Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
20/18.9GCFLG-D.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CASTELA RIO
Descritores: LEGITIMIDADE
ARRESTO PREVENTIVO
DECLARAÇÃO DE PERDIMENTO
CONVERSÃO EM PENHORA
PRODUCTA SCELERIS
PATRIMÓNIO INCONGRUENTE
Nº do Documento: RP2024020720/18.9GCFLG-D.P1
Data do Acordão: 02/07/2024
Votação: UNANIMIDADE COM 2 DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL/CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1. ª SECÇÃO CRIMINAL
Área Temática: .
Sumário: I - A Recorrente co-Arguida (divorciada) carece de «legitimidade» ut art 401-1-b-I-III, bem assim de «interesse em agir» ut art 401-2, ambos do CPP, para deduzir seu pedido recursivo de revogação ad quem do segmento «declaro a perda a favor do Estado da fração imóvel» do Despacho recorrido, por não constituir «decisão contra ela proferida», visto que o «sujeito passivo» do «arresto preventivo», bem como da sua «conversão definitiva em penhora», foi apenas o co-Arguido sempre id como solteiro e proprietário por anterior compra a casal de tal «fracção autónoma de prédio urbano em propriedade horizontal».
II - A Recorrente co-Arguida (divorciada) carece de «legitimidade» ut art 401-1-b-I-III, bem assim de «interesse em agir» ut art 401-2, ambos do CPP, para deduzir seu pedido recursivo de revogação ad quem do segmento «declaro a perda a favor do Estado … dos veículos ... com as matrículas ...-...-XA e ...-PE-...» do Despacho recorrido, por não constituir «decisão contra ela proferida», visto que o «sujeito passivo» dos «arrestos preventivos» registados foi apenas o co-Arguido sempre id como solteiro.
III - O novel ATC 893/2023 de 19-12 decidiu «não julgar inconstitucional a norma contida no art. 109º, n.º 1, do C…P…, interpretada no sentido segundo o qual a perda aí prevista pode ser decretada após o trânsito em julgado da decisão condenatória», como pode ser decretada in casu da pecuniae provada como sendo producta sceleris de anteriores vendas a terceiros de produtos contendo estupefacientes.
IV - O valor dos producta sceleris de actividade de compra e venda a terceiros de produtos contendo estupefacientes, com o destino tabelado pelo art 35-2 da LEP , obsta à imputação daquele valor no valor do «património incongruente», por serem quid diversos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Na Secção Judicial / Criminal do TRP acordam em Conferência o Colectivo de Juízes no

Recurso Penal 20/18.9GCLG-D.P1 vindo de Juiz 5 do Juízo Central Criminal de Penafiel

PARTE I   -   RELATÓRIO

A MGT do MP do INQ 20/18.9GCFLG da 1ª Secção de PNF do DIAP de Porto Este proferiu em 02-12-2020 sob a referência 84 080 030:


1. A ACUSAÇÃO:
«Incorreram assim os arguidos AA e BB na prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 21.º, n.º 1 do Decreto-lei 15/93, de 22 de Janeiro, por referência às Tabelas I-B, anexa ao referido diploma»;
2. Sob «DESTINO DOS BENS APREENDIDOS:
Nos termos do artigo 35º, nºs 1 e 2, do DL nº 15/93, devem, a final, ser declarados perdidos a favor do Estado todas as substâncias estupefacientes encontradas na posse dos arguidos, bem assim como os demais objectos que estavam destinados e serviram a prática do crime.
Nos termos do artigo 36º, nºs 2 e 4, do DL nº 15/93, de 22/01 deve, a final, ser declarada perdida a favor do Estado a quantia monetária apreendida ao arguido e que constitui vantagem decorrente da prática do crime de tráfico de estupefacientes, o que se promove».

No PROCEDIMENTO CAUTELAR (CPC2013) ARRESTO 20/18.9GCFLG-C intentado pela MGT do MP do INQ 20/18.8GCFLG, o Mmo J2 do JIC de PNF decidiu no DESPACHO 84 375 560 de 08-01-2021:

« … julgar totalmente procedente, por provado, o presente procedimento cautelar e, em consequência, decreta-se o arresto preventivo dos bens infra indicados, com vista a garantir o valor de € 55.252,21, correspondente à indiciária vantagem de atividade criminosa:

a.) - De todos os saldos das contas bancárias de depósitos à ordem tituladas pelos arguidos identificados a fls. 105 (apenso A), incluindo as contas de depósitos a prazo e outras aplicações financeiras que estejam associadas àquelas e que não constituam garantia de contrato de mútuo;

b.) - Do prédio urbano sito na Rua ..., fração B, descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar, com o n.º ...51, na União de Freguesias de Gondomar (...), ... e ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...94;

c.) - Todos os veículos e outros bens móveis apreendidos ao arguido e que se encontram à ordem destes autos;

Notifique, desde já, o MP.

O arresto deve ser executado pelo Gabinete de recuperação de ativos - GRA, cumprindo também as notificações dos requeridos para, querendo, recorrer ou deduzir oposição no prazo de 10 dias, conforme o disposto nos artigos 365º, ex vi, 293 a 295 e 366º, n.º 6, todos do Código de Processo Civil e nº 4 do artigo 10º, da Lei 5/2002, de 11.01.

D. N.»

Em execução do decidido constatou-se no processo informático 20/18.9GCFLG-C do J2 do JIC de PNF quando apenso do INQ 20/18.GCFLG mas que foi autuado em 11-02-2021 como PROCEDIMENTO CAUTELAR (CPC2013) ARRESTO 20/18.9GCFLG-B por apenso ao PCC 20/18.9 GCFLG de J5 do JCC de PNF que o solicitara:


1. Mercê da apresentação ...72 de 18-01-2021 na CRC de LSB, a NOTA DE REGISTO do facto AR RESTO com natureza DEFINITIVA do veículo automóvel ..-..-XA a favor do sujeito activo POLÍCIA JUDICIÁRIA e sujeito passivo o Arguido AA para garantia do montante 55 252,51 €;


2. Mercê da apresentação ...75 de 18-01-2021 na CRC de LSB, a NOTA DE REGISTO do facto AR RESTO com natureza DEFINITIVA do veículo automóvel ..-PE-.. a favor do sujeito activo POLÍCIA JUDICIÁRIA e sujeito passivo o Arguido AA para garantia do montante 55 252,51 €;


3. O ARRESTO em 15-01-2021 do saldo bancário 7,85 € da conta à ordem da Arguida BB na agência ...29 da Banco 1...;


4. Mercê da apresentação ...84 de 2021/01/18 na CRP de LSB; a inscrição do ARRESTO Registado no sistema em: 2021/01/18 17:46:09 UTC para garantia da quantia 55.252,21 € tendo como sujeito activo o MP e como sujeito passivo o Arguido AA proprietário por compra conforme certidão no ARRESTO 20/18.9GCFLG-B.

Submetidos os Arguidos AA e BB a JULGAMENTO no Processo COMUM 20/18.9GC FLG por Tribunal COLECTIVO, o ACD 85 398 499 de 04-5-2021 de J5 do JCC de PNF decidiu:


· « condena[r] o arguido AA pela prática, como autor material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão efetiva;
· condena[r] a arguida BB pela prática, como cúmplice, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos artigos 27º e 73º do Código Penal e 21º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período com regime de prova.
· […] Declara[r] perdida a favor do Estado a quantia de € 55.252,21 por corresponder ao valor do património incongruente com o rendimento lícito respetivo e, consequentemente, condena os arguidos a pagar solidariamente ao Estado esse valor.
· Mantém o arresto preventivo oportunamente decretado em sede de apenso B até que tais quantias sejam pagas.
· Declara-se o produto estupefaciente apreendido perdido a favor do Estado e ordena-se a sua destruição – artigo 35º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01.
· Declaram-se perdidos a favor do Estado, por terem sido instrumentos do crime de tráfico de estupefacientes, o telemóvel com o IMEI ...79, com o cartão telefónico n.º ...92 (IPhone 7 Plus) e o bloco de notas com apontamentos manuscritos de transações.
· Após trânsito: […] restitua-se à arguida Ana Maria Coelho o telemóvel Samsung Galaxy A7, IMEI ...90/01.»

Em tal ACD 85 398 499 de 04-5-2021 julgou-se provado inter alia que:

« […] 1. Desde data não concretamente apurada, mas, pelo menos, no período compreendido entre Setembro de 2018 e Junho de 2020 (data da sua detenção), que o arguido AA, vulgarmente conhecido como “...”, se dedicou à venda a terceiros de produtos estupefacientes, designadamente cocaína, o que fazia sobretudo nas localidades de ..., ..., sendo auxiliado nessa atividade pela sua companheira, a arguida BB, a qual o acompanhava nas vendas, atendia telefonemas de compradores e recebia recados destes que transmitia ao arguido referentes à compra e venda de estupefacientes.

77. Na residência dos arguidos AA (...) e BB foi apreendida a quantia de 19.247,00 € (…).

Ora,

78. Os arguidos AA (...) e BB só vendiam produtos estupefacientes aos toxicodependentes que conheciam e em quem confiavam mantendo-se em movimento constante o que dificultava a sua localização por parte do OPC e escondiam produtos estupefacientes em zonas de mata e que só tinham a droga na sua posse quando era estritamente necessário.

79. Durante o período referido em 1. os arguidos não exerceram qualquer atividade profissional lícita remunerada dedicando-se exclusivamente e diariamente à venda de produto estupefaciente, fazendo dessa atividade o seu modo de vida.

80. O produto estupefaciente apreendido é cocaína (éster metílico), substância integrante da Tabela I-B, com um peso líquido total de 10,875 gramas, suficientes para compor 153 doses individuais.

81. Ao agir da forma descrita os arguidos agiram de forma livre, voluntária e conscientemente com o perfeito conhecimento da natureza e das características do produto estupefaciente em causa, e que a respetiva aquisição, detenção, cedência, transporte e venda lhes era vedada.

82. Ao comprar tais substâncias o arguido fê-lo com o propósito concretizado de posteriormente as vender junto de terceiros, consumidores, que o procurassem para o efeito, por preço superior àquele pelo qual as havia adquirido, pretendendo dessa forma obter para si e para o seu agregado proventos económicos que sabia serem ilícitos, com o auxílio da arguida BB, a qual conhecia a natureza ilícita dessa atividade.

83. Tinham ainda perfeito conhecimento dos malefícios que as substâncias em causa provocam na saúde das pessoas a quem as vendia e que as destinavam ao seu consumo, mas, apesar disso, não se coibiram de atuar da forma descrita.

84. Sabiam ainda que a sua conduta é proibida e punida por lei e os fazia incorrer em responsabilidade criminal.

85. Os arguidos não têm inscrições nos seus certificados do registo criminal.

86. AA descende de uma família numerosa, de condição sócio económica modesta

87. BB é oriunda de um agregado de nível socioeconómico e cultural numeroso

88. AA e BB foram constituídos arguidos no dia 2 de junho de 2020.

89. No período compreendido entre setembro de 2018 e junho de 2020, os arguidos, como forma de obter ganhos financeiros, dedicaram-se à venda a terceiros de produto estupefaciente, designadamente de cocaína, o que fizeram nas localidades de ... e ....

90. Pese embora durante esse período os arguidos nunca tivessem exercido qualquer atividade profissional remunerada, não só manifestaram sinais exteriores de riqueza como em 02.06.2020 foram encontrados e apreendidos na sua posse dinheiro, designadamente € 19.842,75 e dois veícu los automóveis, concretamente os veículos automóveis de marca/modelo Citroen ..., matrícula ..-..-XA, ano de 2004, e BMW ..., ano de 2007, matrícula ..-PE-...

91. No período compreendido nos 5 anos anteriores à data de constituição de arguidos de AA e de BB (02.06.2020) estes viveram em comunhão de mesa e habitação, motivo pelo qual, para efeitos de cálculo de vantagem de atividade criminosa, foram tratados como casal e foram tidos em conta os rendimentos declarados e/ou comunicados pelos arguidos à Autoridade Tributária entre os anos de 2015 e 2019, bem como o património mobiliário e imobiliário adquirido/alienado no mesmo período.

92. Analisados os rendimentos declarados em sede de IRS, o património adquirido no período compreendido entre Junho de 2015 e 2019, bem como o fluxo das contas bancárias tituladas e co-tituladas pelos arguidos, apurou-se uma incongruência no seu património no valor de € 55.252,21 (…).

93. No que respeita aos rendimentos declarados pelos arguidos à Autoridade Tributária, no período compreendido entre 2015 a 2018, constatou-se que, pese embora mantivessem a mesma morada fiscal, fizeram constar das Declarações de IRS dos anos de 2015 a 2018 o estado de solteiro, divorciado ou separado judicialmente, motivo pelo qual foram incluídos no cálculo do rendimento liquido /disponível todos os rendimentos obtidos por ambos.

94. Nesse âmbito, o rendimento disponível dos arguidos para o referido período foi de € 44.162,14 (…), sendo que o arguido declarou rendimentos das atividades de comércio a retalho de vestuário, marroquinaria e veículos automóveis e fabricação e mobiliário de madeira nos anos de 2015 a 2017, sem rendimentos declarados em 2018, não declararam qualquer relação intersujeitos passivos do tipo conjugal, sendo que o arguido AA declarou entre 2015 e 2017 rendimentos da categoria B e a arguida Ana Maria Coelho só declarou rendimentos no ano de 2015 e a partir dessa data apenas foram comunicadas prestações sociais.

95. Relativamente ao património imóvel dos arguidos apurou-se que o arguido AA adquiriu, em nome próprio, no ano de 2019, o prédio urbano sito na Rua ..., fração B, descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar, com o n.º ...51, na União de Freguesias de Gondomar (...), ... e ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...94.

96. O referido prédio urbano foi adquirido por escritura pública celebrada em 09/07/2019 - (Ap. ...14 de 2019/07/09), pelo valor de € 70.000,00, com recurso ao cheque bancário n.º ...25, debitado na conta  ...05, sediada no Banco 2..., titulada pelo arguido AA, onde se registaram, na mesma data, outros movimentos relacionados com a aquisição do imóvel, designadamente o pagamento de impostos e custas das escrituras.

97. No que concerne ao património financeiro titulado pelos arguidos, foram analisadas as contas bancárias por eles tituladas, mostrando-se relevantes para cálculo da vantagem da atividade criminosa as identificadas a fls. 105 (apenso A), designadamente duas contas à ordem tituladas pelo arguido AA e uma pela arguida Ana Maria Coelho, todas com movimentação no período compreendido entre 2015 – 2019.

98. Da análise dos movimentos das referidas contas no período referido apuraram-se créditos no montante global de € 99.414.35€.

99. Embora não tenha sido relevado para efeitos de cálculo de valor incongruente, o património financeiro de 2020 não é compatível com o numerário apreendido aos arguidos em 02.06.2020, no valor de € 19.842,75. [1]

100. As fontes de rendimentos conhecidas dos arguidos eram insuficientes para fazer face ao modo de vida, habitação, alimentação, higiene e saúde de ambos e dos filhos da arguida BB.

101. A grande maioria dos movimentos contabilizados foram creditados na conta do arguido AA Banco 2.../...15, por via de depósitos, com vista a perfazer o montante necessário para pagamento do imóvel descrito em 12 [2]».

No item « Do pedido de liquidação do ativo pelo Estado e de perda ampliada de bens formulado pelo Ministério Público » daquele ACD 85 398 499 de 04-5-2021 valorou-se que:

« A perda alargada de bens é regulamentada pela Lei n.º 5/2002, de 11.01, a qual estabeleceu medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira, definindo, para tanto, um regime especial em matéria de recolha de prova, quebra de sigilo profissional e perda de bens a favor do Estado.

Preceitua o art.º 1º da Lei 5/2002, de 11.01, que 1 - A presente lei estabelece um regime especial de recolha de prova, quebra do segredo profissional e perda de bens a favor do Estado, relativa aos crimes de:” - para o que a este caso importa -a) Tráfico de estupefacientes, nos termos dos artigos 21.º a 23.º e 28.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro”.

Entre as medidas previstas neste diploma legal, inclui-se o arresto de bens do arguido, no valor correspondente ao apurado, como constituindo vantagem da atividade criminosa, nos termos dos artigos 10.º, n.º 1 e 7.º, n.º 1 da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, arresto que foi decretado no âmbito destes autos por ter sido apurada, pelo GRA, uma vantagem ilícita por parte dos arguidos.

Esta lei consagrou um regime de perda alargada, baseado na diferença entre o património do arguido e aquele que seria compatível com o seu rendimento lícito. De facto, dispõe o art.º 7.º, sob a epígrafe “Perda de bens”:

1 - Em caso de condenação pela prática de crime referido no artigo 1.º, e para efeitos de perda de bens a favor do Estado, presume-se constituir vantagem de atividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito.

2 - Para efeitos desta lei, entende-se por «património do arguido» o conjunto dos bens:

a) Que estejam na titularidade do arguido, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o benefício, à data da constituição como arguido ou posteriormente;

b) Transferidos para terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, nos cinco anos anteriores à constituição como arguido;

c) Recebidos pelo arguido nos cinco anos anteriores à constituição como arguido, ainda que não se consiga determinar o seu destino.

3 - Consideram-se sempre como vantagens de atividade criminosa os juros, lucros e outros benefícios obtidos com bens que estejam nas condições previstas no artigo 111.º do Código Penal.

Na verdade, nos termos deste preceito, em caso de condenação pela prática de crime referido no seu artigo 1°, e para efeitos de perda de bens a favor do Estado, presume-se constituir vantagem de atividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito. O n.º 2 define o que deve entender-se por património do arguido, abrangendo tudo o que esteja na sua titularidade ou domínio à data da constituição de arguido ou posteriormente, atendendo-se também aos bens transferidos para terceiros de forma gratuita ou através de uma contraprestação simbólica nos cinco anos anteriores à constituição de arguido e, por último, incluem-se ainda os bens recebidos pelo arguido nos cinco anos anteriores à sua constituição como arguido cujo destino foi impossível determinar.

São, assim, pressupostos da aplicação do mecanismo da perda alargada:

a) A condenação por um dos crimes do catálogo (cfr. artigo 1º da citada Lei, no qual se inclui o tráfico de estupefacientes na alínea a), não restando dúvidas acerca de tal aplicação face aos factos provados que denotam organização, nomeadamente a título de cumplicidade dos arguidos e modo como foram perpetrados os factos);

b) A existência de um património que esteja na titularidade ou mero domínio e benefício do condenado, património este em desacordo com aquele que seria possível obter face aos seus rendimentos lícitos. É necessário ter em conta que a noção de património consagrada neste artigo 7º é uma noção ampla, abrangendo mais do que aquilo que está meramente na titularidade do condenado, compreendendo também tudo o que estiver efetivamente ao seu dispor ou conjuntamente ao seu dispor e de terceiros, especialmente de terceiros com quem coabite ou viva em economia comum, ainda que esteja na titularidade desses (ou em contitularidade com esses) terceiros. Por outro lado, também estarão em causa as vantagens que o condenado auferiu no período em que vigora a presunção, independentemente do destino que tenham tido.

c) A demonstração de que o património do condenado é desproporcional em relação aos seus rendimentos que tenham uma origem lícita.

Do exposto resulta que o artigo 7º da Lei 5/2002 estabelece uma presunção juris tantum tendente à aplicação desse mecanismo. Com efeito, uma vez verificados os pressupostos atrás referidos (condenação por crime de catálogo, património incongruente com o rendimento lícito), o legislador presume, para efeitos de confisco, que a diferença entre o valor do património detetado e aquele que seria congruente com o rendimento lícito do arguido provém de atividade criminosa. Isto é, o conhecimento daqueles factos permite afirmar, com a necessária segurança, um facto desconhecido: a verdadeira origem dos bens. É nisto que se traduz a presunção da proveniência do património desconforme – Cfr. sobre o presente regime de forma elucidativa acórdão da Relação do Porto de 17 de Setembro de 2014, in www.dgsi.pt, Proc. 1653/12.2JAPRT.P1, nº convencional JTRP000, que se segue de perto e JOÃO CONDE CORREIA Da Proibição do Confisco à Perda Alargada e BB PATRÍCIA CRUZ DUARTE O Combate aos Lucros do Crime – O mecanismo da “perda alargada” constante da Lei n.º 5/2002 de 11 de Janeiro Dissertação de Mestrado em Direito Criminal UCP PORTO 2013 e HÉLIO RIGOR RODRIGUES, Revista do Ministério Público nº134, Abril/Junho de 2013.

O arguido, por seu turno, pode ilidir a presunção legal, através da prova de que os bens resultaram de rendimentos lícitos, de que estavam na sua titularidade há pelo menos cinco anos a contar da data de constituição de arguido ou provando ainda que adquiriu os referidos bens com rendimentos obtidos há mais de cinco anos, também a contar da data de constituição de arguido – artigo 9º da Lei em apreço.

Finalmente dispõe o artigo 12º, n.º 1 que «Na sentença condenatória, o tribunal declara o valor que deve ser perdido a favor do Estado, nos termos do artigo 7.º».

Pretende-se, assim, colocar o agente na situação em que estaria se não tivesse cometido o crime, removendo todo e qualquer benefício patrimonial, tendo em vista um fim restaurativo. A vantagem pode assumir diversas naturezas e pelo seu cálculo faz-se o juízo da incongruência.

No caso em apreço, o GRA (Gabinete de Recuperação de Ativos da Polícia Judiciária) efetuou esse juízo, através de uma investigação patrimonial e financeira com vista a apurar a titularidade dos arguidos de património incongruente com os rendimentos obtidos e por si declarados à Autoridade Tributária. Dessa investigação apurou-se um valor incongruente, conforme consta do apenso GRA, onde estão discriminadas as operações, os valores do património dos arguidos, os valores auferidos e declarados à AT, tendo-se apurado o valor incongruente resultante da diferença entre os rendimentos declarados (e comunicados) à administração fiscal e tudo o que possuem ou possuíram na sua titularidade, domínio e/ou benefício, mormente em termos financeiros e em património móvel e/ou imóvel enquadrável na investigação efetuada, presumindo-se, assim, resultante da atividade ilícita de tráfico de estupefacientes e relativamente aos cinco anos anteriores à sua constituição como arguidos. Este juízo sustentou o arresto preventivo que foi decretado, nos termos do artigo 10° da Lei n.° 5/2002, para garantia do valor incongruente determinado.

Neste momento, os arguidos foram condenados pela prática de um crime de tráfico de estupefaciente, p. e p. pelo art.º 21.º do DL 15/93 e foi apurado um valor incongruente, que constituiu a vantagem patrimonial resultante do cometimento dos factos ilícitos de catálogo, no valor de € 55.252,21.

Sendo assim, pela análise dos documentos constantes do Apenso B (arresto preventivo) e do apenso GRA, onde estão justificados todos os valores e vantagens recebidas, concluímos que por força dessa atividade ilícita que os arguidos cometeram, auferiram essa vantagem ilícita, que não teriam recebido se não tivessem cometido os factos criminosos, pelo que se decide declarar perdida a favor do Estado a quantia de € 55.252,21 correspondente ao valor do património incongruente com o rendimento lícito os arguidos e, consequentemente, condená-los solidariamente a pagar ao Estado o valor dessa vantagem da atividade criminosa.»

E no item «Do arresto preventivo» daquele ACD 85 398 499 de 04-5-2021 valorou-se que:

«Nos presentes autos foi decretado, a requerimento do Ministério Público, no apenso B, ao abrigo do disposto no art.º 10.º da Lei n.º 5/2002, de 11.01, o arresto preventivo de bens e valores para garantia do pagamento da quantia peticionada a título de liquidação do ativo – valores, saldo bancário, imóvel e veículos automóveis.

O arresto só se extingue quando se verificar alguma das situações previstas no art.º 11.º da Lei n.º 5/2002, designadamente, quando o devedor prestar caução, situações que não se verificam no caso em concreto.

Face ao supra exposto, não se encontrando salvaguardado o pagamento da quantia de € 55.252, 21 pelos arguidos, inexistindo qualquer causa de caducidade previstas nos artigos 373º e 395º do Código de Processo Civil a contrario, e não se tendo provado que os bens arrestados têm valor superior ao liquidado, inexistindo assim razões para motivar, neste momento, modificação ou redução do citado arresto, mantém-se o arresto oportunamente decretado

E no item «Da perda dos objectos apreeendidos» daquele ACD 85 398 499 valorou-se que:

«Nos termos do art.º 35º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, “1- São declarados perdidos a favor do Estado os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infração prevista no presente diploma ou que por esta tiverem sido produzidos. 2- As plantas, substâncias e preparações incluídas nas tabelas I a IV são sempre declaradas perdidas a favor do Estado. 3- O disposto nos números anteriores tem lugar ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto”.

E nos termos do artigo 36º: “1 - Toda a recompensa dada ou prometida aos agentes de uma infracção prevista no presente diploma, para eles ou para outrem, é perdida a favor do Estado. 2 - São também perdidos a favor do Estado, sem prejuízo dos direitos de terceiro de boa fé, os objectos, direitos e vantagens que, através da infracção, tiverem sido directamente adquiridos pelos agentes, para si ou para outrem. 3 - O disposto nos números anteriores aplica-se aos direitos, objectos ou vantagens obtidos mediante transacção ou troca com os direitos, objectos ou vantagens directamente conseguidos por meio da infracção. 4 - Se a recompensa, os direitos, objectos ou vantagens referidos nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respectivo valor. 5 - Estão compreendidos neste artigo, nomeadamente, os móveis, imóveis, aeronaves, barcos, veículos, depósitos bancários ou de valores ou quaisquer outros bens de fortuna.”

Além dos veículos XA e PE e da quantia de € 19.842,75 apreendidos e arrestados, nos autos foram apreendidos produtos estupefacientes, dois telemóveis alegadamente usados nos contactos com os consumidores e um caderno com apontamentos manuscritos de transações.

Nos termos dos artigos citados e do artigo 109º do Código Penal, e em face do que ficou a constar da matéria de facto provada, porque foram usados na atividade de tráfico desenvolvida pelos arguidos, serão declarados perdidos a favor do Estado:

- as substâncias estupefacientes apreendidas nos autos, ordenando-se a sua destruição, ao abrigo do disposto nos artigos 39º, n.º 3 e 62º do diploma citado;

- o telemóvel com o IMEI ...79, com o cartão telefónico n.º ...92 (IPhone 7 Plus) e o caderno com apontamentos manuscritos de transações, usados na atividade ilícita e suscetíveis de novas utilizações similares.

Uma vez que não se provou que o telemóvel Samsung Galaxy A7, IMEI ...90/01, apreendido à arguida BB alguma vez tenha sido usado na atividade criminosa dos arguidos, ser-lhe-á restituído nos termos do artigo 186, n.º 2 CPP.»

Ora o sobredito ACD 85 398 499 de 04-5-2021 transitou em 04-6-2021 quanto à não Recorrente BB e em 14-10-2021 quanto ao Arguido AA por ter interposto Recurso não provido pelo ARP 14 970 948 de 29-9-2021 da 4ª Secção Judicial / 2ª Secção Criminal doc a fls 23-53 VS do qual ora ressuma o § do sub item «Da qualificação jurídica dos factos no crime do tráfico de menor gravidade, previsto no art.º 25º do DL 15/93, de 22/01» com o teor:

« Além dos factos acabados de descrever [ut §§ 1  79  3  4  6  10  12 a 68 do rol de factos a quo julgados provados] há ainda que ter em conta os montantes em dinheiro apreendido, que totalizam valor próximo dos € 20.0000,00, provenientes do tráfico. Do qual, nos termos concretamente dados como provados, os arguidos faziam modo de vida. Tudo fazendo com que o potencial de ofensividade para o bem jurídico e a perigosidade que o tráfico de droga concretamente representava, não permitem, ao nível da ilicitude, dizer que estamos perante tráfico de menor gravidade…»

Ora no apensado PROCEDIMENTO CAUTELAR (CPC2013) ARRESTO 20/18.9GCFLG-C depois 20/18.9GCFLG-B mais se constatou a seguinte tramitação processual penal:


1. A PROMOÇÃO 86 894 625 de 29-10-2021 «Transitada que se mostra a condenação do arguido, promovo que se notifique o arguido para proceder ao pagamento do valor de 55.252,21, sob pena de ser determinada a conversão do arresto em penhora» como certificado a fls 73 VS deste Recurso em Separado 20/18.9GCFLG-D;


2. O DESPACHO 86 942 894 de 04-11-2021 «Como se promove» certificado a fls 74 deste Recurso em Separado 20/18.9GCFLG-D;


3. A EXPEDIÇÃO via Citius da NOTIFICAÇÃO 86 983 434 de 05-11-2021 à Il Mandatária do Arguido AA de «todo o conteúdo do despacho que se anexa»;


4. A PROMOÇÃO 87 292 956 de 09-12-2021 «se determine a conversão do arresto em penhora»;


5. O DESPACHO 87 356 880 de 15-12-2021 «Uma vez que a Dra. CC renunciou ao mandato em maio de 2021, o que se estende a este apenso, a notificação determinada em 04-11-2021 tem que ser repetida para o mandatário atual, bem como ao arguido pessoalmente no EP, o que se determina»;


6. A EXPEDIÇÃO via Citius da NOTIFICAÇÃO 87 380 530 de 16-12-2021 ao Il Mdt do Arguido AA de «todo o conteúdo do despacho que se anexa»;


7. A EXPEDIÇÃO via e-mail ao EPP do pedido 87 380 699 de 16-12-2021 de NOTIFICAÇÃO do Arguido AA «para proceder ao pagamento do valor de € 55.252,1, sob pena de ser determinada a conversão do arresto em penhora, nos termos da promoção e despacho cuja cópia se junta»;


8. A PROMOÇÃO 87 539 898 de 10-01-2022 «Face ao silêncio do arguido, renovo a promoção anterior» que é a PROMOÇÃO 86 894 625 de 29-10-2021;


9. O DESPACHO 87 559 933 de 13-01-2022 «Transitado em julgado o acórdão condenatório e notificado o arguido para proceder ao pagamento do valor de 55.252,51 correspondente à provada vantagem da atividade criminosa e declarado perdido a favor do Estado, sob pena de ser determinada a conversão do arresto em penhora, não veio o arguido proceder ao pagamento, mantendo-se em silêncio. | Pelo exposto, determino a conversão do arresto do prédio urbano sito na Rua ..., fração B, descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar, com o n.º ...51, na União de Freguesias de Gondomar (...), ... e ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...94 em penhora. | Proceda às legais comunicações. | Notifique»;


10. A EXPEDIÇÃO via Citius da NOTIFICAÇÃO 87 632 264 de 18-01-2022 ao Il Mdt do Arguido AA de «todo o conteúdo do despacho que se anexa»;


11. A EXPEDIÇÃO via Citius da NOTIFICAÇÃO 87 632 266 de 18-01-2022 à Il Patrona da Arguida BB de «todo o conteúdo do despacho que se anexa»;


12. Mercê da apresentação ...22/01/24 na CRP de GDM, o Recibo ...03/2022 dos «Factos requeridos … Conversão em penhora Registo no sistema em: 2022/01/24 16:20:07 UTC Gondomar/Gondomar (...) - Prédio N.º ...51 - Fração B Convola Conversão em definitiva»;
13. A PROMOÇÃO 88 047160 de 28-02-2022 de «que se remeta ao GAB certidão do acórdão, com nota de trânsito em julgado, bem como certidão da decisão proferida no presente apenso, para efeitos de venda do património declarado incongruente»;


14. O DESPACHO 88 078708 de 03-3-2022 «Proceda conforme promovido»;


15. O DESPACHO 90 146 546 de 24-10-2022 «Constatando-se que os arguidos foram solidariamente condenados ao pagamento da quantia de € 55.252,21 correspondente ao valor do património incongruente com o rendimento lícito respetivo e que a arguida BB não foi notificada para efetuar esse pagamento a fim de evitar a perda dos bens arrestados a favor do Estado, notifique-a para esse efeito» como certificado a fls 74 VS deste Recurso em Separado 20/18.9GCFLG-D;


16. A EXPEDIÇÃO via Citius da NOTIFICAÇÃO 90 164 119 de 25-10-2022 à Il Patrona da Arguida BB de «todo o conteúdo do despacho que se anexa» como certificado a fls 75 e VS;


17. A EXPEDIÇÃO via postal registada simples da NOTIFICAÇÃO 90 164 184 de 25-10-2022 à Arguida BB «para, em 30 dias, a contar a da presente notificação, para efetuar o pagamento de € 55.252.21 correspondente ao valor do património incongruente com o rendimento lícito respetivo, nos precisos termos do despacho proferido cuja cópia se anexa» como certificado a fls 76 e VS deste Recurso em Separado 20/18.9GCFLG-D

Sob 90 743 589 a Mma J5 do JCC de PNF proferiu em 10-01-2023 os dois sgs DESPACHOS que se transcrevem por ambos terem sido alvo de Recurso numa mesma peça Motivação:

« Por acórdão transitado em julgado, foi declarada perdida a favor do Estado a quantia de € 55.252,21 por corresponder ao valor do património incongruente com o rendimento lícito respetivo e, consequentemente, condenados os arguidos a pagar solidariamente ao Estado esse valor.

Notificados os arguidos para procederem ao pagamento desse valor, não o fizeram.

Tal valor foi garantido por arresto preventivo sobre o prédio urbano sito na Rua ..., ..., ..., descrito na CRP de Gondomar com o n.º ...51 da União de Freguesias de Gondomar (...), ... e ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...94, bem como sobre os veículos automóveis com as matrículas ..-..-XA e ..-PE-.., arrestos esses oportunamente registados.

O imóvel mostra-se avaliado nas Finanças por € 43.401,40 e os automóveis não foram sujeitos a avaliação, se bem que datem de 2004 e 2007, sendo previsível o seu baixo valor comercial.

Nos termos do artigo 12º, n.º 4 da Lei n.º 5/2002, de 11.01, não se verificando o pagamento [do valor que deve ser perdido a favor do Estado nos termos do artigo 7º correspondente à diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito], são perdidos a favor do Estado os bens arrestados”.

Assim, verificando-se no caso essa falta de pagamento, declaro a perda a favor do Estado da fração imóvel e dos veículos supra identificados.

Notifique. | Transitado, conclua nos autos de procedimento cautelar apensos.

Ficou provado em acórdão que o valor apreendido em sede de buscas e revistas - € 19.713.65 – proveio da venda de produtos estupefacientes.

Tal valor não foi relevado para efeitos de cálculo de valor incongruente.

Nos termos do artigo 36º do DL n.º 15/93, de 22.01, são declaradas perdidas a favor do Estado as vantagens que, através da infração, tiverem sido adquiridas diretamente pelos agentes, para si ou para outrem.

Assim, declara-se perdido a favor do Estado o montante de € 19.713,65. | Notifique.»

Inconformada, a CONDENADA interpôs o RECURSO 44 717 896 pela Declaração de interposição com MOTIVAÇÃO a fls 55-62 rematada com 28 §§ de CONCLUSÕES que se transcrevem:


1. «A. Decidiu o despacho recorrido que não se tendo verificado o pagamento da quantia declarada perdida a favor do Estado nos autos (€ 55.252,21 ) deverão considerar-se perdidos a favor do Estado, sem mais, a fração imóvel e os veículos que se encontravam arrestados.


2. B. Não se encontra junta aos autos qualquer avaliação dos bens arrestados, conforme decorre da própria decisão proferida pelo Tribunal a quo.


3. C. A decisão proferida não cuidou de apurar o valor real/comercial dos bens arrestados e tão-pouco procedeu à redução dos bens arrestados até ao montante declarado perdido a favor do Estado na decisão condenatória.


4. D. Ao decidir como decidiu, o despacho que antecede fez absoluta tábua rasa do Princípio da Proporcionalidade e, bem assim, do disposto no artigo 12.º, n.º 1 e 2 da Lei n.º 5/2002, de 11/01. Porquanto,


5. E. Como se sabe, o valor patrimonial tributário de um prédio não corresponde ao seu valor comercial, pelo que não pode servir aquele valor para o efeito pretendido pelo despacho que antecede.


6. F. Tanto mais que a cidade de Gondomar, onde se encontra instalado o imóvel é um local com elevada procura imobiliária.


7. G. A este respeito, vide o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora datado de 10 de Maio de 2018, onde pode ler-se: “De resto, como se sabe, em regra, o valor patrimonial/fiscal dos imóveis não coincide com o seu valor de mercado, que normalmente é superior aquele, ainda mais numa altura, como a actual, em que o mercado imobiliário se encontra em alta e o imóvel se encontra num concelho urbano com grande procura, como a zona de Sesimbra”.


8. H. Ao decidir nos termos que antecedem, o Tribunal recorrido está a promover um enriquecimento injustificado e ilícito do Estado, muito superior ao valor que é realmente devido pelos Arguidos.


9. I. Tanto mais que, nem foi deduzido ao montante de € 55.252,21 (…) ou, sequer foi considerado o montante de € 19.713,65 (…) apreendido nos autos.


10. J. Em última análise, como se disse, seria de ordenar a redução dos bens apreendidos até ao montante declarado perdido a favor do Estado efetuando-se a devida dedução da quantia de € 19.713,65 (…) apreendida nos autos.


11. K. Nos exatos termos da decisão proferida, pretende o despacho recorrido promover uma perda injustificada, desadequada e desproporcional de todos os bens dos Arguidos, esvaziando-os de qualquer património, quando na verdade não ficou demonstrada nos autos a proveniência ilícita de todos os seus bens, muito pelo contrário.


12. L. Por tudo quanto se expôs, o despacho proferido viola o disposto no artigo 18.º, n.º 2 da CRP, bem como, o disposto nos artigos 7.º e 12.º, n.º 1, 2 e n.º 4 da Lei n.º 5/2002, de 11/01.


-----
13. M. Sem prejuízo, nos termos do Acórdão condenatório proferido nos autos, nenhum destino foi atribuído à quantia de €19.713,65 (…)


14. N. Da decisão transitada em julgado consta apenas o seguinte:

“(…) Nos termos dos artigos citados e do artigo 109º do Código Penal, e em face do que ficou a constar da matéria de facto provada, porque foram usados na atividade de tráfico desenvolvida pelos arguidos, serão declarados perdidos a favor do Estado:

- as substâncias estupefacientes apreendidas nos autos, ordenando-se a sua destruição, ao abrigo do disposto nos artigos 39º, n.º 3 e 62º do diploma citado;

- o telemóvel com o IMEI ...79, com o cartão telefónico n.º ...92 (Iphone 7 Plus) e o caderno com apontamentos manuscritos de transações, usados na atividade ilícita e suscetíveis de novas utilizações similares.

Uma vez que não se provou que o telemóvel Samsung Galaxy A7, IMEI ...90/01, apreendido à arguida BB alguma vez tenha sido usado na atividade criminosa dos arguidos, ser-lhe-á restituído nos termos do artigo 186, n.º 2 CPP. (…)

Face ao exposto, julga este tribunal coletivo a acusação procedente e, em consequência:

condena o arguido AA pela prática, como autor material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão efetiva;

condena a arguida BB pela prática, como cúmplice, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos artigos 27º e 73º do Código Penal e 21º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período com regime de prova.

Declara perdida a favor do Estado a quantia de € 55.252,21 por corresponder ao valor do património incongruente com o rendimento lícito respetivo e, consequentemente, condena os arguidos a pagar solidariamente ao Estado esse valor;

Mantém o arresto preventivo oportunamente decretado em sede de apenso B até que tais quantias sejam pagas.

Mantém o arguido AA sujeito à medida de coação de prisão preventiva;

Mantém a arguida Ana Maria Coelho sujeita às medidas de coação de apresentações semanais no opc da sua área de residência e proibição de contactar por qualquer meio com pessoas associadas com o tráfico ou o consumo de estupefacientes;

Condena os arguidos nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC.”


15. O. Da decisão supracitada não consta que a aludida quantia tivesse servido para a prática de um qualquer facto ilícito típico ou, que estivesse destinada a servir a sua prática.


16. P. No que respeita ao destino a dar à quantia apreendida e arrestada de € 19.713,65 (…), o acórdão é completamente omisso.


17. Q. Salvo devido respeito por opinião diversa, é na decisão final da causa que importa fixar o destino a dar a animais, coisas ou objetos relacionados com o crime, com expressa menção das disposições legais aplicadas”, tudo nos termos do artigo 374.º, n.º 3, alínea c) do CPP.


18. R. Após o trânsito em julgado importa dar cumprimento ao disposto no artigo no artigo 186.º, n.º 2 do CPP e, consequentemente, ordenar a restituição dos animais, as coisas ou os objetos, a quem de direito, salvo se tiverem sido declarados perdidos a favor do Estado.


19. S. A sentença é o momento processualmente adequado para se avaliar e decretar a perda dos objetos ou instrumentos por qualquer forma ligados à prática de um crime.


20. T. Verificado o trânsito em julgado da decisão final proferida, impõe-se que se decrete a restituição dos bens apreendidos, a quem de direito”.


21. U. Assim, os bens apreendidos em processo penal só podem ser declarados perdidos até ao trânsito em julgado da decisão final, salvo tratando-se de bens que, pela sua natureza, não podem ser detidos pelos interessados em reavê-los.


22. V. Após a prolação da decisão, estando em causa um bem (quantia em numerário) com natureza e características lícitas, deveria ter sido restituído aos Arguidos, não podendo vir a ser declarado perdido a favor do Estado, em despacho proferido após o Acórdão.


23. W. Como se disse, nos termos do douto Acórdão proferido nos presentes autos não foi determinado qualquer destino à quantia em numerário apreendida nos presentes autos.


24. X. Posto isso, estava vedado ao Tribunal a quo em despacho proferido após o acórdão, declarar perdida a favor do Estado a quantia € 19.713,65 (…).


25. Y. Devendo a decisão proferida ser substituída por outra que decrete a devolução do aludido montante aos Arguidos.


-----
26. Z. Ou caso assim não se entenda o que não se concebe e apenas por mera cautela se configura, a ser declarado perdido a favor do Estado, o aludido montante só poderá sê-lo a título de dedução à quantia de € 55.252,21 (…), essa sim cuja perda foi declarada favor do estado por corresponder ao valor do património incongruente com o rendimento lícito respetivo”.


27. AA. Nunca nos termos do despacho que antecede e com os efeitos e imputação que o despacho lhe pretende agora atribuir.


28. BB. Ao proferir o despacho nos termos que antecedem, o Tribunal a quo infringiu o disposto nos artigos 374.º, n.º 3, alínea c) e 186.º, n.º 2,ambos do Código de Processo Penal e 62.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.


Ø Nestes termos e nos melhores do Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o despacho recorrido ser revogado e substituído por decisão que proceda à avaliação dos bens arrestados e à redução dos mesmos até ao montante declarado perdido a favor do Estado no acórdão condenatório, deduzindo sempre a quantia de € 19,713,65 apreendida nos autos.»

ADMITIDO o Recurso a subir imediatamente, em separado e com efeito suspensivo para este TRP ut arts 399, 401-1-b-I-III, 406-2, 407-2-b, 408 a contrario e 427 do CPP por Despacho 91 235 409 que foi NOTIFICADO a Sujeitos Processuais inclusive nos termos e para os efeitos dos arts 411-6 e 413-1 do CPP, o MINISTÉRIO PÚBLICO apresentou RESPOSTA 21 617 a fls 64-68 vs deste Recurso em Separado com os sgs 4 §§ de CONCLUSÕES que se transcrevem:

[ A Recorrente «entende em súmula que:

-   não se encontra junta aos autos qualquer avaliação dos bens arrestados, conforme decorre da própria decisão do Tribunal a quo;

-   a decisão não cuidou de apurar o valor real/comercial dos bens arrestados e tão pouco procedeu à redução dos bens arrestados até ao montante declarado perdido a favor do Estado na decisão condenatória;

-   foi violado o princípio da proporcionalidade e bem assim o disposto no art. 12º, nº 2 da Lei nº 5/2002, de 11/01;

-   o valor patrimonial tributário de um prédio não corresponde ao seu valor comercial, pelo que não pode servir aquele valor para o efeito pretendido pelo despacho em crise;

-   o Tribunal recorrido está a promover um enriquecimento injustificado e ilícito do Estado, muito superior ao valor que é realmente devido pelos arguidos, tanto mais que ao montante de 55.252,21 € não foi deduzido o montante de 19.713,65€ apreendido nos autos;

-   no acórdão nenhum destino foi atribuído à quantia de 19.713,65€, sendo que é na sentença o momento processualmente adequado para se avaliar e decretar a perda dos objectos ou instrumentos por qualquer forma ligados à prática de um crime;

-   verificado o trânsito em julgado da decisão final proferida impõe-se que se decrete a restituição dos bens apreendidos a quem de direito;

-   os bens apreendidos em processo penal só podem ser declarados perdidos até ao trânsito em julgado da decisão final, salvo tratando-se de bens que, pela sua natureza, não podem ser detidos pelos interessados em reavê-los;

-   estava vedado ao Tribunal a quo em despacho proferido após o acórdão, declarar perdida a favor do Estado a quantia de 19.713,65€, pelo que a mesma deverá ser devolvida aos arguidos;

-   ou caso assim não se entenda, a ser declarado perdido a favor do Estado, o aludido montante só poderá sê-lo a título de dedução à quantia de 55.252,21€;

Como se procurará demonstrar, não assiste qualquer razão à arguida.

II – Do trânsito em julgado do valor declarado perdido a favor do Estado

Antes de mais, no que ao objecto do presente recurso concerne, e no que diz respeito ao património incongruente, é a seguinte a matéria de facto definitivamente fixada:

[neste ponto do original segue citação dos §§ 88 a 101 do rol de factos a quo julgados provados que aqui não se repetem por já terem sido supra citados no local próprio]

Há um facto insofismável: …»]


1. « Os arguidos notificados para o pagamento do valor de 55.252,21€ correspondente à provada vantagem da actividade criminosa e declarado perdido a favor do Estado não o fizeram, pelo que decorre da lei que são declarados perdidos a favor do Estado nos termos do art. 12º, nº 4 da Lei nº 5/2002, de 11 de Janeiro, os bens arrestados.


Assim, antes de mais, resulta que foram declarados perdidos a favor do Estado, os bens que haviam sido arrestados, sendo que …»]


2. De nenhuma norma legal resulta que, após o trânsito em julgado de tal decisão, se imponha ao Tribunal que determine a avaliação de tais bens.

O arresto, decretado ao abrigo do disposto na Lei nº 5/2002, de 11 de Janeiro, não é imutável. Isto é, é susceptível de modificação, nomeadamente nos termos do art. 11º. Entende o arguido que o acórdão padece da nulidade prevista no art. 379º, nº 1, als. a) e c) do Código de Processo Penal, por violação do disposto no art. 374º, nº 2 do mesmo dispositivo legal.

Por outro lado, não se impõe, após o trânsito em julgado da decisão que declara a perda a favor do Estado do valor julgado incongruente com o rendimento lícito, qualquer avaliação dos bens que se mostram arrestados, sendo que, diga-se, são os bens que responderão pelo pagamento de tal quantia, sem que a agora recorrente em momento algum tenha questionado que o valor do prédio arrestado seria excessivo para garantir o pagamento do calculado património incongruente.

Assim entende-se que não assiste qualquer razão à arguida.

III – Da declaração de perda ao abrigo do disposto no art. 36º do Decreto-Lei nº 15/93 …

Entende a recorrente que os bens apreendidos em processo penal só podem ser declarados perdidos até ao trânsito em julgado da decisão final, salvo tratando-se de bens que, pela sua natureza, não podem ser detidos pelos interessados em reavê-los.

Salvo o devido respeito entende-se que não assiste razão à recorrente.

Seguimos aqui de perto o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23-06-2021, no processo nº 1000/19.2PRPRT-H.P1, pesquisado, nesta data em www.dgsi.pt, que com a devida vénia se transcreve na parte que agora releva | “ (…) o disposto do art.186º nº2 do CPP é uma norma meramente procedimental, que em nada posterga ou pode prejudicar a validade e a emergência do regime tutelar e preventivo do disposto no art.109º do Cód. Penal. Com efeito, o regime substantivo previsto no art.109º do Cód.Penal integra uma tutela preventiva muito relevante para os fins preventivos do regime sancionatório penal.


3. A expressão do art.186º nº 2 do Código de Processo Penal, está naturalmente de acordo com a temporalidade prevista no art. 374º nº3 alínea c) do CPP, que fixa a composição temática da sentença, mas a sua importância é procedimental e ordenatória dos atos sobre os bens, nunca podendo prejudicar a apreciação tutelar prevista no art.109º do Cód. Penal, sobretudo não contém qualquer cominatório, revogatório do regime substantivo previsto no art. 109º do CP.

Conhecemos os argumentos desta jurisprudência que se fixam na economia de recurso do arguido face à sentença que se pronunciou sobre o destino dos bens, como razão que justifica a operacionalidade do art. 109º do CP apenas na sentença e não em decisão autónoma (para evitar a duplicação de recursos, ou a distorcer a opção de recurso da sentença). Contudo, salvo o devido respeito, este fundamento de economia não pode colher, pois em nada prejudica o direito ao recurso; e não pode sustentar o afastamento do regime previsto no art.109º do CP, por uma norma meramente processual, onde não esteve no horizonte do legislador alterar o regime do código penal.

A referida argumentação socorre-se sobretudo da letra do nº2 do art.186º, cuja redacção nem será suficientemente clara a esse respeito. Mas a partir de uma interpretação meramente literal, produz-se uma exegese excessiva que constrói um novo regime normativo, diverso, consoante a natureza proibida, ou não, dos bens (o que permitirá atuar ou afastar o regime do art.109º do CP, mesmo após o trânsito da sentença), e assim se subverte a teleologia do sistema, afastando-se as razões preventivas que o disposto no art. 109º do CP visa acautelar, sem que do outro lado exista alguma razão válida para tudo isso.

Assim, as incongruências sentidas na jurisprudência obrigou-a a distinguir o âmbito do art. 186º nº 2 do CPP, dizendo que somente no caso dos instrumentos “proibidos” o regime do art. 186º nº2 do CPP não podia prevalecer sobre o art. 109º do CP. Ora, aqui devem assinalar-se dois aspectos: não só, não pode o intérprete fazer essa distinção, pois com essa exegese extravagante estão-se a criar critérios normativos que não estão na lei; por outro lado, com a mesma interpretação está a afastar a aplicação do art.109º do CP nos chamados bens “permitidos”, quando estes podem revestir uma perigosidade muito superior aos denominados bens “proibidos”.

O alcance e autonomia da tutela do art.109º do CP está bem expresso no nº 2 desse preceito, onde a mesma pode operar em casos em que não exista condenação; no arquivamento do inquérito; após a extinção do procedimento por morte do agente; ou quando o agente tenha sido declarado contumaz. Portanto, o trânsito da sentença não é critério, nem tinha de ser, para a oportunidade de apreciação deste regime.” »]


4. A sentença que não se pronuncie sobre o regime de perdimento nos termos do art. 374º nº 3 alínea c) do Código de Processo Penal, não padece de nulidade nos termos do art. 379º nº 1 alínea a) do mesmo diploma, e muito menos o caso julgado da sentença que não se pronuncie sobre o perdimento de bens, atinge o regime previsto no art. 109º do CP, que pode ulteriormente ser atuado, com perdimento do instrumento do crime, mesmo após o trânsito da sentença. | Termos em que:


Ø Negando provimento ao recurso, mantendo in totum o douto acórdão recorrido, farão … JUSTIÇA

Em VISTA ut art 416-1 do CPP a Exma Procuradora Geral Adjunta emitiu o PARECER 16 822 011 - print out a fls 80-85 deste Recurso em Separado - do qual se extracta:

«[…] I. Conforme conclusões delimitadoras do objeto do recurso, a recorrente impugna a decisão recorrida com os seguintes fundamentos:

- os bens arrestados não foram avaliados e a decisão recorrida não apurou o respetivo valor real, pelo que foi violado o princípio da proporcionalidade e o disposto no art. 12º, nºs 1 e 2 da Lei nº 5/2002, de 11 de janeiro, do mesmo passo que se promove o enriquecimento ilícito e injustificado do Estado;

- devia ter sido ordenada a redução dos bens arrestados até ao montante declarado perdido a favor do Estado e efetuada a dedução da quantia de € 19 713,65 que se encontra apreendida nos autos, pelo que foi violado o disposto nos arts. 18º, nº 2 da CRP e 12º, nºs 1, 2 e 4 da Lei nº 5/2002, de 11 de janeiro;

- no acórdão condenatório já transitado em julgado não foi dado destino à quantia de € 19 713,65, nem dele consta que a aludida quantia tivesse servido para a prática de qualquer facto ilícito típico, ou que estivesse destinada a servir a sua prática, pelo que não tendo sido cumprido o disposto no artigo 374º, nº 3 al. c) do Código de Processo Penal, importava dar cumprimento ao disposto no artigo 186º, nº 2 do mesmo código, decretando a restituição dos bens apreendidos a quem de direito”.

Pugna-se, nestes termos, pela revogação da decisão recorrida e pela sua substituição por outra que determine a avaliação dos bens arrestados e a sua redução até ao montante declarado perdido a favor do Estado, deduzindo-se sempre a quantia de €19 713,65 que se encontra apreendida nos autos.

II. O Ilustre Magistrado do Ministério Público na primeira instância respondeu exaustiva, criteriosa e fundamentadamente ao recurso sustentando a sua integral improcedência, porquanto e, em síntese:

- não tendo sido realizado o pagamento da importância de €55 252,21 decorre da lei que sejam declarados perdidos a favor do Estado os bens arrestados;

- a expressão do artigo 186º, nº 2 do Código de Processo Penal está naturalmente de acordo com a temporalidade prevista no art. 374º, nº 3 al. c) do Código de Processo Penal, mas a sua temporalidade é procedimental e ordenatória dos atos sobre os bens, não prejudicando a temporalidade da apreciação tutelar prevista no art. 109º do Código Penal;

- a sentença que se não pronuncie sobre o regime de perdimento, nos termos do art. 374º, nº 3 al. c) do C…P…P…, não padece de nulidade nos termos do artigo 379º, nº 1 al. a) do mesmo diploma e o trânsito em julgado não atinge o regime previsto no art. 109º do Código Penal.

III. Também se nos afigura que o recurso não merece provimento.

Constituem objeto do presente recurso as seguintes questões:

A. consequências do não pagamento do valor do património incongruente declarado perdido a favor do Estado, nos termos dos artigos 7º e 12º, nº 1 da Lei nº 5/2002, de 11 de janeiro;

B. destino a dar a quantia monetária apreendida nos autos que não foi fixado no acórdão condenatório já transitado em julgado;

C. (in)admissibilidade de imputação do respetivo valor no valor declarado perdido a favor do Estado, nos termos dos arts. 7º e 12º, nº 1 da Lei nº 5/2002.

[…] Por força do disposto no artigo 12º da Lei nº 5/2002, de 11 de janeiro

1 - Na sentença condenatória, o tribunal declara o valor que deve ser perdido a favor do Estado, nos termos do artigo 7.º.

2 - Se este valor for inferior ao dos bens arrestados ou à caução prestada, são um ou outro reduzidos até esse montante.

3 - Se não tiver sido prestada caução económica ou esta não for suficiente, o arguido pode pagar voluntariamente o montante referido no número anterior, ou o valor remanescente, nos 10 dias subsequentes ao trânsito em julgado da sentença, extinguindo-se o arresto com esse pagamento.

4 - Não se verificando o pagamento, são perdidos a favor do Estado os bens arrestados.

5 - Não havendo bens arrestados ou não sendo suficiente o seu valor para liquidar esse montante, havendo outros bens disponíveis, o Ministério Público instaura execução.

Assim, a execução do julgado relativamente à perda de valor de património incongruente, processa-se por uma das seguintes vias:

i. pagamento voluntário nos 10 dias subsequentes ao trânsito em julgado

ii. pagamento pelo valor da caução económica se esta tiver sido prestada

iii. não havendo pagamento voluntário nem tendo sido prestada caução, mas se houver arresto, perda dos bens arrestados para subsequente venda e pagamento do valor cuja perda haja sido declarada

iv. instauração de execução, para pagamento da totalidade, no caso de não haver garantias, ou para pagamento do remanescente se as garantias forem insuficientes.

O arresto previsto no artº 10º 1 da Lei nº 5/2002 é uma medida de garantia patrimonial, sendo-lhe aplicáveis, em tudo o que não contrariar o disposto na Lei nº 5/2002, o regime do arresto preventivo previsto no Código de Processo Penal. O arresto mantem-se até que seja proferida decisão final absolutória (artº 11º, nº 33 da Lei 5/2002), ou até que seja proferida decisão de perda e o arguido pague voluntariamente o valor da incongruência, podendo manter-se para além da decisão final condenatória (artº 12º, nº 4 da Lei 5/2002). O legislador visou garantir, desta forma, a efetividade das decisões de perda, e, por isso, introduziu um regime especial de arresto.

Na decisão condenatória transitada em julgado o arresto foi mantido, até que se mostre pago o valor que o mesmo visa garantir. Nunca foi requerida a sua redução ou ampliação.

Não ocorrendo o pagamento voluntário do valor declarado perdido a favor do Estado, a lei prevê, como consequência direta e imediata, a perda dos bens arrestados a favor do Estado, obviamente até ao valor da incongruência. Não está legalmente previsto, nem se afigura que tal tivesse sido intenção do legislador, que no momento da declaração de perda dos bens arrestados, se proceda a nova ponderação sobre se o valor dos bens a declarar perdidos é ou não suficiente para o pagamento do valor incongruente objeto da declaração de perda.

Tal ponderação foi realizada nas decisões do arresto e sua manutenção, contra as quais a recorrente não reagiu - cfr. art. 12º nº 2 da Lei nº 5/2002 - e eventual acerto de contas será realizado no momento previsto no nº 5 do mesmo preceito legal, ou seja em fase executiva.

Tudo termos em que me parece não merecer qualquer censura a decisão de perda a favor do Estado dos bens arrestados, até ao valor da incongruência, porque realizada em observância dos comandos legais especiais previstos na Lei nº 5/2002, de 11 de janeiro.

Regime especial justificado pelo tipo de criminalidade em causa, adotado pelo legislador português em observância das obrigações internacionalmente assumidas pelo Estado português e no respeito pelos princípios estabelecidos na Convenção de 1990 do Conselho da Europa relativa ao branqueamento, deteção, apreensão e perda dos produtos do crime. A gravidade dos crimes em causa e os elevados danos que os mesmos provocam à comunidade justificam o regime especial de perda de bens estabelecido na Lei nº 5/2002 e o regime especial sobre a respetiva execução. A Lei nº 5/2002, teve especial preocupação de garantir a efetividade das decisões de perda, e, por isso, instituiu um regime especial de arresto com a finalidade de garantir a futura decisão de perda, arresto que se mantém até ao pagamento do valor da incongruência que seja declarado perdido, pelo que, não tendo sido realizado o pagamento voluntário, impunha-se a declaração de perda dos bens arrestados até ao valor da incongruência.

O legislador, além de ter estabelecido um prazo específico para o cumprimento da respetiva obrigação, estabeleceu também, de forma categórica, a consequência imediata para a falta de cumprimento da obrigação no decurso de tal prazo, a perda a favor do Estado dos bens arrestados, arresto relativamente ao qual foram concedidas aos arguidos todas as garantias de defesa, termos em que se não pode afirmar, como afirma a recorrente, nem a violação do disposto no artigo 18º nº 2 da CRP, nem dos artigos 7º e 12º da Lei nº 5/2002.

Em suma, a declaração de perda dos bens arrestados a favor do Estado é uma consequência direta e imediata do não pagamento do valor declarado perdido a favor do Estado, nos termos dos artigos 7.º e 12º da Lei nº 5/2002.

Obviamente que esta declaração de perda só opera, apesar de tal não constar expressamente da decisão recorrida, até ao valor da incongruência, por assim decorrer do regime legal e concretamente da norma citada naquela decisão.

Com efeito, uma vez, declarada e transitada a perda dos bens arrestados, deve proceder-se à respetiva venda que é da competência do Gabinete de Administração de Bens - (GAB), nos termos do artigo 10º da Lei nº 45/2011, com as alterações introduzidas pela Lei nº 30/2017, de 30/05.

1 - A administração dos bens apreendidos, recuperados ou declarados perdidos a favor do Estado, no âmbito de processos nacionais ou de atos de cooperação judiciária internacional, é assegurada por um gabinete do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I. P. (IGFEJ, I. P.), designado Gabinete de Administração de Bens (GAB).

2 - Compete ao conselho diretivo do IGFEJ, I. P., a prática de todos os atos de administração e gestão do GAB, assim como a definição das suas normas de funcionamento e a regulamentação dos procedimentos instituídos no presente capítulo.

3 - No exercício dos seus poderes de administração compete ao GAB, nos termos do disposto no presente capítulo:

a) Proteger, conservar e gerir os bens recuperados ou à guarda do Estado;

b) Determinar a venda;

c) Determinar a afetação a finalidade pública ou socialmente útil conexa com a administração da justiça, conquanto os bens a afetar se revelem de interesse para a entidade beneficiária e sejam adequados ao exercício e prossecução das suas competências legais ou estatutárias;

d) Determinar a destruição dos bens mencionados na alínea a), desde que salvaguardado o cumprimento da regulamentação comunitária aplicável;

e) Assegurar a destinação dos bens recuperados ou declarados perdidos a favor do Estado por decisão transitada em julgado, sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 20.º-A;

f) Exercer as demais competências que lhe sejam legalmente atribuídas.

4 - O GAB exerce as suas funções no estrito respeito pelo princípio da transparência, visando a gestão racional e eficiente dos bens administrados e, se possível, o seu incremento patrimonial.

5 - O GAB procede ao exame, à descrição e ao registo da avaliação do bem para efeitos de fixação do valor de eventual indemnização.

6 - O GAB fornece ao GRA dados estatísticos para os efeitos do n.º 2 do artigo 3.º.)

Conforme decorre do supra transcrito art. 12º da Lei nº 5/2002, se o valor dos bens arrestados for suficiente para o pagamento do valor declarado perdido, por eles será satisfeito o pagamento, se for inferior e houver outros bens disponíveis, o Ministério Público instaura execução para pagamento do remanescente, se for superior impor-se-á, necessariamente a devolução da diferença ao condenado devedor.

Mas isso é questão que neste momento se não coloca nem se pode decidir, posto não estar ainda em curso a venda daqueles bens.

Nestes termos e em conclusão não se vislumbra nenhum concreto fundamento impeditivo da declarada perda dos bens arrestados.

B. Quanto à impugnada declaração de perda nos termos do art. 36º do Dec-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro da quantia de € 19 713,65 que se encontra apreendida nos autos

Nos termos do artigo 374º, nº 3 al. c) do Código de Processo Penal, o dispositivo da sentença deve conter a indicação do destino a dar a animais, coisas ou objetos relacionados com o crime, com expressa menção das disposições legais aplicadas.

In casu, no dispositivo da sentença declarou-se a perda a favor do Estado das substâncias estupefacientes e telemóveis apreendidos, mas nada se referiu quanto ao destino a dar à indicada importância monetária.

Como se sabe, não há uniformidade na jurisprudência sobre a questão de saber se, após o trânsito em julgado da decisão que conhece do objeto do processo, ainda é possível determinar a perda de bens a favor do Estado.

Afirmam uns que, não configurando tal omissão uma nulidade, nada impede que o destino a dar aos bens apreendidos seja decidido em despacho posterior à sentença, tendo obrigatoriamente por fundamento a factualidade que naquela se deu como provada e não provada, pois não se pode afirmar que se esgotou o poder jurisdicional do juiz com a prolação da sentença se ele não abordou a temática do destino dos bens apreendidos.

Acrescentam que o art. 186.º do Código de Processo Penal tem natureza procedimental sobre a restituição de objetos, pelo que a correta interpretação deste preceito leva a que se considere que o mesmo apenas pressupõe - não impõe - que é na sentença que se determina o destino dos bens apreendidos e que destes devem ser restituídos os que não forem declarados perdidos a favor do Estado, mas não impede que em momento posterior à sentença possa operar essa decisão, sempre em respeito ao que ali se consignou em termos de matéria de facto provada e não provada. (Cfr., entre outros, Ac. TRP, de 08/03/2023, Rel. Desemb. Joana Grácio - Proc. nº 229/20.5GAPFR.P1)

O trânsito em julgado de sentença que não se pronunciou sobre o destino dos bens apreendidos no processo não é obstáculo a que se profira despacho posterior decidindo sobre essa matéria. (Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 06-04-2011, Relator Des. Ricardo Costa e Silva)

Dizem outros que após a prolação de uma sentença e, tratando-se de bens ou objetos apreendidos que tenham natureza e características lícitas, os mesmos devem ser restituídos às pessoas que tiverem direito a eles, não podendo ser declarados perdidos a favor do Estado, em despacho proferido após a sentença (cfr., entre outros, Ac. TRL, de 22/05/2018, Rel. Desemb. Simões de Carvalho - Proc. nº 174/11.5GDGDM-I.L1-5)

A decisão sobre a perda de bens é uma decisão de mérito e, portanto, se a sentença não se pronuncia sobre a questão, esta falta não pode ser suprida com recurso ao mecanismo do art.º 380 do Código de Processo Penal. A falta de decisão quanto aos bens apreendidos é rsolvida pela própria lei, que prevcê expressamente que, nesses casos, Logo que transitar em julgado a sentença, os objetos apreendidos são restituídos a quem de direito - art.º 186º/2 do CPP. (Entre outros, Ac. TRL, de 02-07-2020- Pº 4/17.4VLSB-B.L1-9, Rel. Abrunhosa de Carvalho e Ac do TRC, de 06/11/2019, Rel. Desemb. Vasques Osório, Proc. nº 8/17.8JACBR.C1).

Temos como inquestionável que, de direito, é na sentença (caso antes o não tenha sido para as situações em que a lei o prevê) que deve ser decidido o destino dos bens apreendidos no processo, declarando-os perdidos a favor do Estado ou ordenando a sua devolução a quem de direito.

Mas quando, de facto, tal não tenha sido decidido e, ainda assim, a sentença/acórdão transitou em julgado, impõe-se, necessariamente determinar o destino a dar a esses bens e ultrapassar o impasse.

Não se nos afigura que a solução seja o recurso ao art. 186º do Código de Processo Penal. Acompanhamos os que afirmam que o art. 186º do CPP é uma norma processual/procedimental que, logicamente, e de acordo com uma interpretação sistemática, pressupõe que na sentença tenha sido tomada a decisão em causa, já que, de acordo com o art. 374º do CPP, era esse o local e o momento próprios para proferir decisão sobre o destino dos objetos. O art. 186º não visa regular a decisão de fundo, ou seja, não visa determinar ou interferir sobre qualquer critério substancial de decisão. (neste sentido, Ac. TRE, de 03/12/2019, Proc. nº 226/16.5GBGDL.E1, Rel. Desemb. Ana Barata Brito)

Assim, se da matéria de facto e de direito da sentença/acórdão decorrer a fundamentação necessária à decisão sobre o destino a dar aos bens apreendidos, não se vislumbra obstáculo legal à prolação de ato decisório, necessariamente recorrível - isto apesar de todos os sujeitos processuais já terem tido oportunidade de reagir contra a omissão da sentença, ao não ter ordenado a devolução ou a perda dos bens - sobre o destino a dar aos bens que se mantenham apreendidos, assim se colmatando a omissão, sem que se possa afirmar que se esgotou o poder judicial, posto que este apenas se esgota quando se mostrem concretamente decididas as questões que demandam decisão.

Revertendo ao caso em apreço sempre se dirá que a recorrente, teve oportunidade de impugnar o acórdão condenatório que não determinou a devolução da quantia monetária apreendida, mas não o fez, pelo que se nos afigura que nada impedia o tribunal de fixar agora o destino a dar àquela importância, por, repete-se, se não poder considerar esgotado o poder jurisdicional nessa matéria. (Nas situações em que a sentença/acórdão é omissa quanto à fundamentação de facto e de direito necessária à decisão sobre o destino a dar a bens apreendidos, impor-se-á, após exercício do contraditório, indagar qual o destino a dar aos bens que se mantenham apreendidos, visando determinar se há alguém de direito a quem os mesmos devam ser restituídos.)

C. A recorrente pugna ou pela devolução daquela importância aos arguidos ou pela sua dedução à quantia der € 55 252,21, cuja perda foi declarada a favor do Estado por corresponder ao valor do património incongruente com o rendimento lícito respetivo.

Parece-nos que nem uma nem outra das suas pretensões pode ser atendida por a tal expressamente se opor a fixada e transitada matéria de facto.

Conforme evola da factualidade assente sob os nºs 1, 77, 79, 82, 89 e 90 e assim expressamente o afirmou o Tribunal da Relação do Porto, no acórdão proferido no recurso interposto pelo co-arguido AA, os montantes em dinheiro apreendidos que totalizam valor próximo dos € 20 000, são provenientes do tráfico de droga (cfr. 2º § de fls. 50vº da certidão que acompanha o presente recurso).

Assim sendo, parece-nos inequívoco que se impunha a declaração de perda daquela referida importância monetária, nos termos do art. 36º nº 2 do Dec-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro (2 - São também perdidos a favor do Estado, sem prejuízo dos direitos de terceiro de boa fé, os objectos, direitos e vantagens que, através da infracção, tiverem sido directamente adquiridos pelos agentes, para si ou para outrem.), por representar vantagem da atividade criminosa de tráfico de estupefacientes a que os arguidos se dedicaram no período compreendido entre setembro de 2018 e junho de 2020, durante o qual, de resto, se não dedicaram a qualquer atividade lícita.

Como a doutrina e a jurisprudência vêm ensinando, a perda das vantagens do crime constitui instrumento de política criminal, com finalidades preventivas, através do qual o Estado exerce o seu ius imperium anunciando ao agente do crime, ao potencial delinquente e à comunidade em geral que, mesmo onde a cominação de uma pena não alcança, nenhum benefício resultará da prática de um ilícito (v.g. “o crime não compensa”, nem os seus agentes dele retirarão compensação de qualquer natureza). A perda das vantagens constitui a justa medida destinada a restabelecer a ordem económica conforme o direito, conduzindo a uma justa privação dos benefícios ilicitamente obtidos - neste sentido Leal Henriques e Simas Santos - Código Penal anotado - vol. I - pág. 545. Cumpre-se uma exigência de justiça, pois aquele que tomou parte na comissão de um crime deve também perder as vantagens patrimoniais conseguidas com este ou como consequência sua.

Ora, dos factos provados nos acórdãos de primeira e segunda instância e demais aduzido naquelas decisões, conclui-se pela existência de fundamento factual e jurídico bastante para sustentar o decretamento da perda a favor do Estado da importância € 19 713,65, por constituir vantagem direta da atividade criminosa pela qual os arguidos foram condenados.

Termos em que me parece não merecer censura a decretada perda a favor do Estado da quantia monetária apreendida e, portanto, também não deve o recurso ser provido nessa parte.

E por manifesta falta de fundamento, de facto ou de direito, também me parece não merecer provimento a pretensão da recorrente no sentido de que tal quantia seja deduzida na quantia que os arguidos foram condenados a pagar, por força do disposto nos artigos 7º e 12º da Lei nº 5/2002.

A perda de coisas ou direitos relacionados com o facto criminoso constante do artigo 36º do Dec-Lei nº 15/93, de 22/01 e a perda prevista no regime geral constante do Código Penal, a chamada perda clássica, tem pressupostos, natureza jurídica e regime processual muito distintos da perda do valor de património incongruente prevista na Lei nº 5/2002.

O confisco previsto nesta última lei que tem, na sua génese, o combate à criminalidade organizada e económico-financeira, consiste na ablação das vantagens presumivelmente decorrentes de atividade criminosa por se mostrarem comprovadamente incongruentes com o rendimento lícito do arguido condenado por crime constante do catálogo desta lei (arts. 1º e 7º). Nestas situações o valor declarado perdido a favor do Estado é o resultado da diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito e baseia-se no pressuposto de que, havendo uma condenação criminal por um crime do catálogo do artigo 1º da Lei 5/2002 e o condenado tiver um património incongruente com os seus rendimentos lícitos, tal constitui vantagem de atividade criminosa.

Ou seja,

- as vantagens direta ou indiretamente provenientes de um concreto crime ficam sujeitas às regras do confisco previstas no Código Penal, ou, como in casu acontece, às previstas no Dec-Lei nº 15/93;

- se, para além dessas vantagens ou mesmo que em concreto se não apure o valor das vantagens, se apurar a existência de património incongruente na sequência da prática de um crime de catálogo, há lugar a liquidação e subsequente perda do valor do património do arguido que seja incongruente com o seu rendimento lícito por legalmente se presumir constituir vantagem de atividade criminosa.

Ora, como supra se já referiu, parece-nos que o valor de € 19 713,65 que se encontra apreendido constitui vantagem da atividade criminosa de tráfico de produtos estupefacientes pela qual os arguidos foram condenados. O valor de € 55 252,21 que os arguidos foram condenados a pagar ao Estado constitui vantagem de atividade criminosa, cuja proveniência se não estabeleceu como direta ou indiretamente proveniente daquele concreto crime.

Assim sendo, como nos parece ser nunca poderá a importância apreendida ser abatida na “dívida” ao Estado decorrente da condenação no pagamento do valor do património incongruente, antes lhe devendo acrescer.

Cumpre, todavia, notar que, tal como se refere no facto provado sob o nº 99 do acórdão condenatório, a importância de € 19 713,65 não foi relevada para efeitos de liquidação do valor incongruente e, portanto, também se não pode afirmar a sua “dupla” perda. Aliás, o que nesse facto até se consignou é que tal valor também não é compatível com o património financeiro dos arguidos, pelo que, caso se não impusesse, como se impõe, a perda nos termos do art. 36º nº 2 do Dec-Lei nº Dec-Lei nº 15/93, impor-se-ia, então, que tal valor acrescesse ao valor de € 55 252,21, por também ele ser incongruente com o rendimento lícito dos arguidos.

Como doutamente se afirma no acórdão do TRP de 14/12/2022, Proc. nº 103/21.8GDGDM.P1, Rel. Desemb. Marias Dolores Sousa A perda do património incongruente não se confunde, nem do ponto de vista material, nem do ponto de vista adjetivo, com a perda dos proventos do crime, sendo os dois regimes cumulativos e complementares, apenas se exigindo que, na liquidação do património incongruente, os bens ou vantagens, direta ou indiretamente provenientes do crime de catálogo, que está na origem do confisco, não sejam incluídos no montante patrimonial global, pelo que o confisco alargado não afasta o regime geral.”

Acresce que, não estando demonstrado, como efetivamente não está, que os arguidos sejam os legítimos titulares da importância em dinheiro apreendida nos autos, nem pode a mesma ser-lhes restituída nem considerada para efeitos de compensação parcial do valor de património incongruente em cujo pagamento ao estado se encontram condenados e, por cujo cumprimento, se impõe a perda a favor do Estado dos bens arrestados

NOTIFICADA ut art 417-2 do CPP a Recorrente NÃO apresentou Resposta.

Na oportunidade efectuado EXAME PRELIMINAR e colhidos os VISTOS LEGAIS  os autos foram submetidos à CONFERÊNCIA.

PARTE II   -   APRECIANDO O RECURSO


Os 28 §§ de conclusões supra citadas são delimitadoras de «objecto de Recurso» e «poderes de cognição» e «poderes de decisão» deste TRP ut consabidas Jurisprudência reiterada dos Tribunais Superiores e Doutrina processual civil e penal [3] porque «A motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido» ut art 412 -1 do CPP sendo que, «Para serem legítimas e razoáveis, as conclusões devem emergir logicamente do arrazoado feito na alegação. As conclusões são as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação» [4] pelo que se distingue o «ónus de alegar» do «ónus de concluir» na Motivação de Recurso.

Mais incisivamente: «As conclusões da motivação de recurso são extraordinariamente importantes, exigindo muito cuidado". […] "As conclusões devem ser concisas, precisas e claras, porque são as questões nelas sumariadas que hão de ser objeto de decisão. As conclusões resumem a motivação e, por isso, que todas as conclusões devem ser antes objeto da motivação. É frequente, na prática, o desfasamento entre a motivação e as correspondentes conclusões ou porque as conclusões vão além da motivação ou ficam aquém. Se ficam aquém a parte da motivação que não é resumida nas conclusões torna-se inútil porque o tribunal só poderá considerar as conclusões; se vão além também não devem ser consideradas porque as conclusões são o resumo da motivação e esta falta» [5].

Disse-se «conclusões delimitadoras» e não «conclusões limitativas» por serem oficiosamente cognoscíveis ad quem: (1) uma «nulidade não sanada» ut art 410-3 do CPP conforme o qual «O recurso pode ter ainda por fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada»; (2) um dos três «vícios típicos de confecção lógica da «Decisão Final» recorrida» ut ACD do Plenário da Secção Criminal do STJ 7/95 de 19-10-1995 conforme o qual «É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito» [6].

Trata-se de Jurisprudência ainda actual ut ACD do STJ de 18-6-2009 conforme o qual «Continua em vigor o acórdão n.º 7/95 do plenário das secções criminais do STJ de 19-09-1995 que, no âmbito do sistema de revista alargada, decidiu ser oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no art. 410.º, n.º 2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito» [7].

As questões a enunciar / apreciar / decidir são as que seguidamente se explanam a se.

Como a Recorrente [8] inicia o intróito da Motivação expressando que «… não pode o arguido concordar com a condenação nos termos constantes da sentença que antecede…», a abrir a apreciação da Motivação nota-se que tal locução é penal processualmente inócua por não ter a Arguida interposto Recurso do ACD 85 398 499 de 04-5-2021 logo transitado em 04-6-2021 - por que então se formou «caso julgado material» com os predicados da «imperatividade» e da «imutabilidade» e da «exequibilidade» [9]- quanto às sgs decisões atinentes à Recorrente:


· « condena[r] a arguida BB pela prática, como cúmplice, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos artigos 27º e 73º do Código Penal e 21º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período com regime de prova.
· […] Declara[r] perdida a favor do Estado a quantia de € 55.252,21 por corresponder ao valor do património incongruente com o rendimento lícito respetivo e, consequentemente, condena os arguidos a pagar solidariamente ao Estado esse valor.
· Mantém o arresto preventivo oportunamente decretado em sede de apenso B até que tais quantias sejam pagas.
· Declara-se o produto estupefaciente apreendido perdido a favor do Estado e ordena-se a sua destruição – artigo 35º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01.
· Declaram-se perdidos a favor do Estado, por terem sido instrumentos do crime de tráfico de estupefacientes, o telemóvel com o IMEI ...79, com o cartão telefónico n.º ...92 (IPhone 7 Plus) e o bloco de notas com apontamentos manuscritos de transações.
· Após trânsito: […] restitua-se à arguida Ana Maria Coelho o telemóvel Samsung Galaxy A7, IMEI ...90/01.»

E assim se prossegue a apreciação da Motivação sem se poder ignorar quando competir o conteúdo das sucessivas valorações a quo efectuadas sob «Do pedido de liquidação do ativo pelo Estado e de perda ampliada de bens formulado pelo Ministério Público» e sob «Do arresto preventivo» e sob «Da perda de objectos apreendidos» supra citadas daquele ACD 85 398 499 de 04-5-2021 transitado em 04-6-2021 quanto a BB e em 29-9-2021 quanto a AA.
……………………………………………………………………………………………………………………………………….
Ora tendo presente do rol de factos a quo julgados provados que «AA adquiriu, em nome próprio, no ano de 2019, o prédio urbano sito na Rua ..., fração B, descrito na C…R… P… de Gondomar, com o n.º ...51, na União de Freguesias de Gondomar (...), ... e ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...94» ut § 95 e que «O referido prédio urbano foi adquirido por escritura pública celebrada em 09/07/2019 – (Ap. ...14 de 2019/07/09), pelo valor de € 70.000,00, com recurso ao cheque bancário n.º ...25, debitado na conta  ...05, sediada no Banco 2...…, titulada pelo arguido AA, onde se registaram, na mesma data, outros movimentos relacionados com a aquisição do imóvel, designadamente o pagamento de impostos e custas das escrituras» ut § 96, dir-se-á:

A Recorrente BB carece de «legitimidade» ut art 401-1-b-I-III conforme o qual «Têm legitimidade para recorrer: O arguido …, de decisões contra ele… proferida…» - a vulgaris «legitimação subjectiva» - bem assim de «interesse em agir» ut art 401-2 do CPP conforme o qual «Não pode recorrer quem não tiver interesse em agir» - a vulgaris «legitimação objectiva» - relativamente ao PEDIDO dela de revogação ad quem do segmento «declaro a perda a favor do Estado da fração imóvel» in Despacho de 10-01-2023 deduzido com os argumentos «inexistência de avaliação dos bens arrestados» e «não apuramento do valor real/comercial» diverso do «valor patrimonial tributário», em violação do princípio da proporcionalidade dos arts 18-2 da CRP e 12-1-2 da Lei 5/2012 de 11-1- é IMPROCEDENTE por ter a Recorrente olvidado que o «sujeito passivo» do «arresto preventivo» bem como da sua «conversão definitiva em penhora», foi apenas o Arguido AA, sempre id como solteiro e proprietário por anterior compra a casal, pelo que o supra citado segmento do Despacho recorrido não constitui «decisão contra ela proferida

………

Ora tendo presente «Mercê da apresentação ...72 de 18-01-2021 na CRC de LSB, a NOTA DE REGISTO do facto ARRESTO com natureza DEFINITIVA do veículo automóvel ..-..-XA a favor do sujeito activo POLÍCIA JUDICIÁRIA e sujeito passivo o Arguido AA para garantia do montante 55 252,51 €» e mais que «Mercê da apresentação ...75 de 18-01-2021 na CRC de LSB, a NOTA DE REGISTO do facto ARRESTO com natureza DEFINITIVA do veículo automóvel ..-PE-.. a favor do sujeito activo POLÍCIA JUDICIÁRIA e sujeito passivo o Arguido AA para garantia do montante 55 252,51 €» em execução do DESPACHO 84 375 560, dir-se-á:

A Recorrente BB carece de «legitimidade» ut art 401-1-b-I-III conforme o qual «Têm legitimidade para recorrer: O arguido …, de decisões contra ele… proferida…» - a vulgaris «legitimação subjectiva» - bem assim de «interesse em agir» ut art 401-2 do CPP conforme o qual «Não pode recorrer quem não tiver interesse em agir» - a vulgaris «legitimação objectiva» - relativamente ao PEDIDO dela de revogação ad quem do segmento «declaro a perda a favor do Estado dos veículos supra identificados» «com as matrículas ..-..-XA e ..-PE-..» in Despacho de 10-01-2023 deduzido com os argumentos «inexistência de avaliação dos bens arrestados» e «não apuramento do valor real/comercial» diverso do «valor patrimonial tributário», em violação do princípio da proporcionalidade dos arts 18-2 da CRP e 12-1-2 da Lei 5/2012 de 11-1- é IMPROCEDENTE por ter a Recorrente olvidado que o «sujeito passivo» dos «arrestos preventivos» registados como supra descrito foi apenas o Arguido AA, sempre id como solteiro, pelo que o supra citado segmento do Despacho recorrido não constitui «decisão contra ela proferida

………

Quanto à revogação ad quem do Despacho «declara-se perdido a favor do Estado o montante de € 19.713,65» proferido a quo tendo presente, como premissa maior do silogismo judicial, o «artigo 36º do DL n.º 15/93, de 22.01, [que] são declaradas perdidas a favor do Estado as vantagens que, através da infração, tiverem sido adquiridas diretamente pelos agentes, para si ou para outrem», como premissas menores, que «Ficou provado em acórdão que o valor apreendido em sede de buscas e revistas - € 19.713.65 - proveio da venda de produtos estupefacientes» e que «Tal valor não foi relevado para efeitos de cálculo de valor incongruente»:

Ora, nos termos e para os efeitos dos arts 35-1-2-3 e 36-1-2-3-4 da LEP, o Tribunal a quo julgou provado inter alia que «No decurso da revista efectuada aos arguidos AA e BB foi encontrado e apreendido na posse do arguido AA a quantia de 240,45 €» (§ 69 idem na Acusação) e que «Realizada busca ao veículo usado pelos arguidos, de matrícula ..-PE-.., foi encontrado e apreendido no interior de uma bolsa de senhora, que se encontrava junto do banco do passageiro onde a arguida BB estava sentada, a quantia de 199,20 €» (§ 71 idem na Acusação) e que «Na residência dos arguidos AA e BB foi apreendida a quantia de 19.247,00 €» (§ 77 idem na Acusação) perfazendo 19.686,65 € e que «Durante o período referido em 1. os arguidos não exerceram qualquer atividade profissional lícita remunerada dedicando-se exclusivamente e diariamente à venda de produto estupefaciente, fazendo dessa atividade o seu modo de vida» (§ 79) e que «No período compreendido entre setembro de 2018 e junho de 2020, os arguidos, como forma de obter ganhos financeiros, dedicaram-se à venda a terceiros de produto estupefaciente, designadamente de cocaína, o que fizeram nas localidades de ... e ...».

A tanto o Tribunal a quo expendeu no item «Motivação» do ACD 85 398 499 de transitado em 04-6-2021 quanto a BB e em 14-10-2021 quanto a AA sua compreensão de que:

« Pretenderam os arguidos transmitir a ideia de que os valores apreendidos não resultavam da venda de estupefacientes, mas sem sucesso. Desde logo na posse do arguido no veículo foram encontrados € 240,45 e da arguida € 199,20, sendo que, tendo-se dedicado nessa tarde, imediatamente antes da deteção, a vários atos de venda de estupefacientes, sempre com pagamentos em numerário, e sendo de todo inverosímil que levassem quantias monetárias desses montantes consigo para a venda, se conclui que resultaram das vendas de cocaína.

«Por outro lado, na habitação foram apreendidos valores monetários numa bota de senhora (€ 3.200,00) e num cofre (€ 16.074,00). Quanto ao primeiro, os arguidos alegaram que era da arguida BB e respeitava a poupanças da pensão de alimentos dos filhos, abonos e RSI; ora, além de não terem feito a menor prova desse facto, ainda que fosse verdade esse aforro só teria sido possível, não tendo os arguidos quaisquer rendimentos declarados nessa altura, porque pagavam todas as despesas com o que retiravam da venda de estupefacientes, o que ambos bem sabiam, donde é ilegítima a alegação do pretenso aforro.

«Quanto ao valor no cofre, alegou AA que era proveniente de trabalhos antigos e de poupanças que fez até 2016 – o que não está minimamente demonstrado – e que, por ter proveniência lícita, estava guardado à parte, pretendendo com esses valores mudar janelas do apartamento e abrir um negócio de um café; quis passar a ideia que para abrir negócios lícitos, só queria usar dinheiro obtido de forma lícita, assim separando as águas sujas do tráfico das limpas dos aforros. Se a retórica é bonita, soçobra por falta de qualquer elemento de prova, sendo até curioso que a própria arguida, com quem AA vivia desde 2013 em comunhão de vida, tivesse afirmado em audiência desconhecer qualquer pormenor sobre o dinheiro do cofre, quer fosse proveniência, valor ou destino, o que não confirma de todo a versão do arguido.

«Por isso, entendeu-se lógico, atenta a falta de rendimentos declarados dos arguidos e a ausência de explicações lógicas e sustentadas quanto à sua proveniência, e exaustivamente provada a atividade de venda de cocaína, que os valores apreendidos advieram dessas vendas.»

E, nos termos e para os efeitos da Lei 5/2002, o Tribunal a quo julgou provado inter alia que:

«Pese embora durante esse período os arguidos nunca tivessem exercido qualquer atividade profissional remunerada, não só manifestaram sinais exteriores de riqueza como em 02.06.2020 foram encontrados e apreendidos na sua posse dinheiro, designadamente € 19.842,75 e dois veículos automóveis, concretamente os veículos automóveis de marca/modelo Citroen ..., matrícula ..-..-XA, ano de 2004, e BMW ..., ano de 2007, matrícula ..-PE-..» (§ 98) e que «Embora não tenha sido relevado para efeitos de cálculo de valor incongruente, o património financeiro de 2020 não é compatível com o numerário apreendido aos arguidos em 02.06.2020, no valor de € 19.842,75» (§ 99).

Pois bem: como, desde o trânsito em 04-6-2021 quanto a BB e em 14-10-2021 quanto a AA do ACD 85 398 499 de 4-5-2021, que os valores parcelares 240,45 + 199,20 + 19.247 e global 19.686,65 € advieram como produto da venda a terceiros de produtos contendo estupefacientes pelo que se mostram inapelavelmente sujeitos ao regime jurídico de direito substantivo do art 35-1 da LEP conforme o qual «São declarados perdidos a favor do Estado os objetos que por esta infração prevista no presente diploma»] tiverem sido produzidos»,

O PEDIDO principal da Recorrente de revogação ad quem do Despacho a quo «declara-se perdido a favor do Estado o montante de € 19.713,65» - deduzido com o argumento em apertis synthesis da inexistência de decisão no único momento apropriado que era a parte decisória do ACD 85 398 499 de 04-5-2021 da qual nada consta - é IMPROCEDENTE porque – independentemente dos dados da querela jurisprudencial evolada pela Exma PGA no seu Parecer douto que nem Resposta mereceu por que seu teor supra citado aqui se dá por integralmente reproduzido – o NOVEL ATC 893/ 2023 de 19 DEZ - de José Teles Pereira com Gonçalo Almeida Ribeiro, Rui Guerra da Fonseca, José João Abrantes e Maria Benedita Urbano no processo 266/2023 - decidiu – como se afigura aplicável ao caso sub judice pelo argumento lógico «identidade de razão» - «não julgar inconstitucional a norma contida no art. 109º, n.º 1, do C…P…, interpretada no sentido segundo o qual a perda aí prevista pode ser decretada após o trânsito em julgado da decisão condenatória» porque:

«2.3.3. Resta saber se a norma objeto do recurso viola o disposto nos artigos 20.º, n.º 4, e 32.º, n.os 1 e 2, da Constituição, que dizem respeito às garantias do processo criminal e à exigência de um processo equitativo.

O recorrente não desenvolve muito este argumento, para além da ideia (como, vimos, inaproveitável como fundamento do presente recurso) de a lei ter sido erradamente aplicada. De todo o modo, parece afirmar que a Constituição assegura que a decisão de perda só pode ter lugar na sentença.

Tendo presente que estamos perante a perda de instrumentos do crime (artigo 109.º do Código Penal) e não perante a perda regulada na Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro (sobre este regime, cfr., recentemente, os Acórdãos n.os 76/2023 e 595/2020) e que o presente recurso não se destina a determinar qual a melhor opção político-legislativa ou a melhor interpretação da lei vigente, não se perspetiva como a norma em causa possa de algum modo interferir com qualquer garantia do arguido.

Essa não interferência será, porventura, mais evidente para quem entender que não se trata, aqui, de pena acessória, nem de um efeito da condenação (cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4.ª Edição, Lisboa: Universidade Católica Editora, 2011, p. 987). Mas mesmo que se entenda que “[…] a perda dos instrumentos do crime prevista no Código Penal como uma sanção de natureza análoga à da medida de segurança, na medida em que se exige como seu pressuposto que tais instrumentos, pela sua natureza ou circunstâncias do caso, ponham em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou que ofereçam "sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos". Ou seja, trata-se de um instituto que prossegue uma finalidade de prevenção da perigosidade (os termos em que este pressuposto é exigido e a perspetiva para sua avaliação são, porém, discutidos – v. idem, §§ 988-990)” (Acórdão n.º 202/2000) ou que “a perda dos instrumentos do crime independentemente da sua perigosidade intrínseca e a possibilidade da perda subsidiária do valor dos mesmos (art. 109.º, n.º 3, do CP) remete-nos (ao contrário das vantagens) para uma «pena acessória, destinada a censurar especialmente a utilização criminosa daqueles bens»” [“Assim não vamos lá: mais um caso de insensibilidade à política criminal em matéria de confisco”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 31, n.º 2, maio-agosto de 2021, p. 402, sendo a citação entre aspas de Pedro Caeiro, “O confisco numa perspetiva de política criminal europeia”, in Maria Raquel Desterro Ferreira, Elina Lopes Cardoso e João Conde Correia (coord.), O Novo Regime de Recuperação de Ativos à Luz da Diretiva 2014/42/UE e da Lei que a Transpôs, Lisboa, 2018, p. 36], a questão – no plano constitucional, que é aquele que aqui releva – não muda de feição. Sendo discutível e discutido se a omissão da declaração de perda na sentença preclude a possibilidade de o juiz a declarar em despacho posterior (sobre tal discussão, veja-se, desde logo, a decisão recorrida; cfr., ainda, João Conde Correia, Da proibição do confisco à perda alargada, Lisboa, 2012, pp. 138/139), a circunstância de a dúvida interpretativa existir e ser pertinente no plano infraconstitucional não implica, só por si, a sua relevância no plano constitucional.

Deixando de parte a dimensão do contraditório, que diz respeito à questão que não se apreciará, por ter sido abandonada, o arguido tem, à luz da Lei Fundamental, o direito a que a questão da perda, enquanto consequência da prática de um crime (ou, pelo menos, consequência ligada ao juízo sobre a prática de um crime), seja apreciada por um juiz, mediante decisão fundamentada e suscetível de recurso – o que não está em causa neste recurso –, mas não se antevê em que medida teria um direito acolhido na Constituição a que essa decisão só possa ocorrer na sentença, afirmação que o recorrente repete, conclusivamente, sem fundamentar que específica garantia constitucional dos arguidos em processo criminal teria sido afetada neste caso. O recorrente não sinaliza a específica garantia afetada e o Tribunal também não a encontra, visto que a decisão posterior à sentença, desde que proferida nas condições assinaladas, deixa intocadas as garantias do arguido, que pode questionar os seus pressupostos de facto e de direito em sede de recurso – só não poderá discutir os factos que se consideraram demonstrados na sentença transitada em julgado, mas, quanto a esta, também teve oportunidade autónoma de impugnação por via de recurso. Este último ponto permite, também, compreender que o parâmetro relativo à presunção de inocência não tem, no caso, pertinência, visto que é precisamente o trânsito em julgado da decisão condenatória (que foi suscetível de recurso) que consolida a factualidade provada que suporta a decisão da perda. O momento processual de relevância daquela presunção já se encontra, pois, ultrapassado, pois as dúvidas, a terem existido, terão sido superadas.

Acresce que, como faz notar o Ministério Público, “[…] o regime previsto no art. 109.º do CP, de matriz substantiva, não é alterado pela norma meramente processual inscrita no n.º 2 do art. 186.º do CPP e muito menos que a partir desta última se possa produzir um novo regime legal de base jurisprudencial, consoante a natureza proibida, ou não, dos bens (como faz abundante jurisprudência que nos escusamos de citar) o que permitiria afastar o regime do art.109.º do CP após o trânsito da sentença sem que exista alguma razão válida para isso”, pelo que “o trânsito da sentença não é critério, nem tinha de ser, para a oportunidade de apreciação deste regime (aliás, a sentença que não se pronuncie sobre o regime de perdimento nos termos do art.374º n.º3 alínea c) do CPP, não padece de nulidade, nos termos do art.379º n.º1 alínea a) do mesmo diploma, e muito menos o caso julgado da sentença que não se pronuncie sobre o perdimento de bens, atinge o regime previsto no art.109º do CP, que pode ulteriormente ser atuado, com perdimento do instrumento do crime, mesmo após o trânsito da sentença). Não se pode invocar ofensa do caso julgado em relação a aspetos do processo que, de todo em todo não foram decididos, não se podendo, salvo o devido respeito, afirmar que a omissão os decide negativamente”. O que se mostra decisivo é o respeito pela garantia uma decisão judicial que aprecie os pressupostos legais da declaração de perda e possa, designadamente, fazer atuar ponderações de proporcionalidade, se a elas houve lugar.

Tanto basta concluir, à falta de outros argumentos do recorrente, no sentido de não violação, pela norma sub judice, dos parâmetros invocados, não se perspetivando, por outro lado, a sua desconformidade relativamente a quaisquer outros.»


………

A final, o PEDIDO subsidiário da Recorrente de «redução dos bens apreendidos até ao montante declarado perdido a favor do Estado efetuando-se a devida dedução da quantia de € 19.713,65 (…) apreendida nos autos» é IMPROCEDENTE porque a Recorrente peticionou-a em lapsus por não ignorar o fundamento legal invocado a quo, o art 36-1 da LEP em vez do art 35-1 da LEP como competia como supra apreciado, sendo que, a distinção entre a «categoria jurídica» nomen «Perda de objectos» «que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infracção prevista no presente diploma ou que por esta tiverem sido produzidos produtos do crime» in casu «compra e venda» de «bem contra preço pecuniário» e a «categoria jurídica» nomen «Perda de coisas ou direitos relacionados com o facto» que abrange «Toda a recompensa dada ou prometida» e todos «os objectos, direitos e vantagens» e a «categoria jurídica» nomen «Perda de bens» abrangendo a «vantagem de atividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito » ut art 7-1 da Lei 5/2002 manifestamente obsta à imputação do valor daqueles produtos da actividade de tráfico de estupefacientes, no valor do «património incongruente» a pagar voluntária ou coercivamente em «Execução de Sentença» no curso da qual é aplicável o art 735-1-I do CPC de 01-9-2013 conforme o qual « A penhora limita-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução» que a Recorrente persistiu em olvidar na Motivação pelo que tudo revisto e reponderado:

PARTE III   -   DECIDINDO

1. Nega-se provimento ao Recurso da Condenada BB.

2. Decaída in totum condenam-a em 4 UC de taxa de justiça ut arts 513-1 do CPP e 8-9 do RCP.

3. Notifiquem-se os Sujeitos Processuais conforme art 425-6 do CPP.

4. Transitado, para execução a quo do decidido remetam-se o processo físico e o processo informático a título definitivo a Juiz 5 do Juízo Central Criminal de Penafiel.

Porto, 7/2/2024

Relator - Castela Rio

DECLARAÇÃO DE VOTO DAS EXMAS I E II ADJUNTAS

«Concordo com a decisão atenta a proveniência ilícita da quantia apreendida que foi afirmada no Acórdão desta Relação de 29-9-2021»

Lígia Figueiredo

Maria Luísa Arantes

Nos termos e para os efeitos dos arts 94-2-3 do CPP, 19-1-2 e 20-b da Portaria 280/2013 de 26-8  - o art 19-1-2 alterado pela Portaria 267/2018 de 20-9  consigna-se que este ACÓRDÃO foi processado informaticamente pelo Relator que o reviu bem como suas Exmas Adjuntas e que apuseram suas «assinaturas electrónicas qualificadas» insertas informaticamente no canto superior esquerdo da 1ª folha página - em substituição de suas «assinaturas autógrafas» - na Sessão de 24-01-2024.

__________________
[1] Nota do Relator - reproduz o art 16 da « LIQUIDAÇÃO PARA PERDA AMPLIADA DE BENS A FAVOR DO ESTADO, nos termos do disposto nos artigos 7º e 8º, da Lei n.º 5/2002, de 11/01, contra o arguido: AA … BB …»
[2] Nota do Relator - da « LIQUIDAÇÃO PARA PERDA AMPLIADA DE BENS A FAVOR DO ESTADO, nos termos do disposto nos artigos 7º e 8º, da Lei n.º 5/2002, de 11/01, contra o arguido: AA … BB …», com o teor «Relativamente ao património imóvel dos arguidos apurou-se que o arguido AA adquiriu, em nome próprio, no ano de 2019, o prédio urbano sito na Rua ..., fração B, descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar, com o n.º ...51, na União de Freguesias de Gondomar (...), ... e ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...94» idêntico ao teor do § 95 do rol dos factos a quo julgados provados.
[3] JOSÉ ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, V, pgs 362-363, ACD do STJ de 17-9-1997 in CJS 3/97, ACD do STJ de 13-5-1998 in BMJ 477 pág 263, ACD do STJ de 25-6-1998 in BMJ 478 pág 242, ACD do STJ de 03-02-1999 in BMJ 484 pág 271, ACD do STJ de 28-4-1999 in CJS 2/99 pág 196, GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal, III, 3ª edição, Verbo, 2000, pág 347, ACD do STJ de 01-11-2001 no processo 3408/00-5, SIMAS SANTOS, LEAL HENRIQUES, Recursos em Processo Penal, 7ª edição, Rei dos Livros, Lisboa, Maio de 2008, pág 107, Recursos Penais, 9ª edição, Rei dos Livros, Lisboa, Agosto de 2020, pgs 113-114.
[4] JOSÉ ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, V, reimpressão, CBR, 1984, pág 359.
[5] GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal, III, 3ª edição, pág 347.
[6] ACD do Plenário da Secção Criminal do STJ 7/95 de 19-10-1995 no processo 46580 da 3ª Secção in DR I Série A de 28-12-1995 e BMJ 450 pgs 71 sgs.
[7] ACD do STJ de 18-6-2009 de Filipe Fróis com Henriques Gaspar no processo 1248/07.2PAALM.S1 in www.dgsi.pt/jstj.
[8] Ora defendida pela Dra DD «Uma vez que a Dra. CC renunciou ao mandato em maio de 2021, o que se estende a este apenso» como supra notado no corpo de texto.
[9] Sobre estes “predicados”, JOSÉ ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra Editora, reimpressão de 1984, pgs 159.