Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
342/15.0GAPVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RAÚL ESTEVES
Descritores: CRIME DE DETENÇÃO DE ARMA
ARMA PROIBIDA
PERDA A FAVOR DO ESTADO
FALTA DE LICENCIAMENTO
ARMA NÃO MANIFESTADA
Nº do Documento: RP20170524342/15.0GAPVZ.P1
Data do Acordão: 05/24/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 27/2017, FLS.15-22)
Área Temática: .
Sumário: Não é possível devolver ao possuidor, que não tem licença para a sua detenção, uma arma não registada, que por isso deve ser declarada perdida a favor do Estado, independentemente da verificação dos requisitos do artº 109º CP, por ser arma fora do comércio jurídico e insusceptível de ser possuída por particulares.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam em Conferência os Juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

1 Relatório

Nos autos nº 342/15.0GAPVZ.P1 que correram os seus termos na Comarca do Porto, Tribunal de Vila do Conde, Inst. Loca. Secção Criminal, J3, foi proferida sentença que decidiu:
a) Condenar o arguido B… pela prática de um crime de detenção de arma proibida p. e p., no art" 86.°, nº 1, aI. c),do RJAM, alterado pela Lei nº 17/2009, de 6-5, por referência ao art. 2.°, n.º 1, aI. ar) e art. 3.°, n.º 6, aI. a), do mesmo diploma legal, na pena de 250 dias de multa, à taxa diária de €7,00;
b) Condenar o arguido B… pela prática de um crime de ameaça agravada p. e p., no artº 153.°, nº 1, e 155.°, nº 1, aI. a), ambos do CiP; na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de €7,00;
c) Em cúmulo jurídico de ambas as penas, condenar o arguido B… na pena única de 300 dias de multa, à taxa diária de €7,00, o que perfaz € 2.100,00.
d) Declarar perdida a favor do Estado a espingarda apreendida nos autos nos termos do artº 109 do C.P.;
Não conformado veio o arguido interpor recurso, alegando para tanto o que consta de fls. 309 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido, concluindo nos seguintes termos:
I- O recorrente foi condenado pela prática de um crime de detenção de arma proibida p.p. no artigo 86º, nº 1, al.c), com referência ao artº 2º, nº 1, al. ar) e artº 3º, nº 6 , al a) da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro, na redação que lhe foi dada pela lei 50/2013 de 24 de Julho, na pena de 250 dias de multa,à taxa diária de €7,00; e, pela prática de um crime de ameaça agravada p. e p.no artigo 153º, nº 1, e 155º ,nº 1 al. a) ambos do Código Penal, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de € 7,00, e em cúmulo jurídico, na pena única de 300,00 dias de multa, à taxa diária de €7,00, o que perfaz €2.100,00.
II- O tribunal a quo deu como provado quanto ao crime de detenção arma proíbida:
-no ponto 6 da sentença recorrida, que o arguido era possuidor de armas de fogo;
- no ponto 7 da sentença recorrida, que “com efeito, no dia 10 de Novembro de 2015, cerca das 07:00 horas, o arguido tinha em seu poder, guardada no guarda – vestidos do seu quarto, na sua residência sita na Rua …, nº …, em …, Vila do Conde, a espingarda descrita e examinada a fls. 92,da marca Marlin Firearms, modelo ..-….., de um cano de 68 cm de comprimento, alma lisa, com o comprimento total de 125 cm e calibre 12mm;
-no ponto 8 da sentença recorrida, que “essa arma pertencia ao arguido e foi ali encontrada e apreendida na sequência de uma busca domiciliária levada a cabo pela GNR;
-no ponto 11 da sentença recorrida, que o arguido conhecia as características da arma apreendida e sabia que a sua guarda e detenção era proibida e punida por lei e, não obstante, quis detê-la.
III- Formando a sua convicção na análise dos documentos juntos (autos de busca e de busca e apreensão de fls. 75 e seguintes e 79 e seguintes, relatório fotográfico de fls. 82 e ss, auto de exame direto de fls.92, informação da PSP de fls. 59, o auto de denúncia da ofendida e o CRC), nas declarações da ofendida e das testemunhas de acusação ouvidas, principalmente nos depoimentos de C…, D… e E…, sendo que das declarações do arguido só foram levadas em conta no que respeita à presença no seu quarto da arma.
IV- As declarações do arguido assim como as testemunhas de defesa do arguido,não foram tidas em conta por os seus depoimentos não terem merecido grande credibilidade, atento o modo como depuseram, sendo manifesta a sua falta de isenção e a tentação de inocentar o arguido a todo o custo.
V- Salvo o devido respeito, o tribunal a quo julgou incorretamente os supra referidos factos, porquanto em relação aos mesmos não foi produzida prova.
VI- quanto ao ponto 6 dos factos provados, a sentença recorrida sustenta o facto dado como provado de que o arguido era possuidor de armas de fogo, únicamente no depoimento apresentado pela ofendida. Ou seja que o arguido era possuidor de armas de fogo, com que gostava de brincar num terreno baldio próximo a tentar acertar em molas da roupa, no tempo em que viviam juntos, conforme consta da motivação da sentença.
a)- Ora, a matéria dada como provada no ponto 6, situa-se temporalmente após o fim do relacionamento entre a ofendida e o arguido, reportando-se ao tempo da queixa apresentada pela ofendida de ameaças, o que ocorreu no ano de 2015.
b)-os factos relatados pela ofendida em julgamento que sustentam que o arguido era possuidor de armas reportam-se à época em que viviam juntos, ou seja até Agosto de 2013. E mesmo estes revelam-se contraditórios no seu depoimento com a matéria dada como provada (vide registo áudio das declarações da ofendida, inicio da gravação pelas 11 horas e 03 minutos, fim gravação pelas 11 horas e 36 minutos):
-referindo que durante o período de cerca de um ano que viveram juntos na casa dos pais do arguido, no quarto onde dormiam o arguido não tinha nenhuma arma;
-refere ainda a ofendida que no restante período que viveram juntos (ou seja até Agosto de 2013) agora em casa dela na Póvoa do Varzim,o arguido não levou com ele nenhuma arma;
- que o rol de armas que existiam na casa dos pais do arguido, eram do pai do arguido, que era caçador;
c)- após se terem separado, aquando da queixa apresentada em 18.10.2015 refere que nunca viu qualquer arma na posse do arguido (vide auto de declarações da ofendida de fls. 24 e ss dos autos).
d)- Por outro lado o arguido sempre negou ser o proprietário da arma apreendida no seu guarda - fatos (vide registo áudio, inicio da gravação pelas 10: 34 minutos, fim gravação pelas 11 horas e 03 minutos) e o pai do arguido confirmou as suas declarações e confirmou ser o proprietário desta arma, que herdou do seu falecido pai, e das demais armas encontradas na casa que é sua propriedade e onde foi efetuada a busca (vide registo áudio, inicio da gravação pelas 15 horas e 13 minutos, fim gravação pelas 15 horas e 25 minutos); tendo tal posição sido confirmada pelos Agentes da GNR. Aliás o pai do arguido esclarece que gostava que o filho também fosse caçador, mas ele não tem paixão por armas, e que nunca o viu pegar numa arma. (vide registo áudio, inicio da gravação pelas 15 horas e 13 minutos, fim gravação pelas 15 horas e 25 minutos).
VII- Assim, não resultou dos autos, nem da prova, testemunhal e documental produzida, quer globalmente considerada, quer apreciada individualmente, matéria suficiente para que se possa concluir que o recorrente era possuidor de armas de fogo, conforme considerou a sentença recorrida no ponto 6, pelo que tal matéria terá que ser dada como não provada.
VIII- Quanto à matéria dada como provada nos pontos 7 e 8 da douta sentença recorrida, não resultou dos autos, nem da prova testemunhal e documental produzida, matéria suficiente para que se possa concluir que a arma descrita e examinada a fls.92 pertencia ao arguido recorrente, porque estava em seu poder, guardada no guarda - vestidos do seu quarto no dia 10 de Novembro de 2015. Isto porque:
a)- o arguido negou a propriedade da arma apreendida, referindo que a arma era do seu pai e que a mesma só foi encontrada no seu guarda fatos porque minutos antes, o seu pai mandou guardá-la ali; Mais referiu, que os agentes da GNR consideraram que a arma era dele porque foi encontrada no seu quarto.(vide registo áudio, inicio da gravação pelas 10:34 minutos, fim gravação pelas 11 horas e 03 minutos).
b)-a testemunha F…, confirmou aos agentes da GNR aquando da busca em sua casa, que a arma era sua propriedade, tendo em audiência de julgamento explicado que a herdou do seu falecido pai e que a mesma estava ilegal, não tinha documentação, e “porque se eles entrassem dentro, viam logo a arma no armeiro”, “Eles iam ver a arma e iam-me condenar por ter aquela arma do meu falecido pai”, sendo esta a justificação que é dada para a guardar no quarto do arguido (vide registo áudio, inicio da gravação pelas 15 horas e 13 minutos, fim gravação pelas 15 horas e 25 minutos).
c)- a testemunha G… quanto a esta matéria nada sabe, quando questionada diz que não sabe se a arma era propriedade do arguido, pois as armas estavam lá todas juntas ou se estavam todas em nome do pai do arguido e também que não sabe quem comprou as armas. E quando refere que o arguido às vezes dizia aquela arma é minha, aquela é para mim, são declarações vagas próprias de quem pretende tão só incriminar o arguido, pois nem sequer concretiza se se referia à arma apreendida a fls. 92 dos autos. (vide registo áudio, inicio da gravação pelas 11 horas e 03 minutos, fim gravação pelas 11 horas e 36 minutos);
d)-as testemunhas de acusação (agentes da GNR que efetuaram a busca, C… (Cabo Chefe C1…); D… e E… (Cabo Chefe E1…)- são unânimes em dizer que o arguido lhes disse na ocasião que a arma não era propriedade dele mas do pai, o que este confirmou.
e) estas declarações prestadas pelo arguido e confirmadas pelo pai do arguido não foram consideradas verdadeiras pelo tribunal “a quo” que considerou que o pai só quis livrar o arguido de problemas e por outro lado nenhum dos agentes presentes na busca confirmou esta “estória”,ou seja que o arguido ou o pai disseram em algum momento que a arma só ali estava há poucos minutos por o pai do arguido ter pedido ao arguido para a guardar.

- Ora de modo algum podemos concordar com esta fundamentação: desde logo por não resultar provado que o pai do arguido sabia das atitudes do arguido para com a ofendida, pois este quando questionado em audiência, apenas refere que sabia apenas que o filho e a ofendida se tinham chateado, não sabia de mais nada e,
-Por outro lado, não corresponde exatamente à verdade que as testemunhas de acusação não tivessem confirmado a “estória”, bem pelo contrário, os agentes da GNR até admitem como provável que o arguido tenha dado essa explicação e o que referem nas suas declarações é que não se recordam disso, o que não equivale a dizer que o arguido e o pai não dissessem. Neste sentido vide as declarações do Cabo Chefe C1…, (registo áudio, inicio da gravação pelas 12 horas e 13 minutos, fim gravação pelas 12 horas e 37 minutos); da testemunha D…, (vide registo áudio, inicio da gravação pelas 12 horas e 37 minutos , fim gravação pelas 12 horas e 50 minutos), do Cabo Chefe E1… (vide registo áudio, inicio da gravação pelas 14 horas e 53 minutos, fim gravação pelas 15 horas e 04 minutos) e da testemunha H…, (vide registo áudio, inicio da gravação pelas 15 horas e 07 minutos, fim gravação pelas 15 horas e 11 minutos).
f)- Não podemos aceitar a motivação apresentada pela douta sentença, no que respeita à presença no quarto do arguido da arma, cuja “estória” para justificar a presença da mesma no guarda – fatos não convenceu o tribunal da sua veracidade,por parecer ilógica e ofensiva das regras da experiencia comum, porque o pai do arguido que tinha outra arma ilegal, não pediu ao arguido para a guardar também.
- ora tal justificação não colhe, efetivamente como resultou demonstrado o pai do arguido (vide registo áudio, inicio da gravação pelas 15 horas e 13 minutos, fim gravação pelas 15 horas e 25 minutos), só se lembrou da arma apreendida a fls. 92 por esta estar exposta (visivel a quem entrasse na casa) num armeiro com vitrine numa zona comum da casa,no corredor logo na entrada, ao contrário do revólver que estava guardado dentro de uma gaveta da mesinha de cabeceira.
- refere a sentença recorrida ser também ilógico o pai ter colocado o filho em tal situação (de detentor da arma) só para se livrar de problemas com a policia. Ora das declarações prestadas pela testemunha F…, depreende-se fácilmente que este julgou que a busca era dirigida a si (até porque há uns anos a sua casa já tinha sido alvo de uma busca) e por isso, sabendo que tinha esta arma ilegal numa zona exposta da sua casa (visivel a qualquer pessoa que ali entrasse), num impeto, num impulso, nomomento, em fracções de minutos, resolve pedir ao filho para a guardar.
g) por outro lado as testemunhas de acusação (GNR) nada disseram acerca da propriedade da arma apreendida, referindo o Cabo Chefe C1…, chefe da equipa de busca, (vide registo áudio, inicio da gravação pelas 12 horas e 13 minutos , fim gravação pelas 12 horas e 37 minutos), que a sua função era elaborar o auto de busca e que o objetivo,o procedimento é ir à busca,é detectar e apanhar armas, limitam-se a escrever no auto de busca onde foi encontrada a arma (o local) e a descrever as caracteristicas da arma. Nesse sentido, pediram os documentos da arma ao arguido, por a arma ter sido encontrada no seu quarto por si usado.

IX-não resultou dos autos, nem da prova, testemunhal e documental produzida quer globalmente considerada, quer apreciada individualmente, matéria suficiente para que se possa concluir que a arma apreendida pertencia ao arguido recorrente, porque estava em seu poder guardada no guarda – vestidos do seu quarto, conforme considerou a sentença recorrida nos pontos 7 e 8, pelo que tal matéria terá que ser dada como não provada.
X- A simples circunstância de, no decurso de uma busca, ter sido encontrada uma arma proibida no quarto de dormir utilizado pelo arguido e pela sua companheira, não permite, sem mais, afirmar que à luz das regras da experiência comum aquela arma era detida pelo arguido.
XI- Quanto ao ponto 11 da matéria dada como provada, compulsada a prova produzida, nada foi dito quanto ao facto de ter sido dado como provado de que o arguido conhecia as características da arma apreendida, e que sabia que a guarda e detenção era proibida e punida por lei e, não obstante quis detê-la. Aliás nem a douta sentença recorrida fundamenta em que prova se alicerçou para dar tal facto como provado.
XII- A prova produzida nos presentes autos impunha ao tribunal a quo uma decisão oposta à que resulta da decisão recorrida, pelo que se impunha desde logo a sua absolvição. Desta forma, o Tribunal a quo violou, entre outros, o artigo 32º nº. 2 da Constituição da República Portuguesa.
Sem prescindir,
XIII- As penas impostas ao arguido B…, são excessivas e devem ser reduzidas para medidas que se aproximem dos respectivos limites mínimos;
XIV- A pena única resultante do cúmulo jurídico deve ser reformada e substancialmente reduzida;
XV- o quantitativo diário da pena de multa fixado é exagerado. Como ponto de partida de determinação do montante da multa é de considerar o denominado rendimento líquido,ou seja, a diferença entre o rendimento bruto e as despesas que advêm do seu ganho, que no caso se cifra em €160,00.
XVI- A pena aplicada ao arguido traduz um sacrifício para este não consentâneo com a sua situação económica, com o facto de se tratar de pessoa primária e com o bom comportamento prévio e posterior aos factos.
XVII- no que concerne à medida da pena aplicada ao arguido, pelo que antecede, consideram-se violado o artigo 71º CP
XVIII- A douta sentença deve ser revogada na parte em que declarou a perda da espingarda a favor do Estado; pois que se verifica total omissão de avaliação quanto aos pressupostos legais de perdimento da arma, pelo que foi violado o artigo 109º nº 1 do Código Penal e 18º.nº 2 da CRP.
***
O Digno Magistrado do Ministério Público respondeu ao recurso, tendo pugnado pela sua improcedência.
Neste Tribunal o Digno Procurador-geral Adjunto teve vista nos autos, emitindo parecer no mesmo sentido.
Deu-se cumprimento ao disposto no artigo 417º nº 2 do CPP, foram os autos aos vistos e procedeu-se à Conferência.
Nada obsta à apreciação do mérito da causa.
Cumpre assim apreciar e decidir.

2 Fundamentação
Resultam assentes e não assentes nos autos os factos abaixo transcritos, como também se mostra fundamentada a convicção do Tribunal nos termos que se irá de seguida transcrever:

1. Factos provados.
Com relevo para a decisão da causa, apuraram-se os seguintes factos:
1- O arguido viveu maritalmente com a ofendida G… durante cerca de 4 anos, tendo o relacionamento entre ambos terminado em Agosto de 2013.
2 - Dessa relação nasceu uma menor, I….
3 - Em meados de 2015 a ofendida iniciou um relacionamento amoroso com outra pessoa, o que não foi do agrado do arguido que, a partir dessa altura, passou a dizer-lhe que lhe dá um tiro, o que faz frequentemente por telefone e também pessoalmente, quando se dirige à sua residência ou local de trabalho.
4 - No dia 18 de Outubro de 2015, cerca das 19:16 horas, o arguido telefonou à ofendida e disse-lhe, em tom sério e ameaçador, "és uma puta, qualquer dia dou-te um tiro, sei que agora tens quem te guarde as costas, mas mesmo assim eu mato-te, se ele se meter também lhe trato da saúde".
5 - Minutos depois o arguido dirigiu-se à residência da ofendida, sita na Av. …, n" …, em …, na Póvoa de Varzim, a fazer a entrega da filha de menor de ambos, e, na presença desta, dirigiu-se de novo à ofendida, em tom sério e ameaçador, e disse-lhe "Eu mato-te, parto-te as pernas, eu tenho uma arma e mato-te".
6 - A conduta do arguido foi apta a causar medo e a prejudicar a liberdade de determinação da ofendida, que ficou com receio de que o arguido concretizasse a qualquer altura o mal que prenunciara, tanto mais que ele era possuidor de armas de fogo.
7 - Com efeito, no dia 10 de Novembro de 2015, cerca das 07:00 horas, o arguido tinha em seu poder, guardada no guarda - vestidos do seu quarto, na sua residência sita na Rua …, n? …, em …, Vila do Conde, a espingarda descrita e examinada a fls. 92, da marca Marlin Firearms, modelo .. - …., de um cano de 68 cm de comprimento, alma lisa, com o comprimento total de 125 cm e calibre 12mm.
8 - Essa arma pertencia ao arguido e foi ali encontrada e apreendida na sequência de uma busca domiciliária levada a cabo pela GNR.
9 - Nessa altura o arguido, ao ser esclarecido do motivo da diligência, afirmou perante os guardas da GNR que a efectuaram: II Se é assim, então não tenho nada a perder, posso dar cabo da minha vida mas ela não se fica a rir".
10 - A referida arma de fogo não se encontrava manifestada nem registada nem o arguido era titular de licença de uso e porte de arma.
11 - O arguido conhecia as características da arma apreendida e sabia que a sua guarda e detenção era proibida e punida por lei e, não obstante, quis detê-la.
12 - O arguido, ao dirigir as referidas expressões à ofendida, quis causar-lhe medo e condicionar a sua liberdade de determinação.
13 - O arguido agiu sempre voluntária, livre e conscientemente bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
MAIS SE PROVOU (DA CONTESTAÇÃO:)
14 - O arguido é solteiro, vivendo maritalmente com J…, habitando há época dos factos em casa dos pais daquele.
15- O arguido trabalha como praticante metalúrgico (soldador) numa empresa.
MAIS SE PROVOU:
14 - O arguido não tem antecedentes criminais.
15 - O arguido aufere 800,00; vive actualmente sozinho com a companheira em casa arrendada, no que liquida €300,00; a companheira trabalha numa fábrica de peixe, auferindo o salário mínimo nacional; o arguido liquida €130,00 mensais de alimentos devidos à filha; tem ainda um crédito no valor de €21,00 mensais.
*
2. Factos não provados:
(Da contestação:)
- Que o arguido é pessoa considerada e respeitada no meio social em que se insere e sempre teve um comportamento irrepreensível
*
Inexistem outros factos a considerar com interesse para a decisão da causa.
*
3. Motivação:
Para assentar o que ficou descrito supra atendeu-se ao conjunto da prova produzida, criticamente analisada à luz das regras da lógica e da experiência comum, designadamente as declarações do arguido, o qual confessou em parte os factos, no que respeita a presença no seu quarto da arma, embora tenha contado uma" estória" para justificar a presença da mesma dentro do seu guarda - fatos, que não logrou convencer da sua veracidade apesar de ter sido corroborada pela companheira e pelo seu pai. Isto porque a mesma nos pareceu totalmente ilógica e ofensiva das regras da experiência comum, referimo-nos à tentativa de fazer crer o tribunal que o seu pai imediatamente antes da busca lhe pediu para guardar aquela armar no quarto do arguido, sendo certo que o pai do arguido possuía outra arma ilegal (um revólver) para além desta em local de fácil acesso no quarto (mesinha de cabeceira) e não pediu ao arguido para a guardar supostamente por esquecimento, justificou o arguido, o que é tão ilógico como o pai, que mostrou ser, aquando do seu depoimento, um pai preocupado e extremoso, ter colocado o filho em tal situação de detentor de urna arma só para se livrar de problemas com a policia!
Acresce a isto que a ofendida G… testemunhou que o arguido era possuidor de armas, com que gostava de brincar num terreno baldio próximo a tentar acertar em molas da roupa, no tempo em que viveram juntos.
Quanto às ameaças proferidas pelo arguido, ele negou as mesmas, contudo resultou da restante prova produzida que as mesmas aconteceram, pelo menos nos termos constantes supra dos factos provados, atento o depoimento da ofendida que nos pareceu sincera, isenta e credível, ao contrário do arguido que, atento o modo corno prestou declarações e o que disse não nos mereceu credibilidade (dizendo que só discutiam por causa da filha, porque a filha não queria estar com a mãe, que a mãe batia na filha e a punha num quarto escuro mas que nunca requereu ou pretendeu a guarda da filha para si, porque segundo afirmou "mãe é mãe"!) parecendo-nos bem mais crível que o mesmo tivesse ciúmes da ofendida, que foi quem pôs fim ao relacionamento e que estivesse alterado por a saber acompanhada por urna nova pessoa.
Tendo o depoimento da ofendida sido corroborado pelo namorado na altura, hoje "ex", da mesma ofendida, K…, que se encontra actualmente de relações cortadas com a ofendida, que confirmou ter ouvido pelo telefone colocado em alta voz o que supra se assentou, e bem assim resulta corroborado pelo Auto de Denúncia realizado no próprio dia dos factos, tendo a ofendida chamado a policia na sequência dos mesmos factos, tendo sido a ocorrência dessas ameaças que originou a emissão de mandados de busca.
Relevou ainda neste particular o que foi também referido pelas testemunhas da acusação que participaram na busca, relevando sobretudo os depoimentos de C…, D… e E… e o que consta relatado no Auto de busca acerca da reacção do arguido quando lhe foi referido a que vinham, tendo de imediato acusado o seu "desespero", nas palavras da testemunha Cabo Chefe da GNR E…, ao verbalizar urna nova ameaça à pessoa da ofendida, sendo-nos permitido concluir que o arguido ficou desesperado quer porque sabia o que tinha no seu quarto (uma arma) quer porque bem sabia a sua conduta criminosa para com a aqui ofendida.
Estas testemunhas depuseram com isenção, segurança e de forma convincente, tendo as duas últimas testemunhas referidas afirmado que o arguido disse na ocasião que a arma não era propriedade dele mas do pai, o qual é caçador e possuía em casa outras armas licenciadas, e o que o pai confirmou, o que, a nosso ver, é normal ter acontecido por o arguido e o pai saberem das atitudes do arguido para com a ofendida, visando com isso livrá-lo de problemas, mas nenhuma dessas mesmas testemunhas confirmou que o arguido ou o pai disseram em algum momento que a arma só ali estava há poucos minutos por o pai do arguido ter pedido ao arguido para a guardar, o que seria normal que dissessem, caso fosse verdade o que pretendeu o arguido fazer crer o Tribunal!
Relativamente aos depoimentos das testemunhas da defesa do pai do arguido, F…, e da companheira do arguido, J…, cumpre referir que os mesmos não nos mereceram grande credibilidade, atento o modo como depuseram, sendo manifesta a sua falta de isenção e a tentação de inocentar o arguido a todo o custo das acusações que sobre ele recaem.
Atendeu-se ainda aos documentos junto aos autos, nomeadamente o Auto de Denúncia que corrobora que a denúncia da ofendida foi feita no próprio dia dos factos, o que reforça o depoimento da ofendida, e tendo o arguido confirmado que discutiu com a ofendida nesse dia, embora negue tê-la ameaçado quer pelo telefone, quer pessoalmente, aquando da entrega da filha de ambos, os Autos de busca e de busca e Apreensão de fls. 75 e seguintes e 79 e seguintes, relatório fotográfico de fls. 82 e seguintes, auto de exame directo de fls. 92, informação da PSP de fls. 59 e o e. R. e. que antecede.
Em suma: a conjugação de toda a prova produzida com as regras de normalidade e de experiência comum inculcam a ideia, para além de toda a dúvida razoável, que o arguido praticou grande parte dos factos de que vinha acusado, aqueles que foram dados supra como provados.
Quanto aos factos dados como não provados (da contestação) foram assim considerados porque nenhuma prova foi feita acerca dos mesmos.
Quanto à situação pessoal do arguido, atendeu-se às declarações do arguido, à falta de outra prova, que nos pareceu sincero.
***
Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – vícios decisórios e nulidades referidas no artigo 410.º, n.º s 2 e 3, do Código de Processo Penal – é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.

Atentas as conclusões do recurso, podemos delimitar o seu objecto à apreciação das seguintes questões:

a) Erro de Julgamento quanto à matéria da posse da arma e violação do princípio in dúbio pro reo
b) Medida da pena excessiva
c) Declaração de perda da arma a favor do Estado

Vejamos então:
a) Erro de julgamento e violação do princípio in dubio pro reo
Alega e conclui o recorrente que não foi feita prova que permitisse ao tribunal dar como assente os factos enumerados sob os números 6, 7, 8, e 11, sendo que, segundo o recorrente o mesmo jamais teve a posse da arma encontrada no seu quarto ou dela foi proprietário, sendo a mesma pertença do pai deste, que por seu turno a haveria recebido do seu pai, avô do arguido.
No fundo, a questão que segundo o recorrente está erradamente apreciada é o facto de o arguido ter ou não ter a arma, e ser ou não responsável criminal pela sua detenção.
Para demonstrar a sua razão, indica como prova concreta o depoimento do arguido, do seu pai, da ofendida, das testemunhas C…, D…, E…, H…, F…, J…, G…, auto de busca de fls. 72 a 78 e auto de notícia de fls. 121.
Conclui assim que, da prova concreta indicada deveria o Tribunal dar ter dado outra decisão quanto à factualidade assente.
Percorrendo os depoimentos e os documentos especificadamente indicados, com o devido respeito, não se afigura ter o recorrente razão.
Na verdade, resulta evidente que o recorrente tinha uma arma sem registos e sem que para tanto estivesse autorizado, no seu quarto dentro do armário ou roupeiro.
O facto de ter sido dada pelo seu pai na ocasião, uns dias antes, ou fosse quando fosse, não alteraria a situação da ilicitude da posse da arma.
Mais, da concreta prova indicada pelo recorrente retira-se – mesmo fazendo fé na sua versão - que este aceitou sem reservas a posse da arma.
Mais, da concreta prova indicada – e na versão que o recorrente aqui veio defender – retira-se que o recorrente não ignorava ser proibida e susceptível de sanção de cariz criminal a posse de tal arma.
O “jogo” não é minha, é tua, ou é de outrem, atento o bem em causa, não desresponsabiliza sem mais quem for surpreendido na posse de uma arma de fogo, sem aos competentes registos e licenças.
Na verdade, o erro de julgamento, ínsito no artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal, ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado, o que não foi o caso, pois da concreta prova indicada, não se conclui, nem se impõe, como exige a lei que aconteça, uma decisão diversa, atento o que acima dissemos sobre a posse da arma e sobre a responsabilidade criminal associada a esse facto.
Em toda esta apreciação – que para o recorrente teria o objectivo de o absolver deste crime – não é possível esquecer o regime punitivo previsto na Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro e suas posteriores alterações.

Vejamos o enquadramento legal:
Artigo 86.º
Detenção de arma proibida e crime cometido com arma
1 - Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, importar, transferir, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação, transferência ou exportação, usar ou trouxer consigo:
a) Equipamentos, meios militares e material de guerra, arma biológica, arma química, arma radioativa ou suscetível de explosão nuclear, arma de fogo automática, arma longa semiautomática com a configuração de arma automática para uso militar ou das forças e serviços de segurança, explosivo civil, engenho explosivo civil, engenho explosivo ou incendiário improvisado, é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos;
b) Produtos ou substâncias que se destinem ou possam destinar, total ou parcialmente, a serem utilizados para o desenvolvimento, produção, manuseamento, accionamento, manutenção, armazenamento ou proliferação de armas biológicas, armas químicas ou armas radioactivas ou susceptíveis de explosão nuclear, ou para o desenvolvimento, produção, manutenção ou armazenamento de engenhos susceptíveis de transportar essas armas, é punido com pena de prisão de 2 a 5 anos;
c) Arma das classes B, B1, C e D, espingarda ou carabina facilmente desmontável em componentes de reduzida dimensão com vista à sua dissimulação, espingarda não modificada de cano de alma lisa inferior a 46 cm, arma de fogo dissimulada sob a forma de outro objecto, ou arma de fogo transformada ou modificada, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias;
d) Arma da classe E, arma branca dissimulada sob a forma de outro objeto, faca de abertura automática, estilete, faca de borboleta, faca de arremesso, estrela de lançar, boxers, outras armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse, aerossóis de defesa não constantes da alínea a) do n.º 7 do artigo 3.º, armas lançadoras de gases, bastão, bastão extensível, bastão elétrico, armas elétricas não constantes da alínea b) do n.º 7 do artigo 3.º, quaisquer engenhos ou instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão, silenciador, partes essenciais da arma de fogo, artigos de pirotecnia, exceto os fogos-de-artifício de categoria 1, bem como munições de armas de fogo independentemente do tipo de projétil utilizado, é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias.
2 - A detenção de arma não registada ou manifestada, quando obrigatório, constitui, para efeitos do número anterior, detenção de arma fora das condições legais.
3 - As penas aplicáveis a crimes cometidos com arma são agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo, excepto se o porte ou uso de arma for elemento do respectivo tipo de crime ou a lei já previr agravação mais elevada para o crime, em função do uso ou porte de arma.
4 - Para os efeitos previstos no número anterior, considera-se que o crime é cometido com arma quando qualquer comparticipante traga, no momento do crime, arma aparente ou oculta prevista nas alíneas a) a d) do n.º 1, mesmo que se encontre autorizado ou dentro das condições legais ou prescrições da autoridade competente.
5 - Em caso algum pode ser excedido o limite máximo de 25 anos da pena de prisão.
Podemos assim verificar que preenche a tipicidade objectiva a mera detenção de arma de fogo sem autorização, ou a mera detenção de arma de fogo sem manifesto ou registo.
O que era o caso dos autos.
A lei 5/2006, no seu artigo 2º nº 5 al. g) define a detenção de arma, como o facto de ter em seu poder ou disponível para uso imediato pelo seu detentor.
Ora, da prova concreta indicada pelo recorrente, não se retira que este não estivesse na detenção da arma, ou seja que este não estivesse em seu poder e com disponibilidade sobre a mesma para o seu uso imediato, até porque e como o disseram as testemunhas que procederem à detenção, arma estava devidamente municiada.
Tudo seria diferente se da prova concreta indicada pelo recorrente ocorresse a única possibilidade de ele não poder ser responsabilizado criminalmente, era o seu desconhecimento sobre a existência da arma no seu quarto, desconhecimento atendível e justificado.
Agora a demonstração, pelo próprio recorrente, que sabia da existência da arma, aceitou a sua entrega pelo pai, conformou-se com esse facto, manteve-se na sua detenção até à busca, com o devido respeito, não só não alcança o mérito de impor a alteração da factualidade provada, como também não o iliba da responsabilidade criminal.
Quanto à violação do princípio do in dubio pro reo.
Não é a simples circunstância de se confrontarem duas versões distintas, ainda que apoiadas em prova produzida, que impõe que o julgador seja conduzido a uma situação de dúvida insuperável.
Com isto, estamos também a dizer que não concordamos com o recorrente quando alega que o Tribunal recorrido incorreu em uma indevida postergação do princípio “in dubio pro reo”.
O princípio da presunção de inocência é um princípio fundamental num Estado de Direito democrático, cuja função é, sobretudo (mas não só), a de reger a valoração da prova pela autoridade judiciária, ou seja, o processo de formação da convicção com base nos meios de prova [1] [2]. É uma garantia subjectiva ou, como preferem alguns autores [3], um direito subjectivo público.
Este traduz-se em que, existindo dúvida sobre a culpa arguido – um non liquet em matéria de prova dos factos – se impõe a sua absolvição.
Porém, a dúvida tem que assumir uma natureza irredutível, insanável, pois não se pode perder de vista que, nos actos humanos, nunca se dá uma certeza contra a qual não haja alguns motivos de dúvida [4].
Por isso, não é qualquer dúvida que há-de levar o tribunal a decidir “pro reo”. Tem de ser uma dúvida razoável, objectiva, que impeça a convicção do tribunal.
Tendo em conta, ainda, que a verdade perseguida pelo tribunal é a verdade processual, histórico-prática – e não a verdade absoluta ou ontológica [5] –, no caso vertente, as provas produzidas não deixam lugar para uma dúvida séria sobre a realidade dos factos imputados ao ora recorrente, nem o tribunal recorrido, aliás, mostrou tê-la.
Só haveria violação do princípio in dubio pro reo caso se verificasse que o julgador, após a produção e a apreciação dos meios de prova relevantes, se defrontou com a existência de uma dúvida razoável sobre a verificação dos factos e, perante ela, decidiu “contra” o arguido. Não se trata, pois, de uma dúvida hipotética, abstracta ou de uma mera hipótese sugerida pela apreciação da prova feita pelo recorrente, mas de uma dúvida assumida pelo próprio julgador.
Assim, haverá violação do princípio in dubio pro reo se for manifesto que o julgador, perante essa dúvida relevante, decidiu contra o arguido, acolhendo a versão que o desfavorece, ou, embora se não vislumbre que o tribunal tenha manifestado ou sentido dúvidas, da análise e apreciação objectiva da prova produzida, à luz das regras da experiência e das regras e princípios em matéria de direito probatório, resulta que as deveria ter – v.g., Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27.5.2010 e de 15.07.2008, in www.dgsi.pt.
Não se detecta, pois, que tenha sido postergada qualquer das garantias de defesa com acolhimento legal ou constitucional (cfr. artigo 32º, nºs 1, 2 e 5 da Constituição da República Portuguesa).
No caso, nenhuma dúvida assinalou o julgador relativamente ao comportamento do recorrente, nem se afigura que tenha a mesmo razão de ser, pelo que não se revela qualquer violação do referido princípio, sendo manifesta a improcedência do recurso nesta parte.

b) Pena excessiva
Alega e conclui o recorrente que as penas aplicadas revela-se excessivas.
Vejamos então a fundamentação do Tribunal na parte em que fixou as penas ao recorrente:
Neste quadro limitativo permitido pela tutela dos bens jurídicos aferida no caso concreto, funcionarão as exigências de prevenção especial de ressocialização, as quais, determinarão assim, em último termo, a medida concreta da punição. À culpa não caberá assim fornecer o "quantum" exacto da pena a aplicar, mas tão somente o limite máximo que pode a punição concretamente alcançar.
Na fixação de tal pena concreta, considerará o tribunal ainda, nos termos do n02 do art? 72° do CP; nomeadamente ao grau de ilicitude do facto e a intensidade do dolo, os motivos determinantes dei agir do arguido e ainda todos os elementos que não fazendo parte do tipos deponham a favor ou contra, ou seja, às condições pessoais do agente e sua situação económica, etc ...
Isto posto, vejamos.
o arguido está incurso, pela prática do crime de ameaça agravada, na pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias, e pelo crime de detenção de arma proibida na pena de prisão de I a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias, sendo as multas à razão diária de €5 a €500 - 47°, n? I e 2, ambos do CP.
Porque assim é, há que interrogar se estamos perante uma situação em que se impõe a preferência pela pena de multa conforme se prevê no art.° 70° do CP...
Ora, dos autos resulta que o arguido não tem antecedentes criminais, encontrando-se bem inserido familiar, profissional e socialmente, e pese embora a sua actuação seja socialmente muito censurável, cremos que a opção tem de ser pela pena de multa.
Isto posto, temos em desfavor do arguido no que respeita ao crime de ameaça agravado, o facto de ter praticado o crime com dolo directo ou de 10 grau e a intensidade da ilicitude, quer no respectivo segmento desvalor de acção - uma vez que com a sua conduta revela um total desrespeito pela tranquilidade de terceiro, no caso a mãe da sua filha, tendo actuado com uma motivação interior que não é de todo justificativa da sua conduta -, quer no segmento desvalor de resultado, este materializado na relativa gravidade das consequências na ofendida do seu agir.
No que respeita ao crime de detenção de arma proibida temos em desfavor do arguido o facto de ter praticado o crime em causa com dolo directo ou de 10 grau, bem como a intensidade da ilicitude no que concerne ao seu segmento de desvalor de acção, já que a sua actuação se revela sobremaneira censurável pelo perigo potencial que a detenção de uma arma representa.
A seu favor temos o facto de ser primário, estar bem integrado profissional, familiar e socialmente.
Tudo ponderado, mostram-se ajustadas penas de multa próximas da metade da respectiva moldura abstracta, ainda que mais gravosa no caso do crime contra as pessoas, por, neste, as exigências de prevenção, quer geral, quer especial, serem mais elevadas.
Assim, entende-se adequada a pena de 120 dias de multa para o crime de ameaça agravado e 250 dias de multa para o crime de detenção de arma proibida.
Em cúmulo jurídico, ponderando os factores previstos no art. 77.0 do C.P., ou seja os factos e a personalidade do arguido, entendo ser justa e adequada a sua condenação na pena única de 300 dias de multa.
Entende-se pois que, o facto de o arguido estar profissional, social e familiarmente integrado, permite e aconselha a aposta numa medida não institucional que penalize e consciencialize o mesmo arguido da necessidade de conformar a sua actuação às regras legais vigentes.
Relativamente ao quantitativo diário da multa, e atenta a situação económica e financeira do arguido, fixa-se o mesmo em 7 (sete) Euros”
Ora, medida da pena e a sua natureza, aplicada pelo Tribunal recorrido e os poderes deste Tribunal para a conhecer em sede de recurso, não é propriamente uma questão pacífica.
Em nosso entendimento, o Tribunal de recurso deverá sindicar o quantum da pena, e a sua natureza, tendo em atenção os critérios de determinação utilizados pelo Tribunal recorrido, e a fundamentação de todo o processo cognitivo que foi seguido, intervindo, no sentido da alteração se se revelarem falhas que possam influenciar essa mesma determinação ou se a mesma se revelar manifestamente desproporcionada.
Significa isto, que a regra a seguir, deverá ser sempre pautada pelo princípio da mínima intervenção, sendo todo o processo lógico de determinação da pena exacta aplicada aferido em sede de recurso, e, caso seja insuficiente ou desajustado, alterado de acordo com o circunstancialismo factual assente, caso contrário, deverá ser mantido e consequentemente a pena concreta assim fixada.
A fixação da medida concreta da pena envolve para o juiz, escreve Iesheck , in Derecho Penal, pág. 1192 , Vol. II, uma certa margem de liberdade individual, não podendo, no entanto, esquecer-se que ela é, e nem podia deixar de o ser, estruturalmente aplicação do direito, devendo ter-se em apreço a culpabilidade do agente e os efeitos da pena sobre a sociedade e na vida do delinquente, por força do que dispõe o art.º 40.º n.º 1, do CP, o que se mostra suficientemente ponderado na sentença condenatória proferida.
De igual forma a decisão recorrida ponderou devidamente todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime cometido pelo recorrente militavam a favor do agente e contra ele, como estava obrigada pelo artigo 71º nº 2 do C. Penal.
As penas fixadas ao recorrente, e a pena única resultante do cúmulo, mostra-se assim ajustada à culpa do mesmo e às necessidades de prevenção especial e geral que este tipo de ilícito obriga, e nada na decisão sub judice se mostra digno de censura por parte deste Tribunal.
O mesmo se diga quanto aos quantitativos diários fixados – 7€ - que se nos afiguram proporcionados aos rendimentos e despesas do recorrente, tendo em mente que os limites se determinam entre os 5€ e os 500€ diários e que uma multa de 5€ diários apenas se justifica a sua fixação a quem não tem rendimentos ou vive de forma indigente, o que não é, felizmente o caso.
c) Perda da arma a favor do Estado
Acusa o recorrente de a sentença não ter abordado os requisitos previstos na lei para o perdimento de objectos, ou seja não indicou a existência de razões para se concluir pela colocação em perigo da segurança das pessoas da moral ou ordem públicas, ou, por outra via, a presença de motivos que levem a concluir pelo risco sério de utilização futura da arma para o cometimento de novos crimes. Pelo que se verifica total omissão de avaliação quanto aos pressupostos legais de perdimento da arma, pelo que foi violado o artigo 109º nº 1 do Código Penal e 18º.nº 2 da CRP.
Compulsada a sentença, não encontramos na sua fundamentação matéria que permita levar à decisão tomada.
Tal falha, a ser outro bem que não uma arma, evidentemente que teria repercussões na validade da decisão.
Contudo, o facto de o bem cuja perda se declarou ser uma arma de fogo, sem manifesto ou registo, só por si, impediria outra decisão que não fosse a sua declaração de perda a favor do Estado.
Como é evidente, não podendo, em caso algum ser devolvida ao arguido, que não tem licença para a sua detenção, a arma, se estivesse manifestada ou registada poderia ser entregue ao seu legitimo proprietário.
Não tendo manifesto nem registo, independentemente da verificação ou não dos requisitos constantes do artigo 109º nº 1 do CP, deverá ser sempre declarada perdida a favor do Estado, pois é um bem subtraído do comércio jurídico e insusceptível de ser possuído seja por quem for.
Tal resulta evidente do regime da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro, sendo inequívoco que não ´susceptível de entrega ao possuidor, não licenciado, de arma não registada ou manifestada, pelo que, e mesmo acusando-se como válida a critica do recorrente, a decisão de perda a favor do Estado tomada pelo Tribunal é acertada e, afirmamos, a única possível de ser tomada, pelo que, e também aqui, não se julga provido o recurso.

3 Decisão
Pelo exposto, julga-se não provido e recurso e, consequentemente, matém-se nos seus precisos termos a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 uc’s

Porto, 24 de Maio de 2017
Raúl Esteves
Élia São Pedro
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[1] Nas palavras de Gomes Canotilho e Vital Moreira (“Constituição da República Portuguesa Anotada”, 4.ª edição revista, 519), “o princípio da presunção de inocência surge articulado com o tradicional princípio in dubio pro reo. Além de ser uma garantia subjetiva, o princípio é também uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa”.
[2] Sobre as repercussões extraprocessuais do princípio, cfr. o estudo de José Souto Moura, “A questão da presunção de inocência do arguido”, Rev. do Ministério Público n.º 42, 31 e segs. [3] Cfr. G. Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, II, Verbo, 5.ª edição revista e atualizada, 152.
[4] A este propósito, veja-se Cristina Líbano Monteiro, “In Dubio Pro Reo”, Coimbra Editora, 1997.
[5] Cfr.: Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1º volume, páginas 193-194; Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, volume II, 5ª edição, página 161.