Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
235/23.8T8GDM-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EUGÉNIA CUNHA
Descritores: APENSAÇÃO DE PROCESSOS
PROCESSO TUTELAR CÍVEL
ACÇÃO DE DIVÓRCIO
Nº do Documento: RP20230806235/23.8T8GDM-A.P1
Data do Acordão: 08/06/2023
Votação: DECISÃO SINGULAR
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: DECISÃO SUMÁRIA
Decisão: CONFLITO DE COMPETÊNCIA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Há sempre lugar à apensação de processo tutelar cível à ação de divórcio dos progenitores da criança pendente (independentemente daquele processo haver sido instaurado antes ou depois da entrada em juízo desta ação).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º235/23.8T8GDM-A.P1

Conflito negativo de competência[1]
Decisão

Sumário:
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I. RELATÓRIO

O Ministério Público propôs providência tutelar cível contra AA e BB, para regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas à criança CC, nascida em .../.../2012, processo que, distribuído ao J2, do Juízo de Família e Menores de Gondomar, foi remetido, ao abrigo do nº3, do art. 11º, do RGPTC, para apensação à ação de divórcio, entretanto proposta e que corre termos no J3 do mesmo Tribunal, acabando este por se considerar incompetente para tramitar os autos de regulação do exercício das responsabilidades parentais (bem como o processo de promoção e proteção que constitui o apenso respetivo), entendendo competente ser o J2, e, verificando que dois juízes da mesma ordem jurisdicional se consideram incompetentes, por decisões transitadas em julgado, para tramitar os autos, ao abrigo do disposto no art. 111º, do CPC, remeteu-os ao Exm. Sr. Presidente do Venerando Tribunal da Relação do Porto, para resolução do conflito negativo de competência.
Foi o seguinte o teor do referido despacho proferido pelo Juiz 2, em 23-2-2023:
“Consultadas as pesquisas de processos que se mostram juntas aos autos, constata-se que se encontra pendente no J3 acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge em que são partes os progenitores desta criança.
Ora, da norma do n.º 3 do artigo 11º do RGCTP, sob a epigrafe competência por conexão estipula-se que “Estando pendente acção de divórcio ou de separação judicial, os processos de regulação do exercício das responsabilidades parentais, de prestação de alimentos e de inibição do exercício das responsabilidades parentais correm por apenso àquela acção”.
Do teor desta norma resulta, pois, que estando pendente acção de divórcio, há sempre lugar à apensação, independentemente do processo tutelar cível haver sido instaurado antes ou depois.
É que da norma do n.º 3 do artigo 11º do RGCTP, sob a epigrafe competência por conexão, resulta a nosso ver que ser a opção do legislador em considerar a acção de divórcio ou separação judicial litigiosos como “acção principal“, o que se justifica, designadamente, por em sede destas acções poderem serem tomadas providências relativas à regulação do poder paternal ou outras decisões susceptíveis de interferir na vida dos filhos menores do casal, nos termos do art.931º nº4 do CPC;
Sendo assim, o processo tutelar cível de regulação do poder paternal deve ser apensada enquanto “processo dependente”, procurando o legislador evitar decisões contraditórias;
O tribunal que se pronuncia sobre o divórcio estará em melhores condições para decidir os efeitos quanto aos filhos, em virtude o melhor conhecimento da situação dos menores e dos interesses destes, podendo ser mais fácil obter o acordo dos pais;
E a norma do art. 9º, n.º 9 do RGCTP, não obsta à apensação das acções, desde que exista a conexão material (art.267º do CPC).
Sobre a interpretação do nº6 do art.11º do RGCTP, já com a alteração introduzida pela Lei nº133/99 de 28/8 o legislador teve um claro propósito de harmonizar legislativamente as matérias sobre a competência dos tribunais e a conexão de processos, como, aliás, resulta expressamente da Proposta de Lei, que se transcreve: “A reforma do direito de menores, consubstanciada na proposta de lei de promoção de direitos e protecção das crianças e jovens em perigo e na proposta de lei tutelar educativa, impõe alterações ao Título III da Organização Tutelar de Menores, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro, no que se refere às disposições gerais comuns aos processos tutelares cíveis.
Esta proposta de lei teve, assim, basicamente em conta a necessidade de harmonização legislativa, designadamente em matéria de competência dos tribunais e de conexão de processos, tendo-se aproveitado o ensejo para eliminar disposições tacitamente revogadas, que se referem aos processos da competência das conservatórias do registo civil (autorização para casamento)”.
A competência por conexão é um desvio à regra geral do art.11º do RGCTP, estando subjacente, entre outros, os princípios da economia processual e da uniformidade de decisões, verificados que estejam os elementos subjectivos ou objectivos da conexão.
Começando pelo argumento literal, a norma do art.11º, n.º 6 da RGCTP, não distingue se o processo de regulação do poder paternal deve ser instaurado antes ou depois da acção de divórcio, pois a única condição para a apensação é a pendência da acção de divórcio, o que significa que ela não ocorre quando o processo esteja findo.
Porém, o argumento literal não é decisivo, já que não resolve o problema do eventual desaforamento, uma vez que a competência se fixa no momento da propositura da acção, sendo, em princípio, irrelevantes as modificações de facto e de direito posteriores.
A este respeito, o art. 38º n.º 1 da LOFTJ, consagra, como regra, que a competência dos tribunais se fixa no momento em que o processo ingressa no tribunal, “no momento em que a acção se propõe”, sendo indiferentes as modificações de facto e de direito que ocorram posteriormente, a não ser nos casos especialmente previstos na lei”; dispondo o n.º 2 que são igualmente irrelevantes as modificações de direito, excepto se for suprimido o órgão a que a causa estava afecta ou lhe for atribuída competência de que inicialmente carecia para o conhecimento da causa.
Como corolário, deste princípio, o art.39º postula expressamente a proibição de desaforamento, ou seja, a deslocação da causa por determinação judicial do tribunal competente para outro, ressalvando, porém, “os casos especialmente previstos na lei”.
Entre estes casos especialmente previstos na lei, destacam-se precisamente os da conexão, prevista no art.267º do CPC, sendo a norma do nº6 do art.11 d RGCTP, uma manifesta concretização, adaptada aos processos de jurisdição de menores.
Ora, foi justamente a dependência da acção de regulação do poder paternal relativamente à acção de divórcio que levou o legislador a determinar a apensação de processos, estabelecendo agora de forma vinculativa a conexão entre eles, ao contrário da anterior redacção. Mais recentemente e no âmbito do direito comunitário, também a propósito da competência judicial para o poder paternal, o Regulamento (CE) nº1347/2000 de 29/5/2000 (relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e de regulação do poder paternal em relação a filhos comuns do casal) veio consagrar a interdependência entre ambas as acções, prescrevendo o art.3º nº1 que os tribunais do Estado-Membro competentes para decidir de um pedido de divórcio, de separação de pessoas e bens ou de anulação do casamento são competentes para qualquer questão relativa ao poder paternal de filhos comuns, desde que o filho tenha a sua residência nesse Estado-Membro. O Regulamento prevê como única causa de cessação da competência o trânsito em julgado de qualquer das decisões ou um dos processos findar por outra razão (art.3º nº3), o que significa ser também suficiente para a conexão a pendência do processo de divórcio.
Nesta perspectiva, considerando o argumento literal, a evolução legislativa e o argumento sistemático e teleológico, que concorrem para a correcta interpretação da norma do nº6 do art.11º do RGCTP, não constitui obstáculo à apensação de processos a circunstância da acção de regulação do exercício do poder paternal haver sido instaurada em primeiro lugar, visto que a exigência legal é a de que a acção que está a correr no tribunal de família se encontre pendente, ou seja, que não haja terminado, por decisão transitada em julgado, como é o caso.
O impedimento legal à apensação poderá advir apenas do eventual desfasamento de processos, nos termos do nº1 do art.267º do CPC, aplicável por força do art. 33º do RGCTP.
Face ao exposto, e encontrando-se pendente processo de divórcio sem consentimento do outro cônjuge a correr pelo J3, sob o n.º 235/23.8T8GDM, os presentes autos deverão ser apensados àquele, bem como os demais apensos.
Após trânsito, remeta ao J3 para apensação.
Sem custas”.

Uma vez remetido, considerando que os autos de regulação do exercício das responsabilidades parentais, distribuídos ao J2, do Juízo de Família e Menores de Gondomar, deram entrada em juízo em 25.10.2022, e que o processo de divórcio, que lhe foi distribuído, deu entrada em Juízo em 17.01.2023, proferiu o Juiz 3, do Juízo de Família e Menores de Gondomar, em 30/3/2023, o seguinte despacho:

“… o referido DL nº 314/78, de 27.10, que aprovara a OTM, foi alvo de revogação pelo art.º 6º al. a) do DL nº 141/2015, de 08.09, diploma este cujo artº 1º aprovou o Regime Geral do Processo Tutelar Cível.
Com efeito, atento o teor do actualmente estabelecido no citado art.º 11º nº 3 do RGPTC, considera-se que a acção de regulação das responsabilidades parentais apenas deverá, sob pena de inadmissível desaforamento, ser apensada ao processo de divórcio quando este esteja pendente à data da instauração daquela, o que não sucede no caso sub judice.
Neste sentido e no âmbito do actual regime legal, escreve Tomé d’Almeida Ramião:
“No nº 3 consagrou-se a solução da competência por conexão quanto aos processos de regulação do exercício das responsabilidades parentais, de prestação de alimentos e de inibição das responsabilidades parentais, que correm por apenso ao processo de divórcio ou separação judicial litigiosos pendente.
Estando pendente acção de divórcio ou de separação judicial, os processos de regulação do exercício das responsabilidades parentais, de prestação de alimentos e de inibição do exercício das responsabilidades parentais correm por apenso àquela acção.
O tribunal competente para o processo de divórcio ou separação judicial litigioso é-o também para decidir tais providências.
A razão do preceito assenta na íntima ligação e manifesta conexão de relações pessoais e familiares.
No entanto, essa apensação e consequente competência, apenas será legítima, no caso de estar pendente em tribunal (sem sentença transitada em julgado) processo de divórcio ou separação judicial litigiosos no momento em que tais providências são instauradas, já que o preceito continua a exigir como condição para a apensação a pendência esses processos.
Daí entender inexistir fundamento legal para a apensação nos casos em que essas providências são instauradas antes da propositura daquelas acções (divórcio ou separação judicial litigiosos).
Com efeito, face ao estabelecido no nº3, estando pendente acção de divórcio ou separação litigiosa aquando da propositura dessas providências tutelares cíveis, estas correm por apenso àquela, não havendo lugar a distribuição, nos termos do art.º 206.º/1, al. a) e 2 do C. Proc. Civ., competindo ao tribunal onde corre essa acção de divórcio ou separação litigiosa o seu julgamento, mesmo que de acordo com o critério da competência territorial referido no art.º 9.º essa competência pertencesse a outro tribunal (n.º 5).
E compreende-se que assim seja.
Mas inferir-se que essa apensação e consequente competência abrange os casos em que no momento da instauração dessas providências não esteja pendente qualquer acção de divórcio ou separação litigiosa, conduziria a resultados práticos totalmente inaceitáveis, com manifesto e evidente prejuízo para os interesse das crianças, com as consequentes e injustificadas delongas processuais, nomeadamente nos casos em que agendado o julgamento e no decurso deste, ao tomar-se conhecimento daquela acção, este não se concluiria, para posterior remessa a outro tribunal que, por sua vez, iria de novo agendar esse julgamento, ou seja, arrastar-se o processo por mais tempo, com manifesto prejuízo para o superior interesse da criança.
(…)
Interpretação essa que conduziria a resultados totalmente perversos, seguramente não pretendidos pelo legislador e que o preceito legal não autoriza. A ser essa a manifesta intenção do legislador certamente teria consagrado expressamente a possibilidade de remessa dos autos ao tribunal competente, para sua apensação, sempre que a acção de divórcio ou separação litigiosos sejam propostas posteriormente àquelas providências tutelares, consagrando, por exemplo que «proposta a acção de divórcio ou separação litigiosos, os processo tutelares cíveis pendentes e referidos no número anterior serão remetidos ao tribunal competente para a apensação».
Repare-se na diferente redacção utilizada para o n.º 1 deste preceito, onde consagra esta solução ao referir que «se forem instaurados separadamente… é competente para conhecer de todos eles o juiz do processo que tiver sido instaurado em primeiro lugar» e que esses processos correm por apenso, enquanto no n.º 3 determina apenas que «estando pendente acção de divórcio… as providências tutelares cíveis… correm por apenso».
Ora, não estando pendente acção de divórcio ou separação litigiosa aquando da instauração dessas providências tutelares cíveis não parece poder funcionar esse normativo, contrariamente ao que se reservou para os processos previstos no seu n.º 1.
E, por outro lado, o n.º 5 deste preceito não apoia essa solução, pois apenas sublinha que a incompetência territorial não impede a observância do n.º 3, ou seja, apenas quer significar que o facto de estar pendente uma acção de divórcio num tribunal, no momento da propositura dessas providências tutelares cíveis, que de acordo com as regras do artº 9.º seriam da competência de outro tribunal, prevalece a competência do primeiro, isto é, será competente para as providências o tribunal onde pendem essas acções.
É que a competência fixa-se no momento em que a acção é proposta, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, bem como as de direito, excepto no caso de suprimento do órgão a que a causa estava afecta (art.º 38º da LOSJ), sendo proibido o desaforamento, como decorre do seu art.º 39.º, ao prescrever: «nenhuma causa pode ser deslocada do tribunal ou secção competente para outro, a não ser nos casos especialmente previstos na lei.»
Daí continuar a entender não haver apoio legal para a apensação nos casos em que essas providências tutelares cíveis sejam instauradas antes da propositura daquelas acções.
Todavia, cedemos numa excepção. Desde que tais acções e providências tutelares cíveis corram termos no mesmo tribunal (juízo), é de ordenar essa apensação, visto não se levantar a questão do seu desaforamento e respectiva competência do tribunal.” (in Regime Geral do Processo Tutelar Cível Anotado e Comentado, 2015, Quid Iuris, pp.54-55).
Por tudo o que fica exposto impõe-se concluir que, tendo a acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais, no caso em apreço, dado entrada anteriormente à acção de divórcio, esta não se encontrava pendente naquela primeira data, não se mostrando, deste modo, preenchido o pressuposto de aplicação do art.º 11º nº 3 do RGPTC, não devendo haver lugar à referida apensação, sob pena de inadmissível desaforamento, carecendo, por isso, este J3 de competência, em razão da conexão, para a tramitação dos presentes autos de regulação do exercício das responsabilidades parentais, bem assim como do processo de promoção e proteção que constitui o apenso respetivo.
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Assim sendo, determina-se:
- declarar este J3 do Juízo de Família e Menores de Gondomar incompetente, em razão da conexão, para a tramitação dos presentes autos de regulação do exercício das responsabilidades parentais, bem assim como do processo de promoção e protecção que constitui o apenso respetivo, sendo para o efeito competente o J2 do Juízo de Família e Menores de Gondomar,
Determinando-se, em consequência, a desapensação dos presentes autos de regulação, bem como do respectivo apenso de promoção e protecção, e sua devolução ao tribunal competente, após trânsito em julgado.
Sem custas”.

Devolvidos os autos, foi, pelo referido Juiz 2, em 11/5/2023, proferido despacho a determinar o retorno do processo àquele Tribunal e, então, o Juiz 3, em 6/6/2023, declarando-se incompetente, nos termos já expostos, determinou a remessa dos autos, após transito, ao Exm. Sr. Presidente do Venerando Tribunal da Relação do Porto para resolução do conflito exposto.
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II. Parecer do Ministério Público

Remetidos os autos a este Tribunal Superior, pelo Exmo Sr. Presidente do Tribunal da Relação do Porto foi determinado o cumprimento do artigo 112º, nº1 e 2, do CPC, tendo o Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitido Parecer no sentido de o conflito negativo de competência dever ser resolvido nos termos expressos pela Mma. Juíza de Direito Juiz 2, do Juízo de Família e Menores de Gondomar.
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III- Fundamentos:
III-A - De facto
Os factos a considerar no âmbito da presente decisão são os referidos no relatório supra, sendo que aquando da propositura da ação de divórcio, já se encontrava pendente e a correr termos a Ação de Regulação das Responsabilidades Parentais, como supra referido.
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III-B - De direito

Existindo conflito negativo de competência entre dois tribunais da mesma ordem jurisdicional, tendo ambos, por decisões transitadas em julgado, declarado a sua incompetência (cfr. art. 109º, nº2 e 3, a contrario, do Código de Processo Civil, abreviadamente CPC), cumpre, nos termos do nº2, do art. 113º, do referido diploma legal, decidir, sumariamente, o conflito suscitado, por forma a determinar:
- se competente é o J2, a quem a ação de regulação das responsabilidades parentais foi distribuída, ou se competente é o J3, a quem, posteriormente, foi distribuída a ação de divórcio dos progenitores e, dada a competência deste por conexão, nos termos do nº3, do art. 11º, do RGPTC, deve aquela ação seguir por apenso a esta.

Fazendo-o, não podemos deixar de dar razão ao referido J2, bem tendo o mesmo apreciado a questão, e de seguir o Parecer do Digno Magistrado do MP, porquanto, na verdade, estatuindo, presentemente, o nº3, do artigo 11º do RGCTP, artigo com a epigrafe “Competência por conexão” e que, no essencial, manteve o regime previsto no art. 154º, da OTM:
3. Estando pendente ação de divórcio ou de separação judicial, os processos de regulação do exercício das responsabilidades parentais, de prestação de alimentos e de inibição do exercício das responsabilidades parentais correm por apenso àquela ação.” (negrito nosso),
consagradas se encontrando “regras de atribuição de competência por conexão, ou seja em razão de certos processos relativos à mesma criança ou seus progenitores”[2], de específico “desvio à regra geral de competência territorial vertida no art. 9º, como expressamente se contempla no seu nº5”[3] se tratando, nenhuma restrição interpretativa deve ser efetuada dado o interesse, evidenciado pelo legislador, no sentido de a questão ser resolvida pelo mesmo Tribunal onde corre a ação de divórcio.
Com efeito, e como bem se decidiu no Ac. da RL de 14/2/2012, proc. 3900/11.9TBALM-B.L1-1, acessível in dgsi.pt, o que tem inteira aplicação, não obstante o referido quanto à alteração legislativa:
“I - Na sequência da alteração introduzida pela Lei nº 133/99, de 28/8, na OTM, passou o respectivo artº 154º, nº4, a determinar que, estando pendente acção de divórcio ou de separação judicial litigiosos, as providências tutelares cíveis relativas à regulação do exercício do poder paternal correm por apenso àquela acção.
II - Para o efeito da actuação da referida norma de competência por conexão, apenas se exige que exista uma acção de divórcio pendente, sendo indiferente que aquando da instauração da acção de regulação do exercício do poder paternal já se encontrasse ela - a acção de divórcio - pendente.
III - Ao exigir-se em sede interpretativa (e para efeitos do disposto na citada disposição legal), que a acção de divórcio tenha sido instaurada previamente à acção de regulação do exercício do poder paternal, tal conduz a uma diminuição ( ou uma interpretação restritiva sem fundamento pertinente que a suporte) do campo de aplicação da disposição em causa, o que contraria o princípio atinente à interpretação de normas jurídicas, segundo o qual "ubi lex non distinguit, nec nos destinguere debemus".(negrito nosso)
Aí se analisou a questão da interpretação do art. 154.º, da OTM, na redação que a este dispositivo foi conferida pela Lei nº 133/1999, de 28 de Agosto, apreciando se a competência por conexão estabelecida entre a ação de Regulação de Poder Paternal de um menor e a ação de Divórcio dos respetivos pais, exige que aquando da instauração da ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais já se encontre pendente a ação de divórcio e à mesma foi dada resposta negativa, entendendo-se não ser de efetuar interpretação restritiva do preceito em causa.
E, também a nós se nos afigura, perante o idêntico regime legal atualmente consagrado, ser essa a devida resposta a conferir à questão dos autos, na resolução do conflito negativo de competência.
Com efeito, considerado vem no referido Acórdão, o que, dada a sua clareza, se cita:
sob a epígrafe de “Competência por conexão”, relativamente a tal matéria importa atentar ao disposto no artº 154º, da OTM, rezando ele que:
(…)
4 - Estando pendente acção de divórcio ou de separação judicial litigiosos, as providências tutelares cíveis relativas à regulação do exercício do poder paternal, à prestação de alimentos e à inibição do poder paternal correm por apenso àquela acção.
5 - A incompetência territorial não impede a observância do disposto nos n°s 1 e 4.
Recordando, anteriormente à actual redacção do citado artº 154º da OTM [ (1) introduzida pela Lei nº 133/99, de 28/8, e dispondo então o respectivo nº 1, que “quando a providência for conexa com a acção que se encontre a correr termos em tribunal de família, é este tribunal o competente para conhecer dela”] , e na sequência já então da existência de diversas/diferentes interpretações sobre quais os necessários pressupostos básicos para que a conexão pudesse operar, proferiu o STJ o assento nº 6/79, de 24/7/1979, publicado no DR nº 242/79, Série I, de 19/10/1979, decidindo que “Em caso de divórcio ou separação judicial de pessoas e bens decretados por um tribunal de família, a este compete a regulação consequente do exercício do poder paternal”.
Não obstante, porque tal assento foi tirado tendo como “pano de fundo” ainda assim a legislação anterior à entrada em vigor do DL nº 314/78, de 27 de Outubro [os artigos 39.º, n.º 1, da Organização Tutelar de Menores, 2.º, n.º 1, alínea f), do Decreto n.º 8/72, de 7 de Janeiro, e 1412.º, n.º 2, do Código de Processo Civil], cedo deixou de ser invocado, não pondo termo às divergências interpretativas então existentes (2), persistindo assim , depois dele, e relativamente ao disposto no nº1, do artº 154º da OTM , diversos entendimentos, sendo um deles aquele que considerava que a apensação da acção de regulação do exercício do poder paternal apenas podia e deveria ocorrer quando, ao instaurar-se o processo de regulação do poder parental, já a acção de divórcio se encontrava pendente.
Surgindo em 1999 a Lei nº 133, de 28/8, e com ela uma nova redacção do artº 154º, da OTM, importa não olvidar que, não desconhecendo certamente o legislador as divergências até então existentes no tocante aos pressupostos da competência por conexão, e tendo presente o disposto no artº 9º, nºs 1 e 2 , do CC, forçoso é reconhecer, desde logo e em sede de interpretação, que não resulta do texto da nova redacção do artº 154º ( máxime do seu nº4 ) que, para efeitos de apensação da acção de regulação do exercício do poder paternal à acção de divórcio, deva necessariamente esta última ter sido intentada em primeiro lugar, apenas exigindo o legislador que esteja pendente, ou seja, a correr termos.
Ao invés, se olharmos agora para o nº1, da mesma disposição legal, vemos já que nela tal preocupação do legislador já se encontra presente (e expressamente, apesar do disposto no artº 275º,nº2, do CPC e 161º, da OTM), pois que, rezando tal dispositivo que “Se forem instaurados sucessivamente processo tutelar cível e processo de protecção ou tutelar educativo relativamente ao mesmo menor, é competente para conhecer de todos eles o tribunal do processo que tiver sido instaurado em primeiro lugar”, tal equivale a dizer que a acção a apensar é necessariamente posterior.
Tal constatação, por si só, aconselha a não sufragar o entendimento da apelante (o de que a aplicação do art. 154.º, nº 4, da OTM, na redacção que a este dispositivo foi conferida pela Lei nº 133/1999, de 28 de Agosto, pressupõe/exige que aquando da instauração da acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais já se encontra pendente a acção de divórcio), pois que, ademais e ao diminuir, e sem fundamento forte bastante, o campo de aplicação da disposição em causa, vai contra o antigo princípio latino atinente à interpretação de normas jurídicas, segundo o qual "ubi lex non distinguit, nec nos destinguere debemus".
Acresce que, porque de alguma forma a interpretação da apelante restringe o campo de aplicação do nº4, do artº 154º, da OTM, importa outrossim recordar que uma interpretação restritiva do texto da lei , apenas faz sentido quando (3): 1º se entendido de um modo geral, vem a contradizer outro texto de lei ; 2º se a lei contém em si uma contradição íntima (é o chamado argumento ad absurdum); 3º se o principio aplicado sem restrições, ultrapassa o fim para que foi ordenado.
Porém, não apenas qualquer uma das referidas situações, em rigor, não se verifica in casu, como outrossim e bem a propósito refere ainda Francesco Ferrara (4) que “(…) se um principio foi estabelecido a favor de certas pessoas, não pode retorcer-se em prejuízo delas, por interpretação restritiva das suas expressões demasiado gerais”.
Ora, não olvidando que toda a OTM tem compreensivelmente como princípio enformador máximo a defesa dos interesses e direitos dos menores, e socorrendo-nos ainda do douto argumentário do TRP (5), é precisamente o interesse (e não apenas o geográfico, a que alude o nº1, do artº 155º da OTM) dos menores que afasta/desaconselha uma interpretação restritiva, considerando que “o Tribunal que mais bem colocado se encontra para a defesa dos direitos dos menores é aquele que tenha ou possa ter maior conhecimento do ambiente familiar em que foram criados os menores, quer pela vivência do drama que os articulados do divórcio já por si são susceptíveis de proporcionar, quer pelos trâmites desse próprio processo, que começa com uma tentativa de conciliação - art. 1407.º do CPC-, que, em caso de êxito, poderá vir a resultar:
- na cessação do processo de Regulação do exercício do Poder Paternal, por conciliação dos cônjuges art. 1407.º-2, 1.ª parte do CPC e 1774.º do CC;
- no acordo obrigatório a respeito da regulação do exercício do Poder Paternal a que terá de chegar-se no caso de conversão do divórcio litigioso em divórcio por mútuo consentimento – art. 1419.º do CPC e 1775.º-3 do CC- , e para cuja tentativa de conversão pode ajudar sobremaneira o conhecimento dos factos já apurados ou as diligências em curso no processo de regulação, evitando duplicidade de processos;
- no conhecimento mais aprofundado das condições do casal, seus problemas, dramas e vicissitudes, que, em caso de Sentença a decretar o divórcio, permitirá ao Juiz regular com dados mais seguros o respectivo exercício, pois que mais bem colocado para decidir esse exercício uma vez conhecidas as razões que levaram ao divórcio e o grau de culpabilidade de um ou de ambos os membros do casal, no desfecho do processo- art. 1787.º do CC.”.
Na sequência do acabado de expor, tudo aconselha assim que, em sede de interpretação do disposto no artº 154º,nº4, da OTM, não se enverede por uma qualquer interpretação restritiva que diminua o respectivo campo de aplicação, frustrando-se assim o desiderato pretendido pelo legislador no âmbito das alterações introduzidas na OTM pela Lei nº 133/99, de 28 de Agosto, sendo apenas de exigir que exista uma acção de divórcio pendente, e quer seja esta última posterior ou anterior à acção de regulação do exercício do poder paternal.
Incidindo agora a nossa atenção sobre as conclusões da apelante vertidas nos respectivos itens 3 a 5, e como de resto até a apelante o reconhece, o próprio artº 23º da LOFTJ prevê e admite (apesar do disposto no antecedente artº 22º) a possibilidade de deslocação da causa do tribunal competente para outro, bastando que esteja ela especialmente prevista na lei.
E, precisamente uma das referida possibilidades que a lei estabelece e admite, é a que decorre da norma do artº 154º, da OTM, sob a epígrafe de competência por conexão, razão porque não procedem portanto as referidas conclusões da apelante, nada obstando a que, em cumprimento do estatuído no referido artº 154º,nº4, se determine a apensação de uma acção de regulação do exercício do poder paternal a uma acção de divórcio pendente, é certo, mas todavia superveniente à acção de regulação do exercício do poder paternal”.
Assim, a solução da competência por conexão consagrada, presentemente, no nº 3, do art. 11º, do RGPTC, quanto aos processos de regulação do exercício das responsabilidades parentais, no sentido de correrem por apenso ao processo de divórcio ou separação judicial litigiosos pendentes, tem de ser observada, não sendo admissível a interpretação restritiva que o Juiz 3 levou a cabo, seguindo a Doutrina que cita.
Estando pendente ação de divórcio, o processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais corre por apenso àquela ação, sendo que o tribunal competente para o processo de divórcio é-o também para decidir tais providências, em razão da ligação/conexão de relações pessoais e familiares a solucionar.
Há sempre lugar à apensação de processo tutelar cível a ação de divórcio dos progenitores da criança pendente, independentemente daquele processo haver sido instaurado antes ou depois da entrada em juízo desta ação, sendo que “Havendo ou passando a correr processo de divórcio dos progenitores, deve ser ou passar a ser aquele onde esteja pendente a ação de divórcio o tribunal competente para a ação de Regulação do Poder Paternal dos filhos”[4].
Resultados práticos inaceitáveis, de prejuízo para os interesses das crianças, derivados de injustificadas delongas processuais, não justificam interpretações restritivas, pois que aqueles vedados estão, afastados tendo de ser face à natureza do processo e dado impender sobre o julgador o dever de observar, sempre, o superior interesse da criança e de observar e a todos impor a urgência consagrada na lei. Com efeito, este tipo de processo é de jurisdição voluntária, pelo que nele o julgador não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo, antes, adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna, no exercício do poder-dever a que se encontra adstrito, (art. 12º, do RGPTC e 987º, do CPC) efetuando, com urgência, as diligências de averiguação e de instrução necessárias à prolação da decisão mais adequada ao caso concreto.
Estamos perante situação especialmente prevista na lei, vinculativa, encontrando-se, nas circunstâncias do caso (em que a providência tutelar cível foi instaurada antes da propositura da ação de divórcio) no nº3, do art. 11º, do RGPTC, o fundamento legal para a apensação.
Bem entendeu o referido Juiz 2 que, consagrando o art. 38º n.º 1 da LOFTJ, como regra, fixar-se a competência dos tribunais no momento em que o processo ingressa no tribunal (no momento em que a ação é proposta), sendo indiferentes as modificações de facto e de direito que ocorram posteriormente, a não ser nos casos especialmente previstos na lei, e postulando, o art.39º, como corolário de tal princípio, a proibição de desaforamento (ou seja, a deslocação da causa por determinação judicial do tribunal competente para outro), ressalvados estão, contudo, “os casos especialmente previstos na lei”, entre eles se contando os da conexão, prevista no art.267º do CPC, sendo a norma em causa do art.11,º do RGCTP, uma manifesta concretização, materializada nos processos de jurisdição de menores, tendo sido a, natural e manifesta, dependência da ação de regulação do poder paternal relativamente à ação de divórcio dos progenitores que presidiu à imposição legal de apensação.
Destarte, não constitui obstáculo à apensação a circunstância da ação de regulação do exercício do poder paternal haver sido instaurada em primeiro lugar, visto que a exigência legal, requisito único para a apensação, é, apenas, a de a ação de divórcio estar pendente, a correr termos no tribunal de família, o caso.
Neste conspecto, competente é o Juiz 3, por preenchido se mostrar o pressuposto de aplicação do nº3, do art.º 11º, do RGPTC, aí estar pendente da ação de divórcio, havendo lugar à referida apensação, em razão da conexão, especialmente consagrada, para a tramitação dos autos de regulação do exercício das responsabilidades parentais (e respetivo apenso).
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IV- DISPOSITIVO:
Em conformidade com o exposto, decido que competente, para conhecer da ação de regulação das responsabilidades parentais, nos termos do n.º 3, do art. 11º, do RGPTC, é o Juízo de Família e Menores de Gondomar – Juiz 3, seguindo tal ação por apenso à, proposta posteriormente, ação de divórcio dos progenitores da criança, pendente.
Sem custas (por não serem devidas).
DN (Notifique às partes, comunique ao Ministério Publico e aos tribunais em conflito – art. 113º n.º 3 do CPC - e providencie-se, ainda, pela publicação da presente decisão, dada a relevância da questão suscitada, nos termos em que é feito com os acórdãos [5]).

Porto, 6/8/2023
DS

A Juíza Desembargadora (de turno)
Eugénia Cunha
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[1] Entre e Juiz 2 e o Juiz 3 do Juízo de Família e Menores de Gondomar
[2] Tomé d` Almeida Ramião, Regime Geral do Processo Tutelar Cível Anotado e Comentado, Jurisprudência e Legislação Conexa, Quid Juris, pág. 56
[3] Ibidem, pág. 56
[4] Ac. TRP de 23/11/2004, proc. nº 0424766, in Tomé d` Almeida Ramião, Regime Geral do Processo Tutelar Cível Anotado e Comentado, Jurisprudência e Legislação Conexa, Quid Juris, pág. 61
[5] Dada a relevância da questão e cfr. a decisão do Exmo. Sr. Vice-Presidente do STJ de 21/04/2023, proferida no proc. 2600/14.2TBALM-B.L1.S1, in dgsi.pt