Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1421/12.1T2AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MENDES COELHO
Descritores: AGENTE DE EXECUÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL
NEXO DE CAUSALIDADE
Nº do Documento: RP202005111421/12.1T2AVR.P1
Data do Acordão: 05/11/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – A prática de alguma conduta pelo agente de execução no âmbito do processo executivo, por acção ou omissão, pela qual seja susceptível de ser responsabilizado, cai no âmbito do regime geral da responsabilidade civil;
II – A demora ou protelação injustificada no tempo de prática de actos processuais que só à agente de execução competiam, que, pelo tempo da sua duração, vem a ocasionar a não adjudicação à exequente de bem imóvel dentro de período temporal perfeitamente expectável e adequado e vem a possibilitar que, por causa de tal demora e durante a mesma, ocorra declaração de insolvência de co-executado que acaba por frustrar aquela adjudicação e com isso impedir a satisfação do crédito exequendo no montante correspondente ao preço da adjudicação, faz incorrer tal agente de execução em responsabilidade civil para com a exequente;
III – Efectivamente, é de afirmar a existência de nexo de causalidade adequada, nos termos previstos no art. 563º do C.Civil, entre aquela actuação da agente de execução e a frustração da adjudicação do prédio a favor da exequente, com o decorrente prejuízo patrimonial que tal acarretou para esta, pois não obstante aquela declaração de insolvência ter sido a causa directa ou imediata da frustração da adjudicação, tal causa só ocorreu porque foi possibilitada ou especialmente favorecida por aquele comportamento de demora injustificada, o qual, por isso, não se revelou de todo indiferente para a produção daquele resultado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº1421/12.1T2AVR.P1
(Comarca de Aveiro – Juízo Central Cível de Aveiro – Juiz 3)

Relator: António Mendes Coelho
1º Adjunto: Joaquim Moura
2º Adjunto: Ana Paula Amorim

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I Relatório

“B…, Lda.” instaurou acção ordinária contra C…, solicitadora de execução, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 176.270,42 € acrescida de juros vencidos e vincendos (que assim liquidou em sede de audiência prévia).
Alegou para tal, em síntese: que na qualidade de exequente propôs no Tribunal Judicial de Oliveira do Bairro uma acção executiva para pagamento da quantia de 107.562,20 €, à qual foi atribuído o nº957/04.2TBOBR, contra D… e mulher E…, no âmbito da qual foi nomeada como agente de execução a Ré; que sofreu danos patrimoniais directamente imputáveis à actuação da Ré no âmbito de tal processo, devido ao flagrante hiato temporal existente entre o ajuizamento da execução, a posterior concretização das penhoras e a venda do património penhorado, que determinou, desde logo, a frustração da apreensão e posterior venda, com prioridade a seu favor, de imóvel que indica (pois o mesmo veio a ser entretanto hipotecado a favor de terceiros e posteriormente adjudicado a estes, por um valor substancialmente inferior ao valor base de venda atribuído pela exequente) e, posteriormente, originou a frustração de adjudicação a seu favor de um outro imóvel, que indica, pelo valor de 75.000,00 €, em virtude de ter entretanto ocorrido a declaração de insolvência do ali executado marido e, nessa sequência, ter sido suspensa a execução em relação a ele, com a consequente impossibilidade de nela ter lugar aquela adjudicação.
A ré deduziu contestação, impugnando os factos alegados pela Autora no sentido da sua responsabilização e defendendo a sua absolvição.
A Autora foi entretanto declarada insolvente, tendo nesse sequência passado a intervir nos autos, na sua posição, a sua Massa Insolvente.
Após instrução dos autos com peças extraídas do processo de insolvência referente ao mencionado executado, realizou-se audiência prévia em 29/4/2019 (acta de fls. 642 a 645), em sede da qual a Autora procedeu à liquidação do seu pedido (pois o formulado na petição inicial era em quantia a liquidar) e na qual, após prolação do despacho saneador, se procedeu à identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova.
Procedeu-se seguidamente a julgamento, tendo na sua sequência sido proferida sentença em que se decidiu assim (transcreve-se):
Nestes termos, julgo a presente acção procedente e, em consequência, a quantia de 176.270,42 € (cento e setenta e seis mil duzentos e setenta euros e quarenta e dois cêntimos) acrescida de juros vencidos após a liquidação que a autora efectuou e dos que se vierem a vencer, à taxa legal, até integral pagamento.
De tal sentença veio a Ré a interpor recurso, tendo na sequência da respectiva motivação apresentado as seguintes conclusões, que se transcrevem:
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……………………………
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A Massa Insolvente da Autora apresentou resposta ao recurso da Ré nos termos constantes de fls. 679 a 681, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.

Foram dispensados os vistos nos termos previstos no art. 657º nº4 do CPC.
Considerando que o objecto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (arts. 635º nº4 e 639º nº1 do CPC), são duas as questões a tratar:
a) – apurar da existência de responsabilidade civil da Ré para com a Autora por causa da sua actuação no âmbito do processo de execução que se referiu;
b) – caso se conclua pela sua responsabilização, apurar do respectivo quantitativo indemnizatório.
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II – Fundamentação

Uma vez que o recurso se restringe a matéria de direito (pois nele claramente não se evidencia qualquer impugnação da matéria de facto, quer provada quer não provada, da sentença recorrida), há desde logo de dar conta da factualidade apurada.
É ela a seguinte (no caso, toda a referida na sentença recorrida):

Factos provados:
1 – A autora, em 24/11/2004, na qualidade de exequente, fez distribuir no Tribunal Judicial de Oliveira do Bairro uma acção executiva com processo comum para pagamento de quantia certa contra D… e mulher E…, contribuintes fiscais nºs ……… e ………, respectivamente, ambos residentes em …, ….-… Mealhada.
2 – A execução, depois de distribuída, foi autuada com o nº957/04.2TBOBR, correndo os seus termos na secção única do referido Tribunal Judicial de Oliveira do Bairro.
3 – A execução foi intentada para cobrança da quantia de 107.562,20 €, quantia da qual os executados se haviam confessado devedores mediante documento particular intitulado “Confissão de dívida”, por aqueles subscrito e junto aos autos de execução como título executivo com o respectivo requerimento inicial.
4 – Com o requerimento executivo, a aí exequente– ora autora – indicou à penhora os seguintes bens imóveis:
a) Prédio urbano composto de bloco de casas de habitação com quatro apartamentos, sito em …, freguesia e concelho da Mealhada, inscrito na respectiva matriz predial sob o art. 1438;
b) Prédio urbano composto de casa de habitação e comércio, de rés-do-chão, primeiro andar e logradouro, sito em …, freguesia e concelho da Mealhada, inscrito na respectiva matriz sob o art. 1677 e descrito na Conservatória do Registo Predial da Mealhada sob o nº718;
c) Prédio rústico composto de terra de semeadura, sito em …, freguesia e concelho da Mealhada, inscrito na respectiva matriz sob o art. 2603 e descrito na Conservatória do Registo Predial da Mealhada sob o nº603;
d) Prédio rústico composto de terra de semeadura, sito em …, freguesia e concelho da Mealhada, inscrito na respectiva matriz sob o art. 2615 e descrito na Conservatória do Registo Predial da Mealhada sob o nº873.
5 – Em 22/2/2005 foi proferido despacho a ordenar a citação dos executados para, no prazo de 20 dias, pagarem a quantia reclamada pela exequente ou deduzirem oposição à execução.
6 – No âmbito da referida execução, nos termos e para os efeitos do disposto, ao tempo, no nº2 do art. 808º do C.P.C., foi nomeada como agente de execução, a Srª Solicitadora C…, ora ré.
7 – A nomeação foi aceite pela ré em 24/2/2005.
8 – Consequentemente, a ré promoveu a citação dos executados, mediante cartas registadas com aviso de recepção expedidas em 2/5/2005, tendo as mesmas vindo devolvidas, razão pela qual, em 20/5/2005, a Srª agente de execução informou o Tribunal que iria proceder à citação dos executados por contacto pessoal.
9 – Em 3/6/2005 foi junta aos autos de execução a respectiva nota de citação negativa elaborada pela ora ré.
10 – Em 25/10/2005, os executados foram citados para os termos da execução, por contacto pessoal de agente de execução.
11 – Citados para os termos da referida execução, os aí executados não deduziram qualquer oposição dentro do prazo de 20 dias previsto para o efeito.
12 – A penhora dos bens imóveis indicados no requerimento executivo veio a ser efectuada pela ora ré no dia 9/1/2006.
13 – Efectuadas as penhoras, a Srª Agente de Execução, ora ré, procedeu à citação dos credores detentores de garantias reais sobre os bens entretanto penhorados, tendo a autora sido notificada, em 14/12/2006, de que haviam sido reclamados os seguintes créditos:
a) Um crédito no montante de 10.251,67 €, reclamado por F… e mulher G…;
b) Um crédito de 5.646,90 €, reclamado pelo Ministério Público, por dívidas tributárias relativas a IRS e IMI;
c) Um crédito de 919,88 €, reclamado pela segurança social, relativo a contribuições não pagas respeitantes aos meses de Outubro de 2003, Novembro de 2004 e Setembro de 2006.
14 – Em 1/3/2010, no respectivo apenso de reclamação de créditos, foi proferida sentença de graduação, sendo os créditos graduados da seguinte forma:
1º - Os créditos do Estado nos montantes de 904,18 € e 362,33 € (incluindo juros de mora vencidos e vincendos), relativos ao IMI de dois imóveis;
2º - O crédito titulado por F… e mulher G…, no montante de 10.000,00 €, acrescido de juros demora vencidos e vincendos;
3º - Os créditos do Estado nos montantes de 1.978,88 € (vencido a 20/3/2006) e 2.143,90 € (vencido a 31/10/2006), ambos a título de IRS, ambos acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos;
4º - O crédito do Instituto da Segurança Social, IP, relativo às contribuições dos meses de Outubro de 2003 (4,93 €), Novembro de 2004 (287,38 €) e Setembro de 2006 (545,86 €), acrescido de juros de mora vencidos e vincendos;
5º - O crédito da exequente, ora autora.
15 – Em 14/6/2007, a ré notificou o mandatário da exequente para se pronunciar quanto à venda dos bens imóveis penhorados em 9/1/2006.
16 – Em 26/6/2007, por carta registada, e através do seu mandatário nos autos de execução, a aí exequente, ora autora, tomou a seguinte posição relativa à notificação atrás referida:
a) sugeriu a venda dos bens penhorados mediante a apresentação de propostas em carta fechada;
b) indicou para a venda os bens imóveis penhorados o seguinte valor:
b1 – 200.000,00 € para o imóvel inscrito sob o art.1438;
b2 – 50.000,00 € para o imóvel inscrito sob o art. 1677;
b3 – 19.000,00 € para o imóvel inscrito sob o art. 2603;
b4 – 1.000,00 € para o imóvel inscrito sob o art. 2615.
17 – Em 15/11/2007, foi a exequente notificada, na pessoa do seu mandatário, da decisão da ré quanto à modalidade – e valor base – da venda dos bens acima referidos.
18 – Sendo que a ré aceitou a modalidade e o valor base da venda sugeridos pela exequente, ora autora, relativamente a cada um dos quatro bens penhorados.
19 – Por despacho de 18/12/2007, proferido nos referidos autos de execução, foi designado o dia 15/2/2008 para a abertura de propostas.
20 – Foram feitas todas as publicações legalmente previstas a anunciar a venda dos bens em causa e os respectivos valores base.
21 – Na data designada para a abertura de propostas apenas foi apresentada uma proposta quanto ao prédio rústico inscrito na respectiva matriz sob o art. 2603º.
22 – A proposta de aquisição foi apresentada pelo credor reclamante F…, sendo no montante de 13.320,00 €.
23 – A proposta apresentada foi aceite, sendo que, quanto aos três imóveis remanescentes, o Tribunal determinou, por despacho proferido em 15/2/2008, que a venda dos mesmos tivesse lugar por negociação particular.
24 – Em 1/2/2008, foi apresentada pela sociedade comercial H…, Ldª uma nova reclamação de créditos, no montante de 7.807,92 €.
25 – Perante esse facto, em 19/9/2008 foi proferida uma nova sentença de graduação de créditos, tendo sido reconhecido o crédito reclamado pela referida sociedade, sendo o mesmo graduado em último lugar.
26 – Foi nomeada como encarregada da venda dos imóveis remanescentes a I…, S.A.
27 – A autora remeteu-lhes, em 4/12/2009,proposta para aquisição do prédio urbano inscrito na matriz sob o art. 1438 (descrito na Conservatória do Registo Predial da Mealhada sob o nº2951), proposta essa no valor de 75.000,00 €, com dispensa de depósito do preço, obrigando-se a exequente, ora autora, a pagar à Fazenda Nacional os créditos que devessem ser pagos com prevalência sobre o crédito da exequente.
28 – Em 5/1/2010, a I… comunicou à Srª Agente de Execução a existência da proposta de aquisição pelo valor de 75.000,00 €, declarando não existirem outras propostas para o mesmo bem.
29 – Em 22/4/2010, a Srª Agente de Execução comunica aos autos a existência da proposta apresentada pela exequente, informando que não tenha sido recepcionada qualquer resposta às notificações enviadas aos executados e credores reclamantes que incidiram sobre essa mesma proposta.
30 – Em 4/1/2011, a Srª Agente de Execução, ora ré, dirige requerimento ao Sr. Juiz do processo, solicitando autorização para proceder à venda do imóvel à exequente.
31 – A exequente não pretendia comprar o imóvel, mas sim obter a respectiva adjudicação.
32 – Face ao teor do requerimento referido em 30,o Tribunal, em 14/9/2011, proferiu o seguinte despacho: “Notifique a Agente de Execução para, em 10 dias, esclarecer o requerimento que antecede, porquanto o que se pretende é a entrega do imóvel aos adquirentes e não a sua venda.”
33 – Em 21/9/2011, a ré requereu autorização para a realização de escritura pública de três imóveis referidos em 23, nos quais se incluía o aludido em 27.
34 – A concretização da transmissão do imóvel a favor da exequente, mediante a respectiva adjudicação, foi autorizada por despacho de 27/9/2011.
35 – Só a partir dessa data, a Srª Agente de Execução deu início às diligências necessárias à concretização da transmissão, nomeadamente a obtenção dos valores em dívida, actualizados, por parte dos executados à Fazenda Pública.
36 – No dia 20/2/2012, a Srª Agente de Execução remeteu ao mandatário da exequente pedido de provisão no montante de 1.843,75 €, a fim de que se concretizasse a transmissão do imóvel supra referido.
37 – Em 23/2/2012, a Srª Agente de Execução remeteu ao mandatário da exequente declaração por aquela emitida, a qual serviria de base ao pagamento de impostos necessários à concretização da transmissão.
38 – Por sentença proferida em 8/2/2012, no âmbito do Proc. nº8/12.3TBMLD, da secção única do Tribunal Judicial da Mealhada, foi decretada a insolvência do executado D…, insolvência publicada a 7/3/2012 e requerida pela sociedade H…, Ldª, credora reclamante na apontada execução.
39 – A declaração de insolvência determinou a suspensão da execução comum nº957/04.2TBOBR.
40 – Com a consequente impossibilidade de concretização da pretendida adjudicação do prédio acima referido a favor da aí exequente, ora autora.
41 – Em 10/3/2005, a ré emitiu pedido de provisão referente ao processo para o qual foi nomeada, no valor de 453,40 €,tendo a exequente remetido um cheque para liquidação do montante de 95,00 €,em 15 de Abril de 2005.
42 – A ré suportou os montantes peticionados pela conservatória do registo predial referentes ao registo da penhora dos imóveis.
43 – A ré procedeu à pesquisa de bens automóveis existentes na titularidade dos executados.
44 – Em 1/2/2008, a ré procedeu a um novo pedido de provisão referente àqueles autos, tendo o mesmo sido remetido para o mandatário da autora.
45 – No âmbito dos autos de insolvência do referido executado procedeu-se ao rateio, tendo a ora autora sido ressarcida no montante de 7.035,05 €.
46 – Não tendo a autora sido ressarcida por parte da executada E… relativamente à quantia peticionada nos autos de execução.
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Factos não provados:
- Por lapso na realização da citação dos executados, imputável à ora ré, a mesma teve que ser repetida;
- Decorrido o prazo para a dedução de oposição, a ora ré não promoveu qualquer diligência de penhora, nomeadamente dos bens identificados no requerimento executivo;
- Entre Dezembro de 2009 e Março de 2010, a exequente, através dos seus mandatários, foi insistindo com a ora ré para dar andamento à conclusão da venda, em face da proposta por si apresentada;
- A 26/4/2010, o mandatário da exequente remeteu à Srª Agente de Execução requerimento com o seguinte teor: “(…) Declara que mantém a proposta de compra do bem penhorado, em total conformidade com o apresentado ao Sr. Encarregado da venda, com dispensado depósito da parte do preço que não seja necessária para pagar aos credores graduados antes da exequente e que não exceda a importância que tem direito a receber, tudo nos termos do art. 887º, nº1, do C.P.C.. Cumpridos tais requisitos e, ainda, os previstos nos artigos 888º e 900º, ambos da mesma lei, deverá o Sr. Encarregado da Venda ser notificado para proceder à venda do bem à exequente, emitindo-se o competente instrumento de venda.”;
- A Srª Agente de Execução respondeu ao despacho de 14/9/2011 por requerimento de 14/12/2011, informando que a exequente não pretendia a compra do referido imóvel, correspondente à verba nº1, mas sim a adjudicação do mesmo;
- A provisão referida em 44 não foi paga pela autora.
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Vamos ao tratamento da primeira questão enunciada.
Como se vê do recurso interposto [designadamente das conclusões a) an) do mesmo], a sua apreciação está circunscrita à actuação que a Ré/Recorrente terá tido no processo de execução referido nos autos relativamente à pretensão de adjudicação à Autora, ali exequente, de determinado imóvel e à frustração de tal pretensão (decorrente de ter entretanto ocorrido a declaração de insolvência do ali executado marido e, nessa sequência, ter sido suspensa a execução em relação a ele, com a consequente impossibilidade de nela ter lugar aquela adjudicação), actuação essa sobre a qual se considerou na sentença recorrida que “relevante, para o caso, é o facto de os autos de execução terem deixado de ser tramitados no período compreendido entre 22 de Abril de 2010 – data em que já estava perfeitamente clarificado que o imóvel que constituía a verba nº1 poderia ser adjudicado à exequente – e 27 de Setembro de 2011 – data que a ora ré deu início às diligências necessárias à concretização da transmissão, nomeadamente no que diz respeito ao apuramento dos valores devidos à Fazenda Pública”.
Apuremos então.
Comecemos por precisar que o agente de execução – quer ao tempo dos factos (face ao CPC anterior e ao Estatuto da Câmara dos Solicitadores aprovado pelo Dec.Lei nº88/2003 de 10/9), quer actualmente (face ao novo CPC e ao actual Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, aprovado pela Lei 154/2015, de 14/9) – é um profissional liberal independente, sujeito a um específico regime de habilitação, incompatibilidades e impedimentos, que em sede de processo executivo é chamado a colaborar com o tribunal na realização de todos os actos do mesmo não cometidos ao juiz ou à secretaria (esta actuação emana de forma bem clara, desde logo, do disposto no art. 808º e ainda, entre outros, nos arts. 810º nº7, 811º nº1, 811º-A, 812º-C, 812º-D, 832º, 833º-A, 833º-B, 834º, 838º, 848º, 849º, 856º, 875º nº4, 879º, 882º e 886º-A do CPC vigente ao tempo dos factos em análise no presente recurso e, actualmente, desde logo do disposto nos arts. 719º nºs 1 e 2, 720º e 723º e ainda, entre variados outros, nos arts. 748º, 749º, 750º, 753º nº2, 754º, 755º nº3, 756º nº1,799º nº4, 812º nº1 e 833º nº2 do CPC vigente).
Assim, devido àquelas características profissionais, porque não subordinado ao regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado e porque os seus actos não são de qualificar como efectuados no âmbito da função administrativa do Estado (como neste sentido bem se explicita no Ac. da Relação de Évora de 6/4/2017, proc.nº69/15.3T8ALR-A, rel. Isabel Peixoto Imaginário, disponível em www.dgsi.pt), a prática de alguma conduta pelo agente de execução no âmbito do processo executivo, por acção ou omissão, pela qual seja susceptível de ser responsabilizado, cai no âmbito do regime geral da responsabilidade civil [neste sentido, Acs. do STJ de 6/7/2011 (rel. Fonseca Ramos) e de 11/4/2013 (rel. Abrantes Geraldes), ambos também disponíveis em www.dgsi.pt].
Analisemos agora da actuação em causa.
Mostra-se provado que a proposta de aquisição do prédio penhorado pelo valor de 75.000 euros, efectuada pela ali exequente e aqui Autora, foi comunicada à Ré, enquanto agente de execução, em 5/1/2010 (como decorre dos factos provados sob os números 26, 27 e 28).
Para o caso, era irrelevante que tal aquisição consistisse na venda de tal prédio ou na sua adjudicação, como veio a ser esclarecido nos termos que constam provados sob o nº31 dos factos provados [pois a adjudicação só podia ser requerida pela exequente, como previsto no art. 875º nº1 do CPC ao tempo vigente(e como também previsto no art. 799º nº1 do actual), e, sendo-o, tudo se passava como se fosse uma aquisição por venda, pois a exequente, como acontecia nesta modalidade, também ficava dispensada do depósito do respectivo preço nos termos previstos no art. 887º do mesmo diploma, aplicável por força do disposto no seu art. 878º (como aliás igualmente acontece no actual CPC, como se vê dos seus arts. 802º e 815º); portanto, o que a exequente visava era a aquisição do prédio penhorado em causa com dispensa do respectivo preço nos termos possibilitados pela lei – e sobre isso, face àqueles factos provados sob os pontos 26, 27 e 28, não havia dúvida].
Após receber tal comunicação, a Ré, depois de notificar a referida proposta aos executados e credores reclamantes, em 22/4/2010 (e não em 22/10/2010, como erroneamente refere sob a conclusão f) do seu recurso) comunica aos autos de execução a existência daquela proposta apresentada pela exequente (nº29 dos factos provados).
Note-se que nesta data a Ré apenas se limitou a dar conhecimento ao tribunal daquela proposta, pois nada requereu ao mesmo (o que é até bem visível do documento que consta a fls. 152 dos autos, que corporiza aquela comunicação e onde não consta qualquer requerimento).
Logo, não tendo requerido nada ao tribunal, de nada deveria dele estar à espera.
Depois daquela comunicação aos autos de 22/4/2010, a Ré só em 4/1/2011 – portanto, 8 meses e 13 dias depoispraticou novo acto no processo, o qual foi dirigir nessa data requerimento ao Sr. Juiz do processo a solicitar autorização para proceder a venda do imóvel à exequente (nº30 dos factos provados).
Por sua vez, este requerimento – não obstante apenas ter tido resposta por despacho proferido a 14/9/2011, como provado sob o ponto 32 dos factos provados– era completamente destituído de utilidade, não devendo por isso sequer ser efectuado, já que era à agente de execução quem competia a prática daquele acto (a decisão, quer sobre a adjudicação quer sobre a venda, cabia ao agente de execução, como expressamente previsto nos arts. 875º nº4 e 886º-A nº1 do CPC ao tempo em vigor).
Do que decorre que, só até àquele despacho pela qual a Ré esperou, a mesma deixou inicialmente passar 8 meses e 13 dias (entre 22/4/2010 e 4/1/2011) sem que para tal tivesse qualquer justificação (pois, como se frisou, nada requereu ao tribunal), acrescidos de seguida de mais 8 meses e 10 dias (entre 4/1/2011 e 14/9/2011) pela resposta a um requerimento que nem sequer devia ter efectuado [sendo que aqui não podemos deixar de fazer notar à Recorrente que o despacho de 14/9/2011, como se vê de fls. 154 dos autos (que integra uma cópia da folha do processo onde o mesmo consta), foi proferido na data da respectiva conclusão e, por isso, sem qualquer atraso; portanto, contrariamente ao que a Recorrente fez constar sob as conclusões i) e n) do seu recurso, a haver quanto a ele atraso, o mesmo só eventualmente aos serviços de secretaria seria imputável e não ao Sr.Juiz].
Do que decorre um não andamento efectivo do processo só até àquele despacho – no caso, das diligências destinadas a operar a adjudicação do prédio à exequente e cuja realização só à agente de execução legalmente cabiam– de 16 meses e 23 dias.
Mas mesmo após a retoma de prática de actos pela agente de execução, pelo requerimento que formulou a 21/9/2011 (ponto 33 dos factos provados) e que foi respondido por despacho de 27/9/2011 a autorizar a concretização da aquisição do imóvel a favor da exequente (ponto 34 dos factos provados), na sequência do que deu início às diligências necessárias à concretização de tal transmissão, verifica-se ainda que só em 23/2/20124 meses e 26 dias depois – é que a mesma remeteu ao mandatário da exequente a declaração que serviria de base ao pagamento dos impostos necessários à concretização de tal transmissão (ponto 37 dos factos provados).
Ora, tendo entretanto ocorrido a declaração de insolvência do executado marido em 8/2/2012, tal, como é óbvio, determinou a suspensão da respectiva execução e a consequente impossibilidade de concretização da pretendida adjudicação do prédio à exequente (pontos 38, 39 e 40 dos factos provados).
Considerando que, como se previa no art. 808º nº12 do CPC ao tempo em vigor (e como igualmente se prevê no art. 720º nº7 do actual), “o agente de execução realiza as notificações da sua competência no prazo de 5 dias e os demais actos no prazo de 10 dias”, há que concluir que – ainda que nele não se inclua os 8 meses e 10 dias acima referidos (entre 4/1/2011 e 14/9/2011) relativos à resposta do tribunal a um requerimento que nem sequer devia ter efectuado–, há todo um tempo de demora ou de protelação injustificada no tempo de prática de actos processuais que só a si competiam (onde nomeadamente se integra os 8 meses e 13 dias que inicialmente deixou passar após a sua comunicação aos autos de 22/4/2010 e ainda os 4 meses e 26 dias que entre 27/9/2011 e 23/2/2012 levou para remeter ao mandatário da exequente a declaração que serviria de base ao pagamento dos impostos necessários à concretização da transmissão do prédio) que, em clara violação daquele preceito e também do seu dever ao tempo previsto no art. 123º nº1, al. a) do Estatuto da Câmara dos Solicitadores (de “praticar diligentemente os actos processuais de que seja incumbido, com observância escrupulosa dos prazos legais ou judicialmente fixados”), veio a ocasionar a não adjudicação à exequente, ora Autora, do bem imóvel dentro de período temporal perfeitamente expectável e adequado e veio a possibilitar que, mercê da declaração de insolvência do executado marido ocorrida no seu decurso e a consequente suspensão da execução, aquela adjudicação, nos seus termos, já não pudesse vir mais a ter lugar.
Note-se ainda – por pertinente face ao que a Recorrente afirma sob a conclusão s) do seu recurso – que dentro de todo aquele tempo de demora que se referiu não se apurou qualquer falta de pagamento de provisão de honorários à agente de execução (quanto a este tema apenas resulta apurado o que consta sob os pontos 36 e 44 dos factos provados e o que consta referido sob o último item do factos não provados, sendo que daqueles e deste nada se conclui em tal sentido), embora cumpra precisar que ainda que tal falta de provisão tivesse ocorrido, a mesma, face ao regime processual civil ao tempo aplicável, não era legitimadora da inacção da mesma para a prática de actos no processo nos termos que acima se analisou (ao contrário do que já acontece actualmente, face ao regime que quanto a tal se prevê nos nºs 2, 3 e 4 do art. 721ºdo CPC agora vigente).
Assim, conclui-se, se não fosse aquele comportamento de demora ou de protelação injustificada no tempo de prática de actos processuais por parte da Ré, a exequente, com grande ou mesmo toda a probabilidade, não teria deixado de adquirir o prédio por via da sua referida adjudicação, pois esta podia ter tido lugar em momento temporal bem anterior à referida declaração de insolvência do executado marido.
Do que decorre – ao contrário do que a Recorrente defende sob a conclusão o) do seu recurso (ao referir que “o que impossibilitou a satisfação do direito de crédito da Recorrida foi a declaração de insolvência do devedor/executado D…”) – que é de afirmar a existência de nexo de causalidade, nos termos previstos no art. 563º do C.Civil, entre aquela actuação da Ré e a frustração da adjudicação do prédio a favor da ali exequente e ora Autora, com o decorrente prejuízo patrimonial que tal acarretou para esta.
Como se sabe, naquele art. 563º do C.Civil está consagrada a doutrina da causalidade adequada e esta, como ensina Almeida e Costa (“Direito das Obrigações”, Almedina, Coimbra, 1979, 3ª edição, pág. 520), “não pressupõe a exclusividade da condição, no sentido de que esta tenha só por si determinado o dano. Podem ter colaborado na sua produção outros factores concomitantes ou posteriores” (sublinhados nossos), acrescentando logo de seguida a tal raciocínio que “o nexo causal entre o facto e o dano não tem de ser directo ou imediato, bastando uma causalidade indirecta ou mediata. Será suficiente, na verdade, que o facto, embora não haja ele mesmo provocado o dano, desencadeie outra condição que directamente o produza, contando que esta segunda condição se mostre uma consequência adequada do facto que deu origem à primeira. A solução justifica-se porque o dano, muitas vezes, apenas se torna possível pela intermediação de factores de diversa ordem (factos naturais, acções ou omissões do próprio lesado ou de terceiro), sendo razoável que o agente responda por esses factos posteriores, desde que especialmente favorecidos pela sua conduta ou tão-só prováveis segundo o curso natural das coisas.” (sublinhado nosso).
Fazendo a aplicação de tais raciocínios ao caso vertente, é de concluir que não obstante aquela declaração de insolvência ter sido a causa directa ou imediata da frustração da adjudicação, tal causa só ocorreu porque foi possibilitada ou especialmente favorecida por aquele comportamento de demora injustificada por parte da Ré, o qual, por isso, não se revelou de todo indiferente para a produção daquele resultado.
Deste modo, de tudo o que se vem de expor, é de concluir pela verificação de todos os pressupostos previstos no art. 483º do C. Civil em relação à conduta da Ré que se vem de analisar.
Efectivamente, temos um facto (a conduta de demora ou de protelação no tempo de prática de actos processuais), a sua ilicitude (por violação ostensiva do disposto no art. 808º nº12 do CPC ao tempo em vigor e do dever previsto no art. 123º nº1, al. a) do Estatuto da Câmara dos Solicitadores que também ao tempo vigorava), a imputação de tal facto à Ré em termos de culpa (aquela conduta, de natureza claramente omissiva e injustificada, só a si se deve, pois estavam em causa diligências cuja realização só à agente de execução legalmente cabiam), um dano (a frustração da adjudicação do prédio à exequente, com o prejuízo patrimonial daí decorrente para esta) e a existência de nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano nos termos que supra se referiram.
Consequentemente, é de se afirmar a sua responsabilidade pelo dano ocasionado à Autora em virtude da frustração da adjudicação do prédio.
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Passemos agora ao tratamento da segunda questão enunciada.
Como resulta apurado sob os pontos 27 e 28 dos factos provados, a aquisição do prédio pela referida adjudicação era para ser feita pelo preço de 75.000 euros.
Tendo-se frustrado tal adjudicação nos termos que supra se analisaram, de tal decorreu uma não entrada no património da Autora de um bem com aquele valor, valor este que, por sua vez, iria compensar em parte (naquele montante de 75.000 euros) o crédito que a mesma estava a tentar obter pagamento através do processo de execução referido sob os pontos 1, 2 e 3 dos factos provados.
Portanto, como decorre dos arts. 563º e 564º nº1 do C. Civil, o prejuízo que a Autora sofreu com a frustração da adjudicação foi naquele montante de 75.000 euros (não se compreendendo – desde logo porque ali nada se refere ou justifica em tal sentido – o valor indemnizatório perfilhado pela sentença recorrida).
Assim sendo, é aquele o valor a indemnizar.
E sobre o mesmo incidem juros à taxa legal, vencidos desde a liquidação efectuada em sede de audiência prévia pela própria Autora e até integral pagamento (face aos termos do pedido integrante de tal liquidação e ao disposto nos arts. 609º nº1 do CPC e 806º nºs 1 e 2 do C. Civil), como se fixou na sentença recorrida.
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Sumário (da exclusiva responsabilidade do relator – art. 663 º nº7 do CPC):
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III – Decisão

Por tudo o exposto, acordando-se em julgar parcialmente procedente o recurso, condena-se a Ré a pagar à Autora a quantia de 75.000,00 euros, acrescida de juros nos termos já fixados na sentença recorrida.
Custas por Recorrente e Recorrida na proporção do respectivo decaimento.
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Porto, 11 de maio de 2020
Mendes Coelho
Joaquim Moura
Ana Paula Amorim