não temos em considerar como válido o despacho de fls. 61, que aliás, nunca até então foi sindicado.
Com efeito, os sindicatos são estruturas colectivas de representação de trabalhadores, que estes podem constutir/aderir, para prossecução e defesa dos seus interesses e direitos, estando a sua competência balizada e definida no art,º 56º, da CRP. Ora o direito à greve, o seu exercício, a comunicação da aderência, será, por excelência, um dos direitos que poderá ser exercido sindicalmente e nada mais representa do que a união dos direitos individuais numa génese comum que fortalece e agiliza aquele direito. Um sindicato não pode assim deixar de ser considerado como titular do interesse que a lei quis especialmente proteger com a incriminação.
A considerarmos o referido nos artigos 530º, 531º, 535º e 543º, do CT, reflicta-se no AC da RC referido pelo assistente (Nº conv. 729/11.8TACBR-A.C1, in www.dgsi.pt,), onde se diz, “essencial daqueles normativos do Código de Trabalho acima referidos ressalta que (1) a competência para declarar a greve é fundamentalmente atribuída às associações sindicais, (2) os trabalhadores em greve são representados pela associação ou associações sindicais que decidiram o recurso à greve, que podem delegar os seus poderes de representação e (3) o empregador não pode, durante a greve, substituir os grevistas por pessoas que, à data do aviso prévio, não trabalhavam no respectivo estabelecimento ou serviço nem pode, desde essa data, admitir trabalhadores para aquele fim. Claramente se vê que o bem jurídico protegido naquelas normas é a autonomia e independência sindical, assim se assegurando o exercício do direito de representação que cabe às estruturas de trabalhadores, e por isso a legitimidade dos sindicatos se estende, quer à defesa dos interesses colectivos que representam, quer à defesa colectiva dos interesses individuais dos trabalhadores – Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol I, 4.ª edição revista, Coimbra, 2007, p. 742.
A mesma filosofia emerge, de resto, do dispositivo do art. 5.º do Código de Processo do Trabalho (…).Portanto, a legitimidade para a constituição como assistente do ora recorrente advém da própria lei geral, substantiva e processual, pelo que o recurso é procedente no mesmo sentido, em caso semelhante, o Ac RL, n.º 774/09.3TDLSB.L1-3, de 7-7-2010).”
Certos de toda a polémica que envolve a discussão de qual é o bem jurídico protegido pela norma em causa, concordamos com as razões elencadas nos Acórdãos citados, pelo que se indefere a pretensão dos arguidos, mantendo-se o despacho sindicado.
*
Inconformada com o arquivamento veio o assistente requerer a abertura de instrução, alegando em síntese que os factos descritos no inquérito integram a pratica do crime de violação do direito à greve.
Arrolou prova que foi produzida.
Procedeu-se a Debate Instrutório com a observância do legal formalismo.-

Cumpre decidir:
Os presentes autos iniciaram-se com a apresentação da queixa crime formulada pelo Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Hotelaria, Turismo, Restaurante e Similares do Norte, contra “B…, Ld.ª”, por entender que os factos denunciados constituem um crime de violação do direito á greve, p. e p. pelos artigos 596º, 1, 607º e 613º, do CT e actualmente p. e p. pelos artigos 535º, 1, 543º e 546 do CT, aprovado pela Lei 7/2009, de 12/02.
Porque tal foi solicitado, foi junto aos autos a fls. 28 e sgs., relatório elaborado pela Autoridade para as Condições de Trabalho. Desse relatório consta que a empresa arguida recorre frequentemente a empresas de trabalho temporário, para fazer face a acréscimos ocasionais/sazonais de trabalho, ou substituição de trabalhadores em férias ou de baixa.
Está regulado que os pedidos de trabalhadores nessas circunstâncias podem ser alterados no final de cada semana, por imprevistos de última hora.
Ali se refere igualmente que tal situação ocorreu no mês de Junho em que tinha sido decretada a greve, de acordo com pedidos e calendarizações agendadas anteriormente, sendo que algumas das contratações ocorreram antes do pré-aviso de greve (7/6/2013).
Desse relatório extrai-se que os trabalhadores que “substituíram” os trabalhadores grevistas, colmataram situações de baixa médica e férias, sendo que trabalharam mais dias, para além/aquém do dia greve (sendo que tal conclusão resulta igualmente dos documentos juntos aos autos a fls. 119 e sgs.).
Estas conclusões alicerçam-se na análise dos contratos de trabalho dos trabalhadores em causa.
As testemunhas ligadas ao Sindicato, ouvidas em sede de instrução, referiram que não conhecem os contratos concretos dos trabalhadores em causa.
De referir que não se fez prova em instrução sobre qual dos arguidos em concreto praticou os factos referidos no RAI, nomeadamente quem contratou as substituições e com que intenção (colmatar défices de trabalho anteriormente agendados e previsíveis, ou neutralizar a greve). Foi inclusivamente referido que o arguido C… apenas recebia horários, previamente decididos pela arguida D… (testemunha F…, que também referiu que a arguida E… não tinha autorização para decidir e que até estava de férias, facto comprovado documentalmente).
Foi referido igualmente por testemunhas que “provavelmente” a empresa teria conhecimento antecipado de quem iria fazer greve, o que não significa a demonstração, mesmo indiciária, desse facto.
A lei define no art. 283°, n° 2, do CPP, o que se considera indícios suficientes, ou seja, o conjunto de elementos dos quais resulte a probabilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança.
A prova indiciária não conduz a um julgamento de certezas. A prova indiciária contém, apenas, um conjunto de factos conhecidos que permitirão partir para a descoberta de outro ou outros, que deixarão de se mover no campo das probabilidades para entrarem no domínio das certezas. Contudo, o indício é (em si) um facto certo do qual, por interferência lógica baseada em regras da experiência, consolidadas e fiáveis, se chega à demonstração do facto incerto, a provar segundo o esquema do chamado silogismo judiciário.
Por indiciação suficiente, entende-se a possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, em razão dos meios de prova existentes, uma pena ou medida de segurança. A prova é a certeza dos factos, tendo sempre de ser plena, conduzir à convicção e não à simples admissão de maior probabilidade. Provado e provável são realidades diametralmente opostas e inconciliáveis, em termos de convicção, tanto como são contrários os conceitos certeza e dúvida.
(...) A prova indiciária (indiciação suficiente) permite a sujeição a julgamento, mas não constitui prova, no significado rigoroso do conceito, pois aquilo que está provado já não carece de prova e a acusação e a pronúncia tornam apenas legítima a discussão da causa. Tão-pouco determina uma presunção legal, pois que a prova que pode servir de fundamento à decisão judicial é somente a que tiver sido produzida ou examinada na discussão da causa (art. 355°), em audiência, e não a que, para fins intermédios do processo, consta do inquérito ou da instrução.
A natureza indiciária da prova significa que não se exige prova plena, mas apenas a probabilidade, fundada em elementos de prova que, conjugados, convençam da possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada uma pena ou medida de segurança criminal. (vide Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal, pág. 99 e 100).
Conforme dispõe o art. 286°, n° 1, do CPP, "A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento."
“'Comprovar significa confirmar, reconhecer como bom, concorrer a provas para demonstrar. A instrução visa precisamente obter o reconhecimento jurisdicional da legalidade ou ilegalidade processual da acusação, a confirmar ou não a acusação deduzida, sendo que o juiz tem o poder-dever de a esclarecer, investigando-a autonomamente" (vide Prof. Germano Marques da Silva, in ob. Cit., Vol. lll, 2000, pág. 149).
Como já se referiu, para a pronúncia, como para a acusação, a lei não exige, a prova no sentido de certeza moral da existência do crime, basta-se com a existência de indícios, de sinais de ocorrência de um crime, donde se possa formar a convicção de que existe uma possibilidade razoável de que foi cometido o crime pelo arguido.
Contudo, essa possibilidade é uma probabilidade mais positiva do que negativa, sendo que o juiz só deve pronunciar o arguido quando pelos elementos de prova recolhidos nos autos forme a convicção no sentido de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime do que o não tenha cometido. Com efeito, a lei consagra no art. 308°, n° 1, do CPP, que "Se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso, contrário profere despacho de não pronúncia".
Do referido preceito, conjugado com a noção de suficientes indícios, dada pelo art. 283°, n° 2, do CPP, resulta pois, que a lei só admite a submissão a julgamento desde que da prova dos autos resulte uma probabilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força dela, uma pena ou uma medida de segurança, não impondo, porém, a mesma exigência de verdade requerida pelo julgamento final.
A lei não se basta, porém, com um mero juízo subjectivo, mas antes exige um juízo objectivo fundamentado nas provas dos autos. Da apreciação crítica das provas recolhidas no inquérito e na instrução há-de resultar a convicção da forte probabilidade ou possibilidade razoável de que o arguido seja responsável pelos factos constantes da acusação (vide Prof. Germano Marques da Silva, in loc. cit., pág. 179).

Compulsados os autos e analisada a prova neles produzida, entendemos que deve ser mantido o despacho de arquivamento que se encontra devidamente fundamentado.
Com efeito, analisada a prova produzida nesta fase processual, verifica-se que a mesma é manifestamente insuficiente para legitimar uma decisão de pronúncia, tendo carecido de demonstração os factos elencados no RAI, atenta a inconsistência e falta de precisão de alguns dos depoimentos das testemunhas ouvidas em instrução, nomeadamente, no que concerne á especifica actuação de cada um dos arguidos nos factos participados e dolo inerente, sendo que quanto à arguida E… a sua não implicação nos factos foi reforçada com a prova testemunhal oferecida pelo assistente, estando demonstrado que estava de férias no dia da greve. Decorre assim da prova testemunhal e principalmente da prova documental constante dos autos, a fls. 119 e sgs., que o que se passou a nível de substituição de trabalhadores teve a ver não com a greve, mas com a volatibilidade própria de um hotel, estando amplamente demonstrado que noutras situações era frequente o recurso a empresas de trabalho temporário e que, quanto ás substituições no dia da greve, estas ocorreram por tal fenómeno (faltas, férias e situações de baixa), estendendo-se para além ou aquém daquele dia, sendo que o que se passou foi um ajuste de necessidades laborais ao afluxo de clientela, sendo assim de prever a ulterior absolvição dos arguidos.

Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de aos arguidos vier a ser aplicada por força deles e em julgamento uma pena ou medida de segurança - artº. 283º, nº 2 do C. P. Penal.-
Constituem indícios suficientes para a pronúncia aqueles elementos que relacionados e conjugados persuadem da culpabilidade do agente fazendo nascer a convicção de que virá a ser condenado - neste sentido Acórdão do S.T.J. de 1/3/61 B.M.J. 65-439.-
Sempre se dirá também que em homenagem ao principio "in dubio pro reo" aplicável nesta fase processual aos arguidos, uma vez que os indícios não ultrapassam o limiar de suficiência, não devem ser pronunciados.

Assim, e pelas razões enunciadas, concordando-se inteiramente com o douto despacho de arquivamento já referido, cujos termos aqui dou como reproduzidos, determino o oportuno arquivamento dos autos.-
Notifique e oportunamente arquive.

(…)
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Inconformado, o Assistente SINDICATO DOS TRABALHADORES DA INDÚSTRIA DE HOTELARIA, TURISMO, RESTAURANTES E SIMILARES DO NORTE interpôs recurso no qual retira da respectiva motivação as seguintes conclusões:

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Consequentemente, o despacho recorrido não pode manter-se devendo Vexas. Venerandos Juízes desta Relação em, concedendo provimento ao recurso, revogar o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que pronuncie os arguidos pela prática de um crime de “Proibição de substituição de grevistas” p.º e p.º pelos artigos 535.º e 543.º do Código do Trabalho ou se assim se não entender, anular o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro, onde sejam inseridos os factos indiciários que permitam concluir pela pronúncia ou não pronúncia dos arguidos.
(…)
O Magistrado do Ministério Público respondeu, pugnando pela improcedência do recurso.
Também os arguidos apresentaram resposta na qual pugnam pela improcedência do recurso suscitando previamente a questão da “ilegitimidade do recorrente para se constituir assistente”.
Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto acompanhando a resposta do Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
Cumprido que foi o disposto no artº 417º nº2 do CPP não foi apresentada resposta.
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Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.

Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.
No caso vertente e vistas as conclusões do recurso, há que decidir as seguintes questões:
.Se o despacho de não pronúncia não elencou os factos indiciados e não indiciados e por isso sofre da irregularidade do artº 123º nº2 do CPP ou da nulidade do artº 283º nº3 alínea b) do CPP por referência ao artº 308º nº2 do CPP.
.Se o despacho recorrido é nulo por omitir a fundamentação e ter violado o disposto nos artº 374º nº2 e 379º nº1 al.a) do CPP.
.Se o despacho recorrido violou os artsº 205º, 204º,13º, 27º, 28, 29º e 30º da Constituição da Republica.
.Se existem indícios suficientes da prática pelos arguidos do crime de “Proibição de Grevistas” p.p. pelos artigos 535º e 543º do Código do Trabalho, pelo qual os arguidos devem ser pronunciados, tendo o despacho recorrido violado os arts 307º e 308º do CPP.
.A estas acresce a questão suscitada pelos arguidos na sua resposta relativa à ilegitimidade do recorrente Sindicato para se constituir assistente.
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II - FUNDAMENTAÇÃO:
Começando pela questão suscitada pelos arguidos na sua resposta relativa à legitimidade do recorrente para se constituir assistente.
O recorrente Sindicato foi admitido a intervir nos autos como assistente a fls.61.
Posteriormente foram nomeados defensores aos arguidos por despacho de fls. 73 e declarada aberta a instrução.
Tendo os arguidos constituído mandatários a fls. 85, em 19 de Dezembro de 2013, e realizadas as diligências de instrução requeridas, junto o substabelecimento de fls.202, vieram os arguidos requerer que se declarasse a inadmissibilidade legal da instrução, nos termos do artº 287º nº3 do CPP por não ter o requerente Sindicato a legitimidade para se constituir assistente.
Realizado o debate instrutório a Exmª Srª Juiz de Instrução, apreciou tal questão prévia, indeferindo a pretensão dos arguidos e manteve o despacho de Admissão de Assistente.
A primeira questão que se coloca é a questão de saber se o despacho que admitiu a constituição de assistente já se encontra transitado.
O despacho de fls. 61, admitiu a constituição do sindicato requerente da instrução como assistente de forma genérica e tabelar,(1) sendo que à data da prolação do mesmo os arguidos ainda não se encontravam representados por defensores ou mandatários.
Sobre o despacho que admitiu a constituição de assistente, tem vindo a jurisprudência a pronunciar-se no sentido de tal despacho não faz caso julgado formal sobre a legitimidade do mesmo[1] quando o mesmo é proferido numa fase inicial do processo.
E a favor de tal posição, com a qual concordamos, invoca-se o facto de na fase inicial do processo se exigir apenas um juízo perfunctório de verosimilhança de que, perante os factos denunciados, o denunciante é ofendido no crime que admite a sua constituição como assistente. Como tal se em momento posterior, como acontece após dedução da acusação ou do requerimento de abertura de instrução e perante a qualificação jurídica então efectuada pelo tribunal se concluir que a pessoa admitida nos autos como assistente não é ofendida pelo crime em causa nos autos, nada impede que o tribunal o possa declarar. Neste sentido se pronuncia também Paulo Pinto de Albuquerque escrevendo que “a decisão de admissão da constituição de assistente tomada antes da dedução de acusação ou do arquivamento só faz caso julgado rebus sic standibus.” [2]
No caso dos autos o despacho de admissão da constituição de assiste foi proferido após o despacho de arquivamento e o requerimento de abertura de instrução, não se verificando alteração alguma e em relação à qualificação jurídica do crime denunciado.
Porém não se encontravam os arguidos representados por defensor, apesar de já requerida contra os mesmos a instrução, e o despacho não lhes foi notificado, pelo que não pode o mesmo ter em relação aos mesmo efeito de caso julgado formal.
Por isso mesmo terá a Exmº Srª Juiz reapreciado a questão em sede de decisão instrutória, como questão prévia, indeferindo a pretensão dos arguidos.
Ora esta decisão é uma decisão autónoma relativamente à decisão instrutória e foi notificada aos arguidos que dela não recorreram.
Assim, e se no que concerne à decisão instrutória proferida que não pronunciou os arguidos pela prática do crime pelo qual o assistente os acusou, os arguidos não têm efectivamente interesse em agir, face ao disposto no artº 401º b) e 2 do CPP, já no que concerne à decisão que indeferiu a pretensão dos arguidos quanto à falta de legitimidade do sindicato para se constituir como assistente, e da inadmissibilidade legal da presente instrução, tinham os mesmos um pessoal e objectivo interesse em agir, que não podia ficar condicionado à possibilidade ou não de o assistente interpor recurso do despacho de não pronúncia.
Assim, e não tendo os arguidos interposto recurso daquela decisão que admitiu a constituição assistente a mesma encontra-se transitada, tendo efeito de caso julgado formal no processo, pelo que não pode este tribunal voltar a reapreciar tal questão.
Passemos então a apreciar as questões do recurso.
O recorrente alega que o despacho recorrido “não descreve nem especifica quais os factos do requerimento instrutório que considera suficientemente indiciados e os que não considera suficientemente indiciados”. E conclui ora pela irregularidade nos termos do artº 123º nº2 do CPP ora pela nulidade do despacho recorrido, nos termos do artº 283º nº3 al.b) do CPP.
Lido o despacho recorrido, que concluiu pela manutenção do arquivamento, e não pronunciou os arguidos, constatamos que constam do mesmo as razões porque não se consideraram indiciados os factos elencados no RAI, afirmando-se expressamente não terem ficado demonstrados os factos elencados no RAI, ao se escrever “tendo carecido de demonstração os factos elencados no RAI.”
A questão de saber que elementos objectivos deve conter o despacho de não pronúncia, e quais as consequências da sua omissão, tem merecido muitas e diferentes abordagens ao nível da jurisprudência, como bem dá conta a resposta apresentada pelo Magistrado do Ministério Público
Nos termos do artº 308º nº2 do CPP- e sem prejuízo do disposto na segunda parte do nº1 do artº 307 º do CPP (2) - e por força do disposto no artº 283º nº3 b) do CPP, o despacho de não pronuncia, deve conter a narração dos factos indiciados e não indiciados sob pena de nulidade, a qual porém é sanável(3). Este entendimento que temos vindo a perfilhar foi também seguido no acórdão desta Relação de 7/7/2010,(4) no qual se escreveu que no caso de um despacho de não pronúncia, “a falta de fundamentação se traduza numa nulidade que é sanável e dependente de arguição. E como tal, deveria ter sido arguida, em local e tempo próprio e não em recurso.”
Uma vez que o teor do voto de vencido proferido no processo 281/12.7TAVLG.P1 desta Relação pelo aqui juiz adjunto dá conta das diversas posições sobre a questão em apreciação e porque nessa parte o que agora escrevêssemos seria uma repetição, remetemos para o seu teor.(5)
A necessidade de indicação dos factos indiciados e não indiciados, é uma exigência decorrente do efeito do caso julgado que o despacho de não pronúncia enquanto decisão judicial passa a ter, com vista a evitar que alguém possa voltar a ser processado criminalmente pelos mesmos factos objecto de despacho de não pronúncia.
Reproduz-se por isso o que a este respeito se escreveu no voto de vencido já citado:
.A questão fundamental (como já se aflorou ao citar o Sr. Conselheiro Maia Costa) sobre a qual importa reflectir é a da natureza do despacho de não pronúncia. Concretamente, o punctum crucis está em saber se o despacho de não pronúncia tem efeitos de caso julgado formal apenas, ou se, transitado em julgado, faz caso julgado material.
Relembremos estas noções:
Uma decisão (despacho ou sentença) transita em julgado, formando caso julgado, quando, por não ser já susceptível de alteração ou revogação mediante reclamação ou recurso ordinário (já porque não foi impugnada, já porque, tendo-o sido, se esgotaram os meios de impugnação), se tornou definitiva, esgotando-se, então, o poder jurisdicional.
Tratando-se de uma decisão de mérito, ou seja, incidindo sobre a relação material controvertida, a decisão tem força vinculativa, não só dentro do processo em que foi proferida, mas também fora dele, impondo-se aos demais tribunais e a quaisquer outras entidades, públicas ou particulares.
Diz-se, então, que a decisão produz o efeito de caso julgado material (também designado como caso julgado res judicata), o mesmo é dizer que “a conformação das situações jurídicas substantivas por ela reconhecidas como constituídas impõe-se, com referência à data da sentença, nos planos substantivo e processual” (“Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2.º, Coimbra Editora, 2001, p. 678, de José Lebre de Freitas e outros).
Se a decisão incide sobre a relação jurídico-processual (p. ex., se julga verificado um pressuposto processual ou se rejeita um meio de prova), só vale intraprocessualmente, ou seja, é vinculativa, apenas, no próprio processo em que foi proferida e para as partes e por isso a mesma matéria pode ser diversamente apreciada noutro processo ou por outro tribunal.
Temos, então, o caso julgado formal, que constitui um efeito de vinculação intraprocessual e de preclusão. Efeito este que significa que toda e qualquer decisão (incontestável ou tornada incontestável) tomada por um juiz, implica necessariamente tanto um efeito negativo, de precludir uma «reapreciação», como um efeito positivo, de vincular o juiz a que, no futuro (isto é, no decurso do processo), se conforme com a decisão anteriormente tomada.
Volvendo ao caso concreto, a entender-se que o despacho de não pronúncia tem força vinculativa de caso julgado material, então isso implica, necessariamente, a definição de um objecto (de um “tema”) de não pronúncia, que não possa ser renovado. Ou seja, o despacho de não pronúncia tem de especificar, pelo menos, os factos considerados não suficientemente indiciados.
Como se sublinha no acórdão da Relação de Guimarães de 13.01.2003 (Des. Heitor Gonçalves), disponível em www.dgsi.pt, a importância da fixação da temática factual é fundamental “para a determinação dos efeitos do caso julgado da decisão final de não pronúncia, quando esta assenta na não verificação dos pressupostos materiais de punibilidade do arguido” (também assim, acórdão desta Relação de 16.12.2009, Des. Francisco Marcolino, disponível no mesmo sítio).
Ora, sobre esta questão, também a doutrina e a jurisprudência se dividem.
Para o Prof. Germano Marques da Silva (“Curso de Processo Penal”, vol. III, 2.ª edição, Verbo, 182 e segs.), o despacho de não pronúncia é uma decisão meramente adjectiva, que tem, apenas, efeitos de caso julgado formal e por isso não impede a reabertura do inquérito (na jurisprudência, perfilhando este entendimento, cfr. os acórdãos do STJ, de 18.01.2006, Proc. n.º 3613/05.3.ª, e desta Relação de 14.02.2007, Proc. n.º 0646485, e de 16.01.2002).
Porém, é outro o entendimento que tem prevalecido.
Paulo Pinto de Albuquerque (“Comentário do Código de Processo Penal”, 2.ª edição actualizada, UCE, pág. 779), considera fundamental a narração dos factos não suficientemente indiciados porque é sobre esses factos que incide o efeito de caso julgado, razão por que “a delimitação objectiva e subjectiva rigorosa dos factos no despacho de não pronúncia constitui (…) a garantia última da segurança jurídica do arguido”.
O Sr. Conselheiro Maia Costa, em comentário ao artigo 308.º do CPP (Loc. Cit.), escreve que “o despacho de não pronúncia por insuficiência de indícios deverá fixar expressamente quais os factos considerados suficientemente indiciados. É que sobre tais factos forma-se caso julgado, em termos de ser inadmissível a reabertura do processo face à eventual descoberta de novos factos ou meios de prova, ao contrário do que acontece com o inquérito arquivado, que pode ser reaberto se forem descobertos factos novos (art. 279.º, n.º 1)”.
Vão no mesmo sentido as posições doutrinárias de Frederico Lacerda da Costa Pinto, “Direito Processual Penal”, edição AAFDL, 1998, pag. 164, e de J.M Damião da Cunha, “Ne bis in idem e exercício da acção penal”, in “Que futuro para o processo penal?”, p. 557) e, na jurisprudência, além dos citados arestos desta Relação e da Relação de Guimarães, alinha pela mesma tese o acórdão da Relação de Coimbra, de 29.10.2003 (CJ XXVIII, T. 4, 51).
Tenho para mim que o juiz de instrução que, pronunciando-se sobre o objecto do processo, decide que não se indiciam suficientemente os factos em que assenta a imputação do crime ou crimes que estiverem em causa e por isso determina o arquivamento do processo (a não pronúncia), não seguindo o processo para julgamento, profere uma decisão de mérito, que tem por isso força vinculativa, não só dentro do processo em que foi proferida, mas também fora dele, constituindo caso julgado res judicata e só mediante recurso de revisão poderá ser reaberta a discussão sobre tais factos.
Daí que não nos fiquem quaisquer dúvidas de que o despacho de não pronúncia tem de especificar os factos em relação aos quais existe prova indiciária suficiente e aqueles em relação aos quais não existem indícios suficientes.”
Revertendo ao caso dos autos, e ainda que, de modo a não cair em excesso de formalismos, se aceite como bom o entendimento expresso no ac. de 3/6/2013 do Tribunal da Relação de Guimarães, de não exigência de um formalismo rígido, na especificação dos factos indiciados e não indiciados, e acrescentamos nós admitindo-se face ao disposto no artº 307º nº1do CPP que tal especificação possa ser feita por remissão para o requerimento de abertura de instrução, tal remissão terá de ser feita de forma especificada de modo a permitir esclarecer quais os precisos factos que se encontram ou não indiciados, a não ser que expressamente se especifique que nenhum dos factos constantes do requerimento de instrução se encontra indiciado.
Assim e com o devido respeito por posição contrária, afigura-se que no caso dos autos, em que os factos imputados abrangem um a situação complexa relativa a factos cuja ocorrência em parte resulta de prova documental a forma vaga e genérica como o despacho recorrido refere “tendo carecido de demonstração os factos elencados no RAI.” não cumpre minimamente aquele desiderato.
Porém, e como supra já deixámos expresso, entendemos que essa omissão integra uma omissão sanável e dependente de arguição, e não de uma irregularidade como também parece entender em alternativa o recorrente.
Cientes mais, uma vez das divergências existente nesta matéria, e porque nada temos a acrescentar em termos de mais valia aquilo que foi escrito no referido voto de vencido aposto no acórdão de 10/12/2014 desta Relação, passamos a reproduzir o que aí se escreveu:
Também quanto a este ponto, podemos constatar profundas divergências, mas cremos ser possível afirmar a existência de uma posição dominante que considera que tal omissão fere de nulidade a decisão de não pronúncia e uma tese (minoritária) que propende para a consideração de que a falta de especificação dos factos indiciados e não indiciados constitui uma irregularidade.
Contudo, de entre os que defendem que a decisão é nula, há quem entenda que é uma nulidade insanável, de conhecimento oficioso, tese que tem tido acolhimento, sobretudo, na Relação de Évora (acórdãos de 20.12.2012, 26.02.2013 e de 17.06.2014), mas também já foi perfilhada na Relação do Porto (acórdão de 17.02.2010), na Relação de Lisboa (acórdão de 07.05.2013) e na Relação de Coimbra (acórdão de 13.11.2013) e quem a considere uma nulidade sanável e, portanto, dependente de arguição (acórdãos da Relação do Porto de 17.02.2010, 27.02.2013 e de 07.07.2010, da Relação de Évora de 10.12.2009, 19.11.2013 e 22.04.2014 e da Relação de Lisboa, de 10.07.2007).
É, também, como nulidade sanável que a qualifica Paulo Pinto de Albuquerque (Op. Cit., anotação 3 ao artigo 309.º, p. 780).
Também os defensores da tese da irregularidade se dividem entre os que consideram que a insuficiência de fundamentação da decisão de não pronúncia constitui uma irregularidade sujeita ao regime geral do art. 123.º, só podendo ser conhecida mediante atempada arguição (assim, os já citados acórdãos da Relação do Porto, de 29.05.2013 e da Relação de Coimbra, de 03.07.2013) e os que afirmam ser uma irregularidade que influi no conhecimento da causa e por isso advogam o seu conhecimento oficioso, nos termos do artigo 123.º, n.º 2, do CPP, entendimento que vem sendo seguido na Relação de Guimarães, (acórdãos de 09.07.2009, 06.12.2010, 18.06.2007 e de 12.02.2007), mas também já foi adoptado no acórdão da Relação do Porto de 16.12.2009. (…) As exigências do cumprimento do dever de fundamentação e as consequências da falta ou insuficiência da fundamentação não são as mesmas para todos os actos decisórios: existe um regime geral (definido nos artigos 97.º e 118.º a 123.º do Cód. Proc. Penal) e regimes específicos para as sentenças (artigos 374.º e 379.º) e para os despachos que aplicam medidas de coacção (artigo 194.º do mesmo compêndio normativo).
Como é bem sabido, o regime geral das nulidades em processo penal está, basicamente, previsto nos artigos 118.º a 122.º do Cód. Proc. Penal e é dominado pelo princípio da legalidade ou tipicidade das nulidades: só se consideram nulos os actos que, sendo praticados com violação ou inobservância da lei, esta expressamente comine essa consequência (artigo 118.º, n.º 1).
Fora desses casos, se for cometida alguma ilegalidade susceptível de afectar o valor do acto praticado, estaremos perante uma irregularidade (n.º 2 do citado artigo 118.º).
Nos termos do n.º 3 do art.º 283.º do Cód. Proc. Penal, a acusação tem de conter, “sob pena de nulidade”, além do mais, “a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança”. E, como já foi abundantemente referido, tal disposição normativa é aplicável, por força da remissão feita no n.º 2 do artigo 308.º, ao despacho de não pronúncia, o qual deve especificar os factos considerados suficientemente indiciados e os não indiciados.
Sempre que a lei comine a nulidade de um acto sem que, expressamente, a qualifique como insanável, terá de ser havida como nulidade relativa (princípio da subsidiariedade da nulidade sanável).
O entendimento que, sobre este ponto, considero ser o correcto e por isso o perfilho, é o expresso no seguinte trecho do acórdão desta Relação de 07.07.2010 (Des. Jorge Gonçalves):
“Ainda assim, admitimos que, quando referida a uma acusação ou ao despacho de pronúncia, tal nulidade – por omissão dos factos imputados ao arguido, pelos quais deverá responder em julgamento - seja considerada insanável, tendo em vista a lógica do sistema.
Realmente, se a falta de narração dos factos na acusação pode ser conhecida oficiosamente, levando à rejeição desta como manifestamente infundada [artigo 311.º, n.º3, alínea b)], não faria sentido que a falta de factos no despacho de pronúncia não pudesse ser objecto do mesmo tipo de conhecimento em sede de recurso.
Por outras palavras: os casos referidos no n.º 3 do artigo 311.º que se contêm nas previsões das alíneas do n.º 3 do artigo 283.º reconduzem-se a uma forma de nulidade “sui generis”, insanável e de conhecimento oficioso.
Os demais casos do n.º3 do artigo 283.º, não subsumíveis à previsão da acusação manifestamente infundada, reconduzem-se ao regime geral das nulidades sanáveis e dependentes de arguição.
Daí que, tratando-se, no caso, não de um despacho de pronúncia, mas antes de um despacho de não pronúncia, a falta de fundamentação (e omissão de pronúncia) se traduza numa nulidade que é sanável e dependente de arguição”.
Não tendo sido arguida a nulidade do despacho de não pronúncia, quer perante o tribunal que praticou o acto, quer por via de recurso, tal nulidade tem de considerar-se sanada.
Improcede pois a arguição de irregularidade e nulidade feita pelo recorrente.
Sendo que improcede também a alegação do recorrente de pretender equiparar a natureza despacho de instrução à sentença e por via disso ser-lhe aplicável o disposto no artº 374º e 379º, nº1, al.a) e nº2 do CPP.
Como já referido em matéria de nulidades vigora o princípio da tipicidade legal, nos termos do artº 118º do CPP e artº 119º e 120º do CPP, pelo que não estando prevista tal nulidade em relação aos despachos, isto é, não havendo norma que genericamente determine a nulidade por falta de fundamentação em relação a outras decisões, para além das sentenças, como decorre do artº 379º do CPP, tal omissão apenas gera uma irregularidade nos termos do artº 123º do CPP, sujeita ao regime de arguição aí previsto, sem prejuízo do que supra se deixou escrito em relação à nulidade decorrente da falta de especificação dos factos indiciados e não indiciados.
Ou seja, nunca estaríamos perante a existência de nulidade, mas sim de uma irregularidade que a verificar-se devia ter sido arguida no prazo de 3 dias após a notificação do despacho recorrido e perante o tribunal que proferiu a decisão, pelo que sempre a arguição agora efectuada seria extemporânea, por já estar sanada pelo decurso do tempo.
Conclui-se pois que não foi arguida tempestivamente nulidade ou irregularidade perante o tribunal recorrido, pelo que as mesmas se encontram sanadas.
E como tal não tem razão de ser a invocação da violação do artº 205º da CRP bem como dos arts 13º, 27º, 28º, 29º e 32º da CRC que o recorrente se limita a invocar sem em momento algum concretizar que dimensão normativa os mesmos foram violados

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III – DISPOSITIVO:
Nos termos apontados, acordam os juízes desta Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo recorrente SINDICATO DOS TRABALHADORES DA INDÚSTRIA DE HOTELARIA, TURISMO, RESTAURANTES E SIMILARES DO NORTE
Sem tributação artº 4º f) do RCP

Porto, 21/1/2015
Lígia Figueiredo
Neto de Moura
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(1) “Por ter/em legitimidade, estar em tempo, regularizada que está a situação relativa à taxa de justiça ou apoio judiciário e assegurada que está a devida representação, admito a a/s requerida/s constituição/ções de assistente –artºs 68º a 70º, do CPP.”
(2) Dispositivo que expressamente admite a possibilidade de fundamentação por remissão para s razões de facto e de direito enunciadas na acusação ou no requerimento de abertura de instrução.
(3) Germano Marques da Silva ob.cit pág. 184.
(4) Ac. de 7/7/2010 da relação do Porto proferido no proc. 102/08.5PUPRT.P1 de que foi relator Jorge Gonçalves, entendimento também seguido no acórdão desta Relação de 27/4/2011 proferido no pro. 10351/08.0TDPRT.P1 de foi relatora Deolinda Dionísio.
(5) Acórdão de 10/12/2014 proferido no Processo 281/12.7TAVLG.P1 em que é relatora Luísa Arantes, in DGSI.