Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
895/16.6Y2VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RAUL ESTEVES
Descritores: REGIME GERAL DAS CONTRAORDENAÇÕES
RECURSO DE IMPUGNAÇÃO
DECISÃO POR DESPACHO
Nº do Documento: RP20170111895/16.6Y2VNG.P1
Data do Acordão: 01/11/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º2/2017, FLS.228-229)
Área Temática: .
Sumário: Face à existência de norma expressa no regime geral das contraordenações [RGCO] - que prevê a possibilidade de, com a não oposição do Ministério Público e do arguido, o juiz decidir o recurso de impugnação da decisão da autoridade administrativa por simples despacho - não há lugar à aplicação subsidiária do disposto no art. 311.º, n.º 1 do CPP.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam em Conferência os Juízes Desembargadores da 1ª secção Criminal

1 Relatório

Nos autos 895/16.6Y2VNG.P1 que correm os seus termos na Comarca do Porto, Tribunal de Vila Nova de Gaia, Inst. Local, Secção Criminal, J1, foi apreciado o recurso movido pela arguida B… SA, relativamente à coima que lhe foi fixada pela Autoridade para a Segurança Alimentar e Económica (ASAE) tendo sido proferida decisão, por despacho, onde e em suma se decidiu uma questão prévia com base no disposto no artigo 311º nº 1 al. a) do CPP, tendo sido ordenado o arquivamento dos autos.

Não satisfeito, veio Digno Magistrado do Ministério Público interpor recurso, concluindo nos seguintes termos:
1-A decisão administrativa no âmbito de um processo contraordenacional deve conter a identificação do arguido, a descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas, a indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão, a coima e as sanções acessórias, sendo certo que nesta fase não é de exigir o rigor formal como se em processo penal estivéssemos;
2- Tal exigência deve respeitar apenas a de uma narração, ainda que sintética, devido à simplicidade e celeridade que norteiam a fase administrativa, e que permita ao arguido efectuar um juízo de oportunidade sobre a conveniência ou necessidade de impugnar judicialmente a decisão e posteriormente, já em sede de impugnação judicial, possibilitar ao tribunal conhecer e aferir sobre o processo lógico da formação da decisão administrativa e respectivos fundamentos (cfr. Ac. da Relação de Coimbra de 06-02-2013, proferido no processo n° 77/12.6TBAVZ, disponível no site da dgsi).
3- A decisão administrativa que fundamenta o presente recurso de contraordenação obedece aos requisitos enunciados no artigo 58°, do RGCO, não padecendo de irregularidade.
4- No que concerne ao elemento subjectivo, constata-se que no ponto V da sentença, intitulado da determinação da medida da coima, a entidade administrativa, no subponto 2, debruça-se sobre o elemento subjectivo, pelo que se afigura que a decisão administrativa não é omissa quanto ao elemento subjectivo.
5- Também no mencionado ponto V, nos subpontos 3 e 4, a decisão administrativa pronuncia-se sobre os factos referentes à situação económica e ao beneficio económico.
6- A decisão administrativa em causa nestes autos obedece aos requisitos mínimos referidos no artigo 58°, do RGCO.
Termos em que se afigura que o presente recurso deverá ser julgado procedente e, por via dessa procedência, deverá ser revogado o douto despacho em causa e determinada a sua substituição por outro que não declare a irregularidade da decisão administrativa, mas antes designe data para realização de audiência de julgamento ou aprecie as restantes questões invocadas pela recorrente
Respondeu a arguida, pugnando pela manutenção do decidido.
Neste Tribunal o Digno Procurador-Geral Adjunto teve vista nos autos, tendo emitido parecer no sentido do conhecimento da nulidade insanável que fere a decisão em resultado da aplicação do artigo 311º nº 1 do CPP.
Deu-se cumprimento ao disposto no artigo 417º nº 2 do CPP, foram os autos aos vistos e procedeu-se à Conferência.

Cumpre assim apreciar e decidir.

2 Fundamentação

Foi proferido nos autos o seguinte despacho: (Transcrição parcial)
“Questão Prévia:
Dispõe o artigo 311º, n.° 1 do Código de Processo Penal que “Recebidos os autos no tribunal, o presidente pronuncia-se sobre as nulidades e outras questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da causa, de que possa desde logo conhecer”.
Ora, entende o Tribunal que o disposto neste normativo aqui se aplica por força do preceituado no artigo 41.°, n.° 1 do RGCOC.
(…)
Decisão:
Termos em que, em sede de apreciação de questão prévia, para evitar a prática de atos inúteis (nomeadamente a inquirição de testemunhas), o que a lei proíbe, se declara, por omissão dos factos que levaram à aplicação de uma coima a título negligente, e bem assim, a falta de referência, no elenco dos factos provados, a esse elemento subjectivo, às condições económicas da arguida e ao beneficio económico retirado, e falta de critérios discriminados quanto à fixação da coima concreta, a irregularidade da decisão da entidade administrativa e, na sequência, arquiva-se o presente processo”

Ora, a questão levantada pelo Ilustre Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, - a verificação de nulidade – determina que a apreciação do recurso apresentado pelo Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal de 1ª Instância fique na dependência da prévia apreciação do referido vício.

Conforme decorre do RGCO é o seguinte o regime de apreciação de recurso das decisões administrativas:
Artigo 62.º
Envio dos autos ao Ministério Público
1 - Recebido o recurso, e no prazo de cinco dias, deve a autoridade administrativa enviar os autos ao Ministério Público, que os tornará presentes ao juiz, valendo este acto como acusação.
2 - Até ao envio dos autos, pode a autoridade administrativa revogar a decisão de aplicação da coima.

Artigo 63.º
(Não aceitação do recurso)
1 - O juiz rejeitará, por meio de despacho, o recurso feito fora do prazo ou sem respeito pelas exigências de forma.
2 - Deste despacho há recurso, que sobe imediatamente.

Artigo 64.º
Decisão por despacho judicial
1 - O juiz decidirá do caso mediante audiência de julgamento ou através de simples despacho.
2 - O juiz decide por despacho quando não considere necessária a audiência de julgamento e o arguido ou o Ministério Público não se oponham.
3 - O despacho pode ordenar o arquivamento do processo, absolver o arguido ou manter ou alterar a condenação.
4 - Em caso de manutenção ou alteração da condenação deve o juiz fundamentar a sua decisão, tanto no que concerne aos factos como ao direito aplicado e às circunstâncias que determinaram a medida da sanção.
5 - Em caso de absolvição deverá o juiz indicar porque não considera provados os factos ou porque não constituem uma contra-ordenação.

Sendo este o regime processual a observar, podemos concluir que recebido o recurso da arguida B… foram os autos remetidos ao Ministério Público junto do Tribunal recorrido, que e uma vez na sua posse, os apresentou ao Juiz, valendo este acto como acusação.
Cabe o Ministério Público, apreciar a decisão administrativa e sob a mesma ajuizar da sua viabilidade, tal como o faz com as acusações que submete à fase de julgamento - cfr. Ac. Rel. de Lisboa de 12 de Abril de 2011, processo 195/11.8TBCLC.L1-5, im www.dgsi.pt.
Apresentada ao juiz a decisão administrativa e o recurso que sobre a mesma recaiu, pode o juiz tomar uma de duas decisões, ou o rejeita, porque interposto fora do prazo ou por falta e respeito pelas exigências de forma, ou o aceita e irá apreciar o seu mérito.
Se o não rejeitar, a apreciação do recurso pode ser efectuada por despacho, ou seja sem a produção de prova, ou mediante produção de prova em sede de audiência de julgamento.
A liberdade de apreciar o recurso por despacho está sujeita à concordância da arguida e do Ministério Público, sendo uma faculdade condicionada à obtenção desse acordo, havendo lugar, no caso, à notificação daqueles intervenientes para o efeito.
Conforme resulta dos autos foi proferido despacho judicial – cfr. fls. 128 – a admitir o recurso, e a ordenar a notificação do Ministério Público para se pronunciar quanto às nulidades invocadas pela arguida.
Correspondendo à notificação que recebeu, veio o Magistrado do Ministério Público pronunciar-se tendo concluído que não se verificavam as referidas nulidades.
Após, e sem dar cumprimento ao disposto no artigo 64º nº 2 do RGCO, foi proferido o despacho agora em recurso, que acabou por apreciar de mérito o recurso.
Fundamenta-se tal despacho na aplicação ao RGCO do disposto no artigo 311º nº 1 do CPP.
Com o devido respeito, a aplicação do disposto no artigo 311º nº 1 do CPP ao RGCO implicava sempre a inexistência da norma expressa no regime das contra-ordenações – cfr. artigo 41º nº 1 do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro – o que não é o caso, pois como vimos pode o recurso ser rejeitado quando não estiver em condições de permitir a apreciação do mérito da causa, ou seja e no caso, do mérito do recurso delimitado pelas suas conclusões, ainda que estas se reportem a vícios que ferem a decisão administrativa.
Ao aceitar o recurso, o Tribunal entendeu estar o mesmo em condições de ser apreciado, devendo então optar pela forma de o fazer, sendo que, se a opção fosse a sua apreciação por despacho haveria de colher a concordância da arguida e do Ministério Público, o que não aconteceu.
Tal omissão determina de imediato a verificação de uma nulidade insanável – artigo 119º al. b) e c) do CPP, o que agora se declara para todos os efeitos legais.

3 Decisão
Assim e pelo exposto, julga-se procedente o recurso – pelas razões aduzidas – e consequentemente revoga-se a decisão recorria, devendo ser os intervenientes processuais notificados para se pronunciarem se aceitam a apreciação do recurso por despacho.

Sem custas

Porto 11 de Janeiro de 2017
Raul Esteves
Élia São Pedro