Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1118/15.0T8VLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS QUERIDO
Descritores: RESPONSABILIDADE
CONCESSIONÁRIA DA AUTO-ESTRADA
PRESUNÇÃO LEGAL
ILICITUDE
CULPA
FACTOS ESSENCIAIS
ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA
Nº do Documento: RP201802051118/15.0T8VLG.P1
Data do Acordão: 02/05/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º668, FLS.323-339)
Área Temática: .
Sumário: I - Factos essenciais são os que concretizam, especificam e densificam os elementos da previsão normativa em que se funda a pretensão do autor ou do reconvinte, ou a exceção deduzida pelo réu como fundamento da sua defesa, e se revelam decisivos para a viabilidade ou procedência da ação, da reconvenção ou da defesa por exceção.
II - Sobre as partes incumbe o ónus de alegação e prova dos factos essenciais (art.º 5.º do CPC) nos quais o autor suporta a sua pretensão e o réu o pedido reconvencional ou a defesa por exceção, não sendo lícito ao réu, que não alegou os factos integradores de uma exceção, vir alegá-los em sede de recurso, tanto mais que a apreciação pelo Tribunal de uma questão que nunca foi invocada nem debatida nos autos (questão nova) se traduziria na nulidade por excesso de pronúncia prevista na 2.ª parte do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.
III - O artigo 12.º da Lei nº 24/2007, de 18/7 faz recair sobre o concessionário da autoestrada a presunção de incumprimento de obrigações de segurança quando os acidentes sejam causados, nomeadamente, pelo atravessamento de animais, incumbindo à concessionária a elisão da referida presunção, não bastando a prova genérica de que ocorreu a passagem da equipa de assistência e de que não foi detetada ou comunicada a presença do animal na via.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1118/15.0T8VLG.P1
Sumário do acórdão:
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório
Em 5.06.2015, D… intentou na Instância Local, Secção Cível (J2) de Valongo, na Comarca do Porto, ação declarativa sob a forma de processo comum, contra B…, S.A., alegando, em síntese: é proprietário do veículo de matrícula .. – GM - .. e quando circulava com o mesmo na A.., ocorreu um acidente devido a um embate num cão que se encontrava na via; em virtude do embate resultaram danos para o veículo, cuja reparação ascendeu a €4.831,19; sofreu ainda prejuízos resultantes da paralisação do veículo, que ascendem a €1.378,00.
Concluiu requerendo que a ação seja julgada procedente e, em consequência, a ré seja condenada a pagar ao autor, a quantia de €6.209,19 acrescida de juros legais contados desde a citação e até efetivo e integral pagamento.
Citada, veio a ré contestar, invocando, desde logo, a exceção de incompetência territorial, impugnando a factualidade relativa ao acidente e aos danos, por desconhecimento e alegando cumpriu todas as obrigações resultantes da sua qualidade de concessionária.
Na sua contestação, a ré requereu a intervenção principal provocada da Companhia de Seguros C… – Sucursal em Portugal, por ter transferido para a mesma a sua responsabilidade civil decorrente de sinistros da natureza do dos autos.
Por despacho de 10.09.2015 foi admitida a intervenção requerida.
Regularmente citada, veio a chamada C…, apresentar contestação invocando a exceção de incompetência do tribunal e impugnando por desconhecimento a factualidade alegada pelo autor.
Em 17.12.015 foi proferido despacho no qual se declarou a incompetência territorial da Instância Local de Valongo, determinando a remessa dos autos à Instância Cível do Tribunal Judicial da Maia, fixando ainda o valor da ação em €6.209,19.
Distribuído o processo na Instância Local, Secção Cível, J3, do Tribunal da Maia, Comarca do Porto, por despacho de 26.01.2016 foi determinada a notificação das partes para virem aos autos comunicar se se opunham a que fosse dispensada a realização da audiência prévia.
As partes manifestaram a sua concordância, tendo sido proferido despacho, em 17.03.2016, no qual: se manteve o valor da ação anteriormente fixado; se dispensou a realização da audiência prévia; se afirmou a verificação de todos os pressupostos processuais que permitem o conhecimento do mérito da ação; se definiu o objeto do litígio; e se enunciaram os temas de prova.
Realizou-se a audiência de julgamento em duas sessões (10.05.2017 e 24.05.2017), após o que foi proferida sentença, em 1.06.017, na qual se julgou improcedente a ação e se absolveu a ré de todos os pedidos formulados pelo autor.
Não se conformou o autor e interpôs recurso de apelação, apresentando alegações, findas as quais formulou as seguintes conclusões:
1. A sentença objecto do presente recurso merece censura pois, ao entender que a presunção de culpa que recai sobre a Ré não pode operar neste caso e, em consequência, ao julgar a presente ação improcedente por não provada, absolvendo a Ré, não fez adequada aplicação do Direito aos factos.
2. A Sentença proferida pelo Tribunal a quo é juridicamente censurável e deve, porque em violação do disposto nos artigos 369º, 371º e 372º todos do Código Civil (doravante CC) e do artigo 12º, n.º1, b) e n.º2, da Lei n.º24/2007, de 18 de Julho, revogar-se da ordem jurídica e ser alterada por outra que condene a Ré no pedido contra ela deduzido nos presentes autos.
a) DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO RELATIVA À MATÉRIA DE FACTO
3. O Recorrente considera que foi incorretamente julgado, ao ser dado como provado na Sentença recorrida, o facto n.º28.
4. Nos autos existe prova gravada e, da audição desta, da motivação da Sentença dada à matéria de facto e dos documentos juntos aos autos, resultam, à evidência, os notórios erros de julgamento.
5. Desde logo, o documento n.º 2 junto pelo Autor, com a sua petição, correspondente à cópia da participação policial do referido acidente, elaborada pelo Comando Territorial do Porto, da Guarda Nacional Republicana, impunha uma decisão diversa da recorrida.
6. Do teor de tal documento decorre que o órgão de polícia criminal (GNR) – confirmou o local do acidente (KM .. da A..) - confirmou a causa do acidente (atropelamento de animal), - fez averiguações no local do acidente, tendo confirmado a existência de um animal morto na via esquerda e, ainda, - atestou que um funcionário da concessionária da via retirou o animal morto da via esquerda.
7. Os factos constantes da participação policial ficaram, pois, plenamente provados, nos termos do art. 371º, n.º 1, do Código Civil, porque a Ré não logrou provar a sua falsidade.
8. Conclui-se que ficou plenamente provado que a autoridade policial competente – a Brigada de Trânsito da G.N.R. – confirmou as causas do acidente no local, conforme decorre da cópia do auto de participação, pelo que o facto n.º28 não podia ter sido dado como provado
9. Assim, a prova documental autêntica constante dos autos, cuja falsidade não foi demonstrada pela Ré, implica que o facto n.º28 não podia ter sido dado como provado.
10. O Autor declarou em audiência que um dos dois agentes da autoridade policial com quem falou na rotunda referida no facto provado n.º 27 se deslocou efetivamente ao local do embate e aí verificou as causas do acidente, designadamente o embate no cão que ficou morto na via.
11. Nesse sentido, veja-se o depoimento constante da gravação áudio registada com o título D…, da audiência de 10.05.2017, entre os minutos 00:08:50 a 00:09:05 e os minutos 00:19:30 a 00:19:43, onde este atesta que a GNR foi ao local ver o cão, tendo ficado um agente junto do Autor, na rotunda onde este imobilizou a viatura em segurança, e o outro agente foi ao local confirmar que estava lá o animal.
12. A testemunha E…, mãe do Autor que foi ao local passados cerca de 5 minutos depois do acidente, confirmou que dois agentes da GNR se deslocaram ao local de mota e que foram ao local do acidente e viram o cão morto na via.
13. Neste sentido, veja-se o depoimento constante da gravação áudio registada com o título E… da audiência de 10.05.2017, entre os minutos 00:03:44 a 00:04:50 e os minutos 00:31:25 a 00:32:05, onde esta disse, perentoriamente, que dois agentes da GNR vieram de mota ao local, estiveram lá a tomar conta da ocorrência e depois foram ver o cão que ainda estava na via.
14. Atenta a citada prova produzida, forçoso é, pois, concluir que: (i) dois agentes da GNR foram ter com o Autor ao local onde este imobilizou a viatura após o acidente, (ii) foram inspeccionar o local do acidente e (iii) viram o animal morto na via.
15. O Tribunal a quo errou ao dar como provado o facto n.º 28, pois os elementos constantes dos autos implicam considerar tal facto como não provado.
16. No entender do Recorrente, em face da supra citada prova produzida nos autos, deve ser dado como provado o seguinte facto: a autoridade policial esteve com o condutor do GM na rotunda referida no facto n.º 27 e confirmou que estava um animal morto na via onde ocorreu o sinistro, assim se alterando a decisão proferida pelo Tribunal de Primeira Instância sobre a matéria de facto, o que, assim, se requer a V. Exas..
b) DA SUBSUNÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO ALTERADA AO DIREITO
17. Decorre da matéria fáctica provada, designadamente, e entre outros, dos factos provados n.º 1, 5, 6, 8, 9, 10 e 28 (alterado), que o artigo 12º da Lei 24/2007 se aplica aos presentes autos.
18. Aplicando-se, como se aplica, o artigo 12º da Lei 24/2007 ao caso sub iudice, vale a presunção de culpa da concessionária, pelo que cabia à Ré o ónus de provar que cumpriu com todas as condições de segurança, ou seja, que cumpriu de forma cabal ou de modo a evitar o dano, ou, noutra formulação, de que não atuou com culpa.
19. A Jurisprudência tem sido unânime em entender que nos acidentes ocorridos por força da entrada de animais na via, para ilidir a presunção de culpa prevista no artº 12º, nº 1 da Lei 24/07, a concessionária tem que provar as circunstâncias concretas que levaram à introdução do animal, donde resulte que essa introdução ocorreu por motivos que não lhe são imputáveis, sendo insuficiente a prova do cumprimento genérico das suas obrigações de vigilância e de conservação.
20. Ou seja, o artigo 12º, n.º 1, a), da Lei 24/2007, de 18.7, deve ser interpretado no sentido de que no caso de acidentes provocados por objectos ou animais existentes nas faixas de rodagem das auto-estradas concessionadas presume-se a culpa das concessionárias, podendo estas ilidir essa presunção se lograrem provar que essa presença ocorreu por motivos que não lhe são imputáveis (na expressão da lei “prova do cumprimento das obrigações de segurança”).
21. No caso em apreço, A Ré, aqui Recorrida, não logrou ilidir a presunção de culpa que para ela decorre do disposto no artigo 12º, nº 1, al. b) da Lei 24/07.
22. Torna-se imprescindível provar que, no caso concreto, o cão surgiu na auto estrada de forma incontrolável para si ou que lá foi colocado, negligente ou intencionalmente, por outrem
23. No caso concreto, não se tendo provado a forma como o animal que provocou o acidente se introduziu na A.., conclui-se que a Ré não conseguiu provar que essa introdução não era por si controlável, não lhe sendo, por isso, imputável.
24. Tendo o animal penetrado na via e embatido no veículo do A., já se conclui que, e conforme decorre da matéria de facto supra mencionada, muito embora tendo vigiado, o cumprimento deste dever ocorreu de forma imperfeita, pois o animal acedeu à via e não foi detectado pela Ré de forma a evitar o embate.
25. Era dever da Ré manter a auto-estrada A.. livre de qualquer obstáculo, para o que lhe incumbia um especial dever de vigilância, o qual por ela foi violado ao ter permitido a entrada do animal na via.
26. O que tudo determina, pois, que a Ré não cumpriu as obrigações de segurança que lhe estavam acometidas, mormente o dever de vigilância da A.., violando, entre outras, as cláusulas 50., 55., 57., 58. e 59. do contrato de concessão, e as cláusulas 1, 5 e 8 do contrato de operação e manutenção anexo ao contrato de concessão.
27. A Ré não detetou, nem removeu o animal a tempo de evitar o supra referido acidente, e não logrou provar que a entrada do animal não resultou de culpa sua
28. Assim, presume-se o incumprimento dos deveres de segurança e a culpa da Ré na ocorrência do acidente sofrido pelo Autor
29. Impende sobre a R. a obrigação de pagar ao A. a indemnização que este peticiona na presente ação
30. Na presente data, o valor da indemnização que a Ré deve ao A. ascende à quantia de €6.209,19 (seis mil duzentos e nove euros e dezanove cêntimos), acrescida dos juros, contados à taxa legal (presentemente 4%), a partir da citação
31. A douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 369º, 371º e 372º todos do Código Civil (doravante CC) e do artigo 12º, n.º1, b), e n.º2, da Lei n.º24/2007, de 18 de Julho.
32. Em face do exposto, a douta sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a presente ação e, em consequência, condene a Ré a pagar ao Autor a quantia de €6.209,19 (seis mil duzentos e nove euros e dezanove cêntimos), acrescida dos juros, contados à taxa legal (presentemente 4%), a partir da citação, até integral e efetivo pagamento.
c) Da revogação da decisão que entendeu não poder operar a presunção de culpa que recai sobre a ré e, em consequência, julgou a presente ação improcedente por não provada, absolvendo a ré de todos os pedidos contra si formulados.
33. Mesmo que a decisão sobre a matéria de facto não seja alterada nos termos supra expostos em II), ainda assim a decisão recorrida que entendeu que a presunção de culpa que recai sobre a Ré não pode operar neste caso e, em consequência, julgou a presente ação improcedente por não provada deverá ser revogada e substituída por outra que condene a Ré no pedido contra ela deduzido nos presentes autos.
34. Por um lado, o cumprimento do disposto no n.º2, do art. 12º da lei 24/2007 não pressupõe que a autoridade policial tenha que se deslocar ao local do acidente, bastando que confirme as suas causas junto do sinistrado.
35. A jurisprudência maioritária tem entendido que deve-se ter por cumprida a exigência da norma do Artº 12º/2 da Lei 24/2007 quando, como foi o caso, a autoridade policial competente se deslocou ao local de imobilização da viatura sinistrada e tomou conta da ocorrência, uma vez que a verificação das causas do acidente atestadas em documento elaborado por tal autoridade – in casu a participação policial – significa não se ter verificado qualquer indício de que outra tenha sido a causa do acidente.
36. Decorre da factualidade provada que o Autor comunicou o citado acidente às autoridades policiais, juntando, para o efeito, o auto de participação policial, e um colaborador da Ré compareceu no local do acidente e retirou o animal morto da via de circulação, atestando a presença do animal
37. Constituiria um claro abuso de direito aceitar a falta de cumprimento da norma do artigo 12º, n.º2, da Lei 24/2007, quando a autoridade policial compareceu junto da viatura acidentada, tomou conta da ocorrência e se foi o próprio funcionário da concessionária que removeu o cão atropelado do local
38. As razões de segurança na prova que estão na base do artigo 12º, n.º2, da Lei 24/2007, encontram correspondência no concreto circunstancialismo dos autos.
39. Inexiste o invocado pela sentença recorrida obstáculo ao funcionamento da regra da responsabilidade estabelecida no nº 1 do citado art.º 12º, pelo que o mesmo tem aplicabilidade aos autos.
40. Nesta sequência, não tendo a Ré elidido a presunção de incumprimento das suas obrigações de segurança, prevista no art.º 12º, nº 1, al. a), da Lei nº 24/2007, de 18 de julho, responde pelo prejuízo causado ao Autor, dando-se aqui por integralmente reproduzidas as alegações constantes do ponto III) supra.
41. Por outro lado, e sem prescindir, o artigo 12º, n.º1, da Lei 24/2007 não tem como pressuposto de aplicação, a confirmação pela autoridade policial da causa do acidente, podendo o lesado fazer prova, por outros meios, de que o acidente foi causado pelo atravessamento de um animal na via e, assim, beneficiar da presunção de culpa da concessionária prevista na mesma norma.
42. Efetivamente, mesmo que a autoridade policial não tenha verificado no local as causas do acidente, isso nunca pode ser preclusivo de o lesado poder fazer a prova da existência do animal na via, munindo-se de outros meios probatórios e, com isso beneficiando, ainda assim, da presunção de incumprimento estabelecida no nº 1 do artigo 12.º da Lei 24/2007.
43. Resulta da factualidade assente que o Autor logrou provar que o acidente ocorreu em virtude do atravessamento de um cão, de porte médio, na A...
44. Conclui-se que o Autor conseguiu provar as causas do acidente nos termos do art. 12º, n.º2, da Lei 24/2007, podendo, por isso, operar a presunção de culpa que recai sobre a Ré nos termos do n.º1 da mesma disposição legal.
45. Por conseguinte, não tendo a Ré elidido a presunção de incumprimento das suas obrigações de segurança, prevista no art.º 12º, nº 1, al. a), da Lei nº 24/2007, de 18 de julho, responde pelo prejuízo causado ao Autor, dando-se aqui por integralmente reproduzidas as alegações constantes do ponto III) supra.
46. Em face de tudo o precedentemente expendido, a douta sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a presente ação e, em consequência, condene a Ré a pagar ao Autor a quantia de €6.209,19 (seis mil duzentos e nove euros e dezanove cêntimos), acrescida dos juros, contados à taxa legal (presentemente 4%), a partir da citação, até integral e efetivo pagamento.
47. Assim, o Tribunal “a quo”, ao ter entendido que o Autor não logrou provar que no local do acidente estiveram presentes as autoridades policiais e que verificaram as causas do acidente nos termos do art. 12º, n.º2, da Lei 24/2007, não podendo, por isso, operar a presunção de culpa que recai sobre a Ré nos termos do n.º 1 da mesma disposição legal, e assim julgando improcedente a ação, violou, entre outros, os artigos 369º, 371º e 372º todos do CC e o artigo 12º, n.º1, b), e n.º2, da Lei n.º24/2007, de 18 de Julho.
48. A douta sentença recorrida merece censura e deve ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a presente ação e, em consequência, condene a Ré a pagar ao Autor a quantia de €6.209,19 (seis mil duzentos e nove euros e dezanove cêntimos), acrescida dos juros, contados à taxa legal (presentemente 4%), a partir da citação, até integral e efetivo pagamento.
Nestes termos e nos que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, dando provimento à presente apelação e, em consequência, revogando a douta sentença recorrida e substituindo-a por outra que julgue procedente a presente ação e, em consequência, condene a Ré a pagar ao Autor a quantia de €6.209,19 (seis mil duzentos e nove euros e dezanove cêntimos), acrescida dos juros, contados à taxa legal (presentemente 4%), a partir da citação, até integral e efetivo pagamento, com o que se fará, como sempre, inteira e sã JUSTIÇA!
A interveniente Companhia de Seguros C… - Sucursal em Portugal apresentou resposta, pugnando pela sua total improcedência e concluindo:
I. Tendo em consideração o disposto, em especial no que diz respeito à análise crítica das provas, não merece qualquer censura a decisão do Meritíssimo Tribunal a quo sobre a decisão de que o Recorrente NÃO provou que as autoridades policiais tenham confirmado as causas do acidente no local;
II. Efectivamente:
III. Da participação do acidente que consta dos autos resulta que o agente participante não presenciou o sinistro;
IV. Do testemunho do Autor/Recorrente bem como da testemunha E… resulta que os mesmos são contraditórios quanto à alegada presença das forças policiais no local, mencionando, a primeira testemunha, um agente, e a segunda testemunha dois agentes;
V. O artº 12 da Lei 24/2007 estabelece uma inversão do ónus da prova e não uma presunção de culpa.
VI. No entanto, para que tal aconteça tem de estar preenchido o nº2, o que, como ficou provado pela sentença recorrida, não se verificou.
VII. Assim, não se inverteu o ónus da prova quanto ao cumprimento das obrigações de segurança, não obstante ter a mesma – ainda assim - demonstrado que cumpriu todos os deveres a que estava adstrita.
VIII. Não merece aliás censura a decisão do Tribunal a quo sobre qualquer outro ponto da matéria de facto dada como provada;
IX. Não merece, assim e finalmente, qualquer censura a decisão de direito do Tribunal a quo sobre a não responsabilidade da concessionária na produção do sinistro.
Termos em que deverá ser negado provimento ao presente recurso, confirmando-se em consequência a douta sentença recorrida, como é de inteira JUSTIÇA
Também a autora – B…, S.A. - apresentou resposta às alegações de recurso, requerendo a ampliação do objeto do recurso, nos termos do art.º 636.º do Código de Processo Civil, concluindo:
a) Quanto às contra - alegações.
I. A pretensão do A. de suprimir o facto n° 28 do rol dos factos provados não tem qualquer fundamento, como não o tem aqueloutra de esse ponto ser substituído pela redacção que sugere na sua peça processual;
II. Com efeito, para além de ser rigorosamente verdade e corresponder inequivocamente à prova produzida o que resulta daquele facto n° 28, temos que nada nos autos - seja as declarações de parte do próprio A., seja a PAV (impugnada e não confirmada por qualquer outro meio de prova), seja o depoimento da mãe do A. (que, curiosamente, até contradiz o declarado pelo próprio A.) - permite que se conclua diversamente e sobretudo no sentido defendido pelo A.;
III. Sobre a decisão de não aplicação da Lei n° 24/2007, de 18 de Julho a estes autos, e contrariamente ao expendido pelo A., nenhuma crítica há a apontar à douta sentença, pois que esta "limitou-se", e bem, a fazer a sua correcta interpretação e aplicação, particularmente no que se refere aos n°s. 1 e 2 do respectivo artigo 12°;
IV. Mas ainda que assim não fosse, a decisão (de absolvição da R.) não podia ter sido outra, posto que é evidente que a R. cumpriu/demonstrou cabalmente o cumprimento das suas obrigações de segurança (obrigações essas de meios e não resultado), particularmente no quer refere à “correcção” (no sentido de serem aquelas as vedações que ali deviam estar colocadas) e integridade da vedação, sendo certo que não é pelo simples facto de um animal se encontrar na via que se pode automaticamente concluir que ocorreu alguma "falha", qualquer que ela seja, além de muito menos é "garantido" aos utentes que não vão ter acidentes durante a sua circulação na AE.
V. Por tudo isso, não assiste qualquer razão ao A., quer nas suas alegações, quer nas conclusões que formula e que assim devem improceder, além de que - repete- se - não se reconhece que a douta sentença seja merecedora de qualquer uma das críticas avançadas pelo A., tanto no que respeita à reapreciação da matéria de facto, como igualmente no que tange às razões de direito.
b) Quanto à ampliação do objecto do recurso.
VI. Na opinião da R., e a título subsidiário, como lhe permite o disposto no artigo 636° n° 2 do C. P. C., impõe-se, em face da prova "disponível" dos autos, proceder a alterações à matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo;
VII. Desde logo (e neste caso sem qualquer necessidade de recurso à prova dos autos e designadamente à prova gravada), entende a R. que o facto provado n° 3 deve ser excluído, não só porque o que ali consta (que "no local do sinistro a auto- estrada não se encontrava vedada") não corresponde à verdade, mas também porque essa resposta é manifestamente contraditória (e incompatível, de resto) com aqueloutra que consta do facto provado n° 23 (e a sua segunda parte redundante relativamente ao facto provado n° 19);
VIII. Depois (e agora com base na prova gravada), não resta a mínima dúvida que é de "acrescentar" ao elenco dos factos provados de matéria de facto que é essencial para a boa decisão da causa e sobre a qual o Tribunal a quo não se pronunciou, quando deveria tê-lo feito, mais não fosse de harmonia com o previsto no artigo 5° n° 2 do C. P. C.;
IX. Na verdade, tendo em atenção as declarações de parte do próprio A. (particularmente entre os minutos 9m42s e 10m23s e entre os minutos 41m14s e 41m30s), é possível concluir (sem qualquer receio de errar, note-se, dado que se trata de uma "confissão" que lhe é manifestamente desfavorável - cfr. p. ex. os ac. desta RP de 20.06.2015 e de 10.09.2015, este último, pensa-se, não publicado) que o veículo tripulado pelo A. circulava em excesso de velocidade aquando do sinistro e que o próprio A. sabia que estava a incorrer numa transgressão estradal;
XI. Assim, e com base nas declarações de parte do A., devem ser aditados ao rol dos factos provados os seguintes factos:
a) provado que no momento do sinistro o veículo de matrícula .. – GM -.., conduzido pelo A., circulava a uma velocidade não inferior a 130 Km/h;
b) provado que a velocidade máxima instantânea permitida no local do sinistro era, na data referida em 1., de 120 Km/h.
XI. Por isso, é manifesto que há culpa efectiva do A. na produção do sinistro que "(...) não só devia, como podia ter agido de outro modo (...)" (cfr. Antunes Varela, "Das obrigações em Geral, Vol. II, 4a edição, Almedina, Coimbra, 1990, pág. 92), ademais de ser nítida a violação dos deveres de diligência, de atenção e cuidado por parte daquele A. (artigo 487° n° 2 do Cód. Civil);
XII. Diversamente, não resulta dos autos qualquer culpa efectiva da R. no que a este sinistro diz respeito, mas tão-só (isto no entendimento do Tribunal a quo) uma culpa presumida;
XIII. Ora, baseando-se a responsabilidade numa simples presunção de culpa e havendo culpa efectiva do lesado, fica excluído o dever de indemnizar (cfr. Cód. Civil, artigo 570° n° 2);
XIV. De modo que, e salvo o devido respeito, a sentença da P instância violou o disposto nos artigos 5° n° 2 do C. P. C., 24° e 27° do Cód. da Estrada e 487° n° 2 e 570° n° 2 do Cód. Civil, razão pela qual se a R. não tivesse sido absolvida pelos motivos constantes da sentença sempre teria de ser absolvida por força daqueles factos que devem ser aditados ao elenco dos factos provados e, naturalmente, da aplicação a esses factos destes normativos.
Termos em que deve ser negado provimento ao recurso do A. e respectivas conclusões, assim se fazendo inteira Justiça.
Quando assim se não entenda - o que só por mera hipótese académica se concebe -, deve ser admitida a requerida ampliação do objecto do recurso para conhecimento das questões que ora se suscitam, decidindo-se em conformidade com o defendido nestas linhas e mantendo-se, também nesse caso, a absolvição da R. decidida pelo Tribunal a quo, assim se fazendo igualmente Justiça.
O autor respondeu às alegações da autora (no que respeita à ampliação do objeto do recurso), alegando, nomeadamente:
«[…] a) Da inadmissibilidade do aditamento dos novos factos;
O artigo 5.º do Código de Processo Civil define em sede de matéria de facto o que constitui o ónus de alegação das partes e como se delimitam os poderes de cognição do tribunal.
O citado artigo dispõe o seguinte:
1 - Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.
2 - Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:
a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;
c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
3 - O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.
No nº 2 da supra citada norma legal define-se o regime de conhecimento dos factos instrumentais e dos factos complementares e concretizadores dos que as partes alegaram nos articulados que resultem da instrução da causa.
Ora,
A alegação de que (a) momento do sinistro o veículo de matrícula .. – GM - .., conduzido pelo A., circulava a uma velocidade não inferior a 130 Km/h; e (b) a velocidade máxima instantânea permitida no local do sinistro era, na data referida em 1., de 120 Km/h, são factos essenciais à procedência da exceção de culpa do Autora agora invocada pela Ré, aqui Recorrida.
A Ré não alegou tais factos na contestação.
A Ré não deduziu quaisquer factos a propósito da matéria da velocidade excessiva que o Autor imprimia no veículo no momento do acidente.
Aliás, a Ré não deduziu na sua contestação a exceção de culpa do lesado, aqui Autor.
Nos termos do art. 5º, n.º1, do CPC, à Ré cabia alegar os factos essenciais em que se baseiam as exceções invocadas.
E, segundo o disposto no art. 572, c), do CPC, incumbia à Ré expor os factos essenciais em que se baseiam as exceções deduzidas, especificando-as separadamente.
O que determina que sobre tal factualidade impendia sobre a Ré, aqui Recorrida, o ónus de alegação. Deste modo, sendo tais factos novos são factos essenciais, o Tribunal a quo não os podia considerar oficiosamente de harmonia com o art. 5º, n.º2, do CPC.
Com efeito,
Segundo tal disposição legal, além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz: a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar.
Primeiramente os factos novos que a Ré pretende aditar não são factos instrumentais que são aqueles que, por si, não bastam para a procedência da ação ou da exceção, como acontece com os factos essenciais, mas permitem inferir a demonstração dos correspondentes factos principais.
Logo, tais factos novos não podiam ser considerados oficiosamente pelo Tribunal ao abrigo do art. 5º, n.º2, a), do CPC.
(…)
Em face de tudo o precedentemente exposto resulta, claro, que os seguintes factos novos (a) no momento do sinistro o veículo de matrícula .. – GM - .., conduzido pelo A., circulava a uma velocidade não inferior a 130 Km/h; e (b) a velocidade máxima instantânea permitida no local do sinistro era, na data referida em 1., de 120 Km/h, não alegados mas resultantes da instrução, não podem ser admitidos pelo Tribunal por serem factos essenciais em que se baseia uma exceção de culpa do Autor que nem sequer foi deduzida pela Ré».
II. Do mérito do recurso
1. Definição do objecto do recurso
O objeto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635.º, n.º 3 e 4 e 639.º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 3.º, n.º 3, do diploma legal citado), consubstancia-se nas seguintes questões:
ii) reponderação da decisão da matéria de facto, nos segmentos impugnados, com prévia averiguação sobre os pressupostos legais da sua admissibilidade;
ii) reponderação do mérito jurídico da sentença, com base na factualidade definitivamente fixada;
2. Impugnação da decisão da matéria de facto
2.1. Recurso do autor: identificação dos factos sobre os quais incide a divergência
Nas conclusões 3.ª a 16.ª, o autor alega que foi incorretamente julgado o ‘facto provado’ n.º 28, invocando, como suporte da sua divergência: a inexistência de prova de tal facto; o documento n.º 2 junto pelo autor, com a petição, correspondente à cópia da participação policial do referido acidente, elaborada pelo Comando Territorial do Porto, da Guarda Nacional Republicana; as declarações do autor e de sua mãe na audiência de julgamento.
Propõe que se considere provado o seguinte facto: «a autoridade policial esteve com o condutor do GM na rotunda referida no facto n.º 27 e confirmou que estava um animal morto na via onde ocorreu o sinistro».
Transcreve-se o facto em causa:
«28 - A autoridade policial não esteve com o condutor do GM no local do sinistro, mas apenas na dita rotunda, ou seja, não confirmou (e nem podia fazê-lo) as causas do acidente no local onde o A. diz ter acontecido o acidente».
2.1.1. Motivação do Tribunal
Consta da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto:
«[…] a convicção do tribunal ao dar as respostas que antecedem fundou-se na análise crítica e conjugada das declarações prestadas pelo Autor com os depoimentos das testemunhas inquiridas em audiência de julgamento e com os documentos juntos aos autos, análise essa feita à luz das regras da experiência comum e norteada pelo princípio da livre apreciação da prova (artigo 396º do Código Civil).
Assim, o tribunal atendeu aos seguintes documentos:
- de fls. 13 (cópia da informação relativo ao veículo do Autor) para prova da propriedade do veículo;
- de fls. 27 e 28 (orçamento relativo à reparação do veículo do Autor);
- de fls. 129 e 130 ( comprovativo da prestação paga pelo Autor relativa ao veículo automóvel);
O tribunal atendeu ainda às declarações de parte do Autor que apesar de naturalmente interessado no desfecho da acção e de ter incorrido em algumas contradições (fruto certamente do estado de nervosismo que apresentava, explicou de forma mais ou menos coerente e objectiva como ocorreu o embate e as consequências que do mesmo resultaram.
Também as suas declarações foram decisivas para dar como provado que o mesmo não imobilizou a viatura no local do embate mas mais à frente, acerca de 500 metros numa rotunda à saída do nó da AE. Por esse facto o mesmo não conseguiu confirmar ao tribunal que os agentes da autoridade com quem falou nessa rotunda se deslocaram efectivamente ao local do embate e aí verificaram as causa do acidente, designadamente o embate no cão. Diga-se, aliás, a este propósito que nem o Autor nem nenhuma das testemunhas inquiridas conseguiram confirmar esse facto, sendo certo que a única prova existente nos autos é a cópia do auto participação, a qual foi impugnada no seu conteúdo e teor pela Ré, pelo que tratando-se de um documento sem valor probatório pleno, não faz, por si só qualquer prova, dos factos aí relatados, tanto mais que os mesmos não confirmados pelos agentes autuantes que não foram arrolados como testemunhas, cabendo à parte, designadamente ao Autor diligenciar pela prova dos mesmos.
Diga-se ainda que foram igualmente relevantes quer para a confirmação da ocorrência do acidente quer para os danos os depoimentos das testemunhas arroladas pelo Autor, designadamente a mãe E… - que apesar da manifesta má vontade relativamente à Ré B…, sempre foi relatando os factos com alguma pertinência, em particular os atinentes aos danos, uma vez que a mesma não presenciou o acidente, embora se tivesse deslocado à rotunda onde o Autor tinha o veículo imobilizado após a sua ocorrência – o primo do Autor, F…, proprietário da oficina onde foi reparado o veículo – que sempre foi dizendo quais os danos que o veículo apresentava, que confirmou o orçamento elaborado para a sua reparação e que a mesma durou vários meses, uma vez que não tendo o Autor disponibilidade financeira para efectuar o pagamento e dado o parentesco que os une, a testemunha foi-lhe reparando o veículo aos poucos e sempre que tinha uma vaga na oficina; referiu ainda que se a reparação fosse executada toda de seguida, duraria cerca de 7 dias – e a testemunha G… que passou no local no dia do acidente e que confirmou ter passado por cima de um cão morto que se encontrava na faixa de rodagem; disse ainda que saiu da auto-estrada na rotunda para … onde falou com o Autor que aí se encontrava, referindo ainda que nessa altura não se encontrava ninguém presente nem por parte da Ré B… nem por parte das autoridades policiais.
O tribunal atendeu ainda aos depoimentos das testemunhas H…, I…, J… e K… funcionários da Ré B… que explicaram os procedimentos adoptados por esta na fiscalização e conservação da via».
2.1.2. Reponderação da prova
Salvo o devido respeito, pensamos que, face à prova produzida, não é viável a conclusão perentória que se enuncia na resposta dada pelo Tribunal, no sentido de que a autoridade policial “não confirmou (e nem podia fazê-lo) as causas do acidente”.
A decisão da matéria de facto deve resultar do confronto crítico de todos os meios de prova e da sua articulação com base num raciocínio lógico, no qual não pode o julgador perder de vista as regras da experiência comum, na aferição da verdade dos factos, com vista a permitir uma convicção profunda assente em padrões de probabilidade, capaz de afastar a situação de dúvida razoável.
Como se refere no acórdão desta Relação, de 19.12.2012[1], o princípio da livre apreciação da prova, que alicerça o julgamento da matéria de facto, sustenta-se em critérios racionais e objetivos, em juízos de ilações e inferências razoáveis, mas sempre de mera probabilidade e conduz a um juízo positivo de prova quando, em face dos instrumentos disponíveis, do seu conteúdo, consistência e harmonia, se afigure aceitável à consciência de um cidadão medianamente informado e esclarecido, que a realidade por eles indiciada já se possa ter como efetivamente assumida, devendo a avaliação dos depoimentos das testemunhas ser realizada de acordo com o princípio enunciado no artigo 396º do Código Civil, assentando em dois polos, via de regra; de um lado, na razão de ciência de evidenciada (artigo 516º, nº 1, do CPC); do outro, no maior ou menor afastamento (ou comprometimento pessoal) que, com a controvérsia em discussão, se afigure existir (artigo 513º, nº 1, final, do CPC; sendo estes fatores que, além do mais, permitem escrutinar o nível da credibilidade que lhes pode ser conferido.
Ora, in casu, desde logo manifestamos a nossa divergência quanto à omissão de qualquer referência ou atribuição de qualquer relevância à “Participação de Acidente de Viação” elaborada pela GNR, subscrita por um agente daquela corporação e certificada pelo Comandante do Destacamento (em 25.06.2012).
É certo que o autor não arrolou o agente como testemunha, mas não conseguimos deixar, ainda assim, de atribuir alguma relevância a um documento emanado pela entidade policial (ninguém invocou a sua falsidade), com o timbre, carimbos e assinaturas habituais, do qual consta, nomeadamente: «Pelas averiguações efetuadas no local do acidente e declarações escritas do condutor o participante presume que o mesmo tenha ocorrido como passa a transcrever…».
Mais consta do relatório da GNR: «Vestígios no local: Animal morto na via. O funcionário da concessionária da via retirou o animal morto da via esquerda».
Segue-se o croqui, legendado, com a imagem e um cão: «A- Sentido de marcha do veículo (A.. Km .. … – Valongo). B- Local provável do embate (A.. via esquerda km ..). C- Animal morto na via. Nota: O veículo não é mencionado no esboço pelo facto de o seu condutor por razões de segurança o ter imobilizado na merma cerca de 500 metros à frente».
É certo que tudo seria mais fácil se o autor tivesse arrolado como testemunhas os agentes da GNR, mas não temos dúvidas de que uma brigada daquela entidade policial esteve no local, face ao auto elaborado pelos militares da GNR, e aos depoimentos do autor (que nos pareceu credível, tal como refere a Mª Juíza) e da testemunha E… (mãe do autor, que seguia com ele no veículo).
Afirmou o autor: “ficou um agente comigo e o outro foi dar a volta” e que o referido agente confirmou que o cão se encontrava no local (08:55).
Mais afirmou que foi a GNR quem ligou para a B…, e que os funcionários desta apareceram no local, junto do autor, e “já tinham levantado o animal” (19:42).
Mais afirmou que quando os funcionários da concessionária chegaram ao local já o veículo do autor estava sobre o reboque: “tiraram fotografias ao carro já em cima do reboque” (21:01).
A testemunha E… confirmou a versão do autor: “Chamámos a polícia… vieram dois agentes… eles foram ver o cão… ainda estava na via… veio uma carrinha de caixa aberta da B…” (03:50).
A mesma testemunha afirmou ainda: A GNR esteve lá… um deles foi dar a volta” (31:27), hesitando depois sobre se foi apenas um dos militares da GNR ou se foram os dois, afirmando de forma perentória que sabe que foram ver e justificando a sua hesitação devido aos cinco anos entretanto decorridos.
Esta testemunha pareceu-nos séria, serena e credível.
É tempo de invocarmos as regras da experiência comum.
Tais regras permitem inferências seguras, suscetíveis de suportar a convicção do julgador, inspiradas “nas máximas da experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana”.[2]
A prova incide sempre sobre factos e condutas humanas, e não faz qualquer sentido a sua apreciação desligada de uma certa lógica imanente a essas condutas. Ora, não se afigura minimamente credível que, no contexto referido, com os meios de que dispunha, os militares da GNR tivessem elaborado o auto, com descrição, esboço, legendas, etc., sem sequer se deslocarem ao local do acidente.
Acresce a credibilidade da prova testemunhal que ajuda a suportar a conclusão enunciada.
Com estes fundamentos, julga-se procedente o recurso neste segmento e, em consequência, altera-se o facto 28., que passa a ter a seguinte redação:
28. A autoridade policial (GNR) esteve com o condutor do GM na rotunda referida no facto n.º 27, e deslocou-se ao local do embate, confirmando a presença de um animal morto na via onde ocorreu o sinistro.
2.2. Recurso da ré
2.2.1. Quanto ao facto provado n.º 3
Alega a ré que o facto provado n.º 3 não corresponde à verdade e que colide com o facto provado n.º 23.
Consta do facto n.º 3: «No local do sinistro, a auto estrada não se encontrava vedada, sendo que inexiste barreiras físicas de portagem no seu todo da auto estrada».
Começamos por referir, ressalvado o devido respeito, que esta alegação só se poderá justificar por manifesta desatenção, face ao documento junto aos autos a fls. 18 e à alegação da ré nos artigos 4.º a 6.º da sua contestação[3].
Se não, vejamos.
Consta da comunicação remetida pela ré ao autor, em resposta à sua reclamação (fls. 18 dos autos):
«Damos por recebida a reclamação apresentada por V. Exa. […].
Em resposta, cumpre-nos informar que esta Concessionária considera ter cumprido cabalmente com todas as obrigações que para si decorrem do Contrato de Concessão […].
Acresce que, como sabe, tratando-se a via em que o veículo transitava, de uma auto-estrada sem barreiras físicas de portagem nos diversos Nós existentes […] torna-se praticamente impossível impedir a entrada de animais […]».
Já no que concerne à alegada contradição com o facto 23[4]., reiterando sempre o devido respeito, não a conseguimos vislumbrar.
Com efeito, o facto 3, expressamente admitido pela ré, não impede que as vedações existentes não tenham buracos.
2.2.2. Quanto à factualidade referente à velocidade
Pretende a ré, agora em sede de ampliação do objeto do recurso, que se aditem ao elenco factual provado, os seguintes factos:
a) provado que no momento do sinistro o veículo de matrícula .. – GM -.., conduzido pelo A., circulava a uma velocidade não inferior a 130 Km/h;
b) provado que a velocidade máxima instantânea permitida no local do sinistro era, na data referida em 1., de 120 Km/h.
Ora, em toda a sua longa contestação (44 artigos), a ré não se refere, uma única vez, à velocidade do autor.
Tais factos deverão considerar-se essenciais e, nessa medida, não tendo sido alegados, está o Tribunal impedido de sobre eles produzir prova.
Sob a epígrafe “Ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal”, o artigo 5.º do Código de Processo Civil estabelece a distinção entre factos essenciais e instrumentais, no que respeita ao ónus de alegação:
1 - Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.
2 - Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:
a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;
c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
3 - O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.
Decorre do normativo transcrito, que os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as exceções devem ser necessariamente articulados pelas partes, apenas podendo ser considerados pelo tribunal factos não articulados pelas partes quando os mesmos sejam factos complementares ou concretizadores, observado que tenha sido o contraditório quanto aos mesmos, instrumentais ou se tratem de factos notórios ou de que o tribunal tem conhecimento no exercício das suas funções.
Os factos essenciais que fundam o pedido são os que integram a causa de pedir, nos quais se baseia a pretensão do autor deduzida judicialmente, bem como as exceções invocadas pelo réu. São os factos constitutivos do direito invocado na petição, sem os quais se não encontra individualizado esse direito[5], gerando ineptidão da petição inicial a falta da sua alegação, e improcedência da pretensão a deficiente alegação não suprida, bem como os factos invocados pelo réu com vista à integração de qualquer exceção que obste à procedência da pretensão formulada pelo autor.
Na síntese feliz proposta pelo Conselheiro Lopes do Rego[6], factos essenciais são “os que concretizando, especificando e densificando os elementos da previsão normativa em que se funda a pretensão do autor ou do reconvinte, ou a excepção deduzida pelo réu como fundamento da sua defesa, se revelam decisivos para a viabilidade ou procedência da acção, da reconvenção ou da defesa por excepção, sendo absolutamente indispensáveis identificação, preenchimento e substanciação das situações jurídicas afirmadas e feitas valer em juízo pelas partes”.
Os factos sobre os quais deve incidir a prova são, assim, os factos constitutivos, impeditivos, modificativos ou extintivos do direito alegado. Consequentemente, só os referidos factos essenciais devem ser incluídos na referida descriminação, levando-se em conta as regras de repartição do ónus da prova, dela ficando de fora toda matéria de direito, os factos conclusivos, os factos instrumentais e a mera impugnação dos factos essenciais, mesmo que motivada.
Acresce que a ré suscita uma “questão nova”.
Os recursos são um “instrumento de impugnação de decisões judiciais, permitindo a sua reapreciação por um tribunal de categoria hierarquicamente superior”[7], destinando-se à reponderação de questões que hajam sido colocadas e apreciadas pelo tribunal recorrido, não se destinando ao conhecimento de questões novas[8].
Se este Tribunal apreciasse agora, em sede de recurso, uma questão que nunca foi invocada nem debatida nos autos (questão nova) o presente acórdão enfermaria de nulidade por excesso de pronúncia, nos termos da 2.ª parte do artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil.
Decorre do exposto a manifesta improcedência do recurso.
3. Fundamentos de facto
Face ao teor da decisão que antecede, está provada nos autos a seguinte factualidade relevante:
1. No dia 17 de Junho de 2012, pelas 00h 50m, ao Km .., da auto estrada A.., em …, concelho de Valongo, ocorreu um acidente de viação no qual foi interveniente o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de matrícula .. – GM - .. conduzido pelo seu proprietário, D…, aqui Autor.
2. O local onde ocorreu o acidente de viação, adiante descrito, - a A.. – é composto por duas faixas de rodagem, uma destinada ao sentido … - Valongo e outra destinada ao sentido inverso, separadas entre si por um separador central em betão, sendo que cada faixa de rodagem está, por sua vez, dividida em duas hemi - faixas de rodagem.
3 - No local do sinistro, a autoestrada não se encontrava vedada, sendo que inexiste barreiras físicas de portagem no seu todo da autoestrada.
4 - Momentos antes do acidente, o A. conduzia o GM, pela hemi - faixa de rodagem esquerda da faixa de rodagem da A.., no sentido … - Valongo, enquanto efetuava uma manobra de ultrapassagem a um veículo que circulava mais à frente, pela hemi - faixa de rodagem direita da mesma via e no mesmo sentido de marcha, mas a uma velocidade inferior.
5 - Neste circunstancialismo, quando assim circulava, o Autor foi surpreendido por um animal canídeo, de médio porte, que lhe surgiu, súbita e inesperadamente, junto ao separador central das vias de trânsito, e se atravessou em frente ao GM, nele embatendo.
6 - O referido animal morreu na sequência do descrito embate com o GM.
7 - O A. imobilizou o GM, cerca de 500 metros depois do local do embate.
8 - O A. comunicou o citado acidente às autoridades policiais.
9 - Um colaborador da Ré compareceu no local do acidente e retirou o animal morto da via de circulação.
10 - Em consequência do acidente resultaram danos materiais no veículo do Autor, designadamente a parte frontal do veículo nos diversos componentes da parte da frente e da parte inferior (frente) do veículo do A., tais como grelha; radiador; termo ventilador; suporte radiador; cave roda; amortecedor, ópticas, pintura, ficaram danificados, conforme se pode verificar pelas fotografias tiradas imediatamente após o acidente de viação ora em apreço.
11 - A reparação do veículo obrigou a colocação de novas peças, designadamente as supra referidas, bem como a obra de mecânica, chapeiro e pintura, cujo custou ascendeu a quantia de €3.927,80, acrescida de IVA à taxa legal em vigor, à data de setembro de 2012, no valor de €903,39.
12 - Durante esse período de 5 meses, o A. pagou, as prestações mensais relativas ao mútuo contraído pelo A. junto do “Banco L…, S.A.”, para a aquisição do GM, cada uma no valor de €175,60, totalizando o montante de €878,00 (oitocentos e setenta e oito euros).
13 - Essa instituição de crédito beneficia de reserva da propriedade do GM, datada de 2 de Agosto de 2010.
14 - Durante o período referido de 5 meses, o A. não pôde utilizar diariamente o seu automóvel para se deslocar para o emprego e teve de se socorrer de transportes alternativos.
15 – O A. utilizava o GM como meio de transporte na realização de tarefas domésticas, para visitar familiares e amigos e para passear, o que não pôde fazer naquele mesmo período.
16 - A R. é uma sociedade comercial que tem por objeto social a construção, conservação e exploração, em regime de concessão, de um conjunto de auto estradas.
17 - A R. é a concessionária da auto estrada A.., onde ocorreu o acidente supra descrito.
18 - Mediante o contrato de concessão que celebrou com o Estado, a R. comprometeu-se, além do mais, a assegurar permanentemente, em boas condições de segurança e comodidade, a circulação nas auto estradas.
19 – A concessão da R., denominada A.., tem as características (perfil) de auto estrada, mas era à data (e ainda é), uma AE sem portagens físicas à entrada e saída dos nós, designadamente os nós de entrada e saída da referida infra estrutura rodoviária não eram e não são fechados, i. e., não existiam à data, nem existem (e nem isso era possível), quaisquer barreiras físicas, nomeadamente as habituais barreiras de portagem físicas.
20 - Os nós daquela A.. permitem a ligação daquela AE a estradas nacionais ou municipais, vias estas que não são, como também é sabido, habitualmente vedadas, ao contrário do que sucede designadamente com as auto estradas.
21 – A R. exerce a vigilância sobre esses nós, como, de resto, o faz relativamente à plena via (secção corrente) da A...
22 - Tanto à data do sinistro, como atualmente, as vedações que se encontram implementadas naquela A.., em particular aquelas existentes nas proximidades do local onde o A. diz ter ocorrido o sinistro em apreço, respeitavam integralmente o respetivo projeto e, como dito, mereceram a prévia aprovação por parte dos organismos competentes do Estado Português.
23 - As vedações da A.., na data do sinistro e nas imediações do local onde este terá eclodido, não apresentavam naquela data quaisquer buracos, aberturas, ruturas, anomalias ou deficiências de qualquer espécie, como, aliás, oportunamente informou o A. disso mesmo.
24 - No dia do acidente, os colaboradores da contestante efetuaram diversos patrulhamentos a toda a extensão da concessão desta R., passaram por diversas vezes no local apontado como sendo o da eclosão do sinistro e não detetaram qualquer animal, designadamente um cão, nas imediações daquele local.
25 - Antes de ter eclodido o acidente narrado pelo A., a R. não tinha conhecimento da presença de qualquer animal na via nas proximidades do local do sinistro.
26 - O motorista do veículo não imobilizou a marcha do GM nas proximidades do local onde o A. diz ter acontecido o acidente.
27 - O GM prosseguiu a sua marcha até à rotunda existente à saída do nó de …, local onde o respetivo motorista o imobilizou,
28. A autoridade policial (GNR) esteve com o condutor do GM na rotunda referida no facto n.º 27, e deslocou-se ao local do embate, confirmando a presença de um animal morto na via onde ocorreu o sinistro.
29 – À data do acidente dos autos, a Ré B… havia transferido, até ao limite de 30 milhões de euros por sinistro, para a Companhia de Seguros C…, a sua responsabilidade civil pelos eventuais danos causados a terceiros em virtude da sua atividade, nos termos do contrato de seguro titulado pela apólice nº ………..
30 – Por força das referidas condições particulares do referido contrato, foi convencionado que, na anuidade de 2012 e por cada sinistro participado, a B… suportaria uma franquia de €2.500,00 por cada sinistro participado.
4. Fundamentos de direito
4.1. Apreciação do recurso do autor
Antes da vigência da Lei 24/2007, de 18 de julho de 2007, a natureza jurídica e o regime de responsabilidade dos concessionários de auto estradas pelos acidentes nestas ocorridos, devidos, nomeadamente, ao atravessamento de animais, foi objeto de acesa divergência nos tribunais e na doutrina.
Como se dá conta na sentença recorrida, afirmavam-se na jurisprudência, três posições distintas: uma, que considerava que a responsabilidade é contratual, colocando a concessionária na veste de devedor da prestação de serviço proporcionado ao utente, fazendo impender sobre ela a presunção de culpa do artigo 799.º do CC, fazendo apelo nomeadamente à figura do contrato a favor de terceiro; numa outra, sustentava-se ser tal responsabilidade civil extracontratual, o que implicava caber ao lesado a prova da culpa do autor da lesão; numa terceira, considerava-se que a responsabilização da concessionária assenta no facto de ter à sua guarda coisa imóvel, o que remeteria para a sua culpa presumida, por via da regra do art.º 493.º, n.º 1, do CC, entendendo-se que esta norma estabelecia uma inversão do ónus da prova quanto ao requisito da culpa, competindo à concessionária provar que agiu sem culpa.
A distinção essencial residia na fronteira entre a natureza contratual e extracontratual da responsabilidade da concessionária da auto estrada, havendo quem considerasse que estávamos perante um contrato inominado, celebrado entre o utente e a concessionária. Outros entendiam que se tratava de um contrato com efeito protetor de terceiros ou mesmo um contrato a favor de terceiros.
Na via extracontratual, afirmava-se a validade operativa do disposto no artigo 493, n.º 1 do Código Civil, com a inerente presunção de culpa, ou a solução decorrente dos artigos 483.º e 487.º do mesmo diploma, esta ainda mitigada pela abordagem decorrente da segunda parte do n.º 1 do primeiro destes preceitos, conjugada com as normas de proteção que integram o contrato de concessão, enquanto disposição legal destinada a proteger interesses alheios”[9].
A Lei 24/2007, de 18 de julho, veio apaziguar divergências, na medida em que prevê uma presunção de culpa da concessionária, ou mesmo, como refere Rui Paulo Mascarenhas de Ataíde[10], uma presunção indireta de ilicitude.
Na sentença recorrida, a Mª Juíza começa por referir que recai sobre a concessionária da auto estrada, o ónus de provar que a culpa não lhe poder ser atribuída, acabando por concluir pela exclusão da responsabilidade da ré, por entender verificada a exceção prevista no n.º 2 do art.º 12.º da Lei 24/2007 - porque «o Autor não logrou provar que no local do acidente estiveram presentes as autoridades policiais e que verificaram as causas do acidente».
Face à alteração da decisão da matéria de facto [facto 28.º], concluímos que se tornou improcedente a exceção referida.
Vejamos o regime legal.
Preceitua o artigo 12.º da citada Lei 24/2007, de 18 de julho:
1 - Nas auto estradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respetiva causa diga respeito a:
a) Objetos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem;
b) Atravessamento de animais;
c) Líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, a confirmação das causas do acidente é obrigatoriamente verificada no local por autoridade policial competente, sem prejuízo do rápido restabelecimento das condições de circulação em segurança.
3 - São excluídos do número anterior os casos de força maior, que diretamente afetem as atividades da concessão e não imputáveis ao concessionário, resultantes de:
a) Condições climatéricas manifestamente excecionais, designadamente graves inundações, ciclones ou sismos;
b) Cataclismo, epidemia, radiações atómicas, fogo ou raio;
c) Tumulto, subversão, atos de terrorismo, rebelião ou guerra.
Desta previsão legal resulta que a concessionária de auto estrada em que se verifique um sinistro rodoviário causado por objetos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem, atravessamento de animais e líquidos na via, neste último caso quando não resultantes de condições climatéricas anormais, está onerada com uma presunção de incumprimento das obrigações de segurança que lhe cabe observar.
Esta presunção, iuris tantum (artigo 350º, nº 2, do Código Civil), constitui, simultaneamente, uma presunção da ilicitude de certo facto e uma presunção de culpa, na medida em que revela a inobservância do especial dever de diligência que onera a concessionária (artigo 487º, nº 2, do Código Civil).
Na situação em debate nos autos ocorreu a colisão do veículo do autor contra um animal que atravessou a via.
Ora, a factualidade provada não permite concluir que a ré tenha provado o cumprimento das obrigações de segurança que sobre si impendem.
Tal como se defendeu no acórdão desta Relação, de 5.11.2012[11] para a ilisão da presunção legal iuris tantum de ilicitude e culpa resultante do nº 1, do citado artigo 12º, não basta a genérica demonstração do cumprimento dos deveres de manutenção, conservação, vigilância e fiscalização, sendo necessário provar um quadro factual concreto variável em função da conexão da fonte de perigo com a atuação da entidade exploradora. Se a fonte de perigo tem alguma conexão com a atuação da entidade exploradora, esse ónus implicará a prova de que a fonte de perigo é devida a terceiro e que a mesma foi provocada em termos tais que mesmo com uma adequada vigilância não poderia ter sido detetada pela entidade exploradora. Pelo contrário, se a fonte de perigo é estranha à entidade exploradora, bastará a prova duma adequada vigilância da via.
A este propósito, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 14.03.013 (processo n.º 201/06.8TBFAL.E1.S1, acessível no site da DGSI): «1. O art. 12º da Lei nº 24/2007, de 18/7, ao definir os direitos dos utentes de auto-estradas, itinerários principais ou itinerários complementares, faz recair sobre o concessionário a presunção de incumprimento de obrigações de segurança quando os acidentes sejam causalmente imputados a objectos arremessados, a objectos ou líquidos existentes nas faixas de rodagem ou ao atravessamento de animais. […] 3. Recaindo sobre a concessionária de auto-estrada uma obrigação reforçada de meios, a elisão da referida presunção, relativamente à entrada ou permanência de animais na faixa de rodagem, não se basta com a prova genérica de que houve passagens da equipa de assistência e de que não foi detectada ou comunicada a presença do animal».
Atenta a fundamentação jurídica que antecede, considerando a factualidade provada, concluímos que a ré não logrou ilidir a presunção legal que sobre ela recaia, daí emergindo a obrigação de indemnizar os danos sofridos pelo autor.
4.2. Apreciação do recurso da ré
No que respeita ao recurso da ré, ficou definida e fundamentada a sua improcedência no ponto 2.2., na medida em que baseou o seu recurso na invocação de factos essenciais não alegados na contestação.
4.3. Definição do montante indemnizatório
Pede o autor a condenação da ré no pagamento da quantia de € 6.209,19 acrescida de juros legais contados desde a citação e até efetivo e integral pagamento.
Provou-se a seguinte factualidade relevante:
11 - A reparação do veículo obrigou a colocação de novas peças, designadamente as supra referidas, bem como a obra de mecânica, chapeiro e pintura, cujo custou ascendeu a quantia de €3.927,80, acrescida de IVA à taxa legal em vigor, à data de setembro de 2012, no valor de €903,39.
12 - Durante esse período de 5 meses, o A. pagou, as prestações mensais relativas ao mútuo contraído pelo A. junto do “Banco L…, S.A.”, para a aquisição do GM, cada uma no valor de €175,60, totalizando o montante de €878,00 (oitocentos e setenta e oito euros).
13 - Essa instituição de crédito beneficia de reserva da propriedade do GM, datada de 2 de Agosto de 2010.
14 - Durante o período referido de 5 meses, o A. não pôde utilizar diariamente o seu automóvel para se deslocar para o emprego e teve de se socorrer de transportes alternativos.
15 – O A. utilizava o GM como meio de transporte na realização de tarefas domésticas, para visitar familiares e amigos e para passear, o que não pôde fazer naquele mesmo período.
Em suma, provou-se que o autor despendeu €4.831,19 na reparação do veículo e que esteve cinco meses sem poder utilizá-lo, pagando, ainda assim as prestações mensais, no valor de €878,00.
Para além do valor da reparação, o autor pede a condenação da ré no pagamento da quantia de €1.378,00 (€878,00 + €500,00), por danos emergentes da privação de uso do veículo (durante 5 meses) que era o seu único meio de transporte.
Para aferição do valor devido haverá que ter em consideração como parâmetro máximo, o valor diário do aluguer de um veículo de categoria idêntica ao sinistrado.
Considerando que o valor peticionado corresponde a €7,65 por dia, tendo ainda em atenção a prestação mensal que o autor continuou a pagar sem qualquer benefício, apelando a critérios de equidade, consideramos que o valor peticionado se revela adequado e proporcional aos factos provado.
Em conclusão, procede na íntegra o valor peticionado.
III. Dispositivo
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação:
A. Em julgar procedente o recurso do autor e, em consequência, em condenar a ré no pagamento da quantia de €6.209,19 acrescida de juros de mora contados desde a citação e até integral pagamento;
B. Em julgar totalmente improcedente a ampliação do objeto do recurso, apresentada pela ré.
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Custas da ação a cargo da ré e da interveniente.
Custas do recurso do autor a cargo das recorridas.
Custas do recurso da ré (ampliação do objeto do recurso do autor) a cargo da ré.
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O presente acórdão compõe-se de trinta e três páginas e foi elaborado em processador de texto pelo relator.
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Porto, 5 de fevereiro de 2018
Carlos Querido
Correia Pinto
Ana Paula Amorim
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[1] Proferido no processo n.º 1267/06.6TBAMT.P2, acessível no site da DGSI, subscrito pelo ora relator na qualidade de 1.º adjunto.
[2] Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil anotado”, volume I, 4ª edição, página 312.
[3] Diz a ré nos referidos artigos: «4º. O A. esquece de alegar que aquela concessão da R., denominada A.., tem as características (perfil) de auto-estrada, mas era à data (e ainda é), como se sabe, uma AE sem portagens físicas à entrada e saída dos nós, facto este público e notório que até nem careceria de alegação, muito menos de prova. Ou seja:
5º. Os nós de entrada e saída da referida infra-estrutura rodoviária não eram e não são fechados, i. e., não existiam à data, nem existem (e nem isso era possível), quaisquer barreiras físicas, nomeadamente as habituais barreiras de portagem físicas. E,
6º. Os nós daquela A.. permitem a ligação daquela AE a estradas nacionais ou
municipais, vias estas que não são, como também é sabido, habitualmente vedadas, ao contrário do que sucede designadamente com as auto-estradas.».
[4] Consta do facto em apreço: «23 - As vedações da A.., na data do sinistro e nas imediações do local onde este terá eclodido, não apresentavam naquela data quaisquer buracos, aberturas, ruturas, anomalias ou deficiências de qualquer espécie, como, aliás, oportunamente informou o A. disso mesmo».
[5] Professor Miguel Teixeira de Sousa: Estudos sobre o Novo Processo Civil, Editora: Lex, 1997, página 70.
[6] Comentários ao Código de processo Civil, 2.ª edição, 2004, Almedina, págs. 252 e 253.
[7] António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 19.
[8] Sobre esta matéria vejam-se, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2ª edição revista e actualizada, Almedina 2008, António Santos Abrantes Geraldes, páginas 25 e 26, anotação 5; Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª edição, Almedina 2009, Fernando Amâncio Ferreira, páginas 153 a 158.
[9] Vide, a este propósito: António Menezes Cordeiro, Igualdade Rodoviária e Acidentes de Viação nas Auto estradas – Estudo de Direito Civil Português, Almedina, 2004, págs. 45/59 e Rui Paulo Mascarenhas Ataíde, "Acidentes em auto estradas: natureza e regime jurídico da responsabilidade dos concessionários, in Estudos em Homenagem ao Professor Carlos Ferreira de Almeida, Volume II, Almedina, 2011, págs. 157/199, a págs. 159/172.
[10] Obra e local citados na nota anterior, pág. 195 e nota 60.
[11] Proferido no processo n.º 89/11.7TBVPA.P1, subscrito pelo ora relator na qualidade de 2.º adjunto.