Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
602/14.8TBSTS-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Descritores: EMBARGOS
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
Nº do Documento: RP20150702602/14.8TBSTS-B.P1
Data do Acordão: 07/02/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A suspensão da execução em virtude da dedução de embargos apenas ocorre em três situações: - independentemente do título executivo: (1) ter sido prestada caução ou (2) ter sido impugnada nos embargos a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda e desde que se justifique a suspensão sem prestação de caução; sendo o título executivo um documento particular: (3) ter o executado impugnado a genuinidade da sua assinatura e apresentado documento que constitua princípio de prova e desde que se justifique a suspensão sem prestação de caução.
II - Para obter a suspensão da execução sem prestar caução não basta ao embargante impugnar a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda, sendo ainda necessário alegar circunstâncias em função das quais se possa concluir que se justifica excepcionalmente o afastamento da regra de a suspensão depender da prestação de caução.
III - O critério da justificação é normativo e relaciona-se com a interacção entre as finalidades da acção executiva e a realidade factual apresentada pelo executado, pressupondo que se possa concluir que foi alegada uma situação de vida que justifica a atenuação da pressão sobre o executado das diligências coercivas do processo e a colocação em risco do princípio da efectividade que norteia o processo executivo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação
Processo n.º 602/14.8TBSTS-B.P1 [Comarca Porto/ Inst. Central/Maia/Sec. Execução]

Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I.
B…, S.A., pessoa colectiva n.º ………, com sede em Santo Tirso, instaurou no Tribunal Judicial de Santo Tirso execução para pagamento de quantia certa contra C…, NIF ………, residente na Trofa, com o objectivo de obter o pagamento coercivo da quantia de €39.499,78.
Para o efeito, apresentou como título executivo um cheque sacado pela executada, com data de 28.01.2012, no valor de €39.140,95, o qual foi apresentado a pagamento e foi devolvido em 27.12.2013 com a menção de “cheque revogado – apresentação fora de prazo”.
No requerimento executivo, a propósito da relação subjacente, alegou que celebrou com a executada e o seu marido à data, um contrato de empreitada para construção de uma moradia unifamiliar, após o que começou a executar a obra e a pedir o pagamento das contrapartidas estabelecidas no contrato; sucede que esses pagamentos foram sendo realizados com atraso e de forma parcial, de modo que a final, do valor global da contrapartida, se encontra ainda por pagar a quantia de €82.533,18, em parte titulada pelo cheque dado à execução.
A executada deduziu oposição à execução mediante embargos, arguindo a falta de título executivo com o fundamento de que o cheque apresentado não tem esse valor, e alegando que a quantia mencionada no requerimento executivo não é devida uma vez que foi acordado que ao valor contratado não acresceria o IVA, que as obras executadas pela exequente apresentam diversos defeitos e que parte dos trabalhos contratados não foram executados, em função do que a executada já pagou mesmo uma quantia superior à realmente devida, sem considerar sequer o valor necessário para a reparação dos defeitos.
Terminou pedindo que se determine “a extinção da execução” e ainda que “considerando a matéria aqui alegada, designadamente a inexistência e consequente inexigibilidade da quantia exequenda [se] ordene a suspensão da … execução, nos termos do art. 733º nº1 alínea c) do Código de Processo Civil”.

Em face deste requerimento o Mmo. Juiz a quo proferiu a seguinte decisão que se transcreve integralmente:
Indefere-se a suspensão da execução, porquanto a prestação é exigível quando esteja vencida, sendo que analisado o título executivo, verifica-se da data aposta que a obrigação se encontra vencida”.

Do assim decidido, a executada interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões[1]:
1. Vem o presente recurso interposto da decisão do Mmo. Sr. Juiz a quo que indeferiu o pedido de suspensão da execução nos termos da alínea c) do nº1 do art. 733º do CPC por ter considerado que a dívida exequenda era exigível atendendo à data de “vencimento” constante do próprio cheque.
2. Salvo respeito por melhor opinião, com tal decisão, o Mmo. Sr. Juiz a quo fez errada interpretação da alínea c) do nº1 do art. 733º do CPC.
3. A Executada não é devedora da Exequente pela quantia titulada pelo cheque que serve de título executivo, à presente execução, sendo, inclusive, credora da Exequente.
4. O Mmo. Juiz a quo indeferiu, erradamente, o pedido de suspensão da execução.
5. A Exequente deu à execução um cheque emitido em 28/01/2012 e apresentado a pagamento a 26/12/2013.
6. Tendo em consideração os concretos trabalhos executados pela Exequente e os diversos montantes já pagos pela Executada (consideravelmente, superiores aos devidos em virtude dos trabalhos concretamente realizados e atendendo aos vícios imputáveis à Exequente) não subsiste qualquer crédito que a Exequente possa reclamar da Executada.
7. Daí que, a Executada tenha revogado aquele cheque!
8. O cheque foi apresentado a pagamento pela Exequente, tendo sido devolvido com indicação de Revogado e Apresentação Fora de Prazo, sendo que, só a 25/02/2014, a Exequente deu o referido cheque à execução.
9. A ordem de pagamento transmitida pela Executada ao seu banco, a favor da Exequente, por meio daquele cheque, foi revogada, aquando da revogação daquele título de crédito.
10. Nos termos da alínea c) do nº1 do art. 703º do CPC, o cheque desprovido das características próprias do título de crédito, pode fundar a execução como um mero quirógrafo.
11. Porém, nestes casos, alheios à obrigação cambiária, é necessário que os factos constitutivos da relação material subjacente ao título constem do próprio, ou, pelo menos, a sua alegação do requerimento executivo.
12. O quirógrafo pressupõe, claramente, a existência de uma obrigação do executado para com o exequente, obrigação essa que motivou a emissão e entrega de um cheque, como meio de pagamento daquela.
13. No caso em apreço todo e qualquer valor declarativo subjacente àquele documento, ainda que mero quirógrafo, foi destruído.
14. Jamais aquele cheque entregue pela Executada à Exequente poderá ser utilizado, sequer como mero quirógrafo pois, o seu valor declarativo desapareceu com a sua revogação,
15. O que gera uma cabal incerteza quanto à existência da obrigação exequenda!
16. “Para que um documento particular possa servir de base à execução, é necessário, nos termos do disposto no artigo 46.º n.º 1 alínea c) do Código de Processo Civil [Lei antiga], que importe constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto.”
17. No presente caso, não só a constituição das obrigações é indeterminável por meio de simples cálculo aritmético, como não existe qualquer reconhecimento de obrigações pecuniárias
18. Se a alínea c) do nº1 do art. 733º do CPC permite que a execução seja suspensa quando se impugne a exigibilidade do crédito, por maioria de razão, determinará a suspensão da execução quando se trate da impugnação da própria existência da obrigação exequenda.
19. É inaceitável que se sujeite a aqui Executada a todas as diligências promovidas no seio do presente processo executivo, quando, é previsível que os embargos ora deduzidos terminem com uma decisão no sentido da inexistência da obrigação trazida à execução.
20. Ainda que nos termos do nº 4 do art. 733º do CPP, ainda que ao Exequente não seja lícito obter qualquer pagamento, nada obsta a que, em virtude das diligência promovidas pela Exequente, a Executada seja privada dos seus bens, o que muito a prejudicaria pois, veria a sua liberdade de disposição do património, bem como da utilização deste, abusiva e injustificadamente limitada, por uma acção executiva, cuja obrigação que lhe deu causa, inexiste.
21. Merece censura a decisão do Mmo. Juiz a quo, que indeferiu o requerimento de suspensão da execução pois, nos termos da alínea c) do nº1 do art. 733º do CPC, o referido requerimento deveria ter sido deferido, em virtude de ter sido impugnada e devidamente comprovada, a exigibilidade da obrigação exequenda.
22. Por todo o exposto, deverá a decisão recorrida, que indeferiu a suspensão da execução ser revogada e substituída por outra que ordene a suspensão da execução sem prestação de caução, nos termos da alínea c) do nº1 do art. 733º do CPC.
Termos em que, deve ser dado provimento ao presente Recurso e em consequência ser revogada a decisão recorrida e substituída a mesma por outra, que determine a suspensão da execução à qual os presentes autos se encontram apensos.
Não consta que tenha sido apresentada resposta a estas alegações.
Após os vistos legais, cumpre decidir.

II.
As conclusões das alegações de recurso demandam deste Tribunal que resolva se se justifica suspender a execução sem prestação de caução.

III.
Os factos que relevam para a decisão a proferir são os que constam do relatório que antecede.

IV.
O artigo 733.º do novo Código de Processo Civil rege sobre o efeito do recebimento dos embargos.
De acordo com esta norma, em regra os embargos de executado não suspendem o prosseguimento da execução. Esse efeito suspensivo apenas se produz no caso de se verificar uma das três situações previstas na norma legal e que são:
- independentemente do título executivo: (1) ter sido prestada caução – alínea a) – ou (2) ter sido impugnada nos embargos a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda e desde que se justifique a suspensão sem prestação de caução – alínea c) –.
- sendo o título executivo um documento particular: (3) ter o executado impugnado a genuinidade da sua assinatura e apresentado documento que constitua princípio de prova e desde que se justifique a suspensão sem prestação de caução – alínea b) –.
No caso em apreço, dado que nem foi oferecida nem prestada (até ao momento) caução e que apesar de o título executivo ser um documento particular (título de crédito como mero quirógrafo) a executada não impugnou genuinidade da sua assinatura, a única daquelas situações que pode estar em causa é a da alínea c) do n.º 1 do artigo 733.º, norma que é, aliás, a citada pela executada requerente.
A previsão dessa norma pressupõe a reunião de dois elementos: estar impugnada, nos embargos, a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda; justificar-se a suspensão sem prestação de caução.
O primeiro desses elementos da previsão normativa é puramente factual e depende apenas da configuração que a executada deu à sua oposição à execução. No caso, a embargante opôs-se à execução sustentando que do contrato de empreitada não decorre a obrigação do pagamento desta quantia, isto é, que a quantia exequenda não é devida, logo não é exigível. Encontra-se, pois, preenchido o primeiro dos pressupostos da norma.
Em relação a esse aspecto cumpre só assinalar que na decisão recorrida se confunde a exigibilidade que resulta do título, da literalidade do título, e que é naturalmente pressuposto da própria acção executiva, e a exigibilidade da própria obrigação exequenda ou relação subjacente ao título executivo.
Este pode perfeitamente apresentar uma data de vencimento da obrigação reclamada pelo exequente, caso em que a execução pode ser instaurada e deve ser recebida, mas o executado pode vir alegar e demonstrar nos embargos que, apesar disso, a obrigação exequenda não é efectivamente exigível designadamente porque contra ela procede alguma excepção de direito material.
A suspensão da execução pedida pelo executado na sequência da dedução dos embargos não pode, por isso, ser recusada com o argumento de que à face do título executivo a obrigação está vencida e é exigível, se o executado tiver nos embargos alegado factos destinados a demonstrar que a obrigação exequenda não é mesmo exigível.
Como vimos, a suspensão da execução depende da reunião de dois elementos. Se para determinar a suspensão da execução fosse suficiente o facto de o executado ter impugnado nos embargos a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda (ou, sendo o título executivo um documento particular, ter impugnado a genuinidade da sua assinatura e apresentado documento que constitua princípio de prova), a norma não exigiria ainda, como exige, que além disso, o juiz entenda que se justifique a suspensão sem prestação de caução.
Que isso é assim resulta claro da análise da evolução dos efeitos do recebimento dos embargos que no antigo Código de Processo Civil estavam regulados no artigo 818.º, o qual sofreu evoluções.
Na redacção do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, a norma estabelecia que “o recebimento dos embargos não suspende a execução, salvo se: a) o embargante requerer a suspensão e prestar caução; b) tratando-se de execução fundada em escrito particular com assinatura não reconhecida, o embargante alegar a não genuinidade da assinatura”.
Na redacção do Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro, a norma manteve a regra de que o recebimento dos embargos não suspende a execução, salvo se o embargante requerer a suspensão e prestar caução. E no tocante à execução fundada em escrito particular sem a assinatura reconhecida, passou a estabelecer que “pode o juiz suspender a execução, ouvido o embargado, se o embargante alegar a não genuinidade da assinatura e juntar documento que constitua princípio de prova”.
Por fim, na redacção do Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, permaneceu a solução de que em regra o recebimento da oposição só suspende o processo de execução quando o opoente preste caução, acrescentando-se que “quando, tendo o opoente alegado a não genuinidade da assinatura do documento particular e apresentado documento que constitua princípio de prova, o juiz, ouvido o exequente, entenda que se justifica a suspensão”.
Como se constata, enquanto de início para obter a suspensão da execução bastava ao executado alegar a não genuinidade da assinatura, depois passou a ser também necessário ao executado juntar “documento que constitua princípio de prova” e na versão final que antecedeu o novo Código de Processo Civil, passou a ser necessário ao executado não apenas alegar a não genuinidade da assinatura e apresentar documento que constitua princípio de prova, como ainda justificar a suspensão sem a prestação de caução.
A evolução legislativa foi, portanto, em crescendo, no sentido do aumento da exigência dos requisitos para o afastamento da regra segundo a qual para se suspender a execução é necessária a prestação da caução. O artigo 733.º do novo Código de Processo Civil deve ser lido em consonância com a marca dessa evolução uma vez que a sua redacção não aponta para qualquer diminuição da exigência para o afastamento da regra.
Parece claro que o poder do juiz de considerar ou não justificada a suspensão da execução sem a prestação de caução é um verdadeiro poder-dever, ou seja, sempre que houver elementos em função dos quais se justifique suspender a execução sem a prestação de caução o juiz não apenas pode como deve mesmo fazê-lo.
Por outro lado, o critério da justificação não é o critério individual do juiz do processo, caso em que a decisão seria discricionária, mas é verdadeiramente um critério normativo, ou seja, depende estritamente da interacção entre os fundamentos e finalidades da acção executiva e a realidade factual apresentada pelo executado, pressupondo que se possa concluir que os autos contêm uma situação de vida que justifica a atenuação da pressão exercida sobre o executado pelas diligências coercivas do processo e a colocação em risco do princípio da efectividade que norteia o processo executivo (obter o cumprimento do direito) que naturalmente decorre de se prescindir da caução.
Tanto quanto julgamos, essa situação de vida pode surpreender-se em planos distintos.
Assim, em tese admitimos que se possa considerar justificada a suspensão da execução sem a prestação de caução se o executado alegar que possui bens perfeitamente suficientes para assegurar o cumprimento da obrigação exequenda, que não existe o risco da sua dissipação e que a penhora dos bens ou a prestação de caução lhe causarão prejuízo dificilmente reparável. Dizemos deliberadamente “dificilmente reparável”, e não “considerável”, porque no artigo 647.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, a propósito da atribuição do efeito suspensivo à apelação a requerimento do apelante, se estabelece que mesmo nos casos em que a execução da decisão cause ao apelante prejuízo considerável aquele efeito só será decretado se for prestada caução.
Outra situação será, por exemplo, a de a obrigação exequenda possuir um valor ou uma importância para o exequente relativamente diminuta ou escassa e, ao invés, a penhora dos bens do executado ou a prestação de caução exigir do executado um esforço consideravelmente superior, designadamente quando estiver em causa uma obrigação pecuniária de baixo valor e os bens passíveis de penhora serem por exemplo o veículo automóvel de que o executado necessita para se deslocar ou a prestação da caução representar para o executado um esforço financeiro desproporcionado face ao nível dos seus rendimentos.
Neste particular, a fonte desta solução pode encontrar-se no disposto no artigo 368.º do Código de Processo Civil que nos procedimentos cautelares (em que analogamente a actuação do tribunal tem por base a aparência da existência do direito, agora não com apoio em documento – título executivo – mas na apreciação jurisdicional da prova – sumária – produzida por quem se afirma titular do direito a tutelar – aí provisoriamente -) permite ao juiz recusar a providência, apesar de reunidos os pressupostos para o seu decretamento, quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceder consideravelmente o dano que com ela se pretende evitar.
Outro enfoque possível das situações que podem ser justificar a suspensão da execução situa-se do lado da força da aparência do título e da posição executado.
Recordemos que nos casos em que o título executivo é um documento particular e o executado impugnou a genuinidade da sua assinatura e juntou documento que constitua princípio de prova, este princípio de prova não basta e a norma exige ainda que se justifique a suspensão sem prestação de caução, o que parece reclamar algo mais do que um princípio de prova ou, se quisermos, que essa prova seja algo mais que um mero princípio, ou seja, possua já uma robustez significativa que torne muito provável que o seu conteúdo venha a ser confirmado no julgamento dos embargos.
Sendo assim, também quando nos embargos o executado impugna a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda (situação que nos ocupa no caso) a conclusão de que se justifica a suspensão sem prestação de caução há-se exigir que o embargante suporte essa alegação numa versão factual consistente, verosímil, conforme às regras da experiência e do comportamento humano e apresente logo meios de prova com forte valor probatório que se anteveja difícil de superar em sede de audiência de julgamento. Serão situações excepcionais, por certo, mas quando assim não for o executado terá à sua disposição o outro mecanismo de obter a suspensão da execução: a prestação de caução.
Fazendo aplicação destes considerando ao caso dos autos é fácil de concluir que não se pode considerar justificado suspender a execução sem a prestação de caução.
A executada não alega, desde logo, absolutamente nenhum facto sobre as possíveis consequências da continuação da execução, o eventual prejuízo que essa continuação acarretará, o relevo ou dimensão desse prejuízo ou a sua irreparabilidade.
É certo que a executada impugnou a existência da obrigação. Todavia, a discussão sobre a existência da obrigação delineada nos embargos de executado está bem longe de possuir características que permitam antever o sucesso dos embargos ou tornar essa possibilidade mais provável que o seu insucesso.
Na verdade, a discussão tem na génese um contrato de empreitada reduzido a escrito para execução de uma obra relativamente à qual se excepciona a realização de trabalhos a menos e trabalhos com defeitos, situação que apresenta um grau de dificuldade e de imprevisibilidade que não permitem qualquer juízo antecipado sobre a probabilidade de a executada vir a obter vencimentos nos embargos.
Por outro lado, os documentos juntos (autos de medição de obra e comunicações quase exclusivamente da própria embargante) possuem muito pouca ou nenhuma relevância para a determinação das excepções que constituem o cerne da defesa da executada, não permitindo considerar feito qualquer princípio de prova do alegado.
Finalmente, e para nós decisivo, a defesa da executada apoia-se num dado que contraria os dados legais e as regras da experiência, acentuando enormemente a inverosimilhança da sua demonstração em juízo. Referimo-nos obviamente à questão do IVA sobre o valor dos trabalhos.
Qualquer pessoa (num dos documentos juntos a embargante refere-se a uma sócia, deixando antever que também ela é sócia de uma sociedade comercial) que contrata uma sociedade comercial para construir uma casa mediante contrato de empreitada, sabe que terá de suportar o respectivo IVA, não porque a outra parte assim o pretende, mas porque isso resulta das normas legais tributárias, queiram as partes na transacção ou não, sendo que a fuga ao pagamento desse imposto é inclusivamente susceptível de gerar responsabilidade, designadamente penal, para os contraentes que comparticipem nessa fuga.
No caso, aliás, a menção de que o valor da realização dos trabalhos está sujeito ao IVA à taxa legal consta de forma expressa da cláusula terceira do contrato de empreitada!
Ora basta fazer as contas ao valor do IVA que recai sobre o valor da empreitada, ou mesmo só sobre o valor das obras que a executada admite que foram realizados, e compará-lo com o valor do cheque dado à execução para concluir pela inexistência de elementos que nos permitam considerar muito provável que a executada venha a obter ganho de causa suficiente para impedir a execução ou alcançar em grande parte a sua extinção.
Acresce, por fim, que a emissão de um cheque não é uma coisa gratuita, que se faça de ânimo leve, sobretudo quando, como alega a embargante já estavam a surgir diferendos e problemas na execução da obra, pelo que a “revogação” do cheque faz recear dos verdadeiros motivos que estiveram na génese dessa actuação, não permitindo, também por isso, augurar à defesa da execução um futuro suficientemente promissor para justificar o afastamento da regra, qual seja, o de que para obter a suspensão da execução deverá prestar caução.
Eis porque entendemos que não se justifica de facto deferir o pedido de suspensão da execução, pelo que tendo sido essa a decisão recorrida, o recurso deve ser julgado improcedente.

V.
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso improcedente e, em consequência, negam provimento à apelação e, embora com a fundamentação apresentada, confirmam a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
*
Porto, 2 de Julho de 2015.
Aristides Rodrigues de Almeida (Relator; Rto213)
José Amaral
Teles de Menezes
_____________
[1] A recorrente não formulou, em bom rigor, conclusões pelo que o seu recurso devia ser rejeitado sem mais. O que a recorrente fez foi simular o cumprimento da exigência legal de formulação de conclusões através da repetição integral das alegações, apondo-lhe a numeração que não constava do texto anterior e intitulando-o “conclusões”, apesar de efectivamente não passarem de mera duplicação das alegações. Esta prática, frequente, é uma violação material da lei processual que poderá o fazer o seu autor incorrer em responsabilidade civil perante o mandante quando o recurso vier por isso a ser rejeitado, como em rigor deveria ser, mas representa ainda um desprezo pelo trabalho alheio de quem tem os horizontes do seu conhecimento balizado pelas questões suscitadas nas conclusões.