Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5968/16.2T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA PAULA AMORIM
Descritores: LEGITIMIDADE
PRETERIÇÃO
LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
ALEGAÇÕES
Nº do Documento: RP201709185968/16.2T8VNG.P1
Data do Acordão: 09/18/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 658, FLS.80-87)
Área Temática: .
Sumário: I - Face à previsão da lei – art. 30º CPC - para efeitos de aferir da legitimidade interessa apenas a relação jurídica controvertida com a configuração subjetiva que o autor (unilateralmente) lhe dá.
II - Apesar da legitimidade constituir matéria de conhecimento oficioso, o tribunal de recurso continua vinculado aos factos que as partes apresentaram nos autos e é com base nesses elementos que pode apreciar do pressuposto processual, em obediência ao princípio do dispositivo – art.5º/ CPC.
III - A preterição de litisconsórcio necessário passivo, com fundamento na alegação de um conjunto de factos novos -casamento e constituição da casa de morada de família - não podem ser atendidos pelo tribunal de recurso, quando o réu não os invocou em sua defesa na contestação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Legitimidade-5968/16.2T8VNG.P1
Comarca do Porto
V. N. Gaia - Inst. Central - 3ª Secção Cível - J3
Proc. 5968/16.2T8VNG
Recorrente: D…
Recorrido: B…
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Juiz Desembargador Relator: Ana Paula Amorim
Juízes Desembargadores Adjuntos: Manuel Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
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Acordam neste Tribunal da Relação do Porto[1] (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)
I. Relatório
Na presente ação que segue a forma de processo comum declarativo em que figuram como:
- AUTOR: B…, residente na Avenida …, n.º …, Póvoa do Varzim; e
- RÉUS: C…, residente na Rua …, n.º …, …, Vila Nova de Gaia; e D…, residente na Rua …, n.º …, …, Vila Nova de Gaia, pede o Autor que:
- seja declarado nula por simulação por escritura de compra e venda outorgada pelos Réus em 08/08/2008 no Cartório Notarial da Notária E…, com o consequente cancelamento da Ap. .. de 08/08/2008 e qualquer outro registo efetuado em consequência da escritura de compra e venda e registos subsequentes à Ap. …;
- seja ordenado que as frações identificadas objeto do contrato regressem ao património da 1ª Ré;
- seja reconhecido o direito do Autor de proceder à cobrança do seu crédito no montante de 430.000 EUR nas mesmas frações.
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Citados os Réus, não contestaram.
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O Autor declarou prescindir de apresentar alegações de direito.
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Proferiu-se sentença com a decisão que se transcreve:
“Pelo exposto, julgando-se totalmente procedente a presente ação, declara-se nulo o contrato de compra e venda referido em 13), dos factos assentes por simulação.
Ordena-se o cancelamento do registo referido em 15) e subsequentes registos de transmissões de propriedade.
Custas a cargo dos Réus”.
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O Réu D… veio interpor recurso da sentença.
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Nas alegações que apresentou o apelante formulou as seguintes conclusões:
1 - Verifica-se na presente ação um litisconsórcio necessário passivo, nos termos do disposto no art. 34º nº 1 e 3 do CPC.
2 - O Recorrente, ao contrário do alegado na PI, não é solteiro, sendo, outrossim, casado com F…, conforme certidão de casamento que se junta e dá como reproduzida sob o DOC1.
3 - Acresce que nos presentes autos é discutido o contrato de compra e venda de uma habitação e respectiva garagem, a qual corresponde à casa de morada de família do aqui Recorrente.
4 - Habitação onde reside desde a data em que a adquiriu (Agosto de 2008), e com o seu agregado familiar (composto por si, pelo sua mulher e os seus dois filhos menores), desde que casou (01.09.2012), tudo conforme melhor resulta do atestado de residência que se junta e dá como reproduzido sob o DOC 2.
5 - Desde essa altura que vive e pernoita, diariamente, no referido imóvel, aí fazendo as suas refeições, recebendo as suas visitas familiares e sociais e comemorando ocasiões festivas.
6 - O mesmo é dizer que tem a sua vida pessoal e familiar centrada no imóvel, o qual mobilou, fez obras, decorou e procedeu a algumas melhorias, bem como, contratou fornecimentos dos serviços água, luz, televisão, internet, etc.
7 - A preterição do litisconsórcio necessário passivo, determina a exceção dilatória de ilegitimidade do Recorrente, a qual para além de não ser suscetível de sanação é do conhecimento oficioso, nos termos do Art. 578º do CPC e passível de ser conhecida nesta fase recursória.
8 - Pelo que, apesar de não ter sido suscitada anteriormente, deve este tribunal de recurso dela conhecer.
9 - Ao tribunal de recurso é sempre lícita a apreciação de qualquer questão de conhecimento oficioso ainda que esta não tenha sido decidida ou sequer colocada na instância recorrida.
10 - O Tribunal recorrido nem sequer se pronunciou quanto à legitimidade das partes, e não tendo a sentença adquirido força de caso julgado, nada obsta, que o tribunal de recurso dela venha a conhecer.
11 -A junção dos documentos nesta fase, mostra-se justificada, uma vez que, apenas agora o Recorrente os pode juntar aos presentes autos, face à decisão proferida na 1ª instância, nos termos do art. 651º nº 1 do CPC, que o condena como solteiro, quando na verdade se comprova pelos documentos ora juntos, que é casado e que o imóvel em causa é a sua casa de morada de família.
12 - Por outro lado, não tendo contestado à ação, face ao justo impedimento já alegado nos autos e ainda em apreciação, só em sede de recurso os pode juntar, uma vez que é esta a sua primeira intervenção no processo.
13 - Tais documentos, mostram-se necessários e fundamentais à prova do estado civil (casado) do Recorrente, bem como, que o imóvel em crise é a sua casa de morada de família.
14 - Assim, não tendo sido demandada, em paralelo, a sua mulher, verifica-se a alegada exceção dilatória de ilegitimidade do Recorrente, nos termos do art. 577º, al. e) do CPC, por ter sido demandado enquanto solteiro, quando na verdade é casado e o objeto dos presentes autos é a sua casa de morada de família.
15 - Sendo por isso obrigatório estar acompanhado pela sua mulher, nos termos do art. 34º nº 1 e 3 do CPC.
Termina por pedir a revogação da sentença, com absolvição dos apelantes da instância, ficando assim prejudicado o conhecimento de mérito da ação.
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O Autor veio apresentar resposta ao recurso, na qual formulou as seguintes conclusões:
I. Por força do disposto no artº.573º do Cód. Proc. Civil, toda a defesa deve ser deduzida na contestação, excetuados os incidentes que a lei mande deduzir em separado.
II. Tendo o recorrente sido pessoalmente citado para os termos da presente ação e não tendo colocado em causa a validade da citação, o efeito preclusivo da sua falta de contestação é total.
III.Por essa razão, a alegação da exceção da ilegitimidade passiva não pode ser conhecida em sede de recurso.
IV.Resultando provado que o recorrente reside em morada distinta daquela que o mesmo alega, pela primeira vez, em sede de recurso, ser a sua casa de morada de família, e vigorando no casamento daquele o regime de separação de bens, não é necessária a presença do seu cônjuge para assegurar a sua legitimidade passiva.
Termina por pedir que se julgue o presente recurso provado e procedente e, por via disso, a revogação da douta decisão recorrida, sendo substituída por outra que contemple as conclusões aduzidas.
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O recurso foi admitido como recurso de apelação.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. Fundamentação
1. Delimitação do objecto do recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art. 639º do CPC.
As questões a decidir:
- admissão dos documentos com as alegações de recurso; e
- o réu deve ser considerado parte ilegítima, por não ter sido demandado juntamente com o seu cônjuge.
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2. Os factos
Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância:
1). O Autor celebrou com a 1.ª Ré, no dia 05/02/2007 um contrato denominado de «contrato promessa de compra e venda», no qual declarou prometeu comprar à 1.ª Ré, que declarou prometer vender, os seguintes prédios urbanos:
a). fração «AF» do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua …, n.ºs …., …., …., …., …., …. e …. e Rua …, n.ºs .., .., .., .., .., .. e .., …, Vila Nova de Gaia, descrita na 2.ª C. R. P. de V.N. de Gaia, sob o n.º 3996 inscrita na respetiva matriz predial sob o artigo 7340, correspondente a uma habitação tipo T2, no … andar recuado direito, com entrada pelo n.º …. da Rua …;
b). fração «AZ» do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua …, n.ºs …., …., …., …., …., …. e …. e Rua …, n.ºs .., .., .., .., .., .. e .., …, Vila Nova de Gaia, descrita na 2.ª C. R. P. de V. N. Gaia sob o n.º 3996 inscrita na respetiva matriz predial sob o artigo 7340 e correspondente a uma garagem individual na terceira cave, com entrada pelo n.º .. da Rua ….
2). O preço da venda das identificadas frações foi fixado na quantia de 225.000 EUR tendo o Autor pago à 1.ª Ré, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de 215.000 EUR.
3). O negócio definitivo seria realizado em dia, hora e local a serem indicados pela 1.ª Ré, com pelo menos quinze dias de antecedência, em relação à data prevista, por meio de carta registada com aviso de receção.
4). A 1.ª Ré não contactou com o Autor para se proceder à realização do contrato definitivo.
5). Face à inércia da 1.ª Ré, o Autor, por carta registada, em 21/12/2007, notificou a 1.ª Ré para proceder à entrega da documentação necessária para a realização da escritura de compra e venda, tendo esta rececionado esta missiva no dia 24/12/2007.
6). A 1.ª Ré não remeteu ao Autor a documentação nem marcou data para realização da escritura.
7). O Autor notificou a 1.ª Ré para cumprir com o contrato-promessa, notificação esta efetuada por carta registada com aviso de receção e datada do dia 23/01/2008, rececionada pela 1.ª Ré no dia 24/01/2008.
8). Em tal carta, o Autor advertia a 1.ª Ré que a notificação era feita ao abrigo do disposto no artigo 808.º n.º 1, do C. Civil, informando que era sua intenção em celebrar o negócio definitivo em 20/02/2008 pelo que se a mesma Ré continuasse a não entregar a documentação necessária para a realização da escritura de compra e venda e caso esta não se realizasse, o Autor consideraria como resolvido o contrato-promessa.
9). A 1.ª Ré não cumpriu com o referido na carta.
10). O Autor intentou ação contra a 1.ª Ré (processo n.º 6822/09.0TBVNG que correu termos pelo J1, 3.ª Secção Cível da Instância Central de V. N. Gaia) na qual peticionou que fosse declarado como resolvido o referido contrato promessa e que mesma fosse condenada a pagar ao Autor a quantia de 430.000 EUR que correspondia ao valor do sinal em dobro.
11). A referida ação terminou por transação, na qual a 1.ª Ré aceitou a resolução do contrato-promessa outorgado no dia 05/02/2007, confessou ter recebido o montante de 215.000 EUR correspondente ao sinal e que era devedora para com o Autor da quantia global de 430.000 EUR.
12). Por intermédio de seu pai e de um seu procurador, a 1.ª Ré concebeu e concretizou um acordo simulatório para enganar o Autor.
13). No dia 08/08/2008 foi celebrado um contrato denominado de «compra e venda», no cartório notarial da notária E…, através do qual a 1.ª Ré, por meio de indicado procurador G…, declarou vender pelo preço global de 130.000 EUR ao 2.º Réu as frações autónomas referidas em 1).
14). No mesmo instrumento notarial o 2.º Réu declarou aceitar o contrato e que a fração «AF» se destinava exclusivamente à sua habitação própria permanente.
15). Os Réus promoveram ao registo deste contrato de compra e venda através da apresentação … de 08/08/2008.
16). A 1.ª Ré não teve intenção de vender as referidas frações ao aqui Autor.
17). A 1ª Ré, por intermédio de seu pai e de um seu procurador e em conluio com o 2.º Réu, esperou que o registo do contrato-promessa referido em 4) caducasse e celebraram o alegado contrato de compra e venda para que a 1.ª Ré se eximisse a qualquer pagamento ao aqui Autor.
18). O 2.º Réu não residia nem reside, na fração que lhe declarado transmitir pela 1.ª Ré vivendo desde sempre na Rua … nº…, …, V. N. Gaia.
19). O 2.º Réu não pagou à 1.ª Ré o referido preço de 130 000 EUR.
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- Facto não assente –
1). O Autor procedeu ao registo do supra identificado contrato promessa de compra de compra e venda.
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3. O direito
- Admissão dos documentos com as alegações de recurso -
O apelante nas alegações de recurso veio requerer a junção de dois documentos: certidão de assento de casamento e atestado da junta de freguesia da área da sua residência.
Como se prevê no art. 425º CPC depois do encerramento da discussão, em sede de recurso só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento.
Observava ALBERTO DOS REIS: “[c]oncilia-se assim o princípio de disciplina processual que postula o oferecimento imediato de documentos, com o princípio de justiça segundo o qual a decisão deve ser a expressão, tão perfeita e completa quanto possível, da verdade dos factos que interessam ao litígio”[2].
A junção de documentos em sede de recurso está contudo subordinada ao critério estabelecido no art. 651º CPC, no qual se determina que:
“As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o art. 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância”.
Dispõe o art.425ºCPC:
“Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento”.
Decorre deste regime que em sede de recurso, nas alegações, as partes podem juntar documentos, quando:
- a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento – superveniência objetiva (fundada na data do facto a provar ou do documento comprovante) ou subjetiva (baseada no desconhecimento da existência do documento, na indisponibilidade dele por parte do interessado ou na necessidade de alegação e prova do facto);
- se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, maxime quando esta se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo[3].
No caso em análise o apelante requereu a junção dos documentos pelo facto de intervir pela primeira vez nos autos e para comprovar os factos que alega nas conclusões de recurso.
Os motivos invocados não têm apoio no critério legal.
O apelante citado para os termos da ação não contestou, sendo certo que era na contestação que devia apresentar a sua defesa e indicar os meios de prova. Não o fazendo precludiu o direito de o fazer.
O ónus de contestar inclui quer o de impugnar, quer o de excecionar com a dedução de todas as exceções que, não sendo de conhecimento oficioso, o réu tenha contra a pretensão do autor (art. 573/1 CPC). A inobservância de qualquer destes ónus dá lugar a preclusões (de contestar, de impugnar, de excecionar).
O art. 573.º n.º1 CPC enuncia o princípio da concentração da defesa na contestação ao prescrever que toda ela deve ser deduzida nesse articulado, com exceção dos incidentes que a lei mande deduzir em separado.
O n.º 2 prevê a defesa superveniente: depois da contestação só podem ser deduzidas as exceções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente.
Os factos integradores da exceção devem ser alegados, em primeira mão e em primeira linha, nos articulados principais, neste caso, na contestação.
Por outro lado, na contestação o réu deve expor as razões de facto e de direito por que se opõe à pretensão do autor (art. 572º/b CPC).
Não resulta dos autos que não tenha sido possível a junção do documento até ao encerramento da discussão em 1ª instância, por não ter conhecimento da sua existência ou, conhecendo-a não lhe ter sido possível fazer uso dele.
A junção de documentos em sede de alegações face ao julgamento em 1ª instância, funda-se no imprevisto da decisão proferida, quer por razões de direito quer por razões de prova[4].
No caso presente a decisão proferida não se funda em normas jurídicas com cuja aplicação a parte não contava, nem a junção dos documentos como meio de prova pode contribuir para apurar factos diferentes daqueles que se mostram alegados e provados, com relevância na decisão final e que não foram atendidos por omissão de prova documental. O apelante pretende juntar os documentos para prova de factos novos - casamento e casa de morada de família – para fundamentar a exceção invocada.
Conclui-se, assim, que atento o critério previsto no art. 651º/1 CPC carece de fundamento legal e não se mostra pertinente a requerida junção dos documentos, motivo pelo qual se determina o seu desentranhamento e devolução ao apresentante.
O incidente será tributado com custas a cargo do apelante, fixando-se a taxa de justiça em €60,00 (sessenta euro) – art. 543º/1 CPC e art. 27º/1/3 RCJ.
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- Da preterição de litisconsórcio necessário passivo -
Nas conclusões de recurso insurge-se o apelante contra a sentença por entender que se verifica uma situação de preterição de litisconsórcio necessário passivo, porque o réu encontra-se casado e o imóvel, objeto do litigio, constitui a casa de morada de família e o cônjuge do apelante não foi demandado na ação.
Mais defende que a legitimidade constitui uma exceção de conhecimento oficioso encontrando-se o tribunal de recurso em condições de poder apreciar a exceção.
Com efeito, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso.
A legitimidade processual constitui uma exceção dilatória de conhecimento oficioso, como decorre do disposto no art.577º/e), 578º CPC, 278º/1 d)/3 CPC. Sobre a matéria da exceção não recaiu qualquer decisão no tribunal de 1ª instância que se limitou a proceder à apreciação tabelar da mesma e por isso, o tribunal de recurso está em condições de conhecer da exceção – art. 595º/1 a)/3 CPC.
Apesar da exceção constituir matéria de conhecimento oficioso, o tribunal de recurso continua vinculado aos factos que as partes apresentaram nos autos e é com base nesses elementos que pode apreciar do pressuposto processual, em obediência ao princípio do dispositivo – art.5º/ CPC.
Prevê o art. 30º, n.ºs. 1 e 2 do C.P.C. que o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer, exprimindo-se tal interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha.
No art. 30º/3 CPC determina-se que na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.
Determina o art. 33º/1 CPC que se, porém, a lei ou o negócio exigir a intervenção dos vários interessados na relação controvertida, a falta de qualquer deles é motivo de ilegitimidade.
Prevê o art.34º/1 CPC que devem ser propostas por ambos os cônjuges, ou por um deles com consentimento do outro, as ações de que possa resultar a perda ou a oneração de bens que só por ambos possam ser alienados ou a perda de direitos que só por ambos possam ser exercidos, incluindo as ações que tenham por objeto, direta ou indiretamente, a casa de morada de família.
A legitimidade constitui um pressuposto processual que se exprime através da titularidade do interesse em litígio, sendo parte legítima como réu quem tiver interesse direto em contradizer. Não basta “um interesse indireto, reflexo ou derivado”[5].
Conforme resulta da lei, nada se dispondo em contrário, consideram-se titulares do interesse relevante para efeitos de legitimidade os sujeitos da relação controvertida tal como é configurada pelo autor.
Para efeitos da legitimidade interessa apenas saber quem são os sujeitos da relação controvertida, pois saber se a relação existe, ou não, pertence ao mérito da ação.
Por outro lado, com a alteração introduzida no art. 26º/3 CPC com a reforma de 1995 ( DL 329-A/95 de 12 de dezembro ) e que permaneceu no Novo CPC ( redação da Lei 41/2013 de 26 de junho), acolheu-se a tese subjetiva, defendida desde longa data pelo jurista Barbosa de Magalhães e posteriormente, por Palma Carlos segundo a qual têm legitimidade para a ação os sujeitos da relação controvertida tal como é configurada pelo autor.
Na tese objetiva defendia-se que para apuramento da legitimidade deve abstrair-se da efetiva existência do direito ou interesse material, cumprindo ao juiz averiguar se estão na causa os sujeitos da relação controvertida. Na tese subjetiva para aferir da legitimidade deve abstrair-se da efetiva titularidade.
Nesta corrente que obteve consagração legal, ao apuramento da legitimidade interessa apenas a consideração do pedido e da causa de pedir, independentemente da prova dos factos que integram a causa de pedir[6].
Face à previsão da lei para efeitos de aferir da legitimidade interessa apenas a relação jurídica controvertida com a configuração subjetiva que o autor (unilateralmente) lhe dá.
A falta do pressuposto processual fica circunscrita, usando as palavras do Professor ANTUNES VARELA:”[…]aos casos (raros) de divergência entre as pessoas identificadas pelo autor como adversários da sua pretensão e as pessoas efetivamente ingressadas em juízo, e os casos (não menos raros) em que da própria petição transpareça a conclusão de que o autor chama a juízo pessoas, que não são os sujeitos da relação controvertida”[7].
Neste quadro legal TEIXEIRA DE SOUSA defende a supressão do” pressuposto da legitimidade processual, porque inútil e redundante em face da apreciação de mérito, a não ser nos casos de legitimidade indireta ( substituição processual ) ou de tutela de interesses coletivos ou difusos”[8].
Retomando o caso concreto, à luz do que se deixou exposto, somos levados a concluir que o apelante, réu D…, tem legitimidade para a ação, por ter interesse direto em contradizer a pretensão do autor, atendendo à forma como o autor configurou a relação controvertida.
O autor atribui apenas ao réu a participação no acordo simulatório, identificando-o como solteiro e juntou os documentos que comprovam os atos praticados nos quais o réu aparece sempre identificado como solteiro, como decorre da escritura pública celebrada em 08 de agosto de 2008. Para além disso, alegou, como facto integrado no acordo simulatório, que o réu nunca habitou no imóvel a que se reportam os autos, o qual se julgou provado, por acordo, por falta de contestação e que consta do ponto 18 dos factos provados.
Tal como o autor estruturou a sua pretensão apenas o réu tinha e tem interesse em contradizer os fundamentos da ação e por isso é parte legítima.
O apelante invoca a preterição de litisconsórcio necessário passivo, com fundamento na alegação de um conjunto de factos novos – casamento e constituição da casa de morada de família - e que não podem ser atendidos pelo tribunal de recurso.
O recurso consiste no pedido de reponderação sobre certa decisão judicial, apresentada a um órgão judiciariamente superior ou por razões especiais que a lei permite fazer valer[9]. O recurso ordinário (que nos importa analisar para a situação presente) não é uma nova instância, mas uma mera fase (eventualmente) daquela em que a decisão foi proferida.
O recurso é uma mera fase do mesmo processo e reporta-se à mesma relação jurídica processual ou instância[10]. Dentro desta orientação tem a nossa jurisprudência[11] repetidamente afirmado que os recursos visam modificar decisões e não criar soluções sobre matéria nova.
O tribunal de recurso vai reponderar a decisão tal como foi proferida.
Os recursos destinam-se em regra a reapreciar decisões proferidas e não a analisar questões novas, apenas se excetuando: o caso da verificação de nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia (artigo 615º, nº 1, alínea d), do CPC); a existência de questão de conhecimento oficioso; a alteração do pedido, em segunda instância, por acordo das partes (artigo 272º do CPC); e a mera qualificação jurídica diversa da factualidade articulada.
Verifica-se que os factos e novos argumentos que o apelante vem introduzir nas conclusões do recurso não podem ser considerados, pois constituem factos novos e controvertidos, por se encontrarem em manifesta oposição com os fundamentos da ação, a alegar em sede de contestação, para fundamentar a matéria da exceção.
Entendemos, assim, que não tem aplicação à concreta situação o decidido no Ac. Rel. Lisboa de 06 de março de 2014[12], citado pelo apelante, pois no citado aresto estava em causa a apreciação de uma mera questão de direito relacionada com a demanda da herança ilíquida e indivisa na ação.
Conclui-se, assim, nos termos do art. 627º CPC que nenhuma relevância merece, nesta sede, os factos novos que o apelante vem alegar e bem assim, os novos fundamentos de sustentação da sua defesa, pois os mesmos não foram considerados na decisão objeto de recurso e não são de conhecimento oficioso, sendo certo que ao tribunal de recurso apenas cumpre reapreciar as matérias anteriormente sujeitas à apreciação do tribunal “a quo“ ficando por isso vedado a apreciação de novos fundamentos de sustentação do pedido (matéria não anteriormente alegada). Tal como o juiz da 1ª instância, em sede de recurso, o tribunal “ad quem“ está limitado pelo pedido e seus fundamentos e pela defesa tal como configurados na ação, motivo pelo qual está impedido de conhecer do objeto do recurso nesta parte.
Improcedem, assim, as conclusões de recurso.
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Nos termos do art. 527º CPC as custas são suportadas pelo apelante.
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III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.
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Custas a cargo do apelante.
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Desentranhe e devolva ao apresentante os documentos juntos com as alegações de recurso.
Custas do incidente a cargo do apelante, fixando-se a taxa de justiça em €60,00 (sessenta euro) – art. 443º/1 CPC e art. 27º/1/3 RCJ.
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Porto, 18 de Outubro de 2017
(processei e revi – art. 131º/5 CPC)
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
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[1] Texto escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico.
[2] ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil Anotado, ob. cit., pag. 11.
[3] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, julho 2013, pag.184-185.
ANTUNES VARELA et al Manual de Processo Civil,2ª edição, Revista e Atualizada, Coimbra, Coimbra Editora, Limitada, 1985, pag. 532.
[4] AMÂNCIO FERREIRA Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª ed., Coimbra, Almedina, 2009, pag. 215.
[5] ANTUNES VARELA et al Manual de Processo Civil, ob. cit., pag.135
[6] Cfr. JOSÉ LEBRE DE FREITAS ISABEL ALEXANDRE, Vol. I, 3ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2014, pag. 71-72
[7] ANTUNES VARELA et al Manual de Processo Civil, ob. cit., pag. 148
[8] JOSÉ LEBRE DE FREITAS ∙ ISABEL ALEXANDRE, Vol. I, 3ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2014, pag. 73
[9] CASTRO MENDES Direito Processual Civil – Recursos, ed. AAFDL, 1980, pag. 5.
[10] CASTRO MENDES, ob. cit., pag. 24-25 e ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil , vol V, pag. 382, 383.
[11] Cfr. os Ac. STJ 07.07.2009, Ac. STJ 20.05.2009, Ac. STJ 28.05.2009, Ac. STJ 11.11.2003 Ac. Rel. Porto 20.10.2005, Proc. 0534077 Ac. Rel. Lisboa de 14 de maio de 2009, Proc. 795/05.1TBALM.L1-6; Ac. STJ 15.09.2010, Proc. 322/05.4TAEVR.E1.S1( http://www.dgsi.pt)
[12] Ac. Rel. Lisboa 06 de março de 2014, Proc. 281/12.7TBPTS.L1-6, www.dgsi.pt