Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
988/09.6TMPRT-A.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDO SAMÕES
Descritores: FGADM
PRESTAÇÃO ALIMENTAR FIXADA PELO TRIBUNAL
REAPRECIAÇÃO ANUAL
IMPOSSIBILIDADE DE ALTERAÇÃO DA PRESTAÇÃO
Nº do Documento: RP20160407988/09.6TMPRT-A.P2
Data do Acordão: 04/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 710, FLS.182-189)
Área Temática: .
Sumário: I - A prestação alimentar suportada pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, fixada oportunamente pelo tribunal em montante superior àquele que constituía a obrigação do progenitor faltoso, não pode ser alterada, na reapreciação anual dos pressupostos que estiveram na base da sua atribuição, com fundamento exclusivo no acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 5/2015.
II - A tal obsta a autoridade do caso julgado material da decisão que fixou a prestação, pois que a mera publicação daquele acórdão não constitui circunstância superveniente susceptível de determinar a sua alteração.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 988/09.6TMPRT-A.P2

Do Tribunal da Comarca do Porto - Instância Central - 1ª Secção de Família e Menores - J3.
Relator: Fernando Samões
1.º Adjunto: Dr. Vieira e Cunha
2.º Adjunto: Dr.ª Maria Eiró
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto - 2.ª Secção:

I. Relatório

B… deduziu incidente de incumprimento da regulação das responsabilidades parentais contra C…, relativamente à pensão de alimentos a favor do seu filho menor, D…, no valor de 50 € mensais, fixada por decisão de 21/9/2009.
Em face do incumprimento do requerido e da falta de bens, foi ordenada, após promoção do Ministério Público, a intervenção do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores (doravante FGADM ou só Fundo) e fixada a prestação mensal de 100 €, por decisão de 27/6/2014.
Esta decisão foi objecto de recurso pelo FGADM, tendo esta Relação confirmado a mesma, por douto acórdão de 8/1/2015.
Após realização de diligências e mediante promoção do Ministério Público nesse sentido, em 4/12/2015, foi proferido o seguinte despacho:
“Mantendo-se inalterados os respetivos pressupostos, determino que a prestação substitutiva fixada continue a ser paga pelo F.G.A.D.M.
D.n., procedendo-se integralmente como doutamente promovido.”

O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., na qualidade de gestor do FGADM, recorreu desta última decisão e apresentou a respectiva alegação com as seguintes conclusões:
“1. Vem o presente recurso interposto do douto despacho a fls…, de 04-12-2015, proferido nos autos à margem indicados, na parte em que o Mmo. Juiz mantém a obrigação do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (FGADM), assegurar a prestação de alimentos, ao menor, D…, no montante mensal de € 100,00 (cem euros) em substituição do devedor incumpridor, isto é, em montante superior ao fixado ao progenitor incumpridor.
2. Decisão de 27-06-2014 condenou o FGADM a pagar a prestação alimentar substitutiva, referente ao menor em causa nos autos, no valor mensal de €100,00 (cem euros), decisão que foi confirmada por Acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto, datado de 08-01-2015.
3. Em 04-12-2015 foi proferido o despacho ora recorrido, que determinou que “… a prestação substitutiva fixada, continue a ser paga pelo FGADM.”
4. Ou seja, o despacho de 04-12-2015 mantém a prestação substitutiva a cargo do FGADM no valor mensal de €100,00 (cem euros).
5. O despacho ora recorrido é uma decisão final nova, proferida após apreciação de nova prova, reapreciação dos pressupostos/requisitos, cuja verificação cumulativa é condição necessária para atribuição/manutenção da prestação a suportar pelo FGADM, decisão mediante a qual o Exmo. Juiz determinou o direito aplicável à situação concerta, na data em causa.
6. Quando da prolação do despacho ora recorrido já havia sido publicado no Diário da República, 1.ª Série, n.º 85 de 04-05-2015 o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência (de 19-03-2015) n.º5/2015.
7. Nos termos do preceituado no art.º1.º da Lei n.º75/98, de 19 de Novembro e no art.º3.º do DL n.º 164/99 de 11 de Maio, para que o FGADM seja chamado a assegurar as prestações de alimentos atribuídas a menores residentes no território nacional é necessário que se verifiquem os pressupostos seguintes:
- que o progenitor esteja judicialmente obrigado a alimentos ;
- a impossibilidade de cobrança das prestações em divida nos termos do art.º 189.º da OTM (actual art.º 48.º do RGPTC);
- que o alimentado não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS), nem beneficie de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao valor do IAS;
8. A lei faz depender a obrigação do FGADM da verificação cumulativa dos requisitos previstos nos diplomas que o regulamentam.
9. O sentido e a razão de ser da lei é apenas o de assegurar que, através do FGADM, os menores possam receber os alimentos fixados judicialmente a seu favor, mas apenas estes e após esgotados os meios coercivos previstos no art.º 189.º da OTM (actual art.º 48.º do RGPTC);
10. A obrigação do FGADM sendo nova e autónoma, não deixa de revestir natureza subsidiária, substitutiva relativamente à obrigação familiar (a dos progenitores).
11. Verificados os pressupostos para a sua intervenção, o FGADM só assegura a prestação alimentícia do menor, em substituição do devedor incumpridor, enquanto este não iniciar ou reiniciar o cumprimento da sua obrigação.
12. Ao FGADM não cabe substituir definitivamente uma obrigação legal de alimentos devida ao menor.
13. A prestação paga pelo FGADM é uma prestação reembolsável, ficando o Fundo sub-rogado em todos os direitos do menor, a que sejam atribuídas prestações, tendo o direito de exigir do devedor de alimentos a totalidade das prestações pagas.
14. O valor da prestação de alimentos a suportar pelo FGADM não pode exceder o montante da prestação de alimentos fixada, e incumprida pelo obrigado originário.
15. Nos termos do preceituado no art.º 3.º n.º 3 do Dl 164/99 as prestações a pagar pelo FGADM são fixadas pelo tribunal, “devendo o tribunal atender, na fixação deste montante, à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação fixada e as necessidades específicas do menor”, resultando expressamente do referido normativo, que o tribunal terá de atender ao montante da prestação de alimentos fixada ao progenitor incumpridor.
16. No processo n.º 252/08.8tbsrp-b-a.el.sl-A, autos de recurso Uniformização de Jurisprudência (Cível), Acórdão do Pleno das Secções Cíveis do STJ, de 19/03/2015, uniformizou a jurisprudência no sentido que ora se propugna e nos termos seguintes: “Nos termos do disposto no artigo 2.º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, e no artigo 3.º n.º3 do DL n.º 164/99, de 13 de Maio, a prestação a suportar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores não pode ser fixada em montante superior ao da prestação de alimentos a que está vinculado o devedor originário.”
17. Conforme decorre da decisão inicial de 27-06-2014, nos autos principais foi fixada ao obrigado originário, a prestação de alimentos mensal, no montante de € 50,00 (cinquenta euros), em relação ao menor dos autos.
18. Assim e salvo o devido respeito, não tem qualquer suporte legal manter-se uma prestação alimentícia a cargo do FGADM no valor mensal de € 100,00 (cem euros), isto é, de montante superior à fixada ao progenitor incumpridor.
19. O legislador estabeleceu pressupostos e limites à protecção/garantia de alimentos aos menores, instituindo um Fundo que tem como objectivo assegurar que os menores possam receber os montantes que os obrigados judicialmente não prestaram, isto é, um Fundo que assegura montantes inferiores ou iguais (mas não superiores) aos que foram incumpridos pelo judicialmente obrigado.
20. Ainda que o Acórdão Uniformizador não seja estrita e rigorosamente vinculativo, antes representando jurisprudência qualificada, não deixa de merecer uma elevada ponderação, por parte dos tribunais hierarquicamente inferiores, por contribuir para a unidade da ordem jurídica.
21. Salvo o devido respeito, do despacho ora recorrido não resultam razões fortes ou outras especiais circunstâncias que porventura ainda não tivessem sido ponderadas, para que o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência (de 19-03-2015) n.º 5/2015 seja contrariado, sublinhando-se que o mesmo foi proferido recentemente e após larga querela sobre a questão.
22. O douto despacho, tendo sido proferido no âmbito da mesma legislação, e sobre a mesma questão fundamental de direito está em contradição com Jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça.
23. O despacho ora recorrido violou o disposto no art.º2.º n.º2 da Lei 75/98 de 19 de Novembro e art.º 3.º n.º 5 do DL n.º 164/99 de 13 de Maio.
Nestes termos e demais de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso, declarando-se na esteira do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º5/2015, que o montante da prestação de alimentos a cargo do FGADM está limitado pelo valor da prestação fixada judicialmente ao progenitor do menor, e, consequentemente, deve ser revogado o douto despacho recorrido na parte que determina, uma prestação substitutiva de alimentos a pagar pelo FGADM superior à fixada judicialmente ao obrigado a alimentos, tudo com as inerentes consequências legais.
No entanto, V. Exas. apreciando e decidindo farão a costumada JUSTIÇA”

A Digna Magistrada do Ministério Público contra-alegou sustentando a confirmação da decisão recorrida.

O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo, modo de subida e efeito que foram mantidos por este Tribunal.

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir o mérito do presente recurso.
Sabido que o seu objecto e âmbito estão delimitados pelas conclusões do recorrente, não podendo este Tribunal de 2.ª instância conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excepcionais que aqui não relevam, e tendo presente que se apreciam questões e não razões, a única questão a dirimir consiste em saber se, no momento da reapreciação anual, a prestação a cargo do FGADM, fixada em montante superior ao da prestação do progenitor incumpridor, deve ser reduzida a este valor.

II. Fundamentação

1. De facto

Os factos a considerar na decisão deste recurso são os resultantes do relatório acabado de elaborar mais os seguintes que resultam dos autos e que importa considerar provados, não obstante o despacho ser totalmente omisso[1]:
a) D… nasceu no dia 21 de Outubro de 2002;
b) E foi confiado à mãe, B…, no acordo celebrado com o pai, C…, nos autos principais de regulação do exercício das responsabilidades paternais, o qual foi homologado por sentença de 21/9/2009.
c) O agregado familiar da B… é constituído por si, pelo referido menor e outro filho e pelos seus pais, vivendo de uma prestação de rendimento social de inserção no valor de 185,04 €.
d) O acórdão do Tribunal da Relação, de 8/1/2015, que confirmou a decisão de 27/6/2014, que fixou a prestação mensal de 100 €, transitou em julgado.

2. De direito

A estes factos importa aplicar o direito, tendo em vista a resolução da supramencionada questão.
Tal resolução passa pela definição do âmbito da decisão de reapreciação anual da prestação, pois apenas nele reside a divergência de entendimento das partes. Enquanto o recorrente defende que a sua prestação não pode ser superior à do progenitor incumpridor, em conformidade com o acórdão uniformizador n.º 5/2015[2], limite que deve ser considerado por se tratar de uma decisão final nova, de natureza subsidiária, o Ministério Público sustenta que não está sujeita a esse limite, por a revisão se limitar à verificação da manutenção dos pressupostos, sob pena de violação dos direitos adquiridos pela criança por decisão transitada em julgado e de aplicação retroactiva daquele acórdão uniformizador.
Tudo se resume, afinal, a saber se tem aqui aplicação a doutrina do referido acórdão.
Como se sabe, este acórdão uniformizador pôs fim à querela doutrinária e jurisprudencial, nele retratada, com os argumentos ali bem definidos, que aqui nos dispensamos de reproduzir, para os quais remetemos, acabando por uniformizar a jurisprudência nos seguintes termos:
Nos termos do disposto no artigo 2.º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, e no artigo 3.º n.º 3 do DL n.º 164/99, de 13 de Maio, a prestação a suportar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores não pode ser fixada em montante superior ao da prestação de alimentos a que está vinculado o devedor originário”.
Também é sabido que os acórdãos uniformizadores de jurisprudência têm por finalidade regular o modo como deve passar a ser decidida uma determinada questão que, até aí, vinha sendo objecto de controvérsia jurisprudencial e que, pela sua natureza, constituem jurisprudência qualificada, da qual apenas é de dissentir quando se desenvolva um argumento novo e de grande valor, nele não ponderado, seja no seu texto, seja nos votos de vencido, susceptível de desequilibrar os termos da discussão jurídica contra a solução anteriormente perfilhada. Há-de, assim, tornar-se patente que “a evolução doutrinal e jurisprudencial alterou significativamente o peso relativo dos argumentos já utilizados, por forma a que, posteriormente, se chegaria a um resultado diverso ou desde que uma alteração da composição do STJ faça supor que se proferiria decisão contrária à anteriormente perfilhada, não podendo bastar a ideia ou a convicção de que a decisão tomada não “é a melhor” ou a “solução legal”[3].
Acontece que o aludido acórdão uniformizador decidiu a questão controversa da fixação da prestação social a suportar pelo FGADM no montante da sua atribuição e não da sua reapreciação anual.
Trata-se de dois momentos distintos, com objectos não coincidentes, que não podem nem devem ser confundidos, ainda que se reportem ambos à mesma obrigação do Fundo, nova e de natureza subsidiária, diferente da obrigação do devedor originário.
Enquanto no primeiro momento se cuida de apurar a verificação dos pressupostos e requisitos da atribuição da prestação de alimentos por parte do Fundo, no segundo já só tem de se verificar se ela é de manter, face à renovação anual da prova dos pressupostos que estiveram subjacentes à sua atribuição.
É o que, a nosso ver, resulta dos respectivos preceitos legais.
Com efeito, o art.º 1.º da Lei n.º 75/98, de 19/11, na redacção dada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, dispõe:
“1 - Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de outubro, e o alimentado não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efetivo cumprimento da obrigação.
2 - …”
E acrescenta o art.º 2.º da mesma Lei, na redacção dada pela citada Lei n.º 66-B/2012:
“1 - As prestações atribuídas nos termos da presente lei são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 1 IAS, independentemente do número de filhos menores.
2 - Para a determinação do montante referido no número anterior, o tribunal atenderá à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor.”
Por sua vez, o Decreto-Lei n.º 164/99, de 13/5, que veio regulamentar aquele primeiro diploma, depois de no n.º 2 do art.º 2.º estatuir que “Compete ao Fundo assegurar o pagamento das prestações de alimentos atribuídas a menores residentes em território nacional, nos termos dos artigos 1.º e 2.º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro”, prevê os pressupostos e requisitos de atribuição no seu art.º 3.º estabelecendo:
“1 - O Fundo assegura o pagamento das prestações de alimentos referidas no artigo anterior até ao início do efectivo cumprimento da obrigação quando:
a) A pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro; e
b) O menor não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre.
2 - Entende-se que o alimentado não beneficia de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao valor do IAS, quando a capitação do rendimento do respetivo agregado familiar não seja superior àquele valor.
3 - O agregado familiar, os rendimentos a considerar e a capitação dos rendimentos, referidos no número anterior, são aferidos nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de junho, alterado pela Lei n.º 15/2011, de 3 de maio, e pelos Decretos-Leis n.ºs 113/2011, de 29 de novembro, e 133/2012, de 27 de junho.
4 - Para efeitos da capitação do rendimento do agregado familiar do menor, considera-se como requerente o representante legal do menor ou a pessoa a cuja guarda este se encontre.
5 - As prestações a que se refere o n.º 1 são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 1 IAS, devendo aquele atender, na fixação deste montante, à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor.
6 - ….”[4].
O conceito de agregado familiar está definido no art.º 4.º do citado DL n.º 70/2010, nos seguintes termos:
“1 - Para além do requerente, integram o respectivo agregado familiar as seguintes pessoas que com ele vivam em economia comum, sem prejuízo do disposto nos números seguintes:
a) Cônjuge ou pessoa em união de facto há mais de dois anos;
b) Parentes e afins maiores, em linha recta e em linha colateral, até ao 3.º grau;
c) Parentes e afins menores em linha recta e em linha colateral;
d) Adoptantes, tutores e pessoas a quem o requerente esteja confiado por decisão judicial ou administrativa de entidades ou serviços legalmente competentes para o efeito;
e) Adoptados e tutelados pelo requerente ou qualquer dos elementos do agregado familiar e crianças e jovens confiados por decisão judicial ou administrativa de entidades ou serviços legalmente competentes para o efeito ao requerente ou a qualquer dos elementos do agregado familiar.
2 - Consideram-se em economia comum as pessoas que vivam em comunhão de mesa e habitação e tenham estabelecido entre si uma vivência comum de entreajuda e partilha de recursos, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
3 - Considera-se que a situação de economia comum se mantém nos casos em que se verifique a deslocação, por período igual ou inferior a 30 dias, do titular ou de algum dos membros do agregado familiar e, ainda que por período superior, se a mesma for devida a razões de saúde, estudo, formação profissional ou de relação de trabalho que revista carácter temporário, ainda que essa ausência se tenha iniciado em momento anterior ao do requerimento.
4 - Considera-se equiparada a afinidade, para efeitos do disposto no presente decreto-lei, a relação familiar resultante de situação de união de facto há mais de dois anos.
5…
6 - A situação pessoal e familiar dos membros do agregado familiar relevante para efeitos do disposto no presente decreto-lei é aquela que se verificar à data em que deva ser efectuada a declaração da respectiva composição.
7 e 8 …”[5]
Os rendimentos a considerar estão previstos no artigo 3.º do mesmo DL n.º 70/2010, nos seguintes termos:
“1 - Para efeitos da verificação da condição de recursos, consideram-se os seguintes rendimentos do requerente e do seu agregado familiar:
a) Rendimentos de trabalho dependente;
b) Rendimentos empresariais e profissionais;
c) Rendimentos de capitais;
d) Rendimentos prediais;
e) Pensões;
f) Prestações sociais;
g) Apoios à habitação com carácter de regularidade;
h) (Revogada).
2 - Os rendimentos referidos no número anterior reportam-se ao ano civil anterior ao da data da apresentação do requerimento, desde que os meios de prova se encontrem disponíveis, e, quando tal se não verifique, reportam-se ao ano imediatamente anterior àquele, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
3 - Sempre que as instituições gestoras das prestações e dos apoios sociais disponham de rendimentos actualizados mais recentes, esses rendimentos podem ser tidos em conta para a determinação da condição de recursos.
4 - Para efeitos de atribuição e manutenção de cada prestação ou apoio social, o respectivo valor não é contabilizado como rendimento relevante para a verificação da condição de recursos.”[6]
Finalmente, a capitação do rendimento do agregado familiar está prevista no art.º 5.º do mencionado DL n.º 70/2010, dispondo: “No apuramento da capitação dos rendimentos do agregado familiar, a ponderação de cada elemento é efectuada de acordo com a escala de equivalência seguinte: requerente - 1; por cada indivíduo maior - 0,7; por cada indivíduo menor - 0,5”.
No que respeita à manutenção ou cessação das prestações, o art.º 9.º do mencionado DL n.º 164/99, na redacção actual e aplicável, estatui:
“1 - O montante fixado pelo tribunal mantém-se enquanto se verificarem as circunstâncias subjacentes à sua concessão e até que cesse a obrigação a que o devedor está obrigado.
2 - O IGFSS, I.P., o ISS, I.P., o representante legal do menor ou a pessoa à guarda de quem este se encontre devem comunicar ao tribunal qualquer facto que possa determinar a alteração ou a cessação das prestações a cargo do Fundo.
3 - Para efeitos dos números anteriores, deve o IGFSS, I.P., comunicar ao tribunal competente os reembolsos efetuados pelo devedor.
4 - A pessoa que recebe a prestação fica obrigada a renovar anualmente a prova, perante o tribunal competente, de que se mantêm os pressupostos subjacentes à sua atribuição.
5 - Caso a renovação da prova não seja realizada, o tribunal notifica a pessoa que receber a prestação para a fazer no prazo de 10 dias, sob pena da cessação desta.
6 - O tribunal notifica o IGFSS, I. P., da decisão que determine a cessação do pagamento das prestações a cargo do Fundo.”.
E o n.º 4 do art.º 3.º da citada Lei n.º 75/98 estabelece que “O montante fixado pelo tribunal perdura enquanto se verificarem as circunstâncias subjacentes à sua concessão e até que cesse a obrigação a que o devedor está obrigado.”
Assim, a atribuição das prestações ao abrigo do regime instituído pela citada Lei n.º 75/98 e subsequentes alterações depende da verificação, cumulativa, dos seguintes pressupostos:
1.º Estar a pessoa obrigada judicialmente a prestar alimentos a menor residente em Portugal, o que pressupõe a fixação de um aprestação de alimentos;
2.º Não ser possível cobrar essa prestação nos termos do art.º 189.º da OTM, a que corresponde, actualmente, o art.º 48.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC)[7];
3.º Não ter o alimentado rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficiar nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre.
A verificação desses pressupostos e a fixação das prestações e sua satisfação, no âmbito daqueles diplomas, pressupõem a formulação do respectivo pedido, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa a favor de quem a prestação devia ser entregue, formulado no incidente do incumprimento ou no próprio incidente suscitado ao abrigo do art.º 189.º da OTM ou do art.º 48.º do RGPTC, no qual se verifica a necessidade da sua cobrança, após o que o juiz do processo, realizadas as diligências adequadas e necessárias, fixará a prestação de alimentos a pagar pelo Estado, através do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, gerido pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, em substituição do devedor.
Fixada, nesses termos, a prestação a cargo do Fundo, mantém-se a mesma enquanto se verificarem as circunstâncias subjacentes à sua concessão ou até que cesse a obrigação a que o devedor está obrigado, sendo que compete a quem a receber a renovação anual da prova de que se mantêm os pressupostos que levaram à sua atribuição, cessando o seu pagamento, após notificação para o efeito, caso não o faça[8].
No recurso, não foram postos em causa os aludidos pressupostos, mediante a alteração das circunstâncias subjacentes à concessão da prestação, mas tão só o montante fixado por decisão de 27/6/2014, com fundamento na publicação do acórdão uniformizador n.º 5/2015.
O montante foi fixado naquela decisão e a questão da prestação do Fundo poder ser, ou não, superior à do devedor originário foi abundantemente discutida e apreciada no acórdão de 8/1/2015, que decidiu o recurso interposto da mesma decisão, concluindo-se pela afirmativa.
A mera publicação do citado acórdão uniformizador não constitui alteração da situação de facto existente no momento do encerramento da discussão para poder ser considerada e determinar uma modificação da decisão, ao abrigo do disposto no art.º 619.º, n.º 2, do CPC, desde logo, por não configurar uma alteração das circunstâncias que estiveram na base da atribuição da prestação (cfr. art.º 437.º do Código Civil). Sendo as mesmas as “circunstâncias subjacentes” à atribuição da prestação, o montante da prestação tem, necessariamente, que ser também o mesmo, por força do caso julgado.
O montante da prestação de 100 € está, pois, coberto pela autoridade do caso julgado material.
Na verdade, tendo transitado em julgado a decisão que fixou tal montante (cfr. art.º 628.º do CPC), e não se verificando circunstâncias supervenientes que determinam a sua alteração, a mesma tornou-se obrigatória dentro e fora do processo, formando-se caso julgado material nos termos do art.º 619.º, n.º 1, do CPC.
Estamos, portanto, perante a autoridade do caso julgado formado com o trânsito em julgado do despacho que apreciou a existência dos requisitos de atribuição da prestação social e fixou o seu montante.
Não se verificando alteração das circunstâncias subjacentes à concessão da prestação, o juiz está impedido de alterar posteriormente o montante fixado, designadamente aquando da reapreciação anual da subsistência dos pressupostos que conduziram à sua atribuição, por a tal obstar o caso julgado material.
Esta figura radica nos art.ºs 619.º, n.º 1, e 621.º, ambos do CPC, e tem a ver com a existência de relações de prejudicialidade entre objectos processuais: “julgada, em termos definitivos, certa matéria numa acção que correu termos entre determinadas partes, a decisão sobre o objecto desta primeira causa, sobre essa precisa questio judicata, impõe-se necessariamente em todas as outras acções[9] que venham a correr termos entre as mesmas partes – incidindo sobre um objecto diverso, mas cuja apreciação dependa decisivamente do objecto previamente julgado, perspectivado como verdadeira relação condicionante ou prejudicial da relação material controvertida na segunda acção. Ou seja, estamos aqui confrontados com a chamada função positiva do caso julgado …, mediante a qual a vinculatividade própria do instituto do caso julgado impõe que o objecto da primeira decisão funcione como pressuposto indiscutível da nova decisão de mérito, a proferir na segunda causa, incidente sobre relação jurídica diversa, mas dependente ou condicionada pela anteriormente apreciada, em termos definitivos, pelo tribunal”[10].
O Prof. Lebre de Freitas também escreveu: “a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito. (...). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida”[11].
No mesmo sentido, o Prof. Miguel Teixeira de Sousa que escreveu: “… quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade de caso julgado é o comando de acção, a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva à repetição do processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão anterior”[12].
Tem sido entendido que a autoridade do caso julgado, diversamente da excepção de caso julgado, pode funcionar independentemente da verificação da tríplice identidade a que alude o art.º 581.º do CPC, mas pressupondo a decisão de determinada questão que, por isso, não pode voltar a ser discutida[13].
Aplicando estes ensinamentos ao caso em análise, constata-se que, uma vez fixado o montante da prestação a cargo do Fundo, por decisão transitada em julgado, não pode o mesmo montante ser alterado posteriormente, no despacho de reapreciação anual da prova quanto à manutenção dos pressupostos subjacentes à sua atribuição.
Está, pois, vedado proceder a qualquer alteração do montante da prestação, neste momento, tal como já estava à Ex.ma Juíza da 1.ª instância, que não se pronunciou, como não devia, sobre o montante da prestação fixada, por força do caso julgado material[14].
Nem sequer se pode argumentar que estamos perante um processo de jurisdição voluntária, onde predomina a equidade sobre a legalidade, por o tribunal não estar sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna, e em que as resoluções tomadas podem ser alteradas “com fundamento em circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração” (cfr. art.ºs 12.º do RGPTC e 987.º e 988.º, n.º 1.º, ambos do CPC).
É que, embora enxertado num processo de jurisdição voluntária – o incidente de incumprimento do devedor originário cujo procedimento estava previsto no art.º 189.º da OTM e está, agora, no art.º 48.º do RGPTC -, o incidente de garantia dos alimentos a cargo do FGADM não se confunde com aquele e não tem aquela natureza, não lhe sendo aplicáveis, por isso, os princípios que lhe estão inerentes, designadamente o da modificabilidade da decisão[15].
As regras que disciplinam este incidente estão especificamente previstas nos art.ºs 3.º da Lei nº 75/98 e no art.º 9.º, n.º 4, do DL n.º 164/99, e os critérios que devem presidir à fixação do montante da prestação e aos termos das revisões anuais também estão ali perfeitamente definidos, nos art.ºs 2.º do primeiro diploma e 9.º do segundo, pelo que não comporta qualquer prevalência da equidade sobre a legalidade.
E, ainda que se entenda que tem a natureza de jurisdição voluntária, por a intervenção debitória do Fundo estar inserida no âmbito da jurisdição cível de menores, sendo uma decorrência ou manifestação da obrigação de alimentos, a natureza de procedimento de jurisdição voluntária não permitiria proceder à alteração da parte do despacho no que se refere ao montante da prestação pela simples razão de que não se trata de uma alteração com fundamento em circunstâncias supervenientes, nos termos permitidos pelo n.º 1 do citado art.º 988.º e visto o disposto no n.º 4 do art.º 3.º e no n.º 4 do art.º 9.º, também já mencionados.
Destarte, improcede a apelação, pelo que deve manter-se a decisão, por esta via, impugnada.
Sumariando, em jeito de síntese conclusiva:
I. A prestação alimentar suportada pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, fixada oportunamente pelo tribunal em montante superior àquele que constituía a obrigação do progenitor faltoso, não pode ser alterada, na reapreciação anual dos pressupostos que estiveram na base da sua atribuição, com fundamento exclusivo no acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 5/2015.
II. A tal obsta a autoridade do caso julgado material da decisão que fixou a prestação, pois que a mera publicação daquele acórdão não constitui circunstância superveniente susceptível de determinar a sua alteração.

III. Decisão

Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e confirma-se o despacho recorrido.
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Custas pelo apelante.
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Porto, 7 de Abril de 2016
Fernando Samões
Vieira e Cunha
Maria Eiró
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[1] O que seria motivo de nulidade, por falta de fundamentação, que importa suprir (cfr. art.ºs 615.º, n.º 1, al. b), 613.º, n.º 3, e 665.º, n.º 1, todos do CPC).
[2] Publicado no DR, 1.ª série, n.º 85, de 4/5/2015.
[3] Acórdãos da Relação de Guimarães de 7/5/2015, processo n.º 4967/07.0TBGMR-B.G1 e da Relação de Coimbra de 22/5/2012, processo n.º 612/05.6TBMMV-A.C1, ambos in www.dgsi.pt.
[4] Redacção da Lei n.º 64/2012, de 20 de Dezembro, com entrada em vigor em 21 de Dezembro de 2012, aqui aplicável.
[5] Redacção actual, dada pelo Decreto-Lei n.º 133/2012, de 27 de Junho, com início de vigência a 1 de Julho de 2012.
[6] Redacção actual, dada pelo citado Decreto-Lei n.º 133/2012, de 27 de Junho.
[7] Aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8/9, aplicável ao caso, que revogou aquela [cfr. art.ºs 2.º, 5.º, 6.º, al. a) e 7.º desta mesma lei]
[8] No mesmo sentido, o Desembargador Tomé d´Almeida Ramião, em Regime Geral do Processo Tutelar Cível – anotado e comentado-, Quid Juris, Novembro de 2015, pág.179, e o nosso acórdão, embora noutro contexto, de 23 de Fevereiro de 2016, proferido no processo n.º 1872/10.6TBFLG-E.P1.
[9] E, mutatis mutandis, nos incidentes da mesma acção, como acontece aqui.
[10] Cfr. acórdão do STJ de 24/4/2013, processo n.º 7770/07.3TBVFR.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt, e os nossos acórdãos de 11/11/2014 e de 8/3/2016, proferido nos processos n.ºs 3725/13.7TBMAI.P1 e 2429/14.8TBVLG-A.P1, respectivamente.
[11] Cfr. Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, 2ª ed., pág. 354.
[12] In O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material, BMJ 325, págs. 49 e sgs..
[13] Cfr., neste sentido, entre outros, acórdãos do STJ de 13/12/2007, processo n.º 07A3739; de 6/3/2008, processo n.º 08B402 e de 23/11/2011, processo n.º 644/08.2TBVFR.P1.S1 e de 21/3/2013, processo n.º 3210/07.6TCLRS.L1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt., referentes ao anterior art.º 498.º, a que corresponde o art.º 581.º do actual CPC, sem alterações.
[14] No sentido de que estava impedida de proceder à reapreciação do montante, por força do caso julgado material, embora com fundamento não totalmente não coincidente com o texto, entendendo que se trata de um processo de jurisdição voluntária, já se pronunciou o acórdão deste Tribunal de 15/02/2016, proferido no processo n.º 21/08.5TBPRD-D.P1, acessível em www.dgsi.pt.
[15] Neste sentido, o acórdão da RG de 8/10/2015, processo n.º 3901/04.3TBBCL.G1, disponível em www.dgsi.pt.