Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1585/07.0TASTS.P1
Nº Convencional: JTRP00042925
Relator: OLGA MAURÍCIO
Descritores: ABERTURA DE INSTRUÇÃO
Nº do Documento: RP200909231585707.0TASTS.P1
Data do Acordão: 09/23/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO - LIVRO 387 - FLS 215.
Área Temática: .
Sumário: É de rejeitar, por inadmissibilidade legal, o requerimento de abertura de instrução omisso em elementos essenciais: sob pena de violação dos princípios da igualdade, imparcialidade e independência, o juiz não se pode substituir ao assistente e colocar, por sua iniciativa, os factos em falta.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1585/05.0TASTS
Tribunal judicial de Santo Tirso
Relatora: Olga Maurício
Adjunto: Artur Oliveira


Acordam na 2ª secção criminal (4ª secção judicial) do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO

B………. e C………. apresentaram queixa contra D………. e E………. imputando-lhes a prática dos seguintes factos:
«Os denunciantes eram donos e legitimes proprietários do F………., ………., Santo Tirso que haviam construído graças:
- a economias pessoais;
- a um subsidio de Fundo do Turismo;
- a diversos empréstimos de familiares e amigos.
No dia 28 de Junho de 1991, os denunciantes, por escritura pública, venderam ao denunciado D………. o prédio composto de:
- casa de habitação unifamiliar;
- o F………., pelo valor de 3 milhões de escudos (doc. 1).
Tal prédio veio, depois de registado, apressadamente como se descreverá a seguir, para evitar o registo de hipoteca do Fundo de Turismo, a ser reivindicado como propriedade do segundo denunciado, E………. que obtivera sentença favorável sobre o suprimento judicial num contrato promessa com cláusula de execução especifica supostamente contraída pelos denunciantes.
Apesar de saber que os factos que deram origem à referiria sentença não ocorreram dessa forma e sabendo que não pudera registar a sua propriedade por força do registo a favor do denunciado D1………., o certo é que se atreveu a "vender" esse prédio a G………. a quem, a troco do contrato-promessa de venda desse imóvel, o instigou a ocupa-lo como ocupa, actualmente.
Ora, a situação criada, permanece até hoje por que os denunciados e terceiros se envolveram numa tortuosa teia de compromissos e afrontamentos numa das burlas mais vergonhosas ocorridas na Comarca de Santo Tirso.
Na verdade, quando os denunciantes celebraram a escritura de venda:
- nem receberam os 3 milhões de escudos:
- nem quiseram vender por esse valor o que valia 100 milhões de escudos.
Apenas a isso foram obrigados por que para garantir diversas aquisições de equipamentos emitiram cheques que deram origem a diversos mandados de captura pendentes à data da referida escritura.
Aliás, o denunciante estivera já preso no Natal anterior, exactamente pela emissão de um cheque a um seu antigo sócio da H………. (C1………. ... do nome da denunciante) de nome I………. …
Dai que a sua situação não só económica e pessoal fosse desesperado.
Aliás para isso contribuía o facto de saber-se que no tribunal da comarca existiam diversos mandados de captura para execução.
É nessa altura que por indicação do funcionário judicial J………., que o denunciante marido se dirige ao escritório do Dr. K………. que, perante a gravidade da situação com os credores o aconselha a vender o restaurante, procurando, aliás, entre diversas pessoas, um comprador que arriscasse adquiri-lo nessas condições ...
O denunciado D………. foi o escolhido que aceitou:
- era desde 1983, por altura em que respondeu por furto de automóveis em Penafiel, um cliente indicado pelo J………., que aliás, manca se coibiu de o acompanhar nesse periodo, até na fase do julgamento;
- era o amigo confessa do J………. a quem emprestava carros de diversas marcas e tipos, de alta cilindrada que o J………. exibia como prova do poder e desse relacionamento;
- era o amigo confesso do J………. a quem este durante os últimos anos da década de oitenta em que esteve em serviço na Delegação, o D………. incumbia a denuncia de cheques e, face a isso, ao rápido encaminhamento e cobrança;
- era aliás, o funcionário judicial que o D………. incumbia de o representar nalgumas praças fora da comarca, emprestando-lhe veículos e dando-lhe meios, designadamente no Algarve no regresso do qual, aliás, o J………. ao volante do carro daquele sofreu grave acidente na AE-Norte;
- era, alias, o funcionário judicial que o D………. utilizava para intermediário nas praças, designadamente naquelas em que, pela função, intervinha, comprando em nome do D………. (na ausência deste) designadamente uma máquina de café penhorada a L………., proprietário do M………. de ………. que, exactamente por isso, voltou, pelos mesmos 20.000$00 à mão do L……….;
- era, assim, que o D………. adquiria nas praças, como adquiriu a N………. (de ……….) obtendo excepcionais condições para o pagamento da praça que se alongou por mais de um ano …
Assim, conjugado o medo existente, a ameaça da execução dos mandados de captura, a solução só poderia executar-se, como pensaram executar e executaram:
- vendendo o restaurante e registado, antes do registo da hipoteca do Fundo de Turismo;
- por esse valor na fraude ao fisco;
- não recebendo o denunciante qualquer valor por que não lhe foi pago e os denunciantes não estavam em condições de exigir do D………. face à intimidade e continuada presença do J………. e, assim, da ameaça de prisão.
Os denunciantes limitaram-se a receber o valor insignificante para levantar o alvará indispensável à escritura que foi levantada no próprio dia da escritura e, ainda, os bilhetes de avião para o Brasil, pagos pelo D………. .
Jamais o D1………. lhe pagou o valor real de 40 milhões acordados, nem os pôs à disposição do Dr. K………., como alegava, para satisfazer as obrigações dos denunciantes com os credores.
A margem desse negócio o D………. apoderou-se ainda de:
- uma carrinha Renault ………. cujas declarações de venda terá falsificado para vender e obter o seu valor de 3 milhões de escudos de terceiros;
- dois fogões, grelhadores, arcas frigorificas, máquinas de fazer gelo, sector de frio, máquinas de lavagem de pratos, roupa e secagem, utensílios de cozinha, talheres, toalhas de mesa e de rosto no valor de 50 milhões de escudos que vendeu ao já referido L………. na quase totalidade por valor interior a 10 milhões de escudos.
O denunciado D1………. jamais encaminhou qualquer destes valores para os denunciantes ou credores, designadamente para pagamento dos cheques sem provisão, aliás, por que, mantendo esses processos, era a forma de manter os denunciantes no Brasil, com risco de regressar e, assim, para sua segurança pessoal e patrimonial de que tais valores jamais foram exigidos.
Também o denunciado E………. procurado pelo denunciante para lhe adiantar 380 mil escudos indispensáveis ao pagamento de luz do restaurante à EDP, sob pena de corte de fornecimento, encaminhou os denunciantes para o escritório do Dr. O………., que instruído pelo cliente, emitiu um cheque seu desse valor, contra a entrega em branco de um papel assinado pelos denunciantes.
Nesse papel, depois, na ausência dos denunciantes no Brasil foi vertido um contrato promessa (a favor de E……….) de compra e venda da casa dos denunciantes junto ao restaurante.
Tal contrato veio, depois, a ser utilizado em acção cível contra os denunciados, na ausência destes e assim, sem contestação, permitindo ao E………. adquirir a casa pelo valor aposto no contrato de 1220 contos...
Prédio que, apesar da sentença, não conseguindo registar, face ao registo anterior do prédio a favor do D………., a seu favor (E……….) fez dele seu, prometendo vender a G………., pelo valor de 10 milhões de escudos e, face ao contrato de igual valor, o instigou a ocupar o prédio como, ainda, agora o ocupa.
O E………. sabia até pela recusa do registo que o prédio não lhe pertencia:
- face á falsificação do contrato promessa de que existia apenas a assinatura dos denunciantes para lavrar a divida de 380 e não de 1220 contos ...;
- como sabia que não poderia ter adquirido por 1200 contos o que vendia dias depois por 10 mil contos..;
- como sabia que vendia o que não era seu, face às sucessivas recusas de registos que intentara …
Os denunciados D………. e E………. mantêm-se numa guerra surda, sem usar os meios judiciais face à ocupação do E………. pelo G………. da casa do primeiro, uma vez que todos estão envolvidos e conscientes das sucessivas burlas e extorsões que a denuncia documenta.
Aliás, todos estão conscientes de que, havendo subsidio do Fundo de Turismo todos agiram em prejuízo do Estado em valor igual ao dessa divida, ou seja de 40 milhões de escudos em que, todos, conscientemente participaram, para que, cada um à sua maneira, obter largos proventos à custa dos denunciantes, dos credores dos denunciantes e do Estado.
Aliás o D………., o E………., o G………. e agora o L………. têm mantido longas conferencias através dos respectivos advogados designadamente na presença do Dr. O………., apressando-se a um acordo que sacrificando apenas os denunciantes e os credores permita:
- o D………. receber 40 mil contos;
- o E………. e o G………., 15 mil contos;
- ser o comprador, o L………. a desembolsar tal valor para contento dos denunciados».
Termina dizendo que os factos se enquadraram nos art. 28º, 367º, 368º, 369º, 377º, 215º, 233º, nº 1, 224º, nº 1, 226º, nº 4, al. b) e c), 255º e 256º, nº 4, al. b), do Código Penal.
Foi realizado inquérito decorrente desta denúncia, inquérito que também abrangeu os factos atribuídos a J………. e O1……….

2.
A final foi o inquérito arquivado em relação a todos os factos, por inexistência de indícios suficientes da prática de factos criminalmente puníveis.

Os denunciantes requereram a abertura de instrução, pedido que foi indeferido por falta de legitimidade dos requerentes.

Entretanto B………. requereu a sua constituição como assistente, pretendendo, desse modo, que a instrução antes requerida fosse, agora, aberta.
O pedido de constituição de assistente foi admitido, mas o pedido de realização de instrução foi indeferido, tendo este indeferimento motivado a interposição de recurso para esta relação, recurso ao qual veio a ser negado provimento.

3.
Mais tarde B………. e C………. requereram a reabertura do inquérito, alegando para tanto:
«1 - Os requerentes denunciaram factos que resultam claramente do requerimento de abertura de instrução que - para facilidade de entendimento - se junta copia (doc. 1).
No essencial os factos imputados eram os seguintes:
a) por força do referido nos arts. 1º a 5º, do documento agora junto, o alegado contracto promessa era falso, como se concluiu, nos arts. 6º a 10º do doc. 1;
b) esse documento foi usado pelos arguidos E………. e O1………. no proc. …/91 (doc. 2) bem sabendo da sua falsidade, pois foram eles que o falsificaram:
- o E………. assinando documento que lhe foi presente peloO1……….;
- este porque preencheu em branco o documento deixado em branco para confissão da divida de 380.000$00 que exactamente pela ausência nesse acto do E………., tal quantia foi entregue aos requerentes por cheque do arguido O………. .
c) por sua vez, na posse de tal contrato e por força da Sentença naquele proc. …/91, os arguidos E………. e O1………., bem sabendo que tal prédio não lhes pertencia e nem sequer por eles podia ser adquirido face a escritura e registo anterior da venda dos requerentes a D………., fizeram então (e só por isso) um contrato promessa com G………. pois... escritura, por óbvio, não poderiam fazer face aquele registo a favor do D………. .
d) para contornarem o registo a favor de D………., os arguidos fizeram então diversas diligências na Câmara de Santo Tirso para desanexarem a casa do restaurante (agora existente) quando bem sabiam que na venda a D………. não havia casa e restaurante registados autonomamente mas prédio destinado a habitação e arrumos (escritura doc. 3).
II - No inquérito e até ao despacho de arquivamento, todos os arguidos se combinaram para declararem a sua inocência angelical.
Porém, na sequência do arquivamento, os requerentes intentaram acção cível contra os mesmos arguidos do que resultou:
a) afinal, os aqui arguidos confessaram todos os factos da P.I. (doc.4, 5 e 6) designadamente:
- que o Réu E………. disse para o requerente que falasse com o arguido O………. (art.9º) o que o requerente fez com o arguido O………. (art.11º), portanto, na ausência do arguido E………. ...
- nesse mesmo dia foi... celebrado o contrato promessa (art.22º), logo, sem a presença do E……….;
- por isso, por não estar presente o E………. é que foi o O………. a emitir o cheque (art.23º e 24º);
- por isso, face à ausência do E………., é que o "E………. pagou no dia seguinte..." ao O……….!!!! (art.25º);
- "o contrato foi todo escrito pelo r. O………." (art.26º);
b) afinal, no proc. …/91, o valor... era de 380.000$00e não de 1.200.000$00 que lhe atribuíam depois...
c) afinal, o objecto do contrato de venda (do contrato promessa) nunca poderia ser a casa de habitação agora existente, pois o que existia e estava registado era uma casa de habitação e arrumas, sem restaurante (ver escritura da venda a D……….) e, por isso é que nem sequer fizeram o registo prévio da acção …/91!!! e, por sua vez fizeram as desanexações face à certidão do doc. 5.
d) afinal, só não fizeram a escritura da venda a G………. pois o prédio já estava vendido e registado a favor do D………. ...
e) so não registaram, pois teriam que arranjar nova descrição do mesmo prédio anteriormente existente!
IV - Acontece, assim, que há agora prova indesmentível de que:
- os requerentes não celebraram com E………. qualquer contrato promessa (alias ausente o E………. e emitente, por isso, do cheque o O……….);
- por outro lado, contrariamente ao que previam os arguidos a requerente C………. encontra-se em Portugal e em Santo Tirso para depor».

No requerimento de abertura de instrução, de que juntaram cópia - requerimento este referido acima - alegavam os requerentes:
«1º - Em dia anterior a 23 de Maio de 1992 o requerente B………. solicitou ao arguido E………. a quantia de 380.000$00 escudos para pagamento imediato do consumo de luz no restaurante "F………." a EDP sob pena de corte de fornecimento.
2º - O arguido E………. endereçou o requerente para o escritório do seu advogado, o arguido O1………. que a preencheu, datou e assinou um cheque pessoal seu à ordem da EDP.
3º - Ora, os requerentes deixaram ao arguido O………. para neles escreverem a entrega do valor do cheque mencionado, uma folha assinada em branco.
4º - O arguido O………. deu conhecimento dos factos ao E………., engenhando a falsificação de escrito para, em vez de nele pôr que os requerentes tinham recebido a quantia de 380.000$00 escudos, neles escreveu um contrato-promessa sobre o prédio dos requerentes em que seriam partes os requerentes e o E………. .
5º - Ora, o verdadeiro credor do cheque emitido era o arguido O1………. e que, assim, dissimulado o ocorrido, a burla que o arguido O………. e E………. iniciaram com a falsificação de titulo-papel em branco.
6º - Se bem o pensaram, melhor o executaram:
- a folha em branco foi deixada pelos requerentes ao arguido O……….;
- foi então, o arguido O………. que emitiu o cheque;
- nessa altura não foi celebrado qualquer contrato, até por que o E………. não estava presente e por isso não foi quem emitiu o cheque:
- o documento foi preenchido na máquina de arguido E………., às ordens deste;
- como o preenchimento da folha onde se verteu o contrato foi feito em data em que os requerentes já estavam no Brasil.
7º - Por isso:
A dívida era de 380.000$00 escudos, o valor inserto no documento foi de 1.200.000$00 escudos para um prédio que todos sabiam valer 10.000.000$00 escudos, valor pelo qual foi vendido ao G………. .
8º - O documento em branco como garantia da dívida foi deixado nessa altura dada a situação económica desesperada dos requerentes.
9º - Situação que os obrigou a fugir para o Brasil com receio dos mandados de captura.
10º - Tendo os arguidos consumado a falsificação e, depois, a burla processual face ao processo derivado do documento, convencidos de que os requerentes jamais voltariam a Portugal ou se interessassem pelo problema.
11º - Daí que, posteriormente ao "negócio" no escritório do arguido O………. se tenham reunido o D………., o G………., o L………. pois só então o D1………. e os outros souberam do documento nas mãos do arguido O………. .
12 º - O contrato quando foi "celebrado" falsificado pelo arguido O………. já toda a gente sabia que o prédio estava ocupado pelo D………. e a ele tinha sido vendido.
13º - Aliás,
O prédio dito adquirido pelo E………. não é aquele a que respeita a matriz referida no contrato falsificado:
- o referente à matriz era um casebre reconstruído em forma de restaurante;
- o prédio dito propriedade face ao contrato é um prédio construído de raiz;
- por isso, um e outro objecto da regularização do licenciamento camarário;
- de resto, quando o D……….s adquiriu, adquiriu o prédio antigo (reconstruído) e a casa de habitação construída de raiz.
14º - O Arguido O………., E………. e G………. sabiam, de tudo quanta é supra referido, urdiram o contrato promessa entre si (o contrato entre E………. e G……….) pois sabiam que não podiam registar o prédio.
15º - E
A ocupação efectiva do acordo entre os três foi feita face ar conhecimento do tudo supra referido e aproveitando estar a casa vazia e o pretexto pala obrigar o D1………. a aceitar essa divisão leonina dos despojos dos ausentes-requerentes.
Daí as reuniões no escritório do arguido O………. referidas no art. 11º.
16º - Todos tinham consciência da situação económica desesperada dos requerentes, da existência contra ele de mandados de captura que foram a causa da sua ida para o Brasil e que ao procederem dessa forma se apropriaram de valores não devidos, através de falsificarão de escrito, na certeza da impunidade pela ausência dos requerentes, para beneficio seu de milhares de contos na discrepância entre o devido e o valor dos bens, sabendo da ilicitude do comportamento mas aceitando a actividade criminosa em vista do lucro sem causa.
Cometeram os arguidos:
1º - O1……….:
1 crime do 226º n. 4 alínea b);
1 crime de falsificação de escrita - art. 256 n. 1;
1 crime do 360º do C.Penal;
1 crime de burla – art. 218º n. 2 alínea a)
1 crime de usurpação – art. 215º do C.Penal
concorrendo com falsificação e uso de registo falso;
2º - O E………. em co-autoria, os mesmos crimes do arguido O1……….;
3º - O G………. em co-autoria, um crime p. e p. pelo art. 215º do C.Penal.
Os requerentes só não deduzem acusado quanto ao D………. e J………. face à transacção obtida no Proc. …/99».

4.
Por despacho de fls. 961 a 976 o Ministério Público determinou o arquivamento do inquérito por inexistência de indícios suficientes da prática de factos criminalmente puníveis.

5.
Arquivado o inquérito B………. e C………. requereram a abertura de instrução, nos seguintes termos:
«O inquérito é nulo, nulo o processamento do inquérito, nulo o despacho de arquivamento.
A - Na verdade e, em primeiro lugar, o autor do despacho decidiu em causa própria:
- foi o autor do despacho o signatário da contestação do réu Estado no proc. …./02 pendente no .º juízo cível, razão pela qual quis fazer coincidir a versão deste despacho com a tese da contestação daquela acção cível - os termos vamos ver a seguir;
- é o autor do despacho réu do proc. …./07.8TBSTS do .º juízo cível deste tribunal, (face à tramitação destes autos) pelo que, arquivando o processo pretende dar fundamento à falta de ilícito criminal dos arguidos e de si próprio, aproveitando-lhe este arquivamento para excepcionar com a falta de ilícito seu e assim do fundamento daquela acção que no ilícito se funda.
O escândalo judiciário sai agora de portas e, assim sendo, verá a luz do dia para que se saiba (saiba toda a gente) a justiça que se faz - bem ou mal haverá muita gente a decidir mais do que a opinar.
B - A condução do inquérito teria que apurar:
a) venderam os denunciantes todo o prédio a D………. (restaurante e habitação) que era prédio único na escritura de Junho de 1991?
b) antes desta venda ou depois desta venda é que obtiveram sentença de aquisição?
c) antes da sentença de aquisição pelo arguido E………. já estava registado o prédio a favor de D……….?
d) na acção …/91, os arguidos E………. e O………. juntaram ou procederam ao registo prévio da acção aquisitiva (art. 1º e 3º do C.R.Predial)? E omitiram esse registo porquê?
e) os arguidos E………. e E………. procederam ao registo do prédio face ao anterior registo ou promoveram as diversas fraudes obtendo nova numeração do registo face ao obstáculo do anterior registo do prédio (todo) a favor de D……….?
f) pagou o D………. todo o valor do prédio aos requerentes ou só pagou parte do valor, ficando o restante valor dependente da fraude imputada aos arguidos que falsificaram o contrato promessa, assim obtiveram sentença?
g) o contrato promessa existiu ou houve apenas uma declaração em branco (ou papel em branco) que o O………… preencheu e o E………. assinou como contrato promessa no dia seguinte à entrega do cheque pelo arguido O………. (na ausência do E……….) e na ausência total deste na celebração do contrato?
h) o G………. adquiriu a casa ao E……….. e porque a não registou (nem sequer podia celebrar a escritura face a ausência de registo prévio a favor do promitente vendedor – E………. – art. 34 e 35 do C. Registo Predial
Diversamente do que se diz no despacho e do que se apurou no inquérito:
a) os requerentes venderam todo o prédio ao D………. (restaurante e habitação) que o registou em seu nome;
b) a sentença de aquisição pelo arguido E………. é posterior à aquisição e registo do prédio pelo D……….;
c) os arguidos E………. e O………. omitiram o registo prévio da acção …/91 pois (apesar de indispensável) sabiam que a essa data já o prédio (todo) estava registado a favor de D……….;
d) o D………. só pagou parte do valor do prédio pois o restante ficou dependente de validade ou não do contrato falsificado pelos arguidos conforme acordo junto ao proc. …./02 e a este inquérito;
e) o papel deixado ao arguido O………. foi um papel em branco, que o O………. preencheu sozinho (na ausência dos requerentes e do " promitente comprador que só o assinou no dia seguinte a pedido do arguido O……….);
f) o G………. não podia fazer a escritura e não fez pois a escritura só se poderia realizar após o registo prévio do prédio a favor do promitente vendedor (E……….);
g) as sucessivas fraudes na Câmara visaram obter registos (numero diverso) do registo do mesmo prédio adquirido pelo D………. .
C - O DIREITO:
A - as questões:
a) É inquestionável que o D………. comprou o prédio por escritura de 23/06/1991, de modo que qualquer venda posterior (ainda que fosse verdadeira) não podia prevalecer sobre o direito de D………., obviamente;
b) é inquestionável que os arguidos omitiram o registo prévio da acção (proc …/91) pois a data, não só já estava registado aquela aquisição como o averbamento a favor do arguido E………. só se fez a 2/10/02 ou seja muito tempo depois … (fr 731 e 736 );
c) como se vê a fl. 789 a matriz constante da escritura de 28 de Junho de 91, não é a mesma sob o nº 223 ou do nº 280?
d) como se aprende na Universidade, o contrato promessa envolve duas partes o que não impedia que (se fosse o caso) os requerentes tivessem feito uma promessa unilateral ao E………. que assim, só teria de ser assinado pelos requerentes, pelo que estando o papel em branco, preenchido exclusivamente pelo O………. e pelo "promitente comprador" no dia seguinte, tal contrato não é um contrato, é uma falsificação, falsificação que deu origem ao processo …/91, ao averbamento Camarário, ao registo falso, a burla na aquisição por defraudação (na redacção antiga do C.Penal de 1886) burla com falsificação;
e) o prejuízo na falsificação presume-se (não elimina o crime) o pagamento pelo D1………. total ou parcial não elimina o prejuízo dos requerentes a quem o arguido falsificou o contrato fundamento esse de falsificação que impede o D1………. de pagar o valor dessa venda na totalidade (fr. 21 a 23, 525 a 529 … documento junto ao proc. 1197/02 e a este inquérito).
B - o autor do despacho ignorou e fez ignorar no inquérito e depois no despacho, a relevância de um contrato ter sido escrito só pelo O………., sem a presença dos requerentes e sem a presença do E………. por todos aceite e por cada um que o E………. não estava presente, aceite pelo O………. que só ele redigiu (logo estava em branco) aceite pelo denunciante que o papel ficou em branco - se não tivesse ficado em branco o O………. não teria escrito o que escreveu, não teria posto o valor de 1.200 contos quando apenas entregou 380 contos no prédio em que foram aplicados 27.440 contos pelo Fundo de Turismo que os burlões queriam adquirir por 1.200 contos. E claro que o autor do despacho também ignorou a relevância da precedência do registo, a exigência do registo da acção 140/91 (art. 3º do C.R.P.), o averbamento na Câmara a favor do E………., os vários números de registo para o prédio com um registo diferente.
Bem entendemos: Até chamou a requerente para a afrontar com um requerimento do O………. de que recebera tudo (tudo?) mas tudo do D1………. que está a dever, do O………. que nada pagou, ou será que o preço da burla (do contrato de falsificação) tem alguma coisa a ver com o contrato - escritura com o D……….?
Em consequência requer a pronuncia de
- O1……….
- E………
-G……….
pois indiciam suficientemente nos autos que:
1º - em dia anterior a 23 de Maio de 1991 o requerente B………. solicitou ao arguido E………. a quantia de 380.000$00 escudos para o pagamento imediato do consumo de luz no restaurante "F………." a EDP sob pena de corte de fornecimento.
2º - O arguido E………. endereçou o requerente para o escritório do seu Advogado, o arguido O1………. que a preencheu, datou e assinou um cheque pessoal seu à ordem da EDP.
3º - Ora, os requerentes deixaram ao arguido O………. para neles escreverem a entrega do valor do cheque mencionado, uma folha assinada em branco.
4º - O arguido O………. deu conhecimento dos factos ao E………., engenhando a falsificação de escrito para, em vez de nele pôr que os requerentes tinham recebido a quantia de 380.000$00 escudos, neles escreveu um contrato-promessa sobre o prédio dos requerentes em que seriam partes os requerentes e o E………. .
5º - Ora, o verdadeiro credor do cheque emitido era o arguido O1………. e que, assim, dissimulando o ocorrido, a burla que o arguido O………. e E………. iniciaram com a falsificação de título-papel em branco.
6º - Se bem o pensaram, melhor o executaram:
- a folha em branco foi deixada pelos requerentes ao arguido O……….;
- foi, então, o arguido O……… que emitiu o cheque;
- nessa altura não foi celebrado qualquer contrato, até por que o E………. não estava presente e por isso não foi quem emitiu o cheque;
- o documento foi preenchido na máquina do escritório do arguido O………., às ordens deste;
- como o preenchimento da folha onde se verteu o contrato foi feito em data em que os requerentes já estavam no Brasil;
- o selo foi colocado no extremo da folha pois, obviamente, não fora rubricado pelos AA;
- a alegada 1ª folha (de duas) do alegado contrato - exactamente por isso - não foi sequer rubricada pelos AA;
7º - Por isso:
A divida era de 380.000$00 escudos, o valor inserto no documento foi de 1.200.000$00 escudos para um prédio que todos sabiam valer 10.000.000$00 escudos, valor pelo qual foi vendido ao G………. .
8º - O documento em branco como garantia da dívida foi deixada nessa altura dada a situação económica desesperada dos requerentes,
9º - Situação que os obrigou a fugir para o Brasil com receio dos mandados de captura,
10º - Tendo os arguidos consumado a falsificação e, depois, a burla processual face ao processo derivado do documento, convencidos de que os requerentes jamais voltariam a Portugal ou se interessassem pelo problema.
11º - Daí que, posteriormente ao "negócio" no escritório do arguido O………. se tenham reunido o D………., o G………., o L………. pois só então o D1………. e os outros souberam do documento nas mãos do arguido O………. .
12º - O contrato quando foi "celebrado" falsificado pelo arguido O………. já toda a gente sabia que o prédio estava ocupado pelo D………. e a ele tinha sido vendido.
13º - Aliás,
O prédio dito adquirido pelo E………. não é aquele a que respeita a matriz referida no contrato falsificado:
- o referente à matriz era um casebre reconstruído em forma de restaurante;
- o prédio dito propriedade face ao contrato é um prédio construído de raiz;
- por isso, um e outro objecto da regularização do licenciamento camarário;
- de resto, quando o D………. adquiriu, adquiriu o prédio antigo (reconstruído) e a casa de habitado construída de raiz.
14º - O arguido O………., E………. e G………. sabiam de tudo quanto é supra referido, urdiram o contrato promessa entre si (o contrato entre E………. e G……….) pois sabiam que não podiam registar o prédio.
15º - A ocupação efectiva do acordo entre os três foi feita face ao conhecimento de tudo supra referido e aproveitando estar a casa vazia e o pretexto para obrigar o D1………. a aceitar essa divisão leonina dos despojos dos ausentes – requerentes.
Dai as reuniões no escritório do arguido O………. referidas no art. 11º.
Na verdade, alegadamente tendo comprado todo o prédio o E………., através do O1………. apenas ocuparam a casa de habitação construída de raiz e não o prédio original correspondente ao falsificado contrato promessa.
16º - todos tinham consciência da situação económica desesperada dos requerentes, da existência contra ele de mandados de captura que foram a causa da sua ida para o Brasil e que ao procederem dessa forma se apropriaram de valores não devidos, através de falsificação de escrito, em certeza da impunidade pela ausência dos requerentes, para beneficio seu de milhares de contos na discrepância entre o devido e o valor dos bens sabendo da ilicitude do comportamento mas aceitando a actividade criminosa em vista do lucro sem causa.
17º - Ora os requerentes venderam, porém, o referido prédio em causa a D………. (doc) que o registou a seu favor.
18º - Dai não terem podido os arguidos (E………., O………. e G……….) registá-lo nomeadamente a seu favor.
19º - Dai também:
A burla aquisitiva desses RR (E………. e O……….) na acção nº …/51 não apenas por nada lhe ter sido prometido vender, mas porque a acção só poderia prosseguir com o prévio registo da acção (art. 2 do CRP) e ainda com a condição previa de o prédio estar (e já não estava) registado a favor do promitente vendedor (art. do CRP) uma vez que se tratou de registo posterior a 1984 ou seja, após a entrada em vigor do novo C.R.P.
20º - Desde essa data que, alegadamente pelo arguido D………., o prédio para habitação (e não o de restaurante e bar) esteja ocupado pelo arguido G………., ás ordens de E………. e O1………. por alegadamente aquele ter a seu favor um contrato-promessa de aquisição pelo valor de 10.000.000$00, composto e redigido pelo arguido O………. e a favor de E………. na consumando de burla, anteriormente alegada.
21º - O D………. se recusa a pagar aos requerentes o valor desse referido imóvel no valor de 10.000.000$00 alegando agora o contrato falsificado pelos arguidos E………. e O………. e assim aquela ocupação pelos arguidos G………. e E………. .
22º - Na verdade:
A - Os direitos do D………., pela escritura de aquisição e registo do prédio a ele vendido pelos requerentes são incompatíveis por ainda que verdade fosse a aquisição pelo arguido E……….;
B - a falsificação do escrito pelo arguido O1………. exclui qualquer direito quer do mesmo, quer do E………. (a favor de quem também falsificou o contrato e lhe deu o beneficio).
Cometeram os arguidos:
1º - O1……….:
1 crime do 226º n. 4 alinea b);
1 crime de falsificação de escrita – art. 256 n. 1;
1 crime do 360º do C.Penal;
1 crime de burla – art. 218º n. 2 alínea a);
1 crime de usurpação – art. 215º do C.Penal
concorrendo com falsificação e uso de registo falso.
2º - O E………. em co-autoria, os mesmos crimes do arguido O1……….;
3º - o G………. em co-autoria um crime p. e p. pelo art. 215º do C.Penal».

6.
Em 31-7-2008 (fls. 1209-1210) foi proferido o seguinte despacho:
«Requerimento de arguição de nulidade formulado por B………. e C……….:
Os requerentes vieram suscitar a nulidade do inquérito, alegando, no essencial, que o magistrado do Ministério Publico subscritor do despacho de arquivamento proferido em sede de inquérito decidiu em causa própria, já que os presentes autos apresentariam uma conexão com outros processos civeis em que o Ministério Público e o magistrado respectivo em apreço teve intervenção (designadamente na contestação), constituindo tal acto um verdadeiro escândalo judiciário; manifesta, ainda, as razões da sua discordância relativamente aos termos do despacho de arquivamento e do inquérito.
Os arguidos pronunciaram-se a fls. 1196 e 1197, pugnando pelo indeferimento do requerido, sustentando que o mesmo chega a ser ininteligível.
O Ministério Público pronunciou-se a fls. 1207, pugnando pelo seu indeferimento e alegando que nem sequer é invocado qualquer normativo legal no sentido do requerido, sendo que relativamente à questão suscitada de o magistrado do Ministério Público ter sido interveniente noutros processos eventualmente conexos não gera qualquer nulidade, sem prejuízo do pedido de recusa entretanto accionado pelos próprios requerentes.
Cumpre decidir.
I
Relativamente à arguição efectuada por B……….:
Uma vez que o mesmo não é sujeito processual, não tendo a qualidade de assistente (conforme primeiro despacho preferido a fls. 1181, que transitou já em julgado), indefiro liminarmente a pretensão do mesmo.
Notifique.
II
Na parte em que tal arguição foi efectuada pela assistente (conforme despacho de fls. 1181 e 1182) C……….:
Como bem refere o Ministério Público, a propósito de qualquer nulidade invocada, não é feito apelo a qualquer normativo legal e, cotejando-se o elenco das modalidades descriminadas nos artigos 119º e seguintes do Código de Processo Penal, não se vê o preenchimento de qualquer delas no caso dos autos; a circunstância de um magistrado do Ministério Público ter sido ou não interveniente noutros processos cíveis que apresentarão conexão com o presente Inquérito é irrelevante e não configura qualquer nulidade, sendo que por referencia às razões da discordância do Inquérito e do arquivamento, como também refere o Ministério Público, na posição por si assumida, tal releva para efeito de instrução requerida e tão só.
Por manifesto falta de fundamento legal, indefere-se, pois, a declaração de nulidade do inquérito.
Notifique e oportunamente conclua nos termos e para os efeitos da prolação de despacho liminar quanto à pretendida abertura de instrução …».

7.
Em requerimento seguinte a assistente C………. arguiu a nulidade do despacho antecedente, que incidiu sobre a «nulidade do inquérito e ou aclaração» porque:
1º - ao abrigo do nº 2 do art. 287º do C.P.P. as nulidades invocadas no RAI só podem ser apreciadas no respectivo despacho de admissão da instrução; não tendo sido este o caso tal despacho é nulo ou, no mínimo, ininteligível;
2º - nos termos do nº 3 do art. 308º do C.P.P. só no despacho de pronúncia o juiz decide sobre as nulidades e outras questões prévias.
Termina invocando a nulidade do despacho, nos termos dos art. 380º, nº 3, 379º, nº 1, al. c), e 374º, todos do C.P.P.

8.
A fls. 1272 a 1274 foi proferida a seguinte decisão, tomando posição sobre o requerimento antecedente e sobre o RAI referido em 5.:
«Veio a assistente C………. arguir a nulidade do despacho de fls. 1209 e seg., por, tendo sido arguidas nulidades do inquérito, terem as mesmas sido decididas em tal despacho, e não no despacho liminar que se pronuncie sobre a abertura de instrução ou na decisão instrutória a proferir ulteriormente, conforme dispõe o art. 308.º, nº3, do C.P.P..
Mais requereu, subsidiariamente, a aclaração de tal despacho, pois que seria omisso sobre as “arguidas nulidades de I – B e C”.
O M.P. pronunciou-se no sentido da inexistência da nulidade ou da necessidade de aclaração.
Cumpre decidir.
O art. 308.º, nº3, do C.P.P., salvo melhor opinião, estabelece apenas que, na decisão instrutória, “o juiz começa por decidir das nulidades e outras questões prévias ou incidentais de que possa conhecer”, ou seja, dispõe sobre as questões que devem ser ali decididas, se tal despacho chegar a ser proferido, e sobre a forma como o despacho em causa deve ordenar as questões a decidir: primeiro as que vimos de referir, depois aquelas de que o juiz não pôde desde logo conhecer, como são as que dependem da análise da prova produzida até então, no inquérito e na instrução (caso nesta tenha havido diligências de prova).
Tal norma, ao contrário do que pretende a assistente, não exclui a possibilidade de o juiz conhecer, em momento anterior à decisão instrutória, de nulidades e outras questões prévias ou incidentais, o que, em nosso entender, pode e deve fazer se da sua decisão pode depender, por exemplo, a imediata anulação da decisão final proferida pelo M.P. no inquérito, que levará a que o processo logo retorne a momento anterior àquela, por força do disposto no art. 122.º do C.P.P..
Da mesma forma, e pelas mesmas razões, não se vislumbra (designadamente por apelo ao disposto no – pela assistente - invocado art. 287.º do C.P.P.) que não possa o juiz conhecer e decidir, antes do despacho liminar destinado a apreciar a abertura de instrução, sobre as supra referidas nulidades e outras questões prévias ou incidentais, nem se descortinam razões para que, se o fizer, esteja o despacho em causa ferido de nulidade ou irregularidade (não preenchendo tal conduta, a nosso ver, qualquer das hipóteses dos arts. 119.º, 120.º ou 123.º do C.P.P.).
Assim, podendo o juiz, por ter todos os elementos para o fazer, apreciar nulidade que põe em causa o prosseguimento do processo, que sentido faria não o fazer e “arrastar” o processo pela fase de instrução, designadamente com a marcação de (inútil) debate instrutório, apenas para vir a proferir decisão instrutória em que começaria exactamente por apreciar e decidir tal questão no sentido supra assinalado? E se, tendo todos os elementos para decidir, tivesse naquele primeiro momento formado a sua convicção no sentido da existência da nulidade, que determinaria a invalidade do despacho de arquivamento do inquérito, não estaria, ao fazer prosseguir o processo até à decisão instrutória, a praticar actos inúteis (legalmente proibidos – cfr. art. 137.º do C. P. Civil, aplicável por força do disposto no art. 4.º do C.P.P.)?
A este propósito, em caso semelhante, pode ler-se na douta decisão proferida pelo Venerando Juiz Desembargador Presidente do Tribunal da Relação do Porto, em sede de reclamação, datada de 18/03/06 (disponível em www.dgsi.pt), que “Estão por demais debatidas as questões, nomeadamente, as “prévias”, mas insiste-se, aqui e ali, sempre pelos mesmos assuntos, quando a solução é só uma na maioria das vezes. E assim os verdadeiros problemas não chegam ao seu final, acabando os Juízes por não exercer a sua função que deveria ser única: ... em julgamento ... condenar/absolver. Assim, não serão precisas especiais considerações para contrariar a tese da reclamação, enquanto esta, ao contrário de outras, mas com os idênticos intuitos – valha-nos a sinceridade intelectual – pretende fundir tudo o que é decisão na “decisão instrutória propriamente dita”, incluindo todas as questões, prévias/não, que se discutem, decidem/não decidem, em sede de instrução ou, mais especificamente, no debate instrutório.
E vai ao ponto de obstar a que se decida por forma a ofender não só o princípio da economia processual, como também aquele que proíbe a prática de actos inúteis. Com efeito, se, no requerimento de abertura de instrução, se coloca a questão, prévia, de que o procedimento criminal é inadmissível, considerando todo o circunstancialismo, desde logo, apurado, como é que se exige a realização de toda a instrução e só após o debate instrutório deve o tribunal pronunciar-se sobre aquela questão. Questão essa que, a ser apreciada e decidida positivamente, portanto, segundo o entendimento de quem requer a instrução, arrumaria todo o problema, evitando-se todo o demais processualismo”.
Face ao exposto, não se vislumbram razões de nulidade do despacho de fls. 1209 e seg., pelo que não se declara o mesmo nulo.
*
No que respeita à aclaração do despacho de fls. 1209 e seg., parece-nos que o mesmo não carece daquela, pois que se pronuncia também, afastando-as, sobre as “arguidas nulidades de I – B e C”.
De qualquer forma, sempre se dirá que primeiro o faz de forma genérica, ao referir, “a propósito de qualquer nulidade invocada”, que não se vê o preenchimento de qualquer das modalidades previstas nos arts. 119.º e segs. do C.P.P., e, depois, quando afirma, “por referência às razões da discordância do inquérito e do arquivamento”, que “tal releva para efeito de Instrução requerida e tão só”.
Notifique.
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*
Arquivado o inquérito nos termos do art. 277.º, nº2, do C.P.P., veio (também) B………. requerer a abertura de instrução, pelos fundamentos constantes de fls. 991 e segs..
A fls. 1181, por despacho transitado em julgado, foi julgado sem efeito o requerimento de admissão a intervir nos autos como assistente formulado por B………. .
Resulta do disposto pelo art. 287.º, nº1, als. a) e b), do C.P.P., que a abertura da instrução só pode ser requerida pelo arguido ou pelo assistente.
Ora, não tendo o referido B……….., por força do referido despacho, a qualidade de assistente, não assiste ao mesmo legitimidade para requerer a abertura de instrução, assim se rejeitando, na parte que lhe respeita, tal abertura, ao abrigo do disposto pelo art. 287.º, nº1, als. a) e b), a contrario, do C.P.P..
Notifique.
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Arquivado o inquérito nos termos do art. 277.º, nº2, do C.P.P., veio a assistente C………. requerer a abertura de instrução, pelos fundamentos constantes de fls. 991 e segs..
Resulta do disposto pelo art. 287.º, nº1, als. a) e b), do C.P.P., que a abertura da instrução só pode ser requerida pelo arguido ou pelo assistente, se o procedimento não depender de acusação particular, relativamente a factos pelos quais o M.P. não tiver deduzido acusação (sublinhado nosso).
Aliás, a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento, nos termos do disposto pelo art. 286.º, nº1 do C.P.P. (sublinhado nosso).
De acordo com o disposto pelo nº2, parte final, do referido art. 287.º, é aplicável ao requerimento de abertura de instrução do assistente o disposto pelo art. 283.º, nº3, als. b) e c), ou seja, no que aqui nos interessa, deve aquele conter a indicação dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena, bem como as disposições legais aplicáveis (sublinhados nossos).
Como refere o Ac. da RL de 5 de Dezembro de 2002 (CJ, ano XXVII, tomo V, pág. 142 e seg., com indicação de profusa jurisprudência e doutrina sobre a matéria), “o requerimento para abertura de instrução em caso de abstenção do MP de acusar deve conter substancialmente os requisitos de uma acusação com indicação do agente do crime que o assistente entenda que haja sido cometido (...) e a descrição dos factos que lhe devam ser imputados, bem como a indicação das normas jurídicas aplicáveis (...). De outro modo a instrução será inexequível”.
Assim, conclui tal aresto jurisprudencial que, porque o assistente “não descreve os factos que do ponto de vista objectivo e subjectivo integrariam o tipo legal de crime que a arguida em seu entender teria praticado (...)”, não respeitou aquele o que lhe era imposto nos arts. 287.º, nº2 e 283.º, nº3, als. b) e c), mantendo-se por isso o despacho recorrido, que rejeitou a abertura de instrução por inadmissibilidade legal.
Já no Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ nº 7/05, de 12/05/05 (publicado no DR, I Série, de 04/11/05, que estabeleceu que “Não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, apresentado nos termos do artigo 287.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido”), pode ler-se que, “revertendo à definição de instrução, facultativa no domínio do CPP, temos que aquela se apresenta como uma fase intermédia, entre o inquérito e julgamento, dirigida por um juiz, pensada, como escreve Souto Moura, in «Inquérito e instrução», Jornadas de Direito Processual Penal, p. 125, no interesse do arguido e do assistente, só estes a podendo requerer, estando vedada ao Ministério Público, como ao assistente, nos crimes de natureza particular, por dever ele próprio deduzir acusação.
No requerimento de abertura de instrução o assistente indica as razões de facto e de direito (artigo 287.º, n.º 2, do CPP) da sua divergência relativamente à não acusação do Ministério Público; formalmente o assistente indica, na teorização do Prof. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, vol. III, p. 139, como o Ministério Público deveria ter procedido, “que não deveria arquivar, mas acusar e em que termos o deveria fazer”, invocando razões daquela dupla índole, que sustentem os elementos objectivos e subjectivos do tipo por que o arguido há-de ser pronunciado.
A instrução surge, no CPP, como um direito, disponível, nem por isso deixando de representar a garantia constitucional da judicialização da fase preparatória do julgamento, de controlo judicial da actuação do Ministério Público, pelo que tal garantia se esvaziaria se o direito à instrução se revestisse em condições difíceis de preencher ou valesse só para casos contados, escreve Souto Moura, in Jornadas de Direito Processual Criminal, p. 119.
Para este autor, sendo requerida a instrução, o assistente não delimitando o campo factual de incidência, o juiz fica sem saber sobre que factos o assistente desejaria ver acusado o arguido.
A instrução é endereçada à resolução de um diferendo de indiciação factual, donde a importância na sua indicação, cuja falta leva à respectiva inexequibilidade; um requerimento sem factos libertaria o juiz da sua obrigação de sujeição à vinculação temática, é aquele o vício que lhe assinala, op. cit., nota à p. 120.”
Noutro passo do referido Acórdão do STJ, pode ler-se que “Face ao requerimento de abertura de instrução, sem articulação de factos, o arguido ficou sem saber quais os factos de que teria de se defender, e, por essa razão, ficou o juiz impedido de realizar a instrução, carecendo a instrução de objecto (cf. Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 1993, in Colectânea de Jurisprudência, ano XVIII (1993), t. III, pp. 243 e segs.)”.
Analisado o requerimento de abertura de instrução da assistente, verifica-se, desde logo, que a mesma, requerendo a pronúncia de O1………., E………. e G………., não respeita, pelo menos em parte, tais imperativos legais.
Em primeiro lugar, quanto ao “crime do 226º n.4 alínea b)”, não nos parece possível a subsunção dos factos imputados aos arguidos O1………. e E………. ao crime de usura, quer ao p. e p. pelo referido art. 226.º, quer ao p. e p. no art. 320.º do C. Penal de 1982 (já que, datando o documento relevante, constituído pelo contrato promessa de fls. 94 e seg., de 23 de Maio de 1991, e tendo o mesmo sido utilizado na acção nº …/91, entrada em Juízo nesse ano e com sentença proferida em Junho de 1992, conforme resulta de fls. 90 e 102, é o regime deste o aplicável à conduta em apreço, por ser a Lei vigente à data da - imputada - prática dos factos).
Com efeito, é o teor do próprio requerimento de abertura de instrução que nega que os ofendidos B………. e C……. se tenham obrigado ou prometido qualquer vantagem pecuniária, aos arguidos ou a terceiros, antes nele se afirmando que o supra aludido contrato e a promessa de venda dele constante foram falsificadas (e não simuladas).
Face ao exposto, necessário se torna concluir que no requerimento de abertura de instrução não há, desde logo, descrição dos factos concretos integradores dos elementos objectivos do mencionado crime.
No que respeita ao imputado “crime do art. 360º do C. Penal”, também não se vislumbra no requerimento de abertura de instrução a descrição dos factos concretos integradores dos elementos objectivos e subjectivo do mencionado crime de falsidade de testemunho, perícia, interpretação ou tradução.
No que concerne ao “crime de usurpação – art. 215º do C. Penal”, não se vislumbra em tal requerimento a descrição de factos concretos integradores dos elementos típicos “violência ou ameaça grave” que constituem o meio da sua prática, de acordo com a mencionada disposição legal, sendo por isso indispensável a sua verificação para que a tal crime se considere subsumível uma qualquer conduta.
Já no que diz respeito à “falsificação e uso de registo falso”, além de, também aqui, não vislumbrarmos no requerimento a descrição dos factos concretos integradores dos elementos objectivos e subjectivos dos mencionados crimes (pressupondo que são imputados dois crimes), o certo é que também não são indicadas quaisquer disposições legais aplicáveis.
Pelo exposto, porque a instrução nos termos requeridos pela assistente C1………., no que respeita aos referidos crimes, é, à luz do disposto pelos arts. 283.º, nº3, als. b) e c), 286.º e 287.º do C.P.P., legalmente inadmissível, rejeito, quanto àqueles, o requerimento de abertura de instrução, nos termos do nº3 da aludida disposição legal.
Notifique.
*
*
O tribunal é competente.
Por ter sido requerida por quem tem legitimidade, estar em tempo e não se vislumbrarem razões determinantes de inadmissibilidade legal, admito a abertura de instrução requerida pela assistente C………., no que respeita aos crimes não abrangidos pelo supra decidido.
*
Questão prévia da prescrição:
No seu requerimento de abertura de instrução, a assistente C1………. imputa ainda aos arguidos a prática de um crime de falsificação p. e p. pelo art. 256.º, nº1, e um crime de burla p. e p. pelo art. 218.º, nº2, al. a), todos do C. Penal.
Em primeiro lugar, as condutas dos arguidos E………. e O1………. que, face ao teor do requerimento de abertura de instrução, corresponderão a tais crimes, tal como resulta do já supra exposto, datam pelo menos de 1992, altura em que (no dizer do requerimento da assistente) o contrato promessa falsificado foi utilizado na propositura de acção – nº 140/91 - em se que se veio a decidir (em Junho de 1992) pelo seu incumprimento e pela venda do prédio em causa ao arguido E………. (a “burla aquisitiva” dos arguidos E………. e O………. refere-se, aliás, o art. 19º do requerimento de abertura de instrução).
Ora, em tal data vigorava o Código Penal de 1982 (de ora em diante, CP82), ou seja, o Código Penal vigente, mas na versão anterior ao DL nº 48/95, de 15 de Março, pelo que as disposições aplicáveis são:
- o art. 228.º, nº1, al. a), do CP82, no que respeita ao crime de falsificação de documento, punível com prisão até 2 anos e multa até 60 dias;
- os arts. 313.º, nº1, e 314.º, al. c), do CP82, no que respeita ao crime de burla agravada (na terminologia desta norma), punível com prisão de 1 a 10 anos.
A tais crimes correspondem, respectivamente, à luz do art. 117.º, nº1, als. c) e b), do CP82, prazos de prescrição do procedimento criminal de 5 e 10 anos.
No caso dos autos, é evidente que não se verifica qualquer das causas de suspensão e interrupção do procedimento criminal previstas nos arts. 119.º e 120.º do CP82 (veja-se, no sentido de a constituição como arguido – tendo em conta que E………. e O1………., mesmo a entender-se que os presentes autos não constituem processo novo relativamente àquele donde foi extraída a certidão que lhes deu origem, foram constituídos arguidos, respectivamente, em 09 de Março de 2001 e 12 de Julho do mesmo ano - posteriormente a 01 de Outubro de 1995, em processo criminal instaurado na vigência do CPP de 1987 e por crimes praticados anteriormente a tal data, não ter eficácia interruptiva da prescrição do procedimento criminal, o Assento nº1/98, de 09/07/98, in DR I-A série, de 29/07/98).
Assim sendo, apenas podemos concluir que, em relação a qualquer dos referidos crimes há muito (corria o ano de 1997, no que respeita ao crime de falsificação, e o de 2002, no que respeita ao crime de burla) decorreu o respectivo prazo de prescrição do procedimento criminal, o que importa desde já reconhecer, pois que tal obsta, de imediato, ao prosseguimento do mesmo.
Refira-se que, de qualquer forma, atentas as molduras penais previstas pelos arts. 320.º, nº4, al. b) (relativo à usura), 402.º (relativo ao crime de falso testemunho, falsas declarações, perícia, interpretação ou tradução) e 228.º, nºs 1 e 2 (relativo à falsificação de documentos, a que se assimilará, para efeitos de raciocínio, a “falsificação e uso de registo falso”), todos do CP82 (aplicável pelas razões supra aduzidas quanto à data da prática dos factos, que sempre teriam de reportar-se a data anterior à sentença proferida, na acção nº …/91, em Junho de 1992), sempre estaria o procedimento criminal referente aos mesmos prescrito, por força do disposto no art. 117.º, nº1, al. c), de tal diploma.
Face a todo o exposto, declaro extinto, nos termos do art. 117.º, nº1, als. c) e b), do CP82, por força da prescrição, o procedimento criminal relativo aos crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 228.º, nº1, al. a), do CP82, e burla agravada, p. e p. pelos arts. 313.º, nº1, e 314.º, al. c), do CP82, imputados aos arguidos O1………. e E………. .
Notifique e, oportunamente, arquivem-se os autos».

9.
A assistente interpôs recurso do despacho que decidiu a arguição de nulidade, do que não admitiu a instrução e do que declarou a prescrição, retirando da motivação as seguintes conclusões:
«1º - É inadmissível qualquer decisão judicial (em sede de instrução) sem prévia declaração de abertura de instrução proferida pelo Juiz;
2º - O Juiz de instrução pode decidir sobre a nulidade do inquérito e questões subsequentes, mas só, tão só após ter declarado aberta a instrução, uma vez que só após essa decisão se declara competente e o acto requerido legítimo e admissível, sem o qual não há ainda competência do Juiz de instrução;
3º - Logo, a decisão sobre a nulidade do inquérito (qualquer que seja) só pode ser proferida após a decisão de declarar aberta a instrução, sendo o acto anteriormente praticado nulo;
4º - Admitido o R A I, o Juiz, a pretender decidir sobre irregularidade do Requerimento de abertura de instrução, terá que se pronunciar concretamente sobre omissões concretas do R A I, referindo-as, qualificando e decidindo, sob pena de não o fazendo, omitir as irregularidades, as deficiências (que só podem ser as concretas) e o despacho ser nulo, como é o que omite os factos a pronúncia – art. 283, 374, 379 nº 1 alinea a), b) c) e 380 nº 3 do CPP; do C Penal,
5º - Os crimes de falsificação e burla têm um regime punitivo cujo prazo de prescrição é de 10 anos - alinea b) do nº 1 do art. 118 do C Penal, tal qual vem mencionado no despacho recorrido;
6º - Assim, constituídos arguidos os arguidos O………. e E………. em Março de 2001 por factos de 1991 (Junho de 1991 e de Junho de 1992), o procedimento criminal só prescreve em Junho de 1991 ou Julho de 1992, pelo que, quando foram constituídos arguidos em Março de 2001, os crimes não estavam prescritos;
7º - Ao terem sido constituídos arguidos em Março e Junho de 2001 (cfr. despacho recorrido) os crimes (procedimento criminal) só prescrevem em Março ou Julho de 2011 ou Junho de 2012 uma vez que, com a interrupção da prescrição (pela constituição de arguidos em Março de 2001) alínea a) do nº 1 do art. 121 do C Penal, se iniciou novo prazo de prescrição – nº 2 do art. 121 do C Penal.
8º - O despacho recorrido omitiu na leitura ou na aplicação do nº 2 do art. 121 do C Penal onde expressamente se configura que "depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição", lemos nós, escrevemos nós novo prazo (não o mesmo prazo), lemos nós, escrevemos nos após a interrupção da constituição de arguido, redacção que se manteve sempre no referido art. 121 nº 1 alínea a) do Código Penal
a) o nº 2 do art. 287 (o art. 283), o art. 308 nº 3, o art. 288 nº 4 todos do CPP;
b) o art. 283, 374, 379 nº 1 alineas a), b) e c) e nº 2 e, ainda, o art. 380 nº 3 do CPP
c) ainda, quanto à prescrição, violou os art. 121 nº 1 alinea a), o art. 121 nº 2 (por referência art. 121 nº 1 alinea a)), o art. 118 nº 1 alinea b), ambos do C Penal por referencia ao art. 228 nº 1 alinea a), 313 nº1 e 314 alinea c) do CP 82, 117 nº 1 alinea c) e 118 do C Penal.
No provimento do recurso revogados os despachos recorridos:
a) sobre nulidades arguidas;
b) sobre inadmissibilidade do RAI;
c) sobre a prescrição;
d) ordenado o prosseguimento com as legais consequências».

10.
O Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu ao recurso dizendo, em síntese, que o mesmo deve improceder relativamente a todas as questões suscitadas.

Os arguidos E………. e O1………. também responderam, defendendo a decisão recorrida.

O mesmo entendimento tem o Exmº P.G.A. junto desta Relação.
Quanto à nulidade do despacho que decidiu o pedido de nulidade do inquérito, diz este que as questões prévias e incidentais devem ser conhecidas logo que arguidas ou conhecidas. Tendo aquela nulidade sido suscitada em momento anterior ao despacho que incide sobre o requerimento de instrução, o juiz de instrução não só podia como devia ter-se pronunciado sobre ela antes de declarar aberta a instrução.
Quanto à rejeição do pedido de abertura de instrução, entende que o mesmo deve manter-se porquanto o requerimento não contém os factos susceptíveis de configurarem a prática dos crimes previstos no art. 215º, 226º, nº 4, al. b), e 360 do Código Penal.
Finalmente e em relação à prescrição, sendo certo que se deve aplicar a lei mais favorável ao agente, a lei mais favorável no caso é aquela que vigorava à data dos factos e, assim sendo, o procedimento criminal está prescrito.
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DECISÃO

Como sabemos, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente (art. 412º, nº 1, in fine, do C.P.P., Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 2ª ed., III, 335 e jurisprudência uniforme do S.T.J. - cfr. acórdão do S.T.J. de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, pág. 196 e jurisprudência ali citada e Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª ed., pág. 74 e decisões ali referenciadas), sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios enumerados no art. 410º, nº 2 do mesmo Código.

Por via dessa delimitação resulta que as questões a decidir por este tribunal são as seguintes:
I – Nulidade do despacho que decidiu as questões prévias fora do âmbito do despacho de pronúncia
II – Suficiência do requerimento de abertura de instrução para basear a realização da instrução
III – Impugnação da decisão que declarou a prescrição do procedimento criminal
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I – Nulidade do despacho que decidiu as questões prévias fora do âmbito do despacho de pronúncia

A assistente defende a inadmissibilidade de prolação de qualquer decisão em sede de instrução sem que esta fase – a instrução – seja previamente declarada aberta. Diz ele que o juiz de instrução pode «decidir sobre a nulidade do inquérito e questões subsequentes … só após ter declarado aberta a instrução, uma vez que só após essa decisão se declara competente e o acto requerido legítimo e admissível, sem o qual não há ainda competência do juiz de instrução».

O art. 268º do C.P.P., integrado no título relativo aos actos de inquérito, enumera aos actos a realizar durante o inquérito cuja competência pertence, em exclusivo, ao juiz de instrução.
Assim, e conforme referiu o próprio Ministério Público junto do tribunal recorrido, embora o Ministério Público detenha a direcção do inquérito, a lei reserva muitos dos actos a praticar no seu âmbito à competência exclusiva do juiz de instrução.
Assim, e por razões óbvias, não integra qualquer nulidade a decisão do juiz sobre uma alegada nulidade antes de ter declarado aberta a instrução.

Coisa diferente é saber se a decisão aqui atacada devia ser tomada em despacho formalmente distinto daquele que apreciou o pedido de abertura de instrução.
Como sabemos o processo judicial (cível e crime) tem momentos chave, ou de charneira, destinados a saneá-lo, ou seja, a decidir todas as questões pendentes, por um lado, e a retirar dele tudo quanto se afigure espúrio mantendo, apenas, o que for essencial e que só possa ser decidido a final.
Relativamente ao processo-crime podemos dizer que estes momentos de saneamento são o despacho de pronúncia, o chamado despacho de recebimento da acusação – o despacho de saneamento posterior à acusação ou pronúncia -, e o despacho que conheça as questões prévias ou incidentais, no início da audiência de discussão e julgamento. Já o despacho que versa sobre o requerimento de abertura de instrução não está talhado na lei como sendo um daqueles momentos decisivos no processo.
Embora o despacho que decida o pedido de abertura de instrução não se configure como um despacho de saneamento dos autos, a verdade é que havendo, num determinado caso concreto, várias questões a decidir, o mais conveniente será decidi-las todas num mesmo despacho, isto por razões de ordem prática: racionaliza o trabalho; contribui para a boa ordenação do processo, porque as decisões ficam concentradas, ao invés de estarem dispersas; por esta razão facilita a consulta do processo, porque não se fica com o receio de alguma decisão “ter escapado” à análise; finalmente, “last but not least”, facilita a apreensão da evolução do processo, isto é, da orientação que se está a imprimir ao mesmo.
No entanto, caso o juiz do processo opte por uma prática diferente, o certo é que uma tal opção não inquinará o processo de qualquer vício e muito menos o torna nulo.
A nossa lei perfilhou, como sabemos, o princípio da legalidade das nulidades: a inobservância ou violação de leis de processo só determina a nulidade do acto quando a lei assim o disser – art. 118º, nº 1, do C.P.P. Ora, a nulidade apontada pela assistente não integra o elenco das nulidades dos art. 119º e 120º, nem está consagrada em qualquer outra disposição legal.

Pelo exposto, improcede a alegada nulidade da decisão.
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II – Suficiência do requerimento de abertura de instrução para basear a realização da instrução

A assistente refere que o requerimento de abertura de instrução apenas pode ser indeferido em caso de ilegitimidade ou intempestividade.

A instrução destina-se ou a comprovar, judicialmente, a decisão tomada pelo Ministério Público de deduzir acusação ou a comprovar, também judicialmente, a decisão de arquivamento. Em sede de instrução não se vai averiguar da prática de actos qualificados como crime e quem foi o seu autor. Aqui o que está em discussão é, exclusivamente, a comprovação da decisão tomada pelo Ministério Público, ou seja, apurar se a decisão de acusar ou não acusar corresponde aos indícios existentes no processo.
A instrução, sendo uma fase judicial – repetimos, de comprovação da decisão do Ministério Público -, é dirigida por um juiz, que «investiga autonomamente o caso submetido a instrução, tendo em conta a indicação constante do requerimento para abertura de instrução» e «é formada pelo conjunto dos actos que o juiz entenda levar a cabo e, obrigatoriamente, por um debate instrutório …» - art. 288º, nº 4, e 289º, nº 1, do C.P.P..

Do disposto nos art. 286º, nº 1, e 287º, nº 1, al. b), e nº 2, ambos do C.P.P. resulta que nos casos em que o procedimento não dependa de acusação particular o assistente pode requerer a abertura de instrução relativamente aos factos pelos quais o Ministério Público não tenha acusado, devendo o requerimento conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à não acusação, bem como as menções das alíneas b) e c) do nº 3 do art. 283º do mesmo diploma.
Nestes casos, em tudo semelhantes ao dos autos, quando o pedido é formulado pelo assistente o objectivo é, naturalmente, controlar a decisão de arquivamento tomada. Estamos a falar de uma concreta instrução que se destina a infirmar a decisão de não acusar tomada pelo Ministério Público.
Quando há acusação a actividade instrutória incidirá sobre as provas produzidas e a produzir, por referência ao conteúdo da acusação (pois que estando já o objecto do processo definido, a sua tramitação posterior vai sempre desenvolver-se por referência àquela peça, ou seja, desenrola-se em torno dela). E a final a decisão será de manter ou não a acusação – de pronunciar ou não -, dependendo de os indícios recolhidos serem ou não suficientes quanto à verificação do crime imputado àquele arguido.
Mas quando o inquérito termine com o arquivamento, como é que a instrução se desenrola? Qual o seu fio condutor? Qual o objecto do julgamento? É que nesta situação não temos acusação, pelo que cabe ao requerimento de abertura de instrução ocupar este lugar vago.
Na fase instrutória o juiz investiga o caso submetido a instrução tendo em conta o conteúdo do requerimento de abertura de instrução. Esta fase termina com a decisão instrutória, cuja fundamentação pode mesmo ser feita, como permite o nº 1 do art. 307º do C.P.P., «por remissão para as razões de facto e de direito enunciadas … no requerimento de abertura de instrução».
Como dissemos apesar de não estar sujeito a formalidades especiais, o requerimento de abertura de instrução deve obedecer ao disposto no art. 283º, nº 3, al. b) e c) do C.P.P.
Esta norma, que respeita à acusação formulada pelo Ministério Público, dispõe:
«3 – A acusação contém, sob pena de nulidade:
b) A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada;
c) A indicação das disposições legais aplicáveis».
Percebe-se bem a razão da aplicação desta norma ao requerimento de abertura de instrução. Nos casos em que inexiste acusação é o requerimento de abertura de instrução que assume esta feição: não sendo uma acusação em sentido processual-formal, é uma verdadeira acusação em sentido material [1]. Nestes casos é aquele requerimento que, como a acusação, fixa o objecto do processo, fixa o âmbito dos factos a apreciar na pronúncia, fixa os poderes de cognição do juiz.
Portanto, dos art. 287º, nº 2, e 283º, nº 3, al. b) e c), do C.P.P., resulta que o requerimento de abertura de instrução deve conter:
1º - as razões de facto e de direito de discordância relativamente à não acusação;
2º - a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo;
3º - a indicação dos meios de prova não considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar;
4º - a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada;
5º - a indicação das disposições legais aplicáveis.

Como sabemos a estrutura acusatória do nosso processo penal determina que o objecto do julgamento seja o objecto da acusação, sendo este que fixa os poderes de cognição do tribunal e os limites do caso julgado. A este efeito se chama a vinculação temática do tribunal e nele se inscrevem os princípios da identidade, unidade e consunção. Quando não há acusação e o assistente pretende que o agente seja julgado pelos factos que lhes atribuiu, o requerimento de abertura de instrução assume, materialmente, a função da acusação e desempenha no processo o papel desta. Na definição do objecto processual que vai ser submetido ao conhecimento e decisão do juiz há uma similitude processual de função e, por isso, uma assimilação funcional entre a acusação do Ministério Público e o requerimento do assistente para a abertura de instrução, nos casos em que não tenha sido deduzida acusação. O requerimento do assistente deve, em termos materiais e funcionais, revestir o conteúdo de uma acusação alternativa, de onde constem os factos que entenda estarem indiciados e que integrem o crime que lhe deve imputar, de forma a possibilitar a realização da instrução, fixando os termos do debate e o exercício do contraditório [2].
A esta mesma conclusão chegamos pela análise comparativa das normas dos art. 309º, nº 1, e 379º, nº 1, al. b), ambas do C.P.P. Diz a primeira que «a decisão instrutória é nula na parte em que pronunciar o arguido por factos que constituam alteração substancial dos descritos … no requerimento para abertura da instrução». Como logo percebemos, esta norma tem um conteúdo materialmente semelhante ao da al. b), do nº 1 do art. 379º, também do C.P.P., que sanciona com nulidade a sentença que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358º e 359º: portanto, tal como a sentença não pode condenar por factos diferentes dos descritos na acusação ou pronúncia (fora dos casos especialmente previstos), também a pronúncia não pode pronunciar o arguido por factos diferentes dos que constam do requerimento para abertura da instrução.
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Nos termos do nº 3 do art. 287º do C.P.P. o requerimento para abertura da instrução só pode ser rejeitado por extemporaneidade, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução.
Não curando, agora, dos casos de pedidos extemporâneos ou de incompetência do juiz, como se configura a hipótese de inadmissibilidade legal da instrução?
Desde logo ocorre inadmissibilidade legal de instrução quando, por exemplo, esta visa factos que não foram objecto de inquérito por parte do Ministério Público (art. 119º, al. d), do C.P.P.).
E os casos em que o requerimento de abertura da instrução não respeita o disposto no art. 283º, nº 3, do C.P.P.? Esta situação também integra o conceito de inadmissibilidade legal?
Concedendo que a questão será discutível, a verdade é que muita doutrina e a maior parte da jurisprudência entendem que estas situações integram o conceito de inadmissibilidade legal da instrução.
Referindo, apenas, a jurisprudência deste tribunal, ainda recentemente foi decidido que «deve ser rejeitado, por inadmissibilidade legal, o requerimento de abertura de instrução que não descreve os factos atinentes ao elemento subjectivo da infracção imputada ao arguido» [3]. Isto porque a descrição dos factos que integram o tipo legal de crime imputado, quer o tipo objectivo, quer o tipo subjectivo, é fundamental dada a circunstância de vigorar entre nós, em pleno, o princípio da legalidade.
Portanto, quando o requerimento de abertura de instrução seja omisso em elementos essenciais a consequência será a de rejeição por inadmissibilidade legal.
É que o juiz não se pode substituir ao assistente e colocar, por sua própria iniciativa, os factos em falta, essenciais para a imputação do crime em questão. Se assim procedesse não só violaria os princípios da igualdade, imparcialidade e independência, mas também extravasaria os seus poderes de cognição, limitados pelo conteúdo do requerimento de abertura de instrução.
Uma instrução que não poderá, nunca, conduzir à pronúncia, por omissão de elementos essenciais à sua prolação, é uma instrução ilegal, desde logo por incorporar actos inúteis. Já em 13-4-2005, no processo 0314302, havia sido defendida posição semelhante, quando se decidiu que ocorre uma situação de inadmissibilidade legal da instrução quando o requerimento para a sua abertura não descreve os factos concretos da conduta criminosa imputada ao arguido. E também em 21-11-2001, processo 0140893, e 5-3-2003, processo 0213098, se decidiu que o requerimento de abertura da instrução deve ter a estrutura de uma acusação, devendo ser dirigido contra uma identificada pessoa ou entidade, e deve conter os elementos objectivos e subjectivos face aos quais se possa concluir que o arguido cometeu um ilícito penal, sob pena de rejeição por inadmissibilidade legal, de harmonia com o artigo 287º, nº 3, do Código de Processo Penal.

E o processo em análise configura um caso de inadmissibilidade legal de instrução?
A assistente C………. imputa aos arguidos a prática dos crimes dos art. 226º, nº 4 alinea b), 256º, nº 1, 360º, 218º, nº 2, alínea a), e 215º do Código Penal.
Vejamos que crimes são estes e qual a respectiva configuração típica.

O nº 1 do art. 215º (falamos apenas do nº 1, porque a previsão do nº 2 não tem qualquer semelhança com o caso), que trata do crime de usurpação de coisa imóvel, dispõe:
«1 - Quem, por meio de violência ou ameaça grave, invadir ou ocupar coisa imóvel alheia, com intenção de exercer direito de propriedade, posse, uso ou servidão não tutelados por lei, sentença ou acto administrativo, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias, se pena mais grave lhe não couber em atenção ao meio utilizado».
O bem jurídico aqui protegido é a inviolabilidade do património imobiliário e a acção ilícita é a invasão da coisa imóvel alheia «por meio de violência ou ameaça grave». A invasão tem que ser violenta, isto é, tem que ser perpetrada com violência ou ameaça grave.
Ora, em parte alguma do requerimento de abertura de instrução se alega o uso de violência por parte dos arguidos para proceder à invocada ocupação.

A assistente atribui, ainda, aos arguidos O1………. e E……… a prática de um crime de burla do art. 218º, nº 2, alínea a).
Diz o art. 218º, relativo à burla qualificada:
«1 - Quem praticar o facto previsto no n.º 1 do artigo anterior é punido, se o prejuízo patrimonial for de valor elevado, com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias.
2 - A pena é a de prisão de dois a oito anos se:
a) O prejuízo patrimonial for de valor consideravelmente elevado …».
Por seu turno estabelece o nº 1 do art. 217º que «quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa».
Os factos que a assistente descreve relativos ao alegado preenchimento abusivo da folha assinada em branco – que devia acompanhar o cheque dirigido à EDP, destinado a pagar a luz em dívida do restaurante “F……….” -, não configuram a prática de um crime de burla, nomeadamente porque não se alega qualquer artifício desenvolvido pelos arguidos que tenha determinado o comportamento dos ofendidos.

O art. 226º respeita ao crime de usura. Dispõe esta norma:
«1 - Quem, com intenção de alcançar um benefício patrimonial, para si ou para outra pessoa, explorando situação de necessidade, anomalia psíquica, incapacidade, inépcia, inexperiência ou fraqueza de carácter do devedor, ou relação de dependência deste, fizer com que ele se obrigue a conceder ou prometa, sob qualquer forma, a seu favor ou a favor de outra pessoa, vantagem pecuniária que for, segundo as circunstancias do caso, manifestamente desproporcionada com a contraprestação é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.
4 - O agente é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias se:
b) Dissimular a vantagem pecuniária ilegítima exigindo letra ou simulando contrato …».
Considerando que «a conduta constitutiva do crime de usura consiste, estrutural e materialmente, na celebração de um negócio jurídico, em que uma das partes (o agente usurário) fica credora de uma prestação manifestamente desproporcionada à sua contraprestação …» [4] é claro que tão pouco os factos atribuídos aos arguidos têm a virtualidade de configurar um tal ilícito.
É que na tese da assistente ela não celebrou qualquer contrato com os arguidos e não tendo celebrado o crime de usura resulta impossível no contexto.

Deixando o crime de falsificação para o final, vejamos, agora, quais os contornos do crime de falsidade de testemunho, perícia, interpretação ou tradução, tratado no art. 360º.
Nos termos desta norma comete este crime:
«1 - Quem, como testemunha, perito, técnico, tradutor ou intérprete, perante tribunal ou funcionário competente para receber como meio de prova, depoimento, relatório, informação ou tradução, prestar depoimento, apresentar relatório, der informações ou fizer traduções falsos, é punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou com pena de multa não inferior a 60 dias.
2 - Na mesma pena incorre quem, sem justa causa, se recusar a depor ou a apresentar relatório, informação ou tradução.
3 - Se o facto referido no n.º 1 for praticado depois de o agente ter prestado juramento e ter sido advertido das consequências penais a que se expõe, a pena é de prisão até 5 anos ou de multa até 600 dias».
Considerando que o bem protegido por este crime é a declaração falsa prestada após juramento ou perante funcionário competente para a receber como meio de prova, face aos factos que a assistente atribuí aos arguidos, no requerimento em análise, nada permite, sequer, pensar na possibilidade da configuração de um tal crime no caso.

Relendo a decisão recorrida, são estas mesmas as considerações que ali são feitas e que levam a concluir, inevitavelmente, que o RAI não cumpre as exigências da lei. Di-lo de forma clara, perceptível e suficiente.

Finalmente, o art. 256º trata da falsificação ou contrafacção de documento.
Nos termos desta norma:
«1 - Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime:
a) Fabricar ou elaborar documento falso, ou qualquer dos componentes destinados a corporizá-lo;
b) Falsificar ou alterar documento ou qualquer dos componentes que o integram;
c) Abusar da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer documento;
d) Fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto juridicamente relevante;
e) Usar documento a que se referem as alíneas anteriores; ou
f) Por qualquer meio, facultar ou detiver documento falsificado ou contrafeito;
é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa».
Conforme diz a anotação ao art. 256º feita no Comentário Conimbricense do Código Penal, parte especial, tomo II, 1999, pág. 674 e segs., integra este crime não só a falsificação material, como a falsificação ideológica, o que abrange a falsificação intelectual e a falsidade em documento. Assim, o que constitui a falsificação de documentos é a falsificação da declaração.
Quanto às formas que a falsificação pode revestir, temos a falsificação material, temos a falsificação material, em que há uma «alteração, modificação total ou parcial do documento», e a falsificação intelectual, que abrange os «casos em que o documento incorpora uma declaração falsa, uma declaração escrita, integrada no documento, distinta da declaração prestada».
Quanto ao aspecto subjectivo, trata-se de um crime intencional, no sentido de exigir que o agente actue com a intenção de causar prejuízo ou de obter benefício ilegítimo.

Vejamos, agora, que factos constam do RAI relativos à alegada falsificação. Diz a assistente:
«3º - … os requerentes deixaram ao arguido O………. para neles escreverem a entrega do valor do cheque mencionado, uma folha assinada em branco.
4º - O arguido O………. deu conhecimento dos factos ao E………., engenhando a falsificação de escrito para, em vez de nele pôr que os requerentes tinham recebido a quantia de 380.000$00 escudos, neles escreveu um contrato-promessa sobre o prédio dos requerentes em que seriam partes os requerentes e o E………. .
5º - Ora, o verdadeiro credor do cheque emitido era o arguido O1………. e que, assim, dissimulando o ocorrido, a burla que o arguido O……… e E………. iniciaram com a falsificação de título-papel em branco.
6º - Se bem o pensaram, melhor o executaram:
- a folha em branco foi deixada pelos requerentes ao arguido O……….;
- foi, então, o arguido O………. que emitiu o cheque;
- nessa altura não foi celebrado qualquer contrato, até por que o E………. não estava presente e por isso não foi quem emitiu o cheque;
- o documento foi preenchido na máquina do escritório do arguido O………., às ordens deste;
- como o preenchimento da folha onde se verteu o contrato foi feito em data em que os requerentes já estavam no Brasil;
- o selo foi colocado no extremo da folha pois, obviamente, não fora rubricado pelos AA;
- a alegada 1ª folha (de duas) do alegado contrato - exactamente por isso - não foi sequer rubricada pelos AA;
7º - Por isso:
A divida era de 380.000$00 escudos, o valor inserto no documento foi de 1.200.000$00 escudos para um prédio que todos sabiam valer 10.000.000$00 escudos, valor pelo qual foi vendido ao G………. .

14º - O arguido O………., E………. e G………. sabiam de tudo quanto é supra referido, urdiram o contrato promessa entre si (o contrato entre E………. e G……….) pois sabiam que não podiam registar o prédio.

16º - todos tinham consciência da situação económica desesperada dos requerentes, da existência contra ele de mandados de captura que foram a causa da sua ida para o Brasil e que ao procederem dessa forma se apropriaram de valores não devidos, através de falsificação de escrito …».
Não obstante a pouca clareza da descrição parece-nos que neste relato se podem vislumbrar factos integradores do crime de falsificação de documento.
E deveria o processo prosseguir para o seu conhecimento?

Cabe, agora, conhecer da decisão que declarou prescrito o procedimento criminal.
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III – Impugnação da decisão que declarou a prescrição do procedimento criminal

A decisão recorrida concluiu que quanto aos crimes de falsificação e de burla ocorrera a extinção do procedimento criminal, por prescrição, na base da seguinte argumentação:
«… as condutas dos arguidos E………. e O1………. que, face ao teor do requerimento de abertura de instrução, corresponderão a tais crimes, tal como resulta do já supra exposto, datam pelo menos de 1992 … em tal data vigorava o Código Penal de 1982 …, ou seja, o Código Penal vigente, mas na versão anterior ao DL nº 48/95, de 15 de Março, pelo que as disposições aplicáveis são:
- o art. 228.º, nº1, al. a), do CP82, no que respeita ao crime de falsificação de documento, punível com prisão até 2 anos e multa até 60 dias;
- os arts. 313.º, nº1, e 314.º, al. c), do CP82, no que respeita ao crime de burla agravada (na terminologia desta norma), punível com prisão de 1 a 10 anos.
A tais crimes correspondem, respectivamente, à luz do art. 117.º, nº1, als. c) e b), do CP82, prazos de prescrição do procedimento criminal de 5 e 10 anos.
No caso dos autos, é evidente que não se verifica qualquer das causas de suspensão e interrupção do procedimento criminal previstas nos arts. 119.º e 120.º do CP82 … a constituição como arguido … posteriormente a 01 de Outubro de 1995, em processo criminal instaurado na vigência do CPP de 1987 e por crimes praticados anteriormente a tal data, não ter eficácia interruptiva da prescrição do procedimento criminal, o Assento nº1/98, de 09/07/98, in DR I-A série, de 29/07/98) …».

Nos termos do nº 4 do art. 2º do Código Penal «quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente …».
Esta norma consta do Código Penal e sempre se poderá argumentar contra a sua aplicação dizendo que o instituto da prescrição tem natureza adjectiva.
Para afastarmos uma tal objecção bastamo-nos com a seguinte citação, retirada do acórdão proferido pelo S.T.J. em 12-11-2008, no processo 08P2868: «traduzindo-se a prescrição do procedimento criminal na renúncia do Estado ao direito de punir, condicionada pelo decurso de um determinado lapso temporal … as normas sobre prescrição do procedimento criminal têm natureza substantiva (cf. Assento de 19-11-1975, BMJ 251/75). Tal natureza determina, no domínio da aplicação da lei no tempo, a sujeição das respectivas normas ao princípio da aplicação retroactiva do regime jurídico mais favorável ao agente de uma infracção, o que significa que nenhuma lei sobre prescrição mais gravosa do que a vigente à data da prática dos factos pode ser aplicada, bem como que deve ser aplicado sempre, mesmo retroactivamente, o regime da prescrição que eventualmente se mostre mais favorável ao arguido».
Considerando, então, a natureza da prescrição teremos que ver, pois, quais as normas mais favoráveis no caso, uma vez que como todos os crimes que a assistente atribui aos arguidos ocorreram antes de 1995, coloca-se a possibilidade de aplicação ou da actual versão do Código Penal, ou da versão decorrente da alteração de 1995, ou da versão anterior, de 1982.

Nos termos do actual Código Penal o prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se tiver consumado (art. 119º, nº 1). O mesmo estabelecia o código na versão de 1982, no seu art. 118º, nº 1.
Actualmente, este prazo interrompe-se com a constituição de arguido, começando a correr novo prazo depois da interrupção – art. 121º, nº 1, al. a) e nº 2.
Na versão de 1982 o decurso do prazo de prescrição interrompia-se «com a notificação para as primeiras declarações para comparência ou interrogatório do agente, como arguido, na instrução preparatória» - art. 120º, nº 1, al. a).
Com o assento nº 1/98 foi fixada jurisprudência no sentido de que «instaurado processo criminal na vigência do Código de Processo Penal de 1987 por crimes eventualmente praticados antes de 1 de Outubro de 1995 e constituído o agente como arguido posteriormente a esta data, tal facto não tem eficácia interruptiva da prescrição do procedimento por aplicação do disposto no artigo 121.º, nº 1, alínea a), do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 48/95 …».

Considerando a moldura penal do crime em causa o prazo de prescrição do procedimento criminal situa-se nos 5 anos art. 118º, nº 1, al. c), do Código Penal.
Dado que não se verificou qualquer facto susceptível de suspender ou interromper o prazo de prescrição do procedimento – iniciado aquando da alegada prática dos factos descritos pela assistente -, temos que esta prescrição já há muito se consumou.
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DISPOSITIVO

Pelos fundamentos expostos:
I - Nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
II - Condena-se a recorrente em 7 UCs de taxa de justiça.

Elaborado em computador e revisto pela relatora, 1ª signatária – art. 94º, nº 2, do C.P.P.

Porto, 2009-09-23
Olga Maria dos Santos Maurício
Jorge Manuel Miranda Natividade Jacob
Artur Manuel da Silva Oliveira

_______________________
[1] Acórdão do S.T.J. de 25-10-2006, processo 06P3526.
[2] Acórdão do S.T.J. de 24-9-2003, processo 03P2299.
[3] Acórdão de 11-10-2006, processo 0416501. No mesmo sentido vide o acórdão do S.T.J. de 22-10-2003, processo 03P2608.
[4] Comentário Conimbricense do Código Penal, parte especial, tomo II, 1999, pág. 387.