Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3370/19.3T8AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DA DECISÃO ADMINISTRATIVA
FORMALIDADES
REJEIÇÃO DA IMPUGNAÇÃO JUDICAL
ERRO NA PRÁTICA DE ACTO PROCESSUAL
CULPA GRAVE
Nº do Documento: RP202002173370/19.3T8AVR.P1
Data do Acordão: 02/17/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
Decisão: IMPROCEDENTE, CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Tendo sido os próprios recorrentes a requererem ao Tribunal e Juízo Local Cível de Aveiro - no qual começaram incorrectamente por apresentar a impugnação judicial via Citius como se fossem intentar uma acção cível - o envio da peça processual recusada para o Juízo do Trabalho de Aveiro, a remessa do expediente a este Tribunal não foi determinada oficiosamente, antes resultando da pretensão que formularam.
II - Distribuída a impugnação judicial como Processo de Contra-ordenação Laboral na sequência daquele requerimento, o Juízo do Trabalho de Aveiro não podia deixar de se pronunciar sobre a admissibilidade do recurso, tendo em conta, nomeadamente, os artigos 33.º e 38.º n.º1, da Lei 107/2009.
III - O Tribunal a quo não é um órgão da Administração Pública e, logo, não tinha aplicação o disposto no art.º 41.º do CPA. Caso o tribunal a quo tivesse procedido nos termos agora pretendidos pelos recorrentes estaria a aplicar indevidamente essa norma e concomitantemente a fazer tábua rasa do regime legal aplicável, nomeadamente, do disposto nos referidos artigos 33.º e 38.º n.º1, da Lei 107/2009.
IV - Se os recorrentes estão convictos da correção do entendimento que vêm defender, então deveriam oportunamente ter reagido contra aquela primeira decisão, que rejeitou a impugnação judicial e determinou o arquivamento dos autos, interpondo recurso para este tribunal superior. Como decorre do n.º2, do art.º 38.º da Lei 107/09, do despacho que rejeita a impugnação judicial (a que se refere o n.º1), “há recurso, que sobe imediatamente”.
V - Notificado o mandatário dos recorrentes da recusa do requerimento, o que ocorreu no dia imediatamente seguinte à apresentação indevida do expediente, uma conduta normalmente diligente impunha uma actuação pronta no sentido de verificar a razão da recusa, constatar o erro cometido e proceder à sua imediata correcção, bastando para tal proceder à apresentação da impugnação nos serviços da ACT, ou seja, observando o disposto no art.º 33.º da Lei 107/2009. Se os recorrentes assim tivessem procedido, note-se, ainda em prazo, nada teria obstado à admissibilidade da impugnação judicial.
VI - A apresentação do requerimento no Juízo Local Cível de Aveiro pelo ilustre mandatário, requerendo o envio da peça processual recusada para o Juízo do Trabalho de Aveiro, não pode de todo considerar-se como lapso não imputável a título de culpa grave. Aceita-se que a apresentação do expediente via citius no Juízo Local Cível de Aveiro tenha resultado de lapso sem culpa grave, mas se depois desse primeiro erro foi praticado um segundo, para mais na sequência da notificação da recusa do expediente efectuada por aquele Tribunal ao ilustre mandatário, é forçoso concluir que não houve a normal diligência que era devida e exigível, logo, consubstanciando essa conduta a prática de um acto processual indevido a título de culpa grave, logo, ficando fora da previsão da norma do artigo 146º, n.º 2, do CPC.
VII - Os recorrentes só ficaram sujeitos à maior demora na prolação da decisão em razão de terem requerido a remessa do expediente que indevidamente apresentaram via citius no Juízo Local Cível de Aveiro, para o Juízo do Trabalho de Aveiro, novamente procedendo incorrectamente. Foram esses dois erros consecutivos, relevando aqui particularmente o segundo, a causa adequada para que entretanto decorresse o prazo para apresentação da impugnação judicial na ACT. Ficam impedidos de usar o direito à impugnação judicial, mas por causa que lhes é exclusivamente imputável, muito simplesmente, por não terem tido a diligência devida em exercê-lo nos termos prescritos pela lei.
VIII - Sendo certo que a impugnação judicial deve ser apresentada na autoridade administrativa que tenha proferido a decisão de aplicação da coima (art.º33.º/2, da Lei 107/09), bem assim que a prática desse acto não é, nem poderia ser praticado via CITIUS, por a utilização desta aplicação apenas estar prevista para os Tribunais Judiciais [cfr. art.º 140.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto –Lei de Organização do Sistema Judiciário); e, art.º1.º, da Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto (Tramitação Electrónica de Processos Judiciais)], não tem cabimento pretender-se que a remessa do expediente, apesar de efectuada por aquela via, mas incorrectamente, esteja a coberto da previsão da norma do n.º1 do art.º 144.º do CPC.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 3370/19.3T8AVR.P1
Recurso de Contra-ordenação laboral
4.ª SECÇÃO

I. RELATÓRIO
I.1 B…, E.P.E. e C…, notificados da decisão do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo do Trabalho de Aveiro - Juiz 1, que rejeitou a impugnação judicial da decisão administrativa da Autoridade Para as Condições do Trabalho -proferida no processo n.º 021800835, aplicando-lhes, para pagamento como responsáveis solidários, uma coima no valor de 9.180,00€ (nove mil cento e oitenta euros), pela prática, a título negligente, de uma contraordenação muito grave prevista no artigo 24º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12/02 -, não se conformando vieram interpor o presente recurso, pedindo que aquela decisão “seja substituído por outr[a] que receba a impugnação judicial apresentada pelos recorrentes e a considere tempestivamente apresentada, determinando o prosseguimento dos termos do processo para aferição das razões invocadas na impugnação em apreço”.
I.2 A decisão judicial sob recurso tem o conteúdo que se passa a transcrever (excluindo as notas de rodapé):
Como resulta do despacho por mim proferido no âmbito do processo de contraordenação n.º 2103/19.9T8AVR, deste Juízo (junto aos presentes autos a fls. 195 v.º/196), numa primeira fase, os recorrentes B…, E.P.E. e C…, através do respectivo mandatário, em lugar de apresentarem a impugnação judicial na autoridade administrativa que proferiu a decisão – na circunstância, o Local do Baixo Vouga da Autoridade Para As Condições do Trabalho (ACT) –, remeteram-na via electrónica, através do “citius”, ao “Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro”, como acção de processo comum, atribuindo-lhe o valor de € 9.180,00.
Essa acção foi inicialmente distribuída ao Juízo Local Cível de Aveiro (J1), em 13/06/2019, tendo o exm.º mandatário das recorrentes, notificado da recusa do requerimento em 14/06/2019, requerido na mesma data o envio da peça processual para o Juízo do Trabalho de Aveiro, invocando lapso da secretaria do seu escritório no envio ao Juízo Local Cível.
Já neste Juízo do Trabalho de Aveiro, veio a ser por mim proferido o despacho em referência, rejeitando a impugnação judicial, nos termos do art. 38 n.º 1 da Lei n.º 107/2009, de 14/091, por inobservância do formalismo imposto pelo art. 33º, visto não ter sido apresentada na autoridade administrativa competente, para aí ser incorporada no processo respectivo, com posterior cumprimento da tramitação prevista no art. 36º n.º 1.
Notificados desse despacho, os recorrentes remeteram à ACT a impugnação judicial, em 04/10/2019, acompanhada de requerimento, dirigido à referida autoridade administrativa, onde invocam o lapso ocorrido e defendem que deve ser considerada como data da apresentação da impugnação judicial o dia 13/06/2019, nos termos do art. 144º do Cód. de Processo Civil, por corresponder à data da respectiva expedição – cfr. fls. 198 e segs.. Como estabelece o art. 33º, «1. A impugnação judicial deve ser dirigida ao tribunal de trabalho competente e deve conter alegações, conclusões e indicação dos meios de prova a produzir. 2. A impugnação judicial é apresentada na autoridade administrativa que tenha proferido a decisão de aplicação de coima, no prazo de 20 dias após a sua notificação.».
Cabendo depois à autoridade administrativa competente, nos termos do art. 36º n.º 1, enviar os autos ao Ministério Público, no prazo de 10 dias, com apresentação de alegações, se assim o entender. Podendo em alternativa a esse envio, revogar total ou parcialmente a decisão de aplicação da coima ou sanção acessória, conforme previsto no n.º 2 do mesmo artigo.
Sendo que a apresentação extemporânea da impugnação ou a não observância por parte do recorrente das exigências formais previstas no art. 33º, acarreta a sua rejeição, em conformidade com o art. 38 n.º 1. Os recorrentes foram notificados da decisão condenatória em 28/05/2019 (cfr. avisos de recepção de fls. 190 a 192 dos autos), dispondo a partir daí de 20 dias para a impugnarem judicialmente – prazo que terminou em 21/06/2019, já contando com os três dias suplementares a que aludem os arts. 139º n.º 5, al. b) do Cód. de Processo Civil e 107º-A, al. b) do Cód. de Processo Penal.
Como impõe o n.º 2 do art. 33º, a impugnação judicial tem que ser apresentada nos serviços da autoridade administrativa que proferiu a decisão, no prazo de 20 dias após a sua notificação – o que de resto consta expressamente da notificação da decisão aos recorrentes e respectivo mandatário (cfr. fls. 186 a 188).
Só tendo no caso concreto a impugnação judicial dado entrada nos referidos serviços, em 04/10/2019, mais de 3 meses depois de findo o prazo legal.
E embora – como defendem os recorrentes –, nos actos que devam ser praticados por transmissão electrónica de dados, valha como data da prática a da respectiva expedição, nos termos do art. 144º n.º 1 do Cód. de Processo Civil, o problema aqui é que nem o acto devia ter sido praticado via “citius”, nem a expedição foi feita para onde devia.
Não se põe em causa que tal se tenha devido a lapso, como alegam os recorrentes.
Suscitando-se no entanto a questão de saber se esse lapso cometido justifica que se admita a impugnação judicial, contra o que expressamente determina o art. 33º n.º 2. A esse respeito, dispõe o n.º 2 do art. 146º do Cód. de Processo Civil que «Deve ainda o juiz admitir, a requerimento da parte, o suprimento ou a correção de vícios ou omissões puramente formais de atos praticados, desde que a falta não deva imputar-se a dolo ou culpa grave e o suprimento ou a correção não implique prejuízo relevante para o regular andamento da causa.».
Mesmo admitindo que está em causa vício ou omissão puramente formal e que com o requerimento que acompanhou o envio da impugnação judicial à ACT (cfr. fls. 176), os recorrentes pretenderam requerer perante o juiz o respectivo suprimento, não nos parece que se possa considerar que o lapso cometido não lhes é imputável a título de culpa grave.
Com efeito, para além de na notificação da decisão se fazer expressa menção ao facto da impugnação judicial dever ser apresentada nos serviços da autoridade administrativa que proferiu a decisão, no prazo de 20 dias após a sua notificação, tratou-se de acto praticado pelos recorrentes através de advogado/mandatário judicial, ainda que porventura através dos serviços de secretaria do respectivo escritório.
Acresce que quando o exm.º mandatário dos recorrentes foi notificado pelo Juízo Local Cível de Aveiro da recusa do requerimento, estava ainda em tempo de enviar a impugnação judicial à ACT, em vez de requerer o envio da peça processual para o Juízo do Trabalho de Aveiro.
Não podendo olvidar-se, por fim, que admitir a impugnação judicial como tempestiva, significaria estender o prazo de recurso (que é de 20 dias) por mais do quíntuplo da sua duração legal, visto que terminou em 21/06/2019 e a impugnação só deu entrada na ACT em 04/10/2019.
E implicaria também contrariar o entendimento subjacente ao despacho de rejeição que por mim foi anteriormente proferido no âmbito do processo de contra-ordenação n.º 2103/19.9T8AVR, deste mesmo Juízo.
Razões pelas quais se rejeita a impugnação judicial, por extemporaneidade e inobservância do formalismo legal, nos termos do disposto nos arts. 33º n.º 2 e 38 n.º 1 da Lei n.º 107/2009, de 14/09, determinando-se o oportuno arquivamento dos autos.
Custas incidentais a cargo dos recorrentes, com taxa de justiça mínima.
Notifique.
Comunique à Autoridade Para As Condições do Trabalho.
(..)».
I.3 As alegações do recurso, o qual foi admitido e fixado o modo de subida e efeito adequados, foram sintetizadas com as conclusões seguintes:
a) O despacho em crise, notificado aos recorrentes através de documento elaborado na plataforma informática Citius em 2019.10.21, rejeitou a impugnação judicial apresentada por aqueles, como reação à decisão da ACT que lhes foi notificada, em 2019.05.28, e os condenou solidariamente no pagamento de uma coima no valor de 9.180,00€ (nove mil cento e oitenta euros), nos termos do disposto no artigo 38º da Lei n.º 107/2009, de 14/09, com fundamento em extemporaneidade e falta de observância dos formalismos legais previstos no artigo 33º do mesmo diploma, por considerar que foi apresentada à autoridade administrativa após o decurso do prazo de 20 (vinte) dias ali previsto para o efeito.
b) O despacho recorrido sustenta que o suprimento, pelo juiz, de omissões ou vícios formais, conforme estabelecido no artigo 146º do CPC, apenas é admissível se a falha não tiver sido praticada com dolo ou culpa grave e o suprimento não implicar relevante prejuízo para o andamento da causa.
c) O tribunal entendeu que a impugnação em apreço não deveria ter sido enviada via Citius e entregue diretamente na instância judicial, mas sim enviada à entidade que aplicou a coima, omissão que considerou ter sido praticada com culpa grave, pelo facto de o ato ter sido praticado com intervenção de mandatário, através dos serviços de secretaria do escritório e que a admissão da impugnação consubstancia uma prorrogação do prazo de interposição de recurso de 2019.06.21 para 2019.10.04 (data em que foi entregue na entidade que proferiu a decisão).
d) Os recorrentes entendem que o tribunal, ao proferir despacho de rejeição liminar, errou na apreciação dos factos e na interpretação das normas jurídicas aplicáveis, em desconsideração pelo particular regime processual aplicável. Com efeito,
e) Em 2019.05.28, os recorrentes foram notificados da decisão administrativa da ACT Baixo Vouga, que os condenou solidariamente no pagamento de uma coima no valor de 9.180,00€ (nove mil cento e oitenta euros), pela prática, a título negligente, de uma contraordenação muito grave prevista no artigo 24º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12/02, conjugado com os artigos 13º da Constituição da República Portuguesa;
f) Dispunham, a partir dessa atura de 20 dias para impugnar, querendo, essa decisão, nos termos previstos no nº 2 do artº 33º da Lei nº 107/2009, de 14 de setembro que aprovou o regime processual aplicável às contra-ordenações laborais e de segurança social. Prazo esse que terminava em 2019.06.21;
g) Em 2019.06.14, os recorrentes enviaram a impugnação do ato praticado pela ACT Baixo Vouga para o Juízo do Trabalho de Aveiro, dando origem ao proc. n.º 2103/19.9T8AVR, J1.
h) Deveriam tê-la apresentado na entidade que proferiu a decisão que pretendiam impugnar nos termos previstos no nº 2 do artº 33º da Lei nº 107/2009.
i) Para quem, aliás, a endereçaram (cfr DOC 4);
j) Através de documento elaborado na plataforma informática Citius em 2019.09.26, os recorrentes foram notificados do despacho de rejeição da impugnação com fundamento em inobservância do formalismo legal previsto no artigo 33º da Lei n.º 107/2009, de 14/09.
k) Ora a remessa da impugnação a juízo, insere-se ainda na fase administrativa do processo.
l) Podendo e devendo, por razões de unidade e coerência do sistema jurídico, ser-lhe aplicáveis as normas do Código do Procedimento Administrativo nos termos de cujo artigo 41º
1 - Quando seja apresentado requerimento, petição, reclamação ou recurso a órgão incompetente, o documento recebido é enviado oficiosamente ao órgão titular da competência, disso se notificando o particular.
2 - Nos casos previstos nos números anteriores, vale a data da apresentação inicial do requerimento para efeitos da sua tempestividade.
m) Donde emerge que ao Tribunal do Trabalho de Aveiro podia e devia enviar o requerimento de interposição da impugnação, incorretamente a si enviado, para a ACT Baixo Vouga, devendo o processo seguir os seus trâmites.
n) Não o tendo feito, o Tribunal “quo” violou o artº 41º do CPA, pelo que deve o despacho sob recurso ser anulado e substituído por outro que admitindo a interposição da impugnação, determine o prosseguimento dos autos para aferição do mérito da mesma. Caso assim não se entenda e porque
o) no seguimento, do despacho proferido 2019.10.01, os recorrentes enviaram a impugnação à ACT requerendo que fosse considerada, como data de apresentação, a data em que foi praticado o ato processual do envio do documento para o tribunal e que teve lugar antes do termo do prazo de 20 (vinte) dias legalmente estabelecido para o efeito - 2019.06.21.
p) Entre a data em que foi enviado o recurso de impugnação para o Juízo do Trabalho de Aveiro (2019.06.14) e a data da elaboração do documento de notificação do despacho de indeferimento aos recorrentes na plataforma informática Citius (2019.09.26) mediaram mais de 100 (cem dias).
q) O tribunal imputou, de forma iníqua, o lapso ocorrido na secretaria do escritório do mandatário a título de culpa grave sem ter em consideração o período de tempo decorrido até à prolação do despacho.
r) Os recorrentes não podem ser prejudicados no seu direito de defesa pelos entorpecimentos processuais e morosidades de secretaria decorrentes das limitações de meios, humanos e materiais, dos tribunais e pelo volume de trabalho.
s) O despacho de indeferimento liminar do tribunal viola, de forma grosseira, o princípio da igualdade, imputando a responsabilidade pela prorrogação do prazo de recurso, de forma exclusiva, unicamente aos recorrentes, olvidando que demorou mais de 100 (cem) dias a notificá-los do despacho de indeferimento, facto que motivou o envio da impugnação judicial para a ACT em data posterior.
t) Os recorrentes não podem ver cerceado o seu direito à prática do ato com base em omissões e demoras na tramitação de processos por parte da secretaria do tribunal, a quem se exige, tal como às partes, zelo, celeridade e diligência.
u) O recurso de impugnação judicial em processo contraordenacional não é um recurso administrativo.
v) Ao processo de contraordenação são subsidiariamente aplicáveis os preceitos reguladores do direito e processo penal, ex vi artigos 32º e 41º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10, na sua atual redação.
w) O artigo 60º da Lei n.º 107/2009, de 14/09, estabelece que, aos processos de contraordenação, são, neste domínio, subsidiariamente aplicáveis as normas constantes do Regime Geral das Contraordenações e, por remissão dos artigos 32º e 41º deste diploma, as normas de direito e processo penal.
x) A Constituição da República Portuguesa e a Convenção Europeia dos Direitos do Homem reconhecem, nos artigos 32º e 60º, o direito de audiência e defesa do arguido em todos os processos de cariz sancionatório, incluindo os processos de contraordenação.
y) O Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10, e a Lei n.º 107/2009, de 14/09, não preveem disciplina jurídica própria para estas situações, aplicando-se subsidiariamente, para efeitos de integração de lacunas, as normas do Código de Processo Penal e do Código de Processo Civil (ex vi artigos 32º e 41º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10, na sua atual redação, e artigo 4º do CPP).
z) As normas da Lei n.º 107/2009, de 14/09, que estabelecem o prazo de 20 (vinte) dias para interposição de recurso a apresentar perante a autoridade que aplicou a coima e dirigido ao tribunal competente, bem como as formalidades a observar, têm o mesmo teor e alcance dos artigos 59º e ss do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10, e disciplinam a prática dos atos pelas partes.
aa) A apresentação da impugnação judicial a uma entidade administrativa é um ato praticado em juízo, para todos os efeitos e, nessa medida, é passível de aplicação do disposto no artigo 144º do CPC que estabelece que, nos atos processuais a praticar, por escrito, pelas partes, vale, como data da prática do ato, a da respetiva expedição.
bb) Também tem aplicação direta, ao direito das contraordenações, a norma do artigo 146º, n.º 2, do CPC que estabelece que o juiz deve “admitir, a requerimento da parte, a correção de vícios ou omissões puramente formais, de atos praticados, desde que a falta não possa imputar-se a dolo ou culpa grave e o suprimento ou a correção não implique prejuízo relevante para o regular andamento da causa”.
cc) A remessa da impugnação diretamente ao tribunal competente para a sua apreciação (Juízo do Trabalho de Aveiro) - consubstanciou um mero lapso, cuja prática não pode ser imputada a título de culpa grave ou dolo.
dd) A correção pretendida pelos recorrentes não determina qualquer prejuízo para o processo porque a ACT manteve a decisão e remeteu o processo para o tribunal, estando acautelados os objetivos que o legislador pretendia ver assegurar (a reapreciação da decisão).
ee) A derrapagem do prazo processual não pode ser imputada aos recorrentes, que, assumindo as suas falhas, não podem ser responsabilizados, punidos e ver cerceados os seus direitos de defesa pela lentidão da tramitação judicial.
ff) A prolação do despacho sob recurso em prazo razoável teria permitido o reenvio da impugnação para a entidade que proferiu a decisão dentro do prazo legal.
gg) O tribunal, ao recusar a aplicação, ao caso sub judice, dos preceitos legais do CPC, não se permite reapreciar a matéria constante da impugnação e nega, de forma ostensiva, o direito de defesa dos recorrentes, ignorando que a previsão da prática do ato de apresentação da impugnação à entidade administrativa segue “(um)a tradição sistemática idêntica aos recursos penais que, não obstante dirigidos aos tribunais superiores, são apresentados no tribunal recorrido, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 414º do CPC”.
hh) A apresentação da impugnação ao tribunal consubstancia a prática de um ato judicial e foi feita dentro do termo do prazo legal dos 20 (vinte) dias previsto para o efeito.
ii) O erro do envio tem relevo escasso e diminuto, não permitindo que se desconsidere a prática do ato e a sua admissibilidade.
jj) A inobservância do aspeto formal deve ser suprida por apelo às normas do CPC, designadamente os artigos 144º e 146º, subsidiariamente aplicáveis por força do artigo 60º da Lei n.º107/2009, de 14/09, dos artigos 32º e 41º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10, e artigo 4º do CPP, porque a impugnação judicial é uma ato praticado em juízo, não um ato praticado no âmbito de um processo administrativo.
kk) Por aplicação subsidiária dos artigos 144º e 146º do CPC, ex vi artigos 60º da Lei n.º 107/2009, de 14/09, 32º e 41º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10, e 4º do CPP, deve o recurso de impugnação judicial ser recebido, apreciado e considerado tempestivamente apresentado em 2019.06.13, data em que foi enviado para tribunal, ou em 2019.06.14, data em que foi enviado para o tribunal competente para o apreciar.
ll) Ao decidir como decidiu, a Meritíssima Juiz "a quo" violou o correto entendimento dos princípios e preceitos legais supra invocados.
Nestes termos, e nos mais de direito aplicáveis, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser o despacho de rejeição ora em crise ser substituído por outro que receba a impugnação judicial apresentada pelos recorrentes e a considere tempestivamente apresentada, determinando o prosseguimento dos termos do processo para aferição das razões invocadas na impugnação em apreço.
I.4 Notificado do requerimento do recurso e respectivas alegações, o Digno Magistrado do Ministério Público apresentou contra-alegações, finalizando-as com a conclusão (única) seguinte:
- Tendo os impugnantes sido notificados para apresentarem a impugnação na autoridade administrativa que aplicou a coima e não o tendo feito, o prazo de 20 dias estabelecido na norma continua a correr, sendo da sua responsabilidade o facto de ter sido apresentado posteriormente ao decurso desse prazo.
A douta decisão sob recurso não nos oferece qualquer reparo e encontra-se alicerçada no dispositivo legal p. e p. no artigo 33º da Lei 107/2009 de 14/09, pelo que, a nosso ver, deverá ser mantida nos seus precisos termos.
I.5 Nesta Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer (art.º 416.º do CPP), acompanhando, no essencial, a posição assumida pelo Ministério Público nas contra-alegações, concluindo pela improcedência do recurso.
I.6 Foram cumpridos os vistos legais e determinada a inscrição para julgamento em conferência.
I.7 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso (art.ºs 403, nº 1, e 412º, n.º 1, do CPP), a questão que se coloca para apreciação consiste em saber se o Tribunal a quo errou o julgamento ao não admitir a impugnação judicial da decisão administrativa apresentada pelos recorrentes na ACT em 2019.10.04, após terem sido notificados da decisão proferida no processo proc. n.º 2103/19.9T8AVR, do Juízo do Trabalho de Aveiro, J1, que rejeitou a mesma impugnação, nos termos do disposto no artigo 38º, n.º 1, da Lei n.º 107/2009, de 14/09, com fundamento na inobservância do formalismo imposto pelo artigo 33º daquele diploma.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO
Os factos relevantes para a apreciação do recurso são os que são elencados na decisão recorrida e igualmente referidos, sem discordância, pelos recorrentes, nomeadamente, os seguintes:
1. A Autoridade Para As Condições no Trabalho - Local do Baixo Vouga -, por decisão proferida no processo de contra-ordenação laboral n.º 021800835, aplicou aos recorrentes B…, E.P.E. e C…, uma coima, para pagamento como responsáveis solidários, no valor de 9.180,00€ (nove mil cento e oitenta euros), pela prática, a título negligente, de uma contraordenação muito grave prevista no artigo 24º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12/02, conjugado com os artigos 13º da Constituição da República Portuguesa e 23º e 25º também do C.T, por violação do direito à igualdade no acesso ao emprego e no trabalho.
2. Os recorrentes foram notificados daquela decisão do ACT em 28/05/2019.
3. Os recorrentes B…, E.P.E. e C…, através do respectivo mandatário, deduziram impugnação judicial contra aquela decisão, a qual foi remetida via electrónica, através do “citius”, em 2019-06-13, ao “Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro”, como acção de processo comum, atribuindo-lhe o valor de € 9.180,00.
4. Essa acção foi distribuída ao Juízo Local Cível de Aveiro (J1), em 2019-06-13.
4. Em 14-06-2019, aquele Tribunal e Juízo Local Cível de Aveiro, notificou ao mandatário dos recorrentes a recusa do requerimento.
5. Notificado, o mandatário dos recorrentes, naquela mesma data requereu àquele Tribunal e Juízo Local Cível de Aveiro, o envio da peça processual recusada para o Juízo do Trabalho de Aveiro, invocando lapso da secretaria do seu escritório no envio ao Juízo Local Cível.
5. Remetida a peça processual para o Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo do Trabalho de Aveiro, a mesma veio a ser distribuída ao Juiz 1, como Processo de Contra-ordenação laboral, com o n.º 2103/19.9T8AVR, vindo a ser proferida a decisão, em 10-09-2019, com o conteúdo seguinte:
Regendo sobre a forma e prazo da impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima, estabelece o art. 33º da Lei n.º 107/2009, de 14/091 que “1. A impugnação judicial deve ser dirigida ao tribunal de trabalho competente e deve conter alegações, conclusões e indicação dos meios de prova a produzir. 2. A impugnação judicial é apresentada na autoridade administrativa que tenha proferido a decisão de aplicação de coima, no prazo de 20 dias após a sua notificação”.».
Cabendo depois à autoridade administrativa competente, nos termos do art. 36º n.º 1, enviar os autos ao Ministério Público, no prazo de 10 dias, com apresentação de alegações, se assim o entender. Podendo em alternativa a esse envio, revogar total ou parcialmente a decisão de aplicação da coima ou sanção acessória, conforme previsto no n.º 2 do mesmo artigo.
Sendo que a apresentação extemporânea da impugnação ou a não observância por parte do recorrente das exigências formais previstas no art. 33º, acarreta a rejeição do recurso, em conformidade com o art. 38 n.º 1.
No caso, os recorrentes B…, E.P.E. e C…, em lugar de apresentarem a impugnação judicial na autoridade administrativa que proferiu a decisão – na circunstância, a Autoridade Para As Condições do Trabalho –, remeteram-na via electrónica ao “Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro”, como acção de processo comum, atribuindo-lhe o valor de € 9.180,00.
Acção essa que foi inicialmente distribuída ao Juízo Local Cível de Aveiro (J1), em 13/06/2019, tendo o Exm.º Mandatário das recorrentes requerido em 14/06/2019 o envio da peça processual para o Juízo do Trabalho de Aveiro, invocando lapso da Secretaria do seu Escritório no envio ao Juízo Local Cível.
Não tendo a impugnação judicial sido apresentada na autoridade administrativa competente, para aí ser incorporada no processo respectivo, com posterior cumprimento da tramitação prevista no art. 36º n.º 1, verifica-se a inobservância do formalismo imposto pelo art. 33º, o que implica a rejeição da impugnação, em conformidade com o art. 38 n.º 1.
Termos em que se rejeita a impugnação judicial, determinando-se o oportuno arquivamento dos autos.
Custas incidentais a cargo dos recorrentes, com taxa de justiça mínima.
Notifique.
Comunique à Autoridade Para As Condições do Trabalho.
Aveiro, d.s».
6. Notificados desse despacho, em 26-09-2019 via Citius, os recorrentes remeteram à ACT a impugnação judicial, em 04/10/2019, acompanhada de requerimento alegando o seguinte:
À Autoridade para as Condições do Trabalho
Local do Baixo Vouga
(..)
Processo de contraordenação n.º 021800835
Ref.: 021801276
Os arguidos C… e B…, E.P.E
1. Não se conformado com o teor da douta decisão proferida nos autos em referência, dela interpuseram recurso de impugnação, dirigido à ACT, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 33º da Lei n.º 107/2009, de 14/09, em 13/06/2019;
2. Por lapso, pelo qual se penitenciam, enviaram o articulado diretamente para o Tribunal respetivo, na data indicada, conforme DOCs. n.º 1 a 8 que se juntam, e não para a ACT a quem, correta e atempadamente o dirigiram;
3. O referido recurso deu origem ao Proc. n.º 2301/19.9T8AVR, do Juízo do Trabalho de Aveiro, J1, no âmbito do qual foi proferido despacho de inadmissibilidade, por inobservância do disposto no artigo 36º, n.º 1, do diploma referido em 1 (cfr DOC 9);
4. Em face do exposto acima, considerando o disposto no artigo 144º do C.P.C., que estabelece que nos atos processuais praticados por escrito pelas partes vale como data da prática do ato a da respetiva expedição, e o que é a prática comummente aceite nos Tribunais superiores (ver por todos o Ac. RE, Processo: 236/15.0T8PTM.E1, de 06-12-2016, in www.dgsi.pt) requerem a junção aos autos das Alegações de Recurso, para efeitos do disposto nos artigos 33º e ss do diploma em referência, considerando-se como data da apresentação o dia 13/06/2019, data em que foi enviada a peça ao Tribunal, seguindo-se os ulteriores termos até final.
Pede e espera de V. Exª deferimento».
7. Em 18-10-2019, o Tribunal a quo proferiu a decisão recorrida, transcrita acima, no ponto I.2, do relatório inicial.
II.2 MOTIVAÇÃO DE DIREITO
Aplica-se ao caso o regime processual das contra-ordenações laborais e de segurança social, aprovado pela Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro. E, por determinação do art.º 60.º, subsidiariamente, desde que o contrário não resulte daquela lei, “(..), com as devidas adaptações, os preceitos reguladores do processo de contra-ordenação previstos no regime geral das contra –ordenações”, isto é, no Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, com as alterações introduzidas pelos Decretos-lei n.º 356/89, de 17 de Outubro e n.º 244/95, de 14 de Setembro, e pela Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro.
II.2.1 Vejamos então se o Tribunal a quo errou ao rejeitar a impugnação judicial da decisão administrativa.
Em primeiro lugar, para repor o rigor das coisas, visto que tal não transparece das conclusões f) e g), importa assinalar que os recorrentes não começaram por apresentar a impugnação judicial da decisão administrativa “Em 2019.06.14, (…no..) Juízo do Trabalho de Aveiro, dando origem ao proc. n.º 2103/19.9T8AVR, J1”. Na verdade, notificados da decisão administrativa, os recorrentes B…, E.P.E. e C…, começaram por remeter a impugnação judicial por via electrónica, através do “citius”, em 2019-06-13, ao “Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro”, como acção de processo comum, atribuindo-lhe o valor de € 9.180,00.
Não se questiona que se tenha tratado de lapso, tal como é referido na decisão recorrida, mas o certo é que esse expediente foi distribuído ao Juízo Local Cível de Aveiro (J1), em 2019-0613, depois tendo sido recusada e notificada essa decisão ao ilustre mandatário.
Ora, com o devido respeito, confrontado com esse lapso por via da notificação, a atitude acertada para o suprir impunha que a impugnação judicial tivesse disso apresentada na ACT, por a lei assim o exigir (art.º 33º n.º2, da Lei n.º 107/2009, de 14/09).
Acontece, porém, que ao invés desse procedimento, os recorrentes, através do ilustre mandatário, requereram ao Tribunal e Juízo Local Cível de Aveiro, o envio da peça processual recusada para o Juízo do Trabalho de Aveiro, invocando lapso da secretaria do seu escritório no envio ao Juízo Local Cível. O procedimento seguido, não foi, pois, mais uma vez, conforme às exigências legais.
Na sequência dessa requerimento, o expediente foi remetido ao Juízo do Trabalho de Aveiro e foi distribuído ao Juiz 1, como Processo de Contra-ordenação laboral, com o n.º 2103/19.9T8AVR, vindo a ser proferida decisão, em 10-09-2019, com o conteúdo seguinte:
Regendo sobre a forma e prazo da impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima, estabelece o art. 33º da Lei n.º 107/2009, de 14/091 que “1. A impugnação judicial deve ser dirigida ao tribunal de trabalho competente e deve conter alegações, conclusões e indicação dos meios de prova a produzir. 2. A impugnação judicial é apresentada na autoridade administrativa que tenha proferido a decisão de aplicação de coima, no prazo de 20 dias após a sua notificação”.».
Cabendo depois à autoridade administrativa competente, nos termos do art. 36º n.º 1, enviar os autos ao Ministério Público, no prazo de 10 dias, com apresentação de alegações, se assim o entender. Podendo em alternativa a esse envio, revogar total ou parcialmente a decisão de aplicação da coima ou sanção acessória, conforme previsto no n.º 2 do mesmo artigo.
Sendo que a apresentação extemporânea da impugnação ou a não observância por parte do recorrente das exigências formais previstas no art. 33º, acarreta a rejeição do recurso, em conformidade com o art. 38 n.º 1.
No caso, os recorrentes B…, E.P.E. e C…, em lugar de apresentarem a impugnação judicial na autoridade administrativa que proferiu a decisão – na circunstância, a Autoridade Para As Condições do Trabalho –, remeteram-na via electrónica ao “Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro”, como acção de processo comum, atribuindo-lhe o valor de € 9.180,00.
Acção essa que foi inicialmente distribuída ao Juízo Local Cível de Aveiro (J1), em 13/06/2019, tendo o Exm.º Mandatário das recorrentes requerido em 14/06/2019 o envio da peça processual para o Juízo do Trabalho de Aveiro, invocando lapso da Secretaria do seu Escritório no envio ao Juízo Local Cível.
Não tendo a impugnação judicial sido apresentada na autoridade administrativa competente, para aí ser incorporada no processo respectivo, com posterior cumprimento da tramitação prevista no art. 36º n.º 1, verifica-se a inobservância do formalismo imposto pelo art. 33º, o que implica a rejeição da impugnação, em conformidade com o art. 38 n.º 1.
Termos em que se rejeita a impugnação judicial, determinando-se o oportuno arquivamento dos autos.
Custas incidentais a cargo dos recorrentes, com taxa de justiça mínima.
Notifique.
Comunique à Autoridade Para As Condições do Trabalho.
Aveiro, d.s».
Aqui chegados, perfila-se a primeira linha de argumentação dos recorrentes, sustentada no art.º 41.º do Código do Procedimento Administrativo, defendendo que o Tribunal do Trabalho de Aveiro:
- «(..) podia e devia enviar o requerimento de interposição da impugnação, incorretamente a si enviado, para a ACT Baixo Vouga, devendo o processo seguir os seus trâmites” (Conclusão m).
- «Não o tendo feito, o Tribunal “quo” violou o artº 41º do CPA, pelo que deve o despacho sob recurso ser anulado e substituído por outro que admitindo a interposição da impugnação, determine o prosseguimento dos autos para aferição do mérito da mesma» (Conclusão n).
Esta construção não pode ser acolhida.
Os recorrentes não podem esquecer que foram eles próprios a requererem ao Tribunal e Juízo Local Cível de Aveiro o envio da peça processual recusada para o Juízo do Trabalho de Aveiro, isto é, não foi aquele Tribunal Cível, no qual os recorrentes começaram incorrectamente por apresentar a peça processual via Citius como se fossem intentar uma acção cível, que determinou oficiosamente a remessa para o Juízo do Trabalho de Aveiro.
Assim, tendo a impugnação judicial sido distribuída como Processo de Contra-ordenação Laboral na sequência de requerimento dos recorrentes, dando origem ao proc.º n.º 2103/19.9T8AVR, o Juízo do Trabalho de Aveiro não podia deixar de se pronunciar sobre a admissibilidade do recurso, tendo em conta, nomeadamente, os artigos 33.º e 38.º n.º1, da Lei 107/2009.
O Tribunal a quo não é um órgão da Administração Pública e, logo, não tinha aplicação o disposto no art.º 41.º do CPA. Caso o tribunal a quo tivesse procedido nos termos agora pretendidos pelos recorrentes estaria a aplicar indevidamente essa norma e concomitantemente a fazer tábua rasa do regime legal aplicável, nomeadamente, do disposto nos referidos artigos 33.º e 38.º n.º1, da Lei 107/2009.
Mas se os recorrentes estão convictos da correção do entendimento que vêm defender, então deveriam oportunamente ter reagido contra aquela primeira decisão, proferida no processo n.º 2103/19.9T8AVR, que rejeitou a impugnação judicial e determinou o arquivamento dos autos, interpondo recurso para este tribunal superior. Na verdade, como decorre com clareza do n.º2, do art.º 38.º da Lei 107/09, do despacho que rejeita a impugnação judicial (a que se refere o n.º1), “há recurso, que sobe imediatamente”. Aliás, princípio que depois é reafirmado no art.º 49.º n.º1, al. d), do mesmo diploma.
Acontece que assim não procederam, antes tendo optado por apresentar a impugnação à ACT, em 04/10/2019, acompanhada do requerimento reproduzido em 6.
II.2.2 A segunda linha de argumentação dos recorrentes, desenvolvida nas conclusões o) e seguintes, assenta no pressuposto, embora não faça qualquer referência a esse propósito, de que é admissível a apresentação da impugnação judicial na ACT após ter sido proferido o despacho judicial no processo n.º 2103/19.9T8AVR, rejeitando-a por entender verificar-se “a inobservância do formalismo imposto pelo art. 33º”, pelo facto de não ter “(..) sido apresentada na autoridade administrativa competente, para aí ser incorporada no processo respectivo, com posterior cumprimento da tramitação prevista no art. 36º n.º 1”.
Refira-se, que o despacho recorrido faz referência a esse ponto ao dizer que aceitar a impugnação judicial neste novo processo - originado pela apresentação da impugnação judicial na ACT e remessa por aquela entidade ao Ministério Público que subsequentemente o apresentou em juízo – “(..) implicaria também contrariar o entendimento subjacente ao despacho de rejeição que por mim foi anteriormente proferido no âmbito do processo de contra-ordenação n.º 2103/19.9T8AVR, deste mesmo Juízo”.
Refere-se-lhe, também, o Ministério Público nas suas contra-alegações, delas constando a este propósito o seguinte:
-(..)
Esta decisão foi notificada aos recorrentes, tal como se infere das suas alegações, e não foi interposto recurso da mesma pelo que transitou em julgado.
Insurgem-se, agora, os recorrentes quanto ao prazo que demorou a prolação deste despacho tendo em conta a data em que foi incorrectamente transmitida do juízo cível.
A questão de fundo suscitada no presente recurso terá a ver com as consequências do facto de os recorrentes não terem cumprido as condições estabelecidas no artigo 33º nº 2 da Lei 107/2009 de 14/09: “apresentação na autoridade administrativa que tenha proferido a decisão de aplicação da coima, no prazo de 20 dias após a sua notificação.
O Tribunal recorrido, entendeu, e a nosso ver correctamente, que o facto de a impugnação ter sido apresentada em várias entidades para a quais não deveria ter sido remetida, sendo remetida e apresentada na ACT muito depois de precludido o prazo de 20 dias referido não poderia ser admitida por extemporaneidade e inobservância do formalismo legal.
E mais do que isso, tal como se refere na douta decisão sob recurso, porque tal decisão teria que se coadunar com anterior decisão proferida no processo 2103/19.9T8AVR que rejeitou a mesma impugnação por inobservância do formalismo legal imposto pelo artigo 33ºda Lei referida, decisão essa que não foi objecto de qualquer recurso pelos impugnantes.
(..)».
Mas deixando esta nota, reservamos para diante a tomada de posição quanto ao ponto, optando-se por continuar a apreciação seguindo-se a ordem cronológica dos factos relevantes.
Começaremos, pois, por referir não questionarmos que a apresentação da impugnação judicial, em 2019-06-13, via Citius, dirigida ao “Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro”, como acção de processo comum, atribuindo-lhe o valor de € 9.180,00, tenha resultado de um lapso, tanto mais que do expediente resulta que a mesma está dirigida ao Juízo do Trabalho de Aveiro e estava coberta por requerimento prévio dirigido ao ACT.
Não obstante, impõe-se deixar claro que é irrelevante ter-se tratado de um lapso da secretária do ilustre mandatário. O patrocínio está assegurado pelo ilustre mandatário e, logo, sobre este incumbia verificar a correção do procedimento seguido, tanto mais que se estava perante a prática de um acto sujeito a determinadas formalidades, cujo incumprimento importam a rejeição da impugnação. É, pois, um lapso imputável aos recorrentes.
Mas notificado o mandatário dos recorrentes da recusa do requerimento, o que ocorreu no dia imediatamente seguinte à apresentação indevida do expediente nos termos descritos, uma conduta normalmente diligente impunha uma actuação pronta no sentido de verificar a razão da recusa, constatar o erro cometido e proceder à sua imediata correcção, bastando para tal proceder à apresentação da impugnação nos serviços da ACT, ou seja, observando o disposto no art.º 33.º da Lei 107/2009.
Embora referido na decisão recorrida, não é despiciendo sublinhar que esta formalidade tem uma razão de ser, como resulta com clareza do art.º 36.º da Lei 107/99, nomeadamente, permitir à ACT competente, no prazo de 10 dias, “revogar, total ou parcialmente, a decisão de aplicação da coima ou sanção acessória” – se porventura ficar convencida pelas razões invocadas pelo recorrente – ou, caso assim não aconteça, apresentar alegações, se o entender, sendo que qualquer dessas decisões deve ser concretizada no prazo de dez dias, estabelecido na norma para o envio dos autos ao Ministério Público.
E, se os recorrentes assim tivessem procedido, apresentando a impugnação no ACT e, note-se, ainda em prazo, é evidente que nada teria obstado à admissibilidade da impugnação judicial.
Como já se disse, não foi esse o procedimento seguido, tendo os recorrentes, através de requerimento subscrito pelo ilustre mandatário, optado por requerer ao Juízo Local Cível de Aveiro, no mesmo dia em que foram notificados por aquele Tribunal da recusa do expediente, o envio da peça processual para o Juízo do Trabalho de Aveiro, invocando ter havido lapso da secretaria na apresentação incorrecta.
Pretendem os recorrentes, divergindo do que foi entendido pelo tribunal a quo no despacho recorrido, que a apresentação desse requerimento consubstancia mais um lapso, susceptível de ser enquadrado na norma do artigo 146º, n.º 2, do CPC. No despacho recorrido, a esse propósito consta a fundamentação seguinte:
-«(..)
Suscitando-se no entanto a questão de saber se esse lapso cometido justifica que se admita a impugnação judicial, contra o que expressamente determina o art. 33º n.º 2. A esse respeito, dispõe o n.º 2 do art. 146º do Cód. de Processo Civil que «Deve ainda o juiz admitir, a requerimento da parte, o suprimento ou a correção de vícios ou omissões puramente formais de atos praticados, desde que a falta não deva imputar-se a dolo ou culpa grave e o suprimento ou a correção não implique prejuízo relevante para o regular andamento da causa.».
Mesmo admitindo que está em causa vício ou omissão puramente formal e que com o requerimento que acompanhou o envio da impugnação judicial à ACT (cfr. fls. 176), os recorrentes pretenderam requerer perante o juiz o respectivo suprimento, não nos parece que se possa considerar que o lapso cometido não lhes é imputável a título de culpa grave.
Com efeito, para além de na notificação da decisão se fazer expressa menção ao facto da impugnação judicial dever ser apresentada nos serviços da autoridade administrativa que proferiu a decisão, no prazo de 20 dias após a sua notificação, tratou-se de acto praticado pelos recorrentes através de advogado/mandatário judicial, ainda que porventura através dos serviços de secretaria do respectivo escritório.
Acresce que quando o exm.º mandatário dos recorrentes foi notificado pelo Juízo Local Cível de Aveiro da recusa do requerimento, estava ainda em tempo de enviar a impugnação judicial à ACT, em vez de requerer o envio da peça processual para o Juízo do Trabalho de Aveiro.
(..)».
Com o devido respeito, a posição dos recorrentes não pode ser acolhida, antes se impondo reconhecer a pertinência, certeza e conformidade ao direito da decisão recorrida.
A apresentação do requerimento no Juízo Local Cível de Aveiro pelo ilustre mandatário, requerendo o envio da peça processual recusada para o Juízo do Trabalho de Aveiro, não pode de todo considerar-se como lapso não imputável a título de culpa grave. Aceita-se que a apresentação do expediente via citius no Juízo Local Cível de Aveiro tenha resultado de lapso sem culpa grave, mas se depois desse primeiro erro foi praticado um segundo, para mais na sequência da notificação efectuada por aquele Tribunal ao ilustre mandatário, recusando o expediente, é forçoso concluir, como se deduz do que já deixámos dito, que não houve a normal diligência que era devida e exigível, logo, consubstanciando essa conduta a prática de um acto processual indevido a título de culpa grave.
Prosseguindo. O requerimento a que nos vimos referindo conduziu à remessa do expediente para Juízo do Trabalho de Aveiro, originando o processo n.º 2103/19.9T8AVR, vindo a ser proferida decisão, em 10-09-2019, rejeitando a impugnação.
Alegam os recorrentes que entre a data em que foi enviado o recurso de impugnação para o Juízo do Trabalho de Aveiro (2019.06.14) e a data da elaboração do documento de notificação do despacho de indeferimento aos recorrentes na plataforma informática Citius (2019.09.26) mediaram mais de 100 (cem dias), para defenderem que “não podem ser prejudicados no seu direito de defesa pelos entorpecimentos processuais e morosidades de secretaria decorrentes das limitações de meios, humanos e materiais, dos tribunais e pelo volume de trabalho”.
Em suma, pretendem os recorrentes defender que se a decisão e notificação tivessem sido mais céleres, o requerimento que apresentaram na ACT em 04/10/2019, poderia ter sido apresentado mais cedo. Não o referem explicitamente, mas ao dizerem “facto que motivou o envio da impugnação judicial para a ACT em data posterior”, percebe-se pretenderem sugerir que não fora esse hiato de tempo entre a apresentação do requerimento e a notificação do despacho, teriam ainda apresentado tempestivamente o requerimento e impugnação na ACT.
Aqui importa tocar no ponto inicialmente assinalado. Em poucas palavras, esta questão apenas se coloca caso se admita que os recorrentes, pese embora o despacho proferido no processo n.º 2103/19.9T8AVR, com o qual se conformaram, ainda assim podiam apresentar a impugnação judicial na ACT.
Tendemos a considerar que a resposta é afirmativa, por se verificarem cumulativamente dois pressupostos: em primeiro lugar, a decisão proferida naquele processo rejeitou a impugnação judicial exclusivamente pelo facto de não ter “sido apresentada na autoridade administrativa competente, para aí ser incorporada no processo respectivo, com posterior cumprimento da tramitação prevista no art. 36º n.º 1”; em segundo lugar, quando foi apresentado o requerimento na ACT - em 04/10/2019 – não transitara ainda aquela decisão, proferida a 10-09-2019 e notificada via Citius a 26-09-2019.
Dito por outras palavras, embora os recorrentes pudessem reagir àquele despacho por via de recurso, nas circunstâncias que apontámos, não vimos razão que obstasse a que se conformassem com ela, como o fizeram, optando por corrigirem o erro apontado através da apresentação da impugnação na ACT, como devido. Porém, como pressuposto base para que assim pudessem proceder com êxito, era necessário que o prazo de impugnação não tivesse decorrido.
É justamente essa condição que os recorrentes pretendem assegurar por via desta linha de argumentação, mas, diga-se desde já, sem que mereça acolhimento.
Pode concordar-se com os recorrentes na censura à demora na decisão e notificação, embora seja de notar que entretanto se interpuseram as férias judiciais e que não se tratando de processo urgente não era devida a prática de actos pela secção de processos durante esse período, não sendo assim rigorosa a dimensão temporal do retardamento que pretendem afirmar. Contudo, pese embora não seja imputável aos recorrentes a notificação da decisão com menos celeridade, tal não serve para justificar os dois erros seguidos na apresentação da impugnação, particularmente o segundo, na medida em que praticado com culpa grave.
Os recorrentes só ficaram sujeitos a essa vicissitude de maior demora na prolação da decisão e subsequente notificação em razão de terem requerido a remessa do expediente que indevidamente apresentaram via citius no Juízo Local Cível de Aveiro, para o Juízo do Trabalho de Aveiro, novamente procedendo incorrectamente. Foram esses dois erros consecutivos e, repete-se, relevando aqui particularmente o segundo, a causa adequada para que entretanto decorresse o prazo para apresentação da impugnação judicial na ACT.
Por conseguinte, não lhes assiste razão quando vêm defender que a decisão recorrida “viola, de forma grosseira, o princípio da igualdade, imputando a responsabilidade pela prorrogação do prazo de recurso, de forma exclusiva, unicamente aos recorrentes”. Os recorrentes ficam impedidos de usar o direito à impugnação judicial, mas por causa que lhes é exclusivamente imputável, muito simplesmente, por não terem tido a diligência devida em exercê-lo nos termos prescritos pela lei.
Por último, também não lhes assiste razão quando vêm defender que a “[A] apresentação da impugnação judicial a uma entidade administrativa é um ato praticado em juízo, para todos os efeitos e, nessa medida, é passível de aplicação do disposto no artigo 144º do CPC que estabelece que, nos atos processuais a praticar, por escrito, pelas partes, vale, como data da prática do ato, a da respetiva expedição”. Dispõe o n.º1, do art.º 144.º do CPC, o seguinte:
1 - Os atos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo por via eletrónica, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º, valendo como data da prática do ato processual a da respetiva expedição.
Ora, como certeiramente elucida o Tribunal a quo na decisão recorrida, “embora – como defendem os recorrentes –, nos actos que devam ser praticados por transmissão electrónica de dados, valha como data da prática a da respectiva expedição, nos termos do art. 144º n.º 1 do Cód. de Processo Civil, o problema aqui é que nem o acto devia ter sido praticado via “citius”, nem a expedição foi feita para onde devia”.
Com efeito, sendo certo que a impugnação judicial deve ser apresentada na autoridade administrativa que tenha proferido a decisão de aplicação da coima (art.º33.º/2, da Lei 107/09), bem assim que a prática desse acto não é, nem poderia ser praticado via CITIUS, por a utilização desta aplicação apenas estar prevista para os Tribunais Judiciais [cfr. art.º 140.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto –Lei de Organização do Sistema Judiciário); e, art.º1.º, da Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto (Tramitação Electrónica de Processos Judiciais)] não tem cabimento pretender-se que a remessa do expediente, apesar de efectuada por aquela via, mas incorrectamente, esteja a coberto da previsão daquela norma.
Conclui-se, pois, pela improcedência do recurso, inexistindo fundamento para revogar a decisão recorrida.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso improcedente, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC [artigos 513º, n.º 1 do CPP, ex vi do artigo 74º, nº 4 do RGCO e 59º e 60º, ambos da Lei nº 107/2009, de 14 de Setembro e 8º, nº 4 e 5 e Tabela III do RCP].

Porto, 17 de Fevereiro de 2020
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes