Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4002/23.0T8MTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA LUZIA CARVALHO
Descritores: PROCESSO POR ACIDENTE DE TRABALHO
NOVA PERÍCIA
INSUFICIENTE FUNDAMENTAÇÃO DA JUNTA MÉDICA
ANULAÇÃO DA SENTENÇA
Nº do Documento: RP202509244002/23.0T8MTS.P1
Data do Acordão: 09/24/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO INTERCALAR IMPROCEDENTE E ANULADA A SENTENÇA QUANTO A ESTA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - No âmbito dos processos emergentes de acidente de trabalho, realizada a perícia obrigatória na fase conciliatória e a junta médica na fase contenciosa, não é admissível nova perícia por junta médica para se pronunciar sobre as mesmas questões que a anterior.
II – Se a decisão do tribunal relativa ao coeficiente de incapacidade se baseia apenas na posição unânime dos srs. peritos que intervieram na junta médica, não se mostrando esta devidamente fundamentada e existindo nos autos elementos clínicos, não resultado do auto que tenham sido analisados ou ponderados, bem como posição pericial da fase conciliatória, divergentes daquela, é de anular a decisão da matéria de facto correspondente, nos termos do art.º 662.º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Civil, com vista á reabertura da junta médica e à realização de outras diligências que se revelem pertinentes.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 4002/23.0T8MTS.P1

Origem: Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Matosinhos, J1

Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

Relatório

A A... Companhia de Seguros, S.A, apresentou participação de acidente de trabalho, ocorrido no dia 26/08/2022, pelas 10 horas e 30 minutos, em Matosinhos, de que foi vítima AA, dando início à presente ação especial de acidente de trabalho.

Na fase conciliatória foi realizado exame médico em 07/03/2024, tendo sido solicitados os registos clínicos integrais ao Hospital .... O exame veio a ser concluído em 08/07/2024, tendo os Sr. perito médico entendido que a consolidação médico legal das lesões ocorreu em 12/12/2023 e que a sinistrada se encontrava afetada de uma incapacidade permanente parcial (doravante IPP) com o coeficiente de 30% (Cap. I 13.2.2 da TNI).

Foi realizada a tentativa de conciliação na qual foi aceite a existência do acidente de trabalho e o nexo de causalidade entre este e as sequelas descritas no exame médico, bem como a data da alta, não tendo sido alcançado acordo por nem a sinistrada, nem a seguradora aceitarem a IPP atribuída naquele exame, não aceitando ainda a seguradora os períodos de incapacidade temporária (doravante IT´s).

Foi dado início à fase contenciosa mediante apresentação de requerimento para junta médica, quer pela sinistrada, quer pela seguradora.

A junta medica foi realizada em 30/01/2025 e, por unanimidade, os Srs. peritos médicos consideraram a sinistrada afetada de IPP com o coeficiente de 6% (Cap. I 13.2.1.b) da TNI por analogia), tendo considerado a consolidação das lesões em 13/12/2023, referindo a esse respeito que, caso se mantivesse a situação de consolidação parcial evidenciada no Rx de 23/11/2023, a situação era passível de correção cirúrgica, que a sinistrada não aceitou, motivo pelo qual, face ao quadro clínico descrito no auto e ao resultado habitual após tratamento fixaram o valor da IPP considerando a situação consolidada.

Em 10/02/2025, a sinistrada apresentou requerimento pretendendo a retificação das respostas aos quesitos 4.º e 5.º, solicitando, nos termos do art.º 30.º, n.º 1 da LAT, a realização de um exame pericial do tribunal, no qual os Peritos se pronunciem acerca dos benefícios e riscos da realização da cirurgia proposta à sinistrada e requerendo a nulidade da decisão dos Srs. peritos de considerarem a consolidação das lesões.

A seguradora não se pronunciou.

Foi proferido despacho, em 27/02/2025, pelo qual o tribunal “a quo” decidiu o seguinte:

«1)- Indefiro a arguição de nulidade;

2)- Determino a continuação da junta médica para:

a)– apreciar o pedido de rectificação; e

b)– prestar os seguintes esclarecimentos:

- A necessidade (ou desnecessidade) de realização de exame radiológico actual para aferição do estado actual da fractura da tíbia (em suma: quais as razões para assentar o juízo formulado na consideração da manutenção do estado retractado no exame radiológico de Novembro de 2023);

- Qual a concreta cirurgia a que fazem menção no auto de junta médica;

- Quais os benefícios e riscos desse tratamento cirúrgico;

- Se e, na afirmativa, quais os períodos de ITA e ITP que possa importar tal tratamento;

- Determinar o grau de IPP (e, se for o caso, da IPATH) em face da situação actual (no pressuposto – ainda que não seja o defendido – de ser justificada a recusa de realização da cirurgia).»

Foi realizada nova reunião da junta médica, na qual os Srs. peritos médicos, por unanimidade, retificaram a resposta aos quesitos 4.º e 5.º formulados pela sinistrada, no sentido de que a sinistrada não está afetada de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual e respondendo às questões formuladas pelo tribunal no despacho de 27/02/2025 com a afirmação de que “Face ao estado atual objetivado pelo exame clínico – possibilidade de apoio monopodalico nos membros inferiores sem instabilidade ou dor no local em que aconteceu a fratura – é de admitir clinicamente não haver indicação para qualquer ato cirúrgico. Sendo assim não é necessária a realização de exames complementares de diagnóstico nomeadamente Rx aos ossos da perna esquerda. Face ao supra exposto considera-se prejudicada a resposta aos demais quesitos.”

Em 16/04/2025, a sinistrada requereu a realização de segunda perícia, sem intervenção dos peritos nomeados nos autos, face à contradição entre os dois autos de junta médica quanto à necessidade de realização de cirurgia, por o exame objetivo realizado nas juntas médicas, face às queixas da sinistrada, manifestar deficiência nas premissas usadas para a conclusão retirada e porque os srs. peritos não tiveram em conta o relatório de ortopedia de 11/06/2024 do Hospital ..., padecendo a decisão da junta de deficiência e obscuridade.

Em 07/05/2025 foi proferido despacho indeferindo o requerido, com o seguinte teor:

“A presente acção segue a forma de processo especial prevista nos arts. 99.º e seguintes do CPT. Afastando-se da tramitação da acção comum e estando sujeita a duas fases processuais distintas – uma fase necessária de conciliação e uma fase eventual contenciosa –, vindo a acção a prosseguir os seus termos para esta segunda com fundamento na discordância das partes quanto ao grau de incapacidade, necessariamente que há lugar a uma segunda perícia, sendo esta a da junta médica. Explicando melhor: na fase conciliatória é realizada a primeira perícia médica, de acordo com o previsto no art. 105.º do CPT; na fase contenciosa, haverá lugar à perícia, com junta médica, tal como decorre do previsto no art. 139.º do CPT.

Não há lugar a outra perícia posterior à junta médica, que em todo o caso já seria a terceira perícia realizada nos autos (cfr., neste sentido e a título de exemplo, o decidido já pelo Tribunal da Relação do Porto no proc. n.º1765/20.9T9PNF).

Em todo o caso, com referência aos fundamentos invocados pela requerente, adianta-se o seguinte:

- A apontada contradição quanto à necessidade de realização de nova cirurgia, representa antes o reconhecimento pelos peritos agora nos esclarecimentos prestados da posição defendida pela requerente;

- As queixas subjectivas são as que o examinado verbaliza; no exame objectivo os peritos aferem se aquelas têm suporte. A divergência (ou não atendibilidade daquelas) não representa uma contradição mas antes uma diferente valoração daquelas ante o exame realizado e os conhecimento técnicos que os peritos possuem;

- A quantificação das sequelas segundo a tabela num relatório ainda que elaborado por uma entidade pública, ainda que merecedora de ponderação, não vincula os peritos e o facto de daquela divergirem não significa que não a tenham ponderado.

Tudo isto para concluir que, mesmo a ser admissível a realização de uma terceira perícia (e não é), não se entenderia a argumentação mobilizada o bastante para a determinar nos termos do art. 487.º, n.º1, do CPC.

Pelo exposto, indefiro o requerido.”

Foi de seguida proferida sentença com o seguinte dispositivo:

“Pelo exposto, julgo a acção procedente, fixo à sinistrada AA a incapacidade permanente parcial (IPP) de 6,00%, pelo acidente de trabalho ocorrido no dia 26 de Agosto de 2022, e condeno a “A... – Companhia de Seguros, S.A.” a pagar as seguintes quantias:

- O capital de remição correspondente à pensão anual de 414,54€, acrescido de juros calculados à taxa de 4% ao ano desde 13 de Dezembro de 2023 até efectivo e integral pagamento;

- A quantia de 358,03€ por diferença na indemnização por incapacidade temporária, acrescido de juros calculados à taxa de 4% ao ano desde 27 de Agosto de 2022 até efectivo e integral pagamento; e

- A quantia de 25,00€, acrescida de juros calculados à taxa de 4% ao ano desde 11 de Dezembro de 2024 até efectivo e integral pagamento.”

O valor da ação foi fixado em 6.381,42€ (seis mil trezentos e oitenta e um euros e quarenta e dois cêntimos).


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Inconformada a sinistrada interpôs recurso do despacho que indeferiu a realização da segunda perícia e da sentença, concluindo as alegações nos seguintes termos:

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A seguradora não apresentou contra-alegações.


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O recurso foi regularmente admitido e, recebidos os autos neste tribunal, o Ministério Público, nos termos do art.º 87.º, n.º 3 do CPT, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Nenhuma das partes se pronunciou sobre o aludido parecer.


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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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Delimitação do objeto do recurso

Resulta das disposições conjugadas dos arts. 639.º, nº 1, 635.º e 608.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil (doravante CPC), aplicáveis por força do disposto pelo art.º 1.º, n.º 1 e 2, al. a) do CPT, que as conclusões delimitam objetivamente o âmbito do recurso, no sentido de que o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as questões suscitadas pelas partes (delimitação positiva) e, com exceção das questões do conhecimento oficioso, apenas sobre essas questões (delimitação negativa).

Assim, são as seguintes as questões a decidir:

1 - se devia ter sido deferida a realização de segunda perícia (recurso do despacho proferido imediatamente antes da sentença);

2 - se deve ser alterada a decisão da matéria de facto;

3 - se a sentença padece de erro de julgamento quanto à fixação da incapacidade.


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Fundamentação de facto

Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:

«1) A sinistrada nasceu a ../../1978.

2) Trabalha por conta própria na agricultura enquanto “Directora de Produção Agrícola”.

3) No dia 26 de Agosto de 2022, pelas 10h30, na ..., quando se dirigia para o local do trabalho, colocou mal o pé, caindo e fraturando a tíbia e o perónio da perna esquerda.

4) Na sequência dos factos descritos em 3), sofreu os seguintes períodos de incapacidade absoluta para o trabalho:

- de 27 de Agosto de 2022 a 22 de Dezembro de 2022;

- de 17 de Fevereiro de 2023 a 27 de Fevereiro de 2023; e

- de 7 de Março de 2023 a 26 de Setembro de 2023.

5) Os seguintes períodos de incapacidade parcial para o trabalho de 30%:

- de 23 de Dezembro de 2022 a 16 de Fevereiro de 2023;

- de 28 de Fevereiro de 2023 a 6 de Março de 2023; e

- de 27 de Setembro de 2023 a 23 de Novembro de 2023.

6) E o seguinte período de incapacidade parcial para o trabalho de 50%:

- de 24 de Novembro de 2023 a 12 de Dezembro de 2023.

7) A sinistrada teve alta a 12 de Dezembro de 2023.

8) Após consolidação, ficou com cicatrizes cirúrgicas localizadas na face anterior do joelho e na face anterior do terço inferior da perna sem queixas subjectivas associadas; dismorfia no terço inferior da perna parecendo depender do plano ósseo; joelho e tornozelo com mobilidades conservadas e simétricas e sem instabilidades; força muscular conservada e simétrica em ambos os membros inferiores com apoios monopodálicos Esquerdo e Direito possível, sem desequilíbrio e sem queixas.

9) A sinistrada ficou afectada com a IPP de 6,00%.

10) A seguradora já liquidou à sinistrada a quantia relativa a indemnização pelos períodos de incapacidade temporárias no valor de 6.806,51€.

11) A sinistrada compareceu nas instalações do tribunal para a tentativa de conciliação no dia 10 de Dezembro de 2025.

12) Suportou com tal deslocação a quantia de 25,00€.

13) A autora transferiu a responsabilidade civil decorrente de acidentes de trabalho sofridos pela própria para a “A...” por contrato de seguro titulado pela apólice n.º ..., pela remuneração anual de 9.870,00€.

14) Em 26 de Agosto de 2022, a autora auferia a retribuição anual de 9.870,00€.»


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Apreciação

1 - se devia ter sido deferida a realização de segunda perícia (recurso do despacho proferido imediatamente antes da sentença);

Importa começar por apreciar o recurso relativo ao despacho que indeferiu a realização da segunda perícia requerida pela sinistrada.

Adiantamos desde já que a recorrente não tem razão.

A sinistrada, notificada do auto da junta médica realizada para prestação de esclarecimentos relativamente às conclusões da junta inicial, requereu a realização de segunda perícia, sem intervenção dos peritos nomeados nos autos, face à contradição entre os dois autos de junta médica quanto à necessidade de realização de cirurgia, por o exame objetivo realizado nas juntas médicas, face às queixas da sinistrada, manifestar deficiência nas premissas usadas para a conclusão retirada e porque os srs. peritos não tiveram em conta o relatório de ortopedia de 11/06/2024 do Hospital ..., padecendo a decisão da junta de deficiência e obscuridade.

Tal pretensão veio a ser indeferida, por o tribunal “a quo” ter entendido que nos processos emergentes de acidente de trabalho não há lugar a outra perícia posterior à junta médica, que em todo o caso já seria a terceira perícia e por a argumentação invocada não ser bastante para determinar a realização de nova perícia nos termos do art.º 487.º, n.º 1 do CPC.

Quanto à possibilidade de realização de nova junta médica acolhemos a posição que tem vindo a ser defendida em diversos Acórdãos deste Tribunal e que foi a adotada na decisão recorrida, no sentido da inadmissibilidade de uma nova perícia, a requerimento das partes, após a realização da junta médica nos processos emergentes de acidente de trabalho.

Sobre a matéria pronunciaram-se, entre outros, os Acórdãos desta Relação de 27/09/2023[1] (citado no despacho recorrido), de 12/07/2023[2] e de 20/09/2021[3], podendo ler-se no sumário deste último o seguinte:

«I - No processo emergente de acidente de trabalho, a realização da perícia médica na fase conciliatória, excepto nos casos em o acidente provocou a morte do sinistrado (art.º 100.º do CPT), é sempre obrigatória, ou seja, é um acto que integra necessariamente a tramitação do processo, como condição para se fixar a incapacidade do sinistrado e possibilitar a realização da tentativa de conciliação (art.º 101.º CPT).

II - Nos casos em que não é obtida a conciliação entre as partes, sempre que a causa do desacordo, ou uma das questões controvertidas que o motiva, seja a discordância do interessado com o resultado da perícia médica realizada na fase conciliatória do processo para efeitos de fixação de incapacidade para o trabalho, haverá sempre lugar à realização de uma segunda perícia médica, agora por junta médica, isto é, colegial, cuja realização fica dependente de requerimento da parte interessada (art.º 138.º e 2, do CPT).

III - Em suma, no âmbito do processo emergente de acidente de trabalho, quando está em causa a fixação da incapacidade do sinistrado para o trabalho, a lei processual laboral prevê duas perícias médicas, cuja realização tem lugar nas condições apontadas.

IV - Se tivermos presente o regime da prova pericial estabelecido no Código de Processo Civil (artigos 467.º e sgts), designadamente, no que concerne ao limite do número de perícias, constata-se que a solução do CPT não diverge daquele, na medida em que ali também se prevê a possibilidade de realização de dois exames periciais. A primeira perícia tem lugar a requerimento das partes ou quando seja determinada oficiosamente pelo juiz (art.º 467º n.º1); a segunda é a que consta prevista no art.º 487.º, do CPC, tendo lugar também a requerimento das partes – “alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado” [n.º1] - ou por determinação oficiosa do tribunal – “a todo o tempo [..], desde que a julgue necessária ao apuramento da verdade [n.º2] –tendo por “objeto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexatidão dos resultados desta” [n.º3].

V - O exame por junta médica previsto no art.º 139.º do CPT, salvaguardadas as especificidades próprias ditadas pelos objectivos em vista, corresponde à segunda perícia prevista no CPC, nomeadamente, no artigo 487.º. Em termos similares, a sua realização a requerimento de qualquer das partes depende apenas da discordância “com o resultado da perícia médica realizada na fase conciliatória do processo” [art.º 138.º2 do CPT], devendo aquele ser fundamentado ou vir acompanhado de quesitos [art.º 117.º n.º2, CPT], e tem o mesmo objecto que o exame pericial singular, ou seja, visa determinar a incapacidade para o trabalho do sinistrado.

(…)

VII - A acolher-se esta pretensão estar-se-ia a admitir a realização de três perícias médicas, uma singular e duas por junta, a última para se pronunciar sobre os mesmos factos e quesitos, o que extravasa o regime estabelecido no CPT, mas também no CPC.»

Diga-se, de resto, que o CPT contém regras próprias e específicas no que respeita à questão da fixação da incapacidade, afastando-se o legislador laboral expressamente do regime que resulta do CPC, não existindo sequer fundamento para a aplicação subsidiária do CPC, por não estarmos perante um caso omisso do CPT (art.º 1.º, n.º 2 do CPT).

A recorrente parece não discordar deste entendimento, já que o que alega é que as perícias previstas no CPT não são comparáveis com as previstas no CPC.

Mas, a pretensão efetivamente formulada, reconduz-se à realização de uma nova perícia sobre os mesos factos que já foram objeto da primeira. Só assim se compreende que expressamente pretenda a intervenção de peritos diferentes dos que antes intervieram na junta. Está, portanto em causa, a realização de uma nova perícia por junta médica.

Ora, não sendo aplicável no caso o regime da segunda perícia previsto pelo art.º 487.º do CPC e segs., também não há previsão legal para que a pretensão da recorrente tivesse sido deferida, à luz do regime do CPT.

Não se ignora, como bem refere a recorrente, que, nos termos do disposto pelo art.º 139.º, n.º 7 do CPT, após a realização da junta médica, pode o juiz determinar a realização de exames e pareceres complementares ou requisitar pareceres técnicos.

Contudo, a pretensão da recorrente não se insere no âmbito de aplicação daquela disposição legal.

O que está contemplado naquele preceito do Código do Trabalho é a possibilidade de, se o juiz o considerar necessário, determinar a realização de diligências complementares à junta médica para eventual esclarecimento de aspetos que não tenham sido objeto da junta médica ou que carecem de dados adicionais para o seu cabal esclarecimento, não uma nova junta médica com fundamento na discordância do resultado da junta médica, para pronuncia sobre as mesmas questões. Essas já foram objeto de duas perícias: a singular e com fundamento na discordância relativamente ao seu resultado, a junta médica (sendo que no caso até houve ainda uma segunda reunião da junta médica para esclarecimentos solicitados pela sinistrada).

Por outro lado, a Mm.ª Juiz “ a quo” indeferiu também a realização da nova junta médica, por entender que os fundamentos invocados, sobre os quais se pronunciou, não eram bastantes para justificar a sua realização, pelo que, mesmo que se considerasse que a pretensão da recorrente era suscetível de enquadramento no disposto pelo art.º 139,º n.º 7 do CPT, aquela decisão significa que o tribunal não considerou necessária a obtenção de quaisquer outros esclarecimentos perícias.

Ora, a recorrente, nas conclusões do recurso, não põe em causa este fundamento do despacho, pelo que, se mais não houvesse, sempre seria de julgar o recurso improcedente.

Improcede, pois, o recurso.


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2 - se deve ser alterada a decisão da matéria de facto

A recorrente, nas alegações do recurso e nas conclusões manifesta o propósito de impugnar a decisão relativa aos factos provados 8) e 9), alegando quanto ao primeiro que o tribunal não poderia ter dado como provado que havia consolidação da fratura e que as sequelas da sinistrada são pseudartrose da tíbia ou da tíbia e perónio devendo ser enquadradas no Capítulo 13.2.2. da TNI (0,20 a 0,45) e não enquadradas por analogia Cap. 13.2.1 b), relativo a fratura da tíbia ou da tíbia e perónio consolidada em posição viciosa com angulação e com encurtamento inferior a 2 cm no Cap. 13.2.1 b). (0,06 – 0,10). Quanto ao segundo a recorrente nada de concreto alega, mas atento o seu teor, a proceder a impugnação quanto ao ponto 8), sempre o ponto 9) teria de ser alterado.

Vejamos.

Importa começar por referir que o ponto 8) da matéria de facto provada tem dois segmentos distintos, tendo os dois sido impugnados. O primeiro respeita à consolidação das lesões e o segundo respeita à identificação das sequelas de que a sinistrada ficou afetada em consequência do acidente.

Relativamente à questão da consolidação, importa fazer um esclarecimento.

No essencial o que a recorrente pretende é que seja considerado que a sequela de que está afetada é pseudartrose da tíbia, a que corresponde necessariamente, um coeficiente de incapacidade superior ao atribuído em função do enquadramento feito na sentença.

Ora, a pseudartrose pressupõe a existência de uma fratura não consolidada, mas esta não se confunde com a consolidação médico-legal das lesões.

A questão da consolidação médico-legal das lesões ficou definitivamente resolvida na fase conciliatória, já que quer a sinistrada, quer a seguradora aceitaram expressamente, na tentativa de conciliação, que a consolidação das lesões ocorreu em 12/12/2023 como constava do relatório do exame médico daquela fase processual. Nessa medida, tratando-se de matéria assente por acordo das partes (art.º 131.º, n.º 1, al. c) do CPT), não poderia ser agora alterada[4].

De resto, a recorrente não impugnou a matéria de facto provada no ponto 7) do qual consta que a sinistrada teve alta a 12 de Dezembro de 2023, sendo de atribuir à expressão “alta”, neste contexto, o sentido de consolidação das lesões, não tendo sido ressalvado, como deixaria de ser feito se fosse o sentido atribuído pelo tribunal, que se tratava de alta hospitalar ou da alta atribuída pela seguradora. Tal significado foi também o usada no relatório do exame médico da fase conciliatória.

Nesta medida, admite-se que, ao impugnar o segmento do ponto 8) da matéria de facto do qual consta “Após consolidação”, a recorrente se refira à consolidação da fratura e não há consolidação médico legal, aquela a que se refere o tribunal nos pontos 7) e 8).

Consequentemente, a única alteração que se imporá fazer ao ponto 8) da matéria de facto e apenas por uma questão de clarificação, é no sentido de o segmento inicial passar a ter a seguinte redação: “Após a consolidação médico-legal das lesões”.

O que importa pois saber é se deve ser alterado o restante conteúdo do ponto 8) e que é o seguinte:

“cicatrizes cirúrgicas localizadas na face anterior do joelho e na face anterior do terço inferior da perna sem queixas subjectivas associadas; dismorfia no terço inferior da perna parecendo depender do plano ósseo; joelho e tornozelo com mobilidades conservadas e simétricas e sem instabilidades; força muscular conservada e simétrica em ambos os membros inferiores com apoios monopodálicos Esquerdo e Direito possível, sem desequilíbrio e sem queixas.”

Da fundamentação da decisão relativa ao ponto 8) a Mm.ª Juiz fez constar o seguinte:

Quanto aos factos das alíneas (…) 8) e 9), foi atendido e valorado o relatório da junta médica, com os esclarecimentos prestados na sequência da reclamação apresentada pela sinistrada, no qual os peritos emitiram parecer por unanimidade quanto às sequelas e aos graus de incapacidade, de tal forma que, no confronto com o relatório do exame na fase conciliatória, julgou-se aquele merecer maior credibilidade.”

E mais adiante consta: “No mais, aderiu-se à posição dos peritos, incluindo os períodos e graus das incapacidades temporárias em razão da evolução clínica e das cirurgias a que foi submetida tal-qual retractado nos elementos clínicos constantes dos autos.

Assim, não tendo encontrado imprecisões na factualidade subjacente às conclusões dos peritos, nem se antevendo haver fundamento para pôr em causa os métodos utilizados e afigurando-se racionalmente lógico o discurso fundamentador exposto, reconheceu-se credibilidade à prova pericial produzida nesta fase processual”

Assim se compreende que tenha sido reproduzido neste ponto da matéria de facto o que consta do auto de junta médica de 30/01/2025, sem alterações de relevo na nova reunião da junta médica para esclarecimentos, realizada em 03/04/2025, a propósito do que foi constatado pelos srs. peritos no exame físico da sinistrada.

Ora, no que respeita a esta constatação, nada opõe a recorrente, nem os meios de prova que invoca, designadamente o relatório de ortopedia datado de 11/06/2024, acrescenta o que quer que seja.

É certo que ali se refere que na última consulta realizada a sinistrada apresenta pseudartrose da tíbia, mas essa qualificação das sequelas não só não vincula os srs. peritos médicos, dois dos quais ortopedistas, como apenas poderá relevar do ponto de vista da valoração das sequelas face à TNI. Dito de outro modo, saber se a sinistrada tem pseudartrose ou não e se lhe deverá ser atribuído o grau de desvalorização previsto pela TNI para a pseudartrose, será o resultado da valoração a efetuar pelos srs. peritos após o exame objetivo a sinistrada.

Por isso, do nosso ponto de vista, os elementos de prova invocados não põem em causa o que consta como provado no ponto 8) da matéria de facto, improcedendo a impugnação.

Já no que respeita ao ponto 9), cuja redação é “A sinistrada ficou afectada com a IPP de 6,00%.” A recorrente não cumpre, manifestamente, os ónus previsto pelo art.º 640.º, n.º 1, als. b) e c) do CPC, pois limita-se a afirmar que impugna o ponto 9), mas sem invocar qualquer meio de prova que imponha decisão diversa e sem indicar qual a decisão que, no seu entender, deveria ser proferida. Na verdade ainda que a propósito do ponto 8), a recorrente alega que as sequelas deveriam ser enquadradas em número e alínea da TNI diferente dos considerados na junta médica, mas em parte alguma refere qual a IPP que devia ser atribuída, que é afinal o que consta provado no ponto 9).

Assim, sem prejuízo do que adiante se dirá, rejeita-se a impugnação nos termos do corpo do art.º 640.º, n.º 1 do CPC.

Nem por isso, a decisão relativa ao coeficiente de incapacidade atribuído à sinistrada se poderá manter, pelo fundamentos que a seguir vamos expor.

A questão da incapacidade tem uma componente técnico-científica relativamente à qual o tribunal não possui conhecimentos e, conforme resulta da tramitação dos processos emergentes de acidente de trabalho fixada pelo CPT, deverá obrigatoriamente ser submetida a perícia médica (exame médico singular, na fase conciliatória do processo especial emergente de acidente de trabalho (art.º 105.º do CPT) e/ou exame por junta médica, na fase contenciosa do mesmo (arts. 139.º e 140.º, ambos do CPT), cujo laudo não tem, todavia, força vinculativa obrigatória, estando sujeito à livre apreciação do julgador (arts. 389º do Código Civil e 489º do CPC).

A livre apreciação da prova não significa, contudo, apreciação arbitrária da prova, mas antes a ausência de critérios rígidos que determinem uma aplicação tarifada da prova, e se traduz numa apreciação racional e criticamente fundamentada das provas de acordo com as regras da experiência comum e com corroboração pelos dados objetivos existentes[5].

Como há muito era referido por Alberto dos Reis[6] «É dever do juiz tomar em consideração o laudo dos peritos; mas é poder do juiz apreciar livremente esse laudo e portanto atribuir-lhe o valor que entenda dever dar-lhe em atenção à análise critica dele e à coordenação com as restantes provas produzidas. Pode realmente, num ou noutro caso concreto, o laudo dos peritos ser absorvente e decisivo (..); mas isso significa normalmente que as conclusões dos peritos se apresentam bem fundamentadas e não podem invocar-se contra elas quaisquer outras provas; pode significar, também que a questão de facto reveste feição essencialmente técnica, pelo que é perfeitamente compreensível que a prova pericial exerça influência dominante.»

Tudo para concluir como no Ac. RP de 20/01/2020[7] que:

«Na prolação da decisão para fixação da incapacidade o juiz não pode deixar de servir-se da prova obtida por meios periciais. Poderá afastar-se do laudo médico, ainda que unânime, mas nesse caso será necessário que esteja sustentado em fundamentos bem precisos e concretos, que tenha entendido serem decisivos para a formação da sua convicção nesse sentido, os quais devem ser expressos na fundamentação.

Certo é, que num caso ou noutro, isso é, quer adira ou quer se desvie do laudo médico maioritário ou unânime, é necessário que o juiz conte com um resultado do exame pericial fundamentado, pois é a partir daí que desenvolverá toda a apreciação com vista à formulação do juízo crítico subjacente à formação da convicção do julgador.

Justamente por isso, o n.º 8, das Instruções Gerais, constantes do Anexo I, da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho ou Doenças Profissionais, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, impõe aos senhores peritos o dever de fundamentarem “todas as suas conclusões”.»

Importa ainda referir que do referido princípio da livre apreciação da prova resulta, também, que não existe qualquer hierarquia entre as provas, podendo, como tal, o juiz atribuir maior relevância a um elemento do que a outro. O que importa é que a decisão seja devidamente fundamentada, apresentando-se em consonância com os elementos clínicos dos autos, de modo a que se perceba a razão pela qual determinados elementos foram valorados em detrimento dos outros.

No caso dos autos a Mm.ª Juiz “a quo” considerou que a sinistrada se encontra afetada de IPP com o coeficiente de 6%, de acordo com o juízo pericial unânime constante dos autos de junta médica, e no qual as sequelas apresentadas pela sinistrada foram enquadradas, por analogia, no Cap. I, 13. 2.1, al. b) da TNI relativo a fratura da tíbia ou da tíbia e do perónio consolidada em posição viciosa com angulação e com encurtamento inferior a 2 cm.

No exame da fase conciliatória, havia sido considerado que a sinistrada está afetada de uma IPP de 30%, com enquadramento das sequelas no Cap. I 13.2.2 da TNI, relativo a pseudartrose da tíbia ou da tíbia e do perónio.

A fundamentação para a decisão relativa ao grau de incapacidade a que se refere o ponto 9) dos factos provados foi a seguinte:

“Quanto aos factos das alíneas (…) 8) e 9), foi atendido e valorado o relatório da junta médica, com os esclarecimentos prestados na sequência da reclamação apresentada pela sinistrada, no qual os peritos emitiram parecer por unanimidade quanto às sequelas e aos graus de incapacidade, de tal forma que, no confronto com o relatório do exame na fase conciliatória, julgou-se aquele merecer maior credibilidade.” (…) No mais, aderiu-se à posição dos peritos, incluindo os períodos e graus das incapacidades temporárias em razão da evolução clínica e das cirurgias a que foi submetida tal-qual retractado nos elementos clínicos constantes dos autos.

Assim, não tendo encontrado imprecisões na factualidade subjacente às conclusões dos peritos, nem se antevendo haver fundamento para pôr em causa os métodos utilizados e afigurando-se racionalmente lógico o discurso fundamentador exposto, reconheceu-se credibilidade à prova pericial produzida nesta fase processual”.

A Mm.ª juiz atribuiu, assim, maior credibilidade à posição dos srs. peritos médicos que intervieram na junta, mas fazendo-o, se bem entendemos, apenas porque esta foi uma posição unânime, sendo subscrita pelos três peritos, sem ponderar a conformidade da mesma com os demais elementos clínicos constantes dos autos, aos quais apenas se refere a propósito das incapacidades temporárias.

Ora, do nosso ponto de vista, a posição adotada pelos Srs. peritos médicos na junta não se encontra suficientemente fundamentada.

Na verdade, o enquadramento das sequelas na TNI foi feito por analogia, pressupondo, pois, que a situação da sinistrada não era diretamente subsumível a qualquer das previsões da tabela.

Mas os srs. peritos não explicam qual o motivo pelo qual a analogia foi feita com a concreta alínea que utilizaram para atribuir o coeficiente de incapacidade e não podemos ignorar que aquela alínea se refere a situações em que a fratura da tíbia e/ou do perónio se encontra consolidada, o que, de acordo com os elementos clínicos constantes dos autos e até com a nota que os Srs. peritos médicos fizeram constar do auto de junta médica de 30/01/2025, não acontece no caso dos autos.

Na verdade, do registo clínico de 23/11/2023 conta o seguinte: “por manter dor e consolidação incompleta, explicada possibilidade de revisão cirúrgica, com reamagem, osteotomia do perónio, revisão de cavilha para mais larga. Doente não deseja tratamento cirúrgico. A fratura é passível de consolidação, mas através de tratamento cirúrgico, que a doente não aceita neste momento. A doente prefere manter situação atual.”.

Tal registo foi tido em conta pelos srs. peritos médicos na junta, como resulta da nota que fizeram constar do auto, ignorando, contudo, os srs. peritos se a situação de mantinha no momento em que observaram a sinistrada e só consideraram haver consolidação médico-legal por a sinistrada não ter aceite a possibilidade de nova intervenção cirúrgica que lhe foi apresentada. Tal não aceitação não significa, contudo que a fratura deve considerar-se consolidada, muito menos que as sequelas de que a sinistrada ficou afetada não sejam devidamente valoradas e enquadradas.

Acresce que, apesar de os Srs. peritos médicos em resposta ao quesito 6 formulado pela seguradora (“Quais os elementos em que a mesma se fundamenta?” referindo-se à atribuição da incapacidade) afirmarem que fundamentaram a sua decisão, além do mais, na informação clínica constante do processo judicial, não especificam quais os elementos a que se referem.

Ora, todos os elementos clínicos constantes dos autos apontam no sentido de que a fratura da tíbia não estava consolidada e ainda no sentido de que não estava apenas em causa um mero retardamento da consolidação, mas já uma pseudartrose.

Na verdade, em 07/03/2023 a sinistrada foi submetida a nova cirurgia lendo-se na nota de alta do Hospital 1... que o motivo da admissão foi “doente com fratura dos ossos da perna tratada cirurgicamente por Acidente de Trabalho. MCDT´s revelam atraso na consolidação.”

Apesar de ter sido submetida a tal cirurgia, em 23/11/2023, de acordo com o registo clínico daquela data já referido, a sinistrada mantinha consolidação incompleta da fratura da tíbia.

Do relatório da TAC realizada em 04/12/2023, portanto mais de um ano após o acidente, consta o seguinte:

“Antecedentes de fractura transversal no terço distal da tíbia esquerda, fixada cirurgicamente com cavilha centromedular e parafusos de fixação distal. A linha de fractura mantém-se visível, "aberta" por consolidar, com hiperostose esclerótica sobretudo na margem ântero-medial onde existe uma pequena "ponte" de consolidação parcial de um calo ósseo hipertrófico. Apesar do atraso na consolidação e pseudartrose, a fractura para está relativamente alinhada.”

Finalmente consta do relatório de ortopedia do Hospital ..., datado de 11/06/2024:

“(…) atesta por sua honra que AA, portador(a) do B.I. nº ..., sofreu acidente de trabalho a 26/8/2022 com fratura fechada dos osso da perna esquerda, foi asistida no H Pedro Hispano, tendo sido realizado encavilhamento endomedular a 29/8/2023. Por queda no serviço fez fratura do radio distal esquerdo, tendo sido colocada placa anatomica volar.

Teve seguimento pelo seguro com boa evoluçao do radio e parca evoluçao radiológica da tibia.

Foi proposta dinamizaçao da vareta aos 2 meses, a meu ver um pouco precoce dada a complexidade do traço de fratura. a doente recusou, tendo sido realizada ao 9 meses.

Na ultima consulta apresenta pseudartrose da tibia, embora com consolidaçao do fragmento borboleta, com muito pouca ponte ossea entre os fragmentos principais.”

A junta médica apenas se refe ao registo de 23/11/2023, estranhando-se até que, pelo menos aparentemente, não tenham sido ponderados os elementos mais próximos da data da junta (TAC de 04/12/2023 e relatório de ortopedia de 11/06/2024).

Claro que, os srs. peritos são livres de fazer uma valoração diferente das sequelas existentes. Mister é que fundamentem devidamente a valoração efetuada, não sendo, numa situação como a dos autos em que existem divergências, incluindo relativamente ao exame singular, suficiente para cumprimento do disposto pelo n.º 8 das Instruções gerais da TNI[8], a afirmação vaga e genérica de que se basearam “nos elementos clínicos constantes do processo, na pesquisa de queixas subjetivas e no exame realizado na mesma data”.

E tal insuficiência adensa-se mesmo no auto da nova reunião da junta para esclarecimentos, quando os srs. peritos, concluem, sem outra fundamentação que, naquele momento, já não havia indicação cirúrgica sem que se perceba porquê. A fratura entretanto consolidou-se? Como é que o poderiam afirmar sem novo exame radiográfico que consideraram ser desnecessário? O resultado do exame físico demonstrou alguma evolução da situação? Não, porque de acordo com o exarado pelos srs. peritos no autos, ele é sobreponível ao realizado na primeira reunião da junta!

Por conseguinte, não estando as conclusões da junta médica devidamente fundamentadas e existindo nos autos elementos clínicos dissonantes de tais conclusões, a fundamentação da decisão do tribunal de acolher sem mais, a posição dos srs. peritos por ser unânime fica também esvaziada, ficando sem se perceber o motivo pelo qual foi dada maior credibilidade à junta que ao exame singular quando este, ao contrário daquela, se mostra conforme a todos os elementos clínicos constantes dos autos.

Importa, pois, que a junta médica esclareça, com recurso a meios complementares de diagnóstico, se tal se justificar, se a fratura da tíbia se encontra consolidada, se a sinistrada tem ou não pseudartrose da tíbia, fundamentando o enquadrando das sequelas na TNI, tendo em conta todos os elementos clínicos disponíveis, discriminando quais e caso concluam pelo enquadramento das sequelas por analogia, que fundamentem porquê.

Assim, estando em causa questões que se impõe esclarecer, existindo aqui até um dever de conhecimento oficioso, sendo imprescindível que os autos, previamente à prolação da decisão, contenham os elementos necessários à fixação das prestações que sejam efetivamente devidas à sinistrada, e não sendo esse o caso, impõe-se, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 662.º do CPC, anular a sentença, quanto ao ponto 9) da matéria de facto, devendo, sem prejuízo do mais que o Tribunal a quo entenda pertinente, designadamente, ordenar outras diligências que se afigurem necessárias (artigo 139.º, n.º 7, do CPT) ser reaberta da junta médica para que os Srs. peritos prestem os esclarecimentos necessários e para que possa depois ser proferida nova sentença, em conformidade.


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Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I – julgar improcedente o recurso do despacho que indeferiu a segunda perícia;

II - anular a sentença nos termos previstos no n.º 2, alíneas c) do artigo 662.º do CPC do CPC, quanto ao ponto 9) da matéria de facto provada, devendo ser proferida nova decisão de acordo com o supra referido, após a realização das diligências necessárias, incluindo as acima apontadas.


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Custas nos termos e proporção que venham a ser fixados na sentença final.

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Notifique.

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Porto, 24/09/2025
Maria Luzia Carvalho
Rui Penha
Sílvia Saraiva

(assinaturas eletrónicas nos termos dos arts. 132º, n.º 2, 153.º, n.º 1, ambos do CPC e do art.º 19º da Portaria n.º 280/2013 de 26/08)
__________________
[1] Processo n.º 1765/20.9T8PNF.P1, acessível em www.dgsi.pt.
[2] Processo n.º 1184/14.6T8VFR.P3, acessível em www.dgsi.pt.
[3] Processo n.º 1346/19.0T8PNF-B.P1, acessível em www.dgsi.pt.
[4] A questão nem sequer deveria ter sido admitida como objeto da junta médica.
[5] Ac. RL de 16/08/2021, Relatora Albertina Pereira, acessível em www.dgsi.pt
[6] Código de Processo Civil Anotado, vol. III, 4.ª ed., Coimbra Editora, 1985, pág. 185/186.
[7] Relator Jerónimo de Freiras, acessível em www.dgsi.pt.
[8] Segundo o qual “O resultado dos exames é expresso em ficha apropriada, devendo os srs. peritos fundamentar todas as suas conclusões”.