Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1694/21.9T8VFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MIGUEL BALDAIA DE MORAIS
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
RETRIBUIÇÃO
EQUIDADE
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
Nº do Documento: RP202309111694/21.9T8VFR.P1
Data do Acordão: 09/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O recorrente que pretenda impugnar validamente a decisão sobre a matéria de facto, ao enunciar os concretos meios de prova que, na sua perspetiva, conduzem a uma decisão diversa, deve fundar tal pretensão numa análise crítica de todos os meios de prova produzidos sobre a materialidade objeto dessa impugnação, não bastando, quando esteja em causa prova pessoal, limitar-se a reproduzir excertos de alguns dos depoimentos produzidos na audiência final.
II - Os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas um remédio a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos apontam inequivocamente (em termos de convicção autónoma) para uma resposta diferente da que foi dada pela 1ª instância e já não naqueles em que, existindo versões contraditórias, o tribunal recorrido, beneficiando da oralidade e da imediação, firmou a sua convicção numa delas (ou na parte de cada uma delas que se apresentou como coerente e plausível) sem que se evidencie no juízo alcançado algum atropelo das regras da lógica, da ciência e da experiência comum.
III - Num contrato de prestação de serviço oneroso, a medida da retribuição, não havendo ajuste entre as partes, é determinada, na falta de tarifas profissionais e de usos aplicáveis, por juízos de equidade.
IV - A equidade, como justiça do caso, mostra-se apta a colmatar as incertezas do material probatório, bem como a temperar o rigor de certos resultados de pura subsunção jurídica, na procura da justa composição do litígio, fazendo apelo a dados de razoabilidade e equilíbrio, tal como de normalidade, proporção e adequação às circunstâncias concretas, sem cair no arbítrio ou na mera superação da falta de prova de factos que pudessem ser provados.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 1694/21.9T8VFR.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Santa Maria da Feira – Juízo Local Cível, Juiz 1
Relator: Miguel Baldaia Morais
1º Adjunto Des. José Eusébio Almeida
2º Adjunto Des. Augusto de Carvalho
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SUMÁRIO
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I- RELATÓRIO

“A..., Lda.” intentou a presente ação declarativa sob a forma comum contra “B..., Unipessoal Lda.”, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 43.050,00, acrescida de juros vencidos e vincendos até ao efetivo e integral pagamento, à taxa de juro comercial aplicável, e ainda a importância de € 150,00 euros por cada dia de atraso no pagamento do valor devido, a título de sanção pecuniária compulsória.
Alegou para tanto, em súmula, que, a solicitação da ré, prestou-lhe serviços de consultadoria em contratação pública no âmbito do concurso limitado por prévia qualificação n.º ... lançado pela Santa Casa da Misericórdia, no valor global de 18 milhões de euros, mais IVA.
Acrescenta que, após a realização dos serviços a que se obrigou, apresentou nota de honorários e emitiu a respetiva fatura no valor de € 35.000,00 (no qual incluiu a quantia de € 8.000,00 que liquidou a uma sociedade de advogados que subcontratou), acrescido de IVA à taxa legal, não tendo, no entanto, a demandada procedido ao pagamento desse montante.
Regularmente citada, a ré deduziu contestação alegando, em síntese, que os honorários que a autora reclama nunca foram propostos ou acordados e muito menos por si aceites ou aprovados, considerando tal valor exorbitante, ficando muito além dos valores habitualmente praticados.
Teve lugar audiência prévia no âmbito da qual se proferiu despacho saneador em termos tabelares, fixou-se o objeto do litígio e definiram-se os temas da prova.
Realizou-se audiência final com observância do formalismo legal, vindo a ser proferida sentença na qual se decidiu julgar “a ação parcialmente procedente, por provada, e, em consequência:
a) - Condenar a Ré a pagar à Autora, a quantia de € 17.616,06 (dezassete mil, seiscentos e dezasseis euros e seis cêntimos), com IVA já incluído, acrescidos de juros de mora à taxa juro comercial sucessivamente em vigor ao longo de cada semestre, a partir do trânsito em julgado desta decisão e até integral pagamento;
b) – Absolver a Ré do demais peticionado».
Não se conformando com o assim decidido, veio a autora interpor o presente recurso, que foi admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes
CONCLUSÕES:
1. O pedido da presente ação declarativa de processo comum traduzia-se na condenação da aqui Recorrida a pagar à aqui Recorrente o capital de € 43.050,00 e € 2.396,65 a título de juros vencidos, bem como no pagamento de juros vincendos desde a citação até ao efectivo e integral pagamento à taxa de juro comercial aplicável e de € 150,00 euros por cada dia de atraso no pagamento do valor devido, a título de sanção pecuniária compulsória.
2. A aqui recorrida foi condenada a pagar à Recorrente a quantia de € 17.616,06 (dezassete mil, seiscentos e dezasseis euros e seis cêntimos), com IVA já incluído, acrescidos de juros de mora à taxa de juro comercial sucessivamente em vigor ao longo de cada semestre, a partir do trânsito em julgado desta decisão e até integral pagamento.
3. Ora, com o devido respeito por melhor opinião, tal decisão mostra-se, aos olhos do ora recorrente, como sendo um retrato distorcido da prova reproduzida em sede de Audiência de discussão e julgamento, bem como disforme com a prova documental, e por fim com a normatividade jurídica vigente aplicável ao presente caso.
4. Quanto aos factos dados como não provados em e) - Além dessa documentação técnica, foi necessário preparar a documentação financeira da proposta (remuneração da agência, os custos de produção de cada campanha e os custos da tabela de referência), administrativa, bem como, dos documentos necessários para a definição do agrupamento em sede de proposta; f) - Os documentos financeiros (fee da agência, custos de produção e da tabela de referência), e a constituição da equipa, começaram a ser enviados a 17 de junho e g) - No dia 18 de junho de 2020 – cinco dias antes do termo do prazo de apresentação de propostas e não obstante a insistência da Autora -, a Ré começou a enviar os primeiros drafts das propostas criativas para análise por parte da Autora não se entende como foi assim decidido pelo Tribunal a quo.
5. Olhando o documento 18 junto com a Petição Inicial que se traduz numa comunicação electrónica trocada entre o gerente da aqui Recorrente, AA, e BB, directora criativa da aqui Recorrida, é claro que esta ainda se encontrava a preparar as propostas no dia 18 de Junho de 2020; isto, em resposta ao e-mail datada de 18 de Junho às 12:26h, no qual o gerente AA, questiona se ainda faltavam elementos – cfr. documento 16 junto com a PI.
6. As propostas criativas começaram a ser envidas a 18 de Junho de 2020 pelas 8:43h, conforme se pode verificar pela comunicação electrónica junta com a PI sob o documento 16.
7. É inadmissível que o Tribunal a quo sustente a sua decisão, afirmando que os gerentes da aqui Recorrente tinha a intenção de sobrevalorizar o trabalho realizado, perante a extensão de prova documental junta aos autos, bem como pelo depoimento de AA, gerente da aqui Recorrente, que referiu detalhadamente todo o trabalho desenvolvido desde o primeiro contacto em Dezembro de 2019, ao longo de mais de 35 minutos de depoimento; e, perante toda a factualidade dada como provada pelo Tribunal a quo.
8. De dizer que, o documento 16 junto com a PI, são centenas de comunicações electrónicas trocadas entre as partes entre os dias 18 e 23 de Junho, ultimo dia para a apresentação da proposta.
9. Pelo, que face ao exposto e face à prova documental junta aos autos, impera dar como provados tais factos.
10. Quanto ao facto dado como não provado em a) - Foi referido pela Diretora Criativa da Ré, Dra. BB, na reunião de 10 de dezembro de 2019 que os honorários estavam aprovados pelo CFO (Chief Financial Officer), consta da fundamentação de Direito aqui em crise que o preço não pode ser imposto unilateralmente pelo prestador do serviço e, que, «não resultou provado que tenha existido esse acordo de vontades, seja pela ausência de declaração expressa nesse sentido, seja pela ausência de factos concludentes dos quais se possa extrair, de forma inequívoca, uma declaração negocial.»
11. O gerente AA afirma que não houve orçamento [gravação 47:33m] e que foi realizada uma reunião com BB – a mesma pessoa com quem trabalhavam já há algum tempo – sendo o primeiro procedimento em 2015 [50:21m] - e com quem tinham uma relação de confiança e que a mesma referiu que os honorários estavam aprovados pelo CFO [gravação dos 48:25m a 48:39m e 01:00:16m)
12. Do mesmo modo, CC afirma que, para além dos trâmites iniciais, os gerentes estavam muito entusiasmados com o concurso e quanto à questão dos honorários refere que: «a Dra. BB disse para não nos preocuparmos porque estavam previamente aprovados» (05:03m- 05: 07m).
13. DD no seu depoimento, corrobora o depoimento/testemunho de AA e CC, referindo que BB, por sua iniciativa afirmou que os honorários estavam aprovados pelo CFO da empresa; os honorários que a aqui recorrente apresentasse. (05:19m- 05:51m); referindo, também, e, corroborando também o depoimento de AA, que sempre trabalharam dessa forma, pois, a única vez que apresentaram orçamento foi em 2015 (06:04m-06:21m).
14. Pelo que, a afirmação de BB leva-nos perante uma declaração negocial válida aos olhos da Lei.
15. No que concerne à interpretação da declaração negocial rege o art. 236º do CC que dispõe:
“1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida.”
16. Aliás, como é claro do testemunho de CC e dos Gerentes DD e AA, assumiram tal afirmação de BB, pela relação de confiança, de «à vontade distinta da de doutras clientes» (CC – gravação entre 09:04m-09:12m) já existente e entre as partes; pelo que tem de ser dar como provado o ponto, havendo, assim erro na análise da matéria de facto.
17. Para apurar o valor do preço a pagar pela recorrida, atendeu o Tribunal a quo à nota de honorários de 22 de Maio de 2017, que dizia respeito à assessoria prestada pela aqui Recorrente, à Recorrida em quatro procedimentos, sendo um deles, um similar promovido pela Santa Casa da Misericórdia – cfr. documento 4 junto com a PI.
18. Como tal, perante um juízo de equidade, decidiu o Tribunal a quo que o preço a pagar, no caso em apreço, seria de ¼ do valor ali cobrado, acrescido da taxa de inflação de acordo com o IPC, a cujo coeficiente se somará o correspondente IVA, que se traduz em 7.776,06 euros, acrescido do valor pago à sociedade subcontratada e, como tal, no valor total de 17.616,06 euros, com IVA incluído, acrescido da despesa realizada com a subcontratação da sociedade de advogados especialista na área da contratação pública (C... – Sociedade de Advogados SP RL), que se cifra no montante de € 8.000,00, acrescido de IVA, ou seja € 9.840,00.
19. Este raciocínio, peca, desde logo, pela desproporcionalidade gritante entre o valor obtido e os procedimentos constantes da nota de honorários de 22 de Maio de 2017.
20. Ainda para mais, para quem tem o dever de conhecer a Lei concretamente a diferença dos procedimentos da contratação pública!
21. Olhando primeiramente à Lei, concretamente ao Código dos Contratos Públicos, é gritante a diferença nos procedimentos, nomeadamente a nível de documentação e prazos;
22. No que concerne ao procedimento de ajuste directo n.º …, há uma diferença abismal relativamente ao contrato da Santa Casa, na medida em que estamos perante um procedimento de Ajuste directo, que corresponde ao procedimento de contratação pública em que a entidade adjudicante convida diretamente uma entidade à sua escolha para que esta apresente uma proposta (artigo 112.º, n.º 2 do Código dos Contratos Públicos).
23. Os serviços prestados pela aqui Recorrente, resumiram-se ao estudo das peças (que têm muito menos exigências) e elaboração de pedido de esclarecimentos.
24. O concurso do Banco 1... foi um procedimento privado da entidade, não se tratando de nenhum concurso público.
25. Os trabalhos, conforme consta da nota de honorários, passavam pela representação na plataforma, ou seja, um colaborador da aqui Recorrente, que estava na sede da empresa aquando do início do Reverse Auction, com o conhecimento informático necessário da plataforma e das ferramentas necessárias para a apresentação da proposta de preço da empresa, efectuava a inserção dos preços indicados pela empresa.
26. Por fim, no que diz respeito ao pronto D) da nota de honorários, o procedimento traduz-se num Concurso Público da D....
27. Os trabalhos resumiram-se a estudar as peças do procedimento, os esclarecimentos prestados pelo Júri e análise da possibilidade de participação no procedimento por parte da empresa, não tendo havido a elaboração da proposta e respetiva submissão (DD aos 24:11m-29:45m).
28. Ora, é clara a diferença nos procedimentos da contratação, que, naturalmente se traduz na diferencia de exigência no plano intelectual da aqui Recorrente, bem como no tempo investido!
29. O concurso da Santa Casa (SC) 2020 exigiu da equipa da aqui Recorrente 8 meses de trabalho, desde Dezembro de 2019 a Junho de 2020, como afirma AA (gravação entre os 44:45m e 54:52m).
30. A nota de honorários elaborada teve em consideração o trabalho, que como referiu AA, não se assemelha ao trabalho de nenhum outro procedimento (01:02:45m- 01:02:58m), porque: AA: «eram duas fases, no fundo é como se fossem dois concursos; são três lotes, três propostas; havia duas empresas agrupadas; havia elementos para cada uma das empresas; houve análise do ponto de vista da participação entre várias empresas do mesmo grupo; houve muitíssimo trabalho, inclusivamente no último fim-de-semana, que foi extremamente penoso»(01:03:28m-01:04:15m).
31. E, claro, refere-se à responsabilidade a apresentar uma proposta cujo valor máximo a receber seriam 24 milhões de euros, que se não fosse feita atempadamente, seria a desgraça da empresa, pois naturalmente a aqui recorrida iria imputar-lhe essa responsabilidade; AA refere, inclusive que a apresentação daquela proposta foi um «sufoco» (gravação 01:05:31m- 01:05:43m).
32. O que é corroborado por DD: a preocupação na assessoria de um valor tão grande, quando não tinham sequer seguro de responsabilidade civil que cobrisse, pois a Seguradora apenas lhes concedeu o seguro, apenas assegurou um prémio de um milhão (21:01m- 23:58m).
33. DD refere, ainda que, no concurso da SC de 2020, foi tão absorvente da equipa de trabalho que não foram capazes de aceitar outros trabalhados; tendo sido isso também um critério para aferir os honorários a cobrar (17:01m-18: 15m).
34. Nas palavras de DD, no concurso da SC 2016, a empresa do grupo que concorreu já sabia que não poderia ganhar o concurso, porque não conseguiria acompanhar o preço base; a proposta apresentada «rebentava» com o preço base (09:14m -10:15m).
35. Acresce que, AA quando confrontado se os trabalhos realizados que originaram as facturas juntas aos autos, por exemplo à E..., se ocuparam «tanto tempo e tanta dor de cabeça» como o concurso da Santa Casa, respondeu que não; por três grandes motivos: primeiro o valor do concurso é completamente diferente, o segundo motivo era a diferença do procedimento da contratação e terceiro pela dificuldade inerente ao ver a proposta e o caderno de encargos (01:41:01h –01:43:18h); referindo mesmo que é incomparável (01:43:20h).
36. No concurso SC de 2016, os requisitos legislativos era, completamente distintos face ao concurso de 2020, concretamente, documento europeu da contratação pública (depoimento de AA 01:35:12m – 01:35:45m).
37. No concurso de 2020, foram várias pessoas afectas, o AA, a EE, A CC, o DD (gravação entre 46:50m a 47:02m no depoimento de AA; DD 13:11m- 14:58m e 20:11h).
38. CC refere que, apesar de terem vários procedimentos em simultâneo na empresa, a mesma, o AA e o DD estiveram sempre a trabalhar no concurso para a aqui Recorrida (14:24h e 01:08:47m).
39. É a própria directora criativa da aqui Recorrida, BB, que refere que o concurso de 2020 é muito diferente de 2016, quanto à quantidade (13:00m-13:35m); afirmando que o trabalho da aqui Recorrente é rever as propostas páginas por página, para ver se estão de acordo com o caderno de encargos, porém quando confrontada se tem ideia de quantas páginas são, apenas responde «muitas» (27:23m- 27:30m); ainda que tenha referido que os primeiros drafs das propostas criativas foram enviados em cima do prazo por fazer parte do processo criativo (27:20m-28:14m);
40. Desta sorte, perante a matéria extensa dada como provada, ainda que o Tribunal a quo tomasse por referência a dita nota de honorários, teria de ter em conta todas as diferenças aqui explanadas.
41. Só assim, teria sido uma decisão justa e verdadeiramente equitativa e, em óbice aos princípios da proporcionalidade e igualdade presentes na Lei-Mãe!
42. Como refere AA (ao minuto 4:41m até ao 4:59m) e não há um procedimento com dimensão possível de comparação com o procedimento da Santa casa, tanto pelo valor do mesmo – são valores «assombrosos» sic - , como do tempo despendido a nível de assessoria.
43. A recorrente, nesta assessoria prestada à recorrida, única coisa que queria, e, por isso contratou outra empresa para ajudar a analisar toda a documentação em volta das propostas, era fazer o melhor trabalho possível e que não pudesse ser assacado qualquer responsabilidade no caso de o concurso correr mal (AA - gravação 51:48m-52:20m).
44. Usando mão da jurisprudência, concretamente o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo: 2656/04.6TVLSB-A.L2-6, cujo Relator foi VÍTOR AMARAL de 01-10-2014: A equidade, como justiça do caso, mostra-se apta a colmatar as incertezas do material probatório, bem como a temperar o rigor de certos resultados de pura subsunção jurídica, na procura da justa composição do litígio, fazendo apelo a dados de razoabilidade e equilíbrio, tal como de normalidade, proporção e adequação às circunstâncias concretas, sem cair no arbítrio ou na mera superação da falta de prova de factos que pudessem ser provados.
45. Perante toda a factualidade dada como provada, a Recorrente entende que deve ser confirmado o valor da factura em causa nos presentes autos.
46. Isto porque, o valor da nota de honorários de 2017, analisando todos os procedimentos em causa, é quase integralmente relativo ao concurso da Santa Casa, não podendo deixar de ser referido que o documento foi junto para demonstrar, por um lado, que não era o valor de 2.500,00 euros, o preço pago, referido pela Recorrida e, por outro lado, que havia facturas emitidas de valor bem superior ao que a Recorrida afirmava.
47. E, ainda assim, mesmo em relação ao procedimento da Santa Casa da Misericórdia de 2016, este não se comparava ao de 2020, pois, o valor era inferior e era uma proposta e não três, porque, neste último procedimento são 3 lotes e foram feitos mais trabalhos, conforme documentos juntos aos autos a 05/04/2022 sob a referência 12840836; para além de toda a extensão de trabalho realizado e dada como provada!
48. No que diz respeito aos juros devidos, a sentença em crise foi sustentada no facto de não haver acordo quanto aos honorários, e como tal a obrigação é liquida até ao momento em que o tribunal procede à indicação do montante devido, o que não corresponde à verdade, pois, BB declarou perante DD, AA e CC que os honorários estavam aprovados; logo há incumprimento culposo por parte da Recorrida e como tal, deve se condenada a pagar juros desde a data da emissão da factura.
49. Princípios jurídicos violados: princípio da proporcionalidade, princípio da igualdade.
50. Normas jurídicas violadas: artigo 236º do CC, artigos 227º, 406º, 805º, 1158º CC; artigos 13º e 18º da CRP.
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Notificada a ré apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II- DO MÉRITO DO RECURSO
1. Definição do objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil[1].
Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pela apelante, são as seguintes as questões solvendas:
. determinar se o tribunal a quo incorreu num error in iudicando, por deficiente avaliação ou apreciação das provas e assim na decisão da matéria de facto;
. decidir em conformidade face à alteração, ou não, da materialidade objeto de impugnação, mormente dilucidar se à autora/apelante assiste (e em que termos) o direito de exigir da ré/apelada o pagamento da quantia de €35.000,00 (acrescida de IVA, à taxa legal) pelos serviços que lhe prestou no âmbito do concurso limitado por prévia qualificação nº ..., lançado pela Santa Casa da Misericórdia.
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2. Recurso da matéria de facto
2.1. Factualidade considerada provada na sentença

O tribunal de 1ª instância considerou provada a seguinte matéria de facto:
1. Em Dezembro de 2019, através da Sra. FF, agindo no interesse da Ré, a Autora foi contactada através de comunicação electrónica, para prestar serviços à Ré e à empresa F..., que faz parte do grupo G..., no qual se integra a Ré.
2. Nesse mesmo mês, foi realizada uma reunião com vista a que a Autora fosse colocada a par do concurso, bem como dos serviços a prestar e para preparar todos os trabalhos e timings, e ainda, para abordar a remuneração.
3. Na reunião, datada de 10 de dezembro de 2019, estiveram presentes AA, DD, CC (todos colaboradores da Autora) e a Diretora Criativa BB (em representação da Ré).
4. A Ré pretendia beneficiar dos serviços de consultoria em contratação pública da Autora com vista à participação num concurso limitado por prévia qualificação n.º ..., lançado pela Santa Casa da Misericórdia, no valor global de 18 milhões de euros mais IVA.
5. O concurso tinha como objeto a “Aquisição de serviços de agência criativa para as marcas da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa”, em conformidade com as cláusulas jurídicas gerais e especiais definidas no caderno de encargos junto sob o documento n.º 3 da petição inicial.
6. O concurso encontrava-se organizado por marcas distribuídas por 3 (três) Lotes:
- LOTE 1: Euromilhões; M1LHÃO; Totoloto; Raspadinha e Novo Jogo;
- LOTE 2: Placard, Totobola; Apostas Hípicas; Lotaria Clássica e Lotaria Popular;
- LOTE 3: Marcas/Serviços da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e Marca Jogos Santa Casa.
7. A Autora aceitou prestar serviços à Ré e à outra empresa do grupo, dado que iriam concorrer as duas empresas em agrupamento.
8. A Autora há vários anos tem assessorado a Ré e outras empresas do seu grupo em procedimentos de contratação pública.
9. O concurso limitado por prévia qualificação destinava-se à contratação de agências de criatividade para prestar serviços de comunicação e publicidade nas marcas e jogos da Santa Casa.
10. Num concurso limitado por prévia qualificação existem duas fases: da candidatura e da proposta.
11. Tais fases apresentam-se distintas do ponto de vista procedimental/documental.
12. Na fase da candidatura, o candidato (neste caso, agrupamento candidato) tem de apresentar um conjunto de documentos (das próprias empresas) que evidenciem e demonstrem as necessárias capacidades para executar o contrato, seja do ponto de vista técnico, financeiro e da própria experiência neste tipo de serviços a adquirir pela entidade adjudicante, revelando-se uma fase com uma carga documental muito grande.
13. Nessa sequência, apenas os candidatos que veem a sua candidatura admitida (selecionada) é que poderão, posteriormente, avançar no concurso para a segunda fase, a da proposta propriamente dita.
14. Nesta segunda fase, os concorrentes têm de apresentar propostas criativas, as equipas que vão ser integradas nos serviços (em caso de adjudicação), bem como, os preços totais em causa (relativos à prestação do serviço, onde se inclui a remuneração da agência – Fee – custos de produção das campanhas e custo de produção da tabela de referência).
15. A Ré, no concurso aludido em 4., foi a líder do agrupamento (a candidatura e proposta foi apresentada por agrupamento concorrente).
16. Na primeira fase, a da candidatura, a Autora enviou uma súmula de todos os documentos que eram necessários, tendo os mesmos sido remetidos para sua análise: - Certidão Permanente; - Registo Criminal da Sociedade (a ser solicitado por uma pessoa de cada empresa); - Registos Criminais dos Gerentes/Administradores (estes devem ser solicitados por cada empresa e por pessoas distintas); - Certidão de Não Dívida à Autoridade Tributária; - Declaração de Não Dívida à Segurança Social; - Registo Central do Beneficiário Efectivo; - Cópia das últimas três declarações anuais de IRC (2016, 2017 e 2018); - Cópia das últimas três declarações de IES (2016, 2017, 2018); - Respectivos documentos de prestação de contas legalmente certificadas dos últimos três exercícios (2016, 2017 e 2018); - DEUCP (Documento Europeu Único de Contratação Pública) por empresa – os quais foram posteriormente preenchidos pela Autora, tendo em conta as informações e documentos enviados pela Ré- Documentos para serem apresentados pelos membros do agrupamento, desde que em conjunto garantissem os mínimos abaixo indicados: -- Documento/Certificado de atribuição aos membros de um mínimo de 5 Prémios de Eficácia; -- Documentos/Certificado de atribuição aos membros de um mínimo de 5 Prémios do Clube de Criativos; -- 2 Declarações de 2 Clientes distintos a confirmar que prestaram serviços de forma correta em comunicação e publicidade nos meios off line – TV, Rádio, Imprensa, Exterior. -- Comprovativo de investimentos de media a preços de tabela “Ranking Media Monitor – Top Agências de Publicidade” (TV, imprensa, internet, rádio, exterior e cinema) nos últimos três anos civis, com o valor mínimo de 75.000.000,00 €;
-- Declaração relativa ao volume médio de negócios dos últimos três exercícios disponíveis (igual ou superior a 3.000.000,00 € (três milhões de euros)), elaborada em conformidade com o modelo do ANEXO II ao programa de concurso; - indicação de Representante Comum (que a Autora procedeu à elaboração de todos os documentos/minutas de instrumentos de mandato, com vista à constituição e definição do agrupamento e nomeação do representante comum do agrupamento.
17. Durante a recolha e análise da documentação das duas empresas, a Ré comunicou que a outra empresa (a F...) que iria agrupar-se com a Ré afinal seria “substituída” por outra empresa, a H....
18. O que implicou recolher e analisar todo aquele acervo documental relativamente também a esta empresa.
19. A fase da candidatura é de enorme detalhe, donde é necessário garantir que a documentação relativa à constituição do agrupamento se encontra bem preparada e, porque, é fundamental que todos os documentos (de ambas as empresas) que vão ser carreados para a candidatura (e, posteriormente submetidos na plataforma eletrónica) demonstram as capacidades exigidas pela entidade adjudicante nas peças concursais.
20. Existem requisitos de capacidade exigidos pela entidade adjudicante que podem ser assegurados pelas duas empresas no seu conjunto (havendo neste caso o chamado aproveitamento de capacidades) e existem outros requisitos que têm que ser assegurados, pelo menos, por uma das empresas e não em conjunto (como sucedeu, nomeadamente, com o número de trabalhadores).
21. Até à referida alteração da outra empresa que iria formar o agrupamento com a Ré, a Autora teve que analisar toda a documentação referente à empresa F..., tendo inclusive pedido mais elementos instrutórios e, após essa análise, a Ré veio informar que seria outra empresa do grupo a concorrer em agrupamento com esta, ou seja, a H....
22. A Autora peticionou também a documentação referente à empresa “H...” para sua análise.
23. Nesta fase, a Autora analisou as peças do concurso - caderno de encargos e programa de concurso e respetivos anexos - e os documentos de ambas as empresas.
24. A Autora analisou, ainda, a participação das empresas, do ponto de vista do direito da concorrência.
25. Perante esse facto, a Autora elaborou um relatório, apoiado na jurisprudência e na legislação, de modo a acautelar a candidatura da Ré, do ponto de vista do direito da Concorrência.
26. Para a elaboração desse relatório foi necessário analisar as três empresas (B..., F... e H...) do ponto de vista societário, a legislação e Jurisprudência relativa à participação simultânea de empresas pertencentes ao mesmo grupo e o estudo do regime dos impedimentos plasmado no CCP e suas consequências, nos termos do artigo 55º n.º 1 do CCP.
27. A Autora efectuou o registo da segunda empresa que ira concorrer ao lado da Ré, a H..., na plataforma electrónica I..., uma vez que ainda não se encontrava registada.
28. Dada a confiança depositada na Autora por parte da Ré, a pessoa escolhida para ser o representante comum do agrupamento candidato foi o Sr. AA, gerente da Autora, o qual seria também responsável por assinar digitalmente (tendo também assinado manuscritamente) cada um dos documentos da candidatura.
29. Os documentos seriam ainda assinados manuscritamente pelo Sr. DD, gerente e administrador das duas empresas agrupadas.
30. Após todos os documentos terem sido assinados, a Autora reuniu toda a documentação, organizou e procedeu à submissão com sucesso da candidatura na plataforma electrónica I....
31. Posteriormente, depois de terem sido disponibilizadas as candidaturas, na plataforma I..., a Autora procedeu à análise das mesmas em face das regras do concurso e da legislação aplicável.
32. Em sequência, elaborou um relatório da análise com a identificação de cada uma das causas de exclusão das candidaturas apresentadas e enviou à Ré.
33. Mais tarde, viria a ser disponibilizado o relatório preliminar de avaliação das candidaturas – fase da qualificação - e a Autora preparou uma minuta de direito de audiência a ser apresentado pelo agrupamento candidato formado pela Ré e pela H..., nos termos do artigo 185.º do Código dos Contratos Públicos no qual, sumariamente, em virtude dos argumentos expedidos, foi requerida a exclusão de várias candidaturas.
34. Na sequência do Direito de Audiência exercido pela Ré, o júri do procedimento solicitou que alguns dos candidatos procedessem ao suprimento de irregularidades das candidaturas.
35. No primeiro relatório final da fase qualificação, e em face do Direito de Audiência apresentado, foi excluída a candidatura da empresa J....
36. Posteriormente, foi elaborado o segundo relatório final pelo Júri do Procedimento, que manteve a exclusão da candidatura da J... e a admissão de todas as outras candidaturas.
37. Esta documentação foi analisada pela Autora.
38. Em abril de 2020, a Autora enviou para a Ré as peças do concurso relativas à segunda fase, concretamente o convite, caderno de encargos e respectivos anexos e decisão de qualificação dos candidatos (2ª fase: a da proposta).
39. A Autora elaborou um relatório de análise das peças do procedimento (dirigida a esta segunda fase do procedimento).
40. Foi também realizada uma reunião via teams para se discutir dúvidas e preparar os timings da proposta.
41. Na sequência do estudo das peças do procedimento e de dúvidas colocadas pela Ré, nomeadamente, do ponto de vista técnico e financeiro, a Autora elaborou um pedido de esclarecimentos e procedeu à sua submissão na plataforma electrónica.
42. Em face dos esclarecimentos prestados pelo júri aos concorrentes, a Autora enviou para a Ré informação extremamente relevante sobre alguns aspetos a ter em consideração na elaboração das propostas criativas.
43. O prazo de apresentação de propostas terminava no dia 23 de Junho de 2020, sendo que as empresas agrupadas, a Ré e a empresa H... iam apresentar proposta aos 3 lotes do concurso, o que implicava a análise de documentação (especialmente técnica) para cada um dos lotes.
44. Era exigido, do ponto de vista técnico:
- Lote 1: Proposta criativa para a marca Euromilhões que inclua uma declinação para a temática ‘Férias de Verão’, bem como uma proposta de estratégia e definição do conceito criativo para a marca Totoloto;
- Lote 2: Proposta criativa para a marca Placard associada ao Campeonato da Europa de Futebol 2020, bem como uma proposta de estratégia e definição do conceito criativo para a marca Lotaria Clássica;
- Lote 3: Proposta criativa para a marca Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, relacionada com a área da Saúde e foco na área de medicina de reabilitação.
45. A Autora subcontratou uma sociedade de advogados especialista na área da contratação pública (C... - Sociedade de Advogados SP RL), para que esta a apoiasse na análise de toda a documentação que incluía as 3 propostas.
46. O trabalho prestado por tal sociedade custou à Autora o valor de 8.000,00 euros, acrescido de IVA.
47. Essa contratação não teria sido necessária, caso a Ré tivesse actuado nesta fase de forma diligente.
48. A Autora teve que afectar toda a sua equipa para a análise e apoio na rectificação dos documentos, inclusivamente durante todo o fim-de-semana, tendo culminado na submissão da proposta no dia 23 de junho, por volta das 21h30, ou seja, duas horas e meia antes do termo do prazo para o efeito.
49. Depois da submissão da proposta, as peças do procedimento previam ainda um momento relativo à apresentação das propostas criativas correspondentes a cada um dos lotes do concurso.
50. Nesse sentido, a Autora ainda auxiliou a Ré na composição e envio das equipas que iriam efectuar a apresentação (via teams) perante o Júri do Procedimento de cada uma das propostas criativas.
51. Em Agosto de 2020, a Autora enviou à Ré o relatório preliminar do Júri do Procedimento de avaliação das propostas.
52. No referido relatório, a Ré (em conjunto com a H...) ficou classificada em último lugar no Lote 1, em 5º lugar no Lote 2 e em último lugar no Lote 3.
53. Antes da disponibilização do relatório preliminar, a Autora já havia analisado as propostas apresentadas, pois, a partir do momento em que o relatório preliminar fosse disponibilizado, disporia de 5 dias para o exercício do direito de Audiência Prévia.
54. A Ré informou à Autora que não pretendia avançar com qualquer direito de audiência.
55. A Autora elaborou uma nota de honorários e procedeu à emissão da respectiva factura.
56. A Ré, apesar de instada para o efeito, até à presente data não procedeu ao seu pagamento.
56. A Autora e a Ré já mantinham relações comerciais, tendo a primeira já assessorado a segunda noutros procedimentos concursais.
57. Existiram, pelo menos, duas reuniões remotamente (via Teams), nas quais estiveram presentes pela Ré: GG e HH e, pela Autora, AA, onde a Ré manifestou a sua discordância com os valores dos honorários apresentados pela Autora.
58. Os honorários apresentados pela Autora nunca foram propostos ou acordados com a Ré, nem aprovados ou aceites por esta.
59. Os honorários foram apresentados conjuntamente com a factura FT 2020/23, com data de emissão de 21-08-2020 e da data de vencimento de 20-09-2020, no valor de € 35.000,00 + IVA, depois do serviço prestado.
60. A Autora foi contactada para a prestação de serviços de consultoria em procedimentos de contratação pública, sem carácter de exclusividade, sem quaisquer contratos escritos, nove vezes, com os valores de honorários infra descritos:
Empresa Data Honorários (s/Iva) Facturas
B... 04/01/2016 1 000,00 € Ft 2016/3
K... 04/01/2016 2 500,00 € Ft 2016/2
F... 30/06/2016 1 500,00 € Ft 2016/42
K... 04/08/2016 1 500,00 € Ft 2026/52
B... 30/09/2016 2 500,00 € Ft 2016/68
B... 31/03/2017 1 500,00 € Ft 2017/13
K... 26/05/2017 25 000,00 € Ft 2017/22
B... 15/03/2018 8 000,00 € Ft 2017/76
B... 21/01/2019 2 500,00 € Ft 2017/123
61. O “Director Jurídico” da Autora – AA – redigiu e enviou o seguinte e-mail:
---------- Forwarded message ----------
From: AA <...>
Date: 2015-03-16 12:29 GMT+00:00
Subject: RE: Pedido de informações
To: II <...>
Cara II,
Atendendo ao potencial que vislumbramos na área da contratação pública para a vossa empresa, apresentamos uma proposta de honorários que nos parece bastante competitiva em relação aos preços que habitualmente praticamos. Assim, propomos o valor de 1.250 € + IVA, para dois dias de trabalho por mês, ou seja, 16 horas mensais, distribuídos da forma que for mais interessante para a vossa empresa. Claro está que manteremos a disponibilidade para troca de qualquer informação via e-mail ou por telemóvel.
Propomos que esta relação tenha a duração de seis meses com início em Abril e fim em 30 de Setembro, finda a qual se deverá proceder a uma avaliação, dispondo cada uma das partes do direito de a fazer cessar ou de decidir a sua continuidade, sendo certo que nessa altura será possível fazer um ajustamento do preço e da formatação.
No fundo, a vossa empresa terá um custo para os próximos 6 meses de 7.500 € e terá a possibilidade de apresentar propostas das quais poderão resultar adjudicações que tornarão esse mesmo custo, praticamente irrelevante.
Uma formatação com valores inferiores àqueles que propomos, na nossa maneira de ver, não seria honesta da nossa parte, pois não permitiria criar a profundidade necessária para constituir propostas vencedoras.
Esta é a nossa proposta II, pelo que, ficamos a aguardar pela vossa decisão.
Com os melhores cumprimentos,
62. O processo de negociação e aprovação dos honorários da Autora nos processos identificados em 60, foi feito através de e-mail e reuniões presenciais.
63. Nesse primeiro processo, a ora Ré na pessoa de JJ afirma aos seus Colegas em 03/09/2015:
«Olá.
Conforme combinado, já falei coma empresa sugerida pela F...: Consultores A....
Eles vêm cá amanhã às 15:00 para podermos fazer uma avaliação definitiva das nossas expectativas em relação ao serviço que nos poderão prestar.
O MF tinha referido que o preço negociado por concurso com eles, foi de 2500 euros, mas como nós só temos 3 semanas daqui até a entrega, argumentei que eles iriam trabalhar menos tempo que o habitual. Depois, se for necessário a ajuda deles na fase de “impugnações” falamos outra vez.
Assim conseguimos um valor de 1500, que deverá ser dividido entre as 3 agências.
O que eu espero, com a participação destes consultores, é que a nossa candidatura esteja blindada do pov jurídico e de cumprimento dos requisitos técnicos.
Gostava que vocês estivessem amanha na reunião, para fazerem uma avaliação da empresa/ pessoa que nos vai prestar o serviço.
A reunião é amanhã as 15:00.
Obrigada
F.».
65. Na sequência disso, escreve nesse mesmo dia a AA (o aludido “Director Jurídico” da Autora):
«Caro AA,
Na sequência dos mails que tem trocado com a minha colega II, que está de férias, gostava de saber se tem disponibilidade para vir a YR amanha de manhã afim de discutirmos
A contratação dos vossos serviços, num concurso público que temos já em mãos.
Os prazos são apertados daí estar a pedir para que a reunião seja já amanhã.
Nós teremos disponibilidade a partir das 14:30, a qualquer hora.
Tendo como referência o valor de 2500 euros por projecto, com a duração de 2 meses pergunto já (para não perdermos tempo) se existe alguma hipótese do valor ser revisto uma vez q a entrega deste concurso é já no dia 21 de Setembro.
Muito obrigada
Se preferir me ligar tem os meus contactos em baixo.
Fico a espera da sua resposta asap.»
JJ / Client Service Directos
B...».
*
2.2. Factualidade considerada não provada na sentença

O Tribunal de 1ª instância considerou não provados os seguintes factos:
a) - Foi referido pela Diretora Criativa da Ré, Dra. BB, na reunião de 10 de dezembro de 2019 que os honorários estavam aprovados pelo CFO (Chief Financial Officer).
b) - A designação do Sr. AA para assumir a representação do agrupamento candidato resultou, ainda, do estudo que foi preparado no âmbito do direito da concorrência, para garantir que não era imputada qualquer tipo de indício ou de censura à candidatura do ponto de vista da concorrência.
c) - Depois de enviada a minuta aludida em 33 à Ré, esta através da Dra. BB, solicitou a alteração do direito de audiência prévia, de modo a não ser pugnada a exclusão das candidaturas apresentadas por outras empresas do Grupo G... - em concreto, a L..., S.A. e a M... Unipessoal, Lda. -, de molde a não as expor à exclusão.
d) - Perante a vontade demonstrada pela Ré, a Autora procedeu à alteração do direito de audiência prévia.
e) - Além dessa documentação técnica, foi necessário preparar a documentação financeira da proposta (remuneração da agência, os custos de produção de cada campanha e os custos da tabela de referência), administrativa, bem como, dos documentos necessários para a definição do agrupamento em sede de proposta.
f) - Os documentos financeiros (fee da agência, custos de produção e da tabela de referência), e a constituição da equipa, começaram a ser enviados a 17 de junho.
g) - No dia 18 de junho de 2020 – cinco dias antes do termo do prazo de apresentação de propostas e não obstante a insistência da Autora -, a Ré começou a enviar os primeiros drafts das propostas criativas para análise por parte da Autora.
h) – A factura junta como documento n.º 19 da p.i., emitida em nome ade “N... Lda.”, com data de emissão e vencimento de 16-03-2018 no valor de € 42.500,00 + IVA resultem de serviços prestados à Ré.
***
2.3. Apreciação da impugnação da matéria de facto

Nas conclusões recursivas veio a apelante requerer a reapreciação da decisão de facto, em relação a um conjunto de factos julgados não provados, com fundamento em erro na apreciação da prova.
Como é consabido, o art. 640º estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos:
«1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes».
O presente regime veio concretizar a forma como se processa a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, reforçando o ónus de alegação imposto ao recorrente, prevendo que deixe expresso a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova.
Recai, assim, sobre o recorrente, face ao regime concebido, um ónus, sob pena de rejeição do recurso, de determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar – delimitar o objeto do recurso -, motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto - fundamentação - e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação.
No caso concreto, realizou-se o julgamento com gravação dos depoimentos prestados em audiência e a apelante impugna a decisão da matéria de facto com indicação dos pontos de facto impugnados, prova a reapreciar e decisão que sugere.
Tal como dispõe o nº 1 do art. 662º a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto « [s]e os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa», o que, na economia do preceito, significa que os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas um remédio a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos imponham inequivocamente (em termos de convicção autónoma) uma decisão diversa da que foi dada pela 1ª instância.
No presente processo a audiência final processou-se com gravação da prova pessoal prestada nesse ato processual.
A respeito da gravação da prova e sua reapreciação, haverá que ter em consideração, como sublinha ABRANTES GERALDES[2], que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, nessa reapreciação tem autonomia decisória, devendo consequentemente fazer uma apreciação crítica das provas, formulando, nesse julgamento, com inteira autonomia, uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova.
Assim, competirá ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações do recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
Decorre deste regime que o Tribunal da Relação tem acesso direto à gravação oportunamente efetuada, mesmo para além dos concretos meios probatórios que tenham sido indicados pelo recorrente e por este transcritos nas alegações, o que constitui uma forma de atenuar a quebra dos princípios da imediação e da oralidade suscetíveis de exercer influência sobre a convicção do julgador, ao mesmo tempo que corresponderá a uma solução justificada por razões de economia e celeridade processuais[3].
Cumpre ainda considerar a respeito da reapreciação da prova, que neste âmbito vigora o princípio da livre apreciação, conforme decorre do disposto no art. 396º do Cód. Civil.
Daí compreender-se o comando estabelecido na lei adjetiva (cfr. art. 607º, nº 4) que impõe ao julgador o dever de fundamentação da materialidade que considerou provada e não provada.
Esta exigência de especificar os fundamentos decisivos para a convicção quanto a toda a matéria de facto é essencial para o Tribunal da Relação, nos casos em que há recurso sobre a decisão da matéria de facto, poder alterar ou confirmar essa decisão.
É através dos fundamentos constantes do segmento decisório que fixou o quadro factual considerado provado e não provado que este Tribunal vai controlar, através das regras da lógica e da experiência, a razoabilidade da convicção do juiz do Tribunal de 1ª instância.
Atenta a posição que adrede vem sendo expressa na doutrina e na jurisprudência, quando o Tribunal da Relação é chamado a pronunciar-se sobre a reapreciação da prova, no caso de se mostrarem gravados os depoimentos, deve considerar os meios de prova indicados pela partes e confrontá-los com outros meios de prova que se mostrem acessíveis, a fim de verificar se foi cometido ou não erro de apreciação que deva ser corrigido[4].
Tendo presentes estes princípios orientadores, cumpre agora dilucidar se assiste razão à apelante, neste segmento recursório da impugnação da matéria de facto, nos termos por ela preconizados.
Como emerge das respetivas conclusões recursivas, a apelante advoga que devem ser dadas como provadas as afirmações de facto vertidas nas alíneas a), e), f) e g) dos factos não provados.
Começando pela impugnação referente à factualidade vertida na transcrita alínea a), nela foi dado como não provado que “Foi referido pela Diretora Criativa da Ré, Dra. BB, na reunião de 10 de dezembro de 2019 que os honorários estavam aprovados pelo CFO (Chief Financial Officer)”.
Vejamos, antes de mais, em que termos o juiz a quo fundamentou o respetivo sentido decisório, sendo que na motivação escreveu que «[n]ão existe nenhum elemento idóneo que ateste que os honorários tenham sido previamente acordados, resultando apenas o envio da nota de honorários e da factura apresentada pela Autora à Ré, a qual, em face do seu montante e comparativamente com os valores anteriormente cobrados, a deixou surpreendida em face do valor cobrado.
Por outro lado, da acareação efectuada entre o legal representante da Autora, AA, e a testemunha BB não permitiu concluir que o valor dos honorários estivesse previamente definido e nessa medida que a Autora tivesse sido autorizada a estipular unilateralmente os honorários conforme lhe aprouvesse (…).
De facto, pese embora existisse uma relação de confiança existente entre as partes com a realização de serviços previamente efectuados, não é verosímil que os honorários ficassem ao livre-arbítrio da Autora, que lhe permitisse inflacionar esse valor.
Acresce que as facturas e as notas de honorários se mostram bastantes imprecisas, designadamente sem qualquer referência às horas de trabalho despendidas, que permitam aquilatar da justeza dos valores fixados, sendo evidente a discrepância entre os valores anteriormente cobrados por serviços prestados à Ré e aquele que consta da última nota de honorários cujo pagamento a Autora aqui reclama. A esse propósito convém sublinhar que numa nota de honorários de 2017 enviada pela Autora à Ré e que abarca quatro concursos – onde se insere a candidatura a um concurso similar lançado pela Santa Casa da Misericórdia –fixou-se o valor global de € 25.000,00, mais IVA, e três anos volvidos fixa-se por um único concurso a quantia de € 35.000,00, mais IVA.
Por fim as facturas apresentadas pela Autora com o requerimento de 8-11-2021, atinente a supostos serviços prestados a terceiros, não conferem qualquer contributo relevante, pois não se encontram sequer detalhados os serviços e trabalhos em questão, sendo, por isso, impossível apreender o tipo de serviços a que se referem e aferir da sua complexidade e horas de trabalho que terão sido neles despendidas, de molde a ter um ajustado elemento de referência comparativo com os valores decorrentes de serviços com igual ou similar complexidade e exigência de esforço laboral e capacidade intelectual, sendo certo que, com excepção da factura 2017/22, todas as demais facturas emitidas pela Autora em nome da Ré e por esta liquidadas traduzem valores claramente inferiores ao aqui peticionado, sem que se mostrem explicitadas razões objectivas.
Por esta ordem de razões resultou não provada a factualidade elencada na alínea a) uma vez que não existiu prova consistente no sentido da alegada aprovação indistinta dos honorários, não ocorrendo qualquer acordo de vontades de molde a que a Autora apresentasse os honorários que bem entendesse».
Colocada perante a transcrita motivação da decisão de facto, a apelante sustenta que a afirmação de facto em crise deve ser dada como provada, convocando, para tanto, as declarações de parte prestadas na audiência final pelos seus sócios-gerentes, AA e DD, e bem assim o depoimento, nesse ato, produzido pela testemunha CC, sendo que a concatenação de tais meios probatórios permite, na leitura que deles faz, demonstrar o erro na apreciação da prova e justificam a alteração da decisão no sentido que preconiza.
Analisadas as alegações recursivas, verifica-se que a apelante se limita, praticamente, a indicar extratos das declarações prestadas pelos seus sócios-gerentes e do depoimento da indicada testemunha, não os cotejando, porém, com os concretos elementos probatórios que o tribunal a quo adrede relevou na fixação do sentido decisório que acolheu quanto à materialidade alvo de impugnação.
Ora, para este efeito impugnatório, não basta a mera indicação, sem mais, de um determinado meio de prova, e também se revela insuficiente no que respeita à prova pessoal, o extrato de uma simples declaração de testemunha ou das próprias partes, sem correspondência com o sentido global dos depoimentos produzidos de tal modo que não permita consolidar uma determinada convicção acerca da matéria controvertida.
Com efeito, na motivação de um recurso, para além da alegação da discordância, é outrossim fundamental a alegação do porquê dessa discordância, isto é, torna-se mister evidenciar a razão pelo qual o recorrente entende existir divergência entre o decidido e o que consta dos meios de prova invocados.
Nesse sentido tem sido interpretado o segmento normativo “impunham decisão diversa da recorrida” constante da 2ª parte da al. b) do nº 1 do citado art. 640º, acentuando-se que o cabal exercício do princípio do contraditório pela parte contrária impõe que sejam conhecidos de forma clara os concretos argumentos do impugnante[5].
Daí que, da mesma maneira que ao tribunal de 1ª instância é atribuído o dever de fundamentação e de motivação crítica da prova que o conduziu a declarar quais os factos que julga provados e não provados (art. 607º, nº 4), devendo especificar, por razões de sindicabilidade e de transparência, os fundamentos que concretamente se tenham revelado decisivos para formar a sua convicção, facilmente se compreende que, em contraponto, o legislador tenha imposto à parte que pretenda impugnar a decisão de facto o respetivo ónus de impugnação, devendo expor os argumentos que, extraídos de uma apreciação crítica dos meios de prova, determinem, em seu entender, um resultado diverso do decidido pelo tribunal a quo.
Isso mesmo é sublinhado por ANA LUÍSA GERALDES[6], quando refere que o recorrente ao enunciar os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa, “deve fundar tal pretensão numa análise (crítica) dos meios de prova, não bastando reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos”. Exige-se, pois, o confronto desses elementos com os restantes que serviram de suporte para a formulação da convicção do Tribunal de 1ª instância (e que ficaram expressos na decisão), com recurso, se necessário, aos restantes meios probatórios, v.g., documentos, relatórios periciais, etc., apontando as eventuais disparidades e contradições que infirmem a decisão impugnada e é com esses elementos que a parte contrária deverá ser confrontada, a fim de exercer o contraditório, no âmbito do qual poderá proceder à indicação dos meios de prova que, em seu entender, refutem as conclusões do recorrente.
Facto é que a apelante não realizou esse exercício de confronto entre (todos) os meios de prova produzidos sobre a materialidade impugnada, limitando-se, como se referiu, a transcrever excertos dos depoimentos prestados pelos seus representantes legais e por testemunha por si arrolada, não evidenciando em que medida os mesmos possam abalar o sentido decisório que quanto à factualidade em crise foi acolhido pelo decisor de 1ª instância, sendo que, como se enfatizou, não basta para tal efeito reproduzir excertos esses depoimentos, alguns deles de forma descontextualizada.
Resulta do exposto que a apelante não deu integral cumprimento ao mencionado ónus, o que, per se, motivaria a improcedência do recurso no seu segmento de impugnação da matéria de facto plasmada na referida alínea a) dos factos não provados.
Como quer que seja, depois de se proceder à audição da totalidade da prova pessoal produzida na audiência final, constata-se que, sobre a dita factualidade, o sócio-gerente AA declarou que, com relação aos serviços em causa, não foi efetivamente apresentado qualquer orçamento, referindo, mais adiante, ter existido uma reunião (em momento temporal que não soube concretizar) com a testemunha BB (funcionária da ré), tendo esta então adiantado que “os honorários estavam aprovados pelo CFO [Chief Financial Officer] da ré”. No decurso das suas declarações, o referido sócio-gerente acabou por reconhecer (o que, aliás, foi consignado na ata que documenta a sessão de julgamento na qual aquele depôs) que existiram, pelo menos, duas reuniões, remotamente pelo «TEAMS», nas quais estiveram presentes GG e HH, onde a ré manifestou a sua discordância com os valores de honorários que a autora apresentou.
Por seu turno, o sócio-gerente DD, nas declarações que prestou adiantou que “foi a própria Dr.ª BB quem afirmou que os honorários que a autora apresentasse estariam aprovados pelo CFO da empresa ré”, acrescentando que nos vários relacionamentos contratuais que estabeleceram com a demandante sempre trabalharam sem a necessidade de apresentação de qualquer orçamento, sendo que apenas uma vez (concretamente em 2015) foi apresentado orçamento.
Já a testemunha CC (funcionária da ré desde agosto de 2018) referiu ser do seu conhecimento que “a Drª BB disse para não nos preocuparmos com os honorários porque estavam previamente aprovados”, acrescentando que, apesar de, então, estar a laborar na empresa autora há relativamente pouco tempo, “achou” que a inexistência de qualquer orçamento para os serviços em causa seria resultado “da existência de confiança entre as partes”.
Para além dessa prova pessoal foi ainda inquirida na audiência final a testemunha BB (funcionária da ré desde 2006, desenvolvendo aí a sua atividade como diretora criativa) a qual referiu que em momento algum adiantou a alguém ligado à empresa autora que os honorários devidos pelos serviços estariam já previamente aprovados, tendo inclusive adiantado ter solicitado ao sócio-gerente da autora, AA, um orçamento, o que, todavia, não foi satisfeito.
Face à discrepância que, relativamente à questão da alegada aprovação dos honorários pelo responsável da ré, se registou entre os mencionados depoimentos, em particular entre o sócio-gerente AA e BB, foi realizada acareação, os quais mantiveram, na essência, as declarações e depoimento anteriormente prestados.
A questão que naturalmente se coloca é a de saber se na presença dos mencionados subsídios probatórios se justifica a impetrada alteração do decisório referente à materialidade objeto de impugnação.
Como é consabido, com o controlo efetuado pelo Tribunal da Relação sobre o julgamento da matéria de facto realizado pelo tribunal de 1ª instância não se visa o julgamento ex novo dessa matéria, mas antes reponderar ou reapreciar o julgamento que dela foi feito na 1ª instância e, portanto, aferir se aquela instância não cometeu, nessa decisão, um error in judicando. O recurso ordinário de apelação em caso algum perde a sua feição de recurso de reponderação para passar a ser um recurso de reexame.
Como se viu, em relação à proposição factual alvo de impugnação foram produzidas declarações e depoimentos de sinal contrário, sendo que na respetiva apreciação o decisor de 1ª instância desconsiderou, precisamente, as declarações prestadas pelos sócios-gerentes da autora, não deixando de ressaltar as inconsistências das mesmas, tendo especialmente valorado o depoimento adrede prestado por BB, o que culminou com a emissão de um juízo positivo sobre o enunciado fáctico plasmado no ponto nº 58 (no qual se deu como provado que “Os honorários apresentados pela Autora nunca foram propostos ou acordados com a Ré, nem aprovados ou aceites por esta”), o qual, aliás, não foi alvo de impugnação em sede recursiva.
Portanto, o que ressuma do cotejo entre a motivação da decisão sub iudicio e a motivação do recurso sub specie, é uma divergente valoração da prova produzida: tribunal recorrido e recorrente não divergem na leitura das provas, divergem na respetiva valoração.
Porém, como se deu nota, os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas um remédio a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos apontam inequivocamente (em termos de convicção autónoma) para uma resposta diferente da que foi dada pela 1ª instância e já não naqueles (como é o caso) em que, existindo versões contraditórias, o tribunal recorrido, beneficiando da oralidade e da imediação, firmou a sua convicção numa delas (ou na parte de cada uma delas que se apresentou como coerente e plausível) sem que se evidencie no juízo alcançado algum atropelo das regras da lógica, da ciência e da experiência comum, assumindo uma opção que justificou de forma que reputamos consonante com a prova produzida no âmbito do presente processo, não sendo despiciendo salientar que não foi junto aos autos qualquer suporte documental tendente a comprovar o alegado “ajuste” quanto aos honorários, não estando sequer demonstrado que BB tivesse quaisquer poderes de vinculação da sociedade ré, mormente quanto à definição e aceitação de remunerações devidas por serviços a esta prestados.
Inexiste, assim, fundamento probatório bastante que imponha (tal como se estabelece no nº 1 do art. 662º) decisão diversa relativamente ao enunciado fáctico plasmado na alínea a) dos factos não provados.
*
Analisemos agora a impugnação da matéria de facto vertidas nas alíneas e), f) e g), nas quais se deu como não provado que:
. “Além dessa documentação técnica, foi necessário preparar a documentação financeira da proposta (remuneração da agência, os custos de produção de cada campanha e os custos da tabela de referência), administrativa, bem como, dos documentos necessários para a definição do agrupamento em sede de proposta” (alínea e));
. “Os documentos financeiros (fee da agência, custos de produção e da tabela de referência), e a constituição da equipa, começaram a ser enviados a 17 de junho” (alínea f));
. “No dia 18 de junho de 2020 – cinco dias antes do termo do prazo de apresentação de propostas e não obstante a insistência da Autora -, a Ré começou a enviar os primeiros drafts das propostas criativas para análise por parte da Autora” (alínea f)).
Advoga a apelante que, contrariamente ao sentido decisório trilhado pelo juiz de 1ª instância, a prova documental que foi carreada para os autos - concretamente os documentos nºs 16 e 18 juntos com a petição inicial - comprovam a aludida materialidade.
Procedendo à exegese dos mencionados suportes documentais deles resulta efetivamente a confirmação de que os documentos financeiros (fee da agência, custos de produção e da tabela de referência) e a constituição da equipa começaram a ser enviados a 17 de junho de 2020, sendo que no dia imediatamente seguinte a ré remeteu à demandante os drafts das propostas criativas para esta analisar. Tais documentos não foram alvo de impugnação por banda da ré, sendo certo, outrossim, que esta sequer impugnou os artigos da petição inicial (arts. 63º, 64º e 65º) onde essas afirmações de facto foram alegadas, o que não pode deixar de relevar para os efeitos do art. 574º, nº 2, considerando-se, nessa medida, admitidas por acordo.
Impõe-se, por isso, que os mencionados enunciados fácticos transitem para o elenco dos factos provados (aí assumindo os nºs 44-A, 44-B e 44-C).
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3. FUNDAMENTOS DE FACTO

Face à decisão que antecede, passa a ser a seguinte a factualidade relevante provada:
1. Em Dezembro de 2019, através da Sra. FF, agindo no interesse da Ré, a Autora foi contactada através de comunicação electrónica, para prestar serviços à Ré e à empresa F..., que faz parte do grupo G..., no qual se integra a Ré.
2. Nesse mesmo mês, foi realizada uma reunião com vista a que a Autora fosse colocada a par do concurso, bem como dos serviços a prestar e para preparar todos os trabalhos e timings, e ainda, para abordar a remuneração.
3. Na reunião, datada de 10 de dezembro de 2019, estiveram presentes AA, DD, CC (todos colaboradores da Autora) e a Diretora Criativa BB (em representação da Ré).
4. A Ré pretendia beneficiar dos serviços de consultoria em contratação pública da Autora com vista à participação num concurso limitado por prévia qualificação n.º ..., lançado pela Santa Casa da Misericórdia, no valor global de 18 milhões de euros mais IVA.
5. O concurso tinha como objeto a “Aquisição de serviços de agência criativa para as marcas da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa”, em conformidade com as cláusulas jurídicas gerais e especiais definidas no caderno de encargos junto sob o documento n.º 3 da petição inicial.
6. O concurso encontrava-se organizado por marcas distribuídas por 3 (três) Lotes:
- LOTE 1: Euromilhões; M1LHÃO; Totoloto; Raspadinha e Novo Jogo;
- LOTE 2: Placard, Totobola; Apostas Hípicas; Lotaria Clássica e Lotaria Popular;
- LOTE 3: Marcas/Serviços da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e Marca Jogos Santa Casa.
7. A Autora aceitou prestar serviços à Ré e à outra empresa do grupo, dado que iriam concorrer as duas empresas em agrupamento.
8. A Autora há vários anos tem assessorado a Ré e outras empresas do seu grupo em procedimentos de contratação pública.
9. O concurso limitado por prévia qualificação destinava-se à contratação de agências de criatividade para prestar serviços de comunicação e publicidade nas marcas e jogos da Santa Casa.
10. Num concurso limitado por prévia qualificação existem duas fases: da candidatura e da proposta.
11. Tais fases apresentam-se distintas do ponto de vista procedimental/documental.
12. Na fase da candidatura, o candidato (neste caso, agrupamento candidato) tem de apresentar um conjunto de documentos (das próprias empresas) que evidenciem e demonstrem as necessárias capacidades para executar o contrato, seja do ponto de vista técnico, financeiro e da própria experiência neste tipo de serviços a adquirir pela entidade adjudicante, revelando-se uma fase com uma carga documental muito grande.
13. Nessa sequência, apenas os candidatos que veem a sua candidatura admitida (selecionada) é que poderão, posteriormente, avançar no concurso para a segunda fase, a da proposta propriamente dita.
14. Nesta segunda fase, os concorrentes têm de apresentar propostas criativas, as equipas que vão ser integradas nos serviços (em caso de adjudicação), bem como, os preços totais em causa (relativos à prestação do serviço, onde se inclui a remuneração da agência – Fee – custos de produção das campanhas e custo de produção da tabela de referência).
15. A Ré, no concurso aludido em 4., foi a líder do agrupamento (a candidatura e proposta foi apresentada por agrupamento concorrente).
16. Na primeira fase, a da candidatura, a Autora enviou uma súmula de todos os documentos que eram necessários, tendo os mesmos sido remetidos para sua análise: - Certidão Permanente; - Registo Criminal da Sociedade (a ser solicitado por uma pessoa de cada empresa); - Registos Criminais dos Gerentes/Administradores (estes devem ser solicitados por cada empresa e por pessoas distintas); - Certidão de Não Dívida à Autoridade Tributária; - Declaração de Não Dívida à Segurança Social; - Registo Central do Beneficiário Efectivo; - Cópia das últimas três declarações anuais de IRC (2016, 2017 e 2018); - Cópia das últimas três declarações de IES (2016, 2017, 2018); - Respectivos documentos de prestação de contas legalmente certificadas dos últimos três exercícios (2016, 2017 e 2018); - DEUCP (Documento Europeu Único de Contratação Pública) por empresa – os quais foram posteriormente preenchidos pela Autora, tendo em conta as informações e documentos enviados pela Ré- Documentos para serem apresentados pelos membros do agrupamento, desde que em conjunto garantissem os mínimos abaixo indicados: -- Documento/Certificado de atribuição aos membros de um mínimo de 5 Prémios de Eficácia; -- Documentos/Certificado de atribuição aos membros de um mínimo de 5 Prémios do Clube de Criativos; -- 2 Declarações de 2 Clientes distintos a confirmar que prestaram serviços de forma correta em comunicação e publicidade nos meios off line – TV, Rádio, Imprensa, Exterior. -- Comprovativo de investimentos de media a preços de tabela “Ranking Media Monitor – Top Agências de Publicidade” (TV, imprensa, internet, rádio, exterior e cinema) nos últimos três anos civis, com o valor mínimo de 75.000.000,00 €;
-- Declaração relativa ao volume médio de negócios dos últimos três exercícios disponíveis (igual ou superior a 3.000.000,00 € (três milhões de euros)), elaborada em conformidade com o modelo do ANEXO II ao programa de concurso; - indicação de Representante Comum (que a Autora procedeu à elaboração de todos os documentos/minutas de instrumentos de mandato, com vista à constituição e definição do agrupamento e nomeação do representante comum do agrupamento.
17. Durante a recolha e análise da documentação das duas empresas, a Ré comunicou que a outra empresa (a F...) que iria agrupar-se com a Ré afinal seria “substituída” por outra empresa, a H....
18. O que implicou recolher e analisar todo aquele acervo documental relativamente também a esta empresa.
19. A fase da candidatura é de enorme detalhe, donde é necessário garantir que a documentação relativa à constituição do agrupamento se encontra bem preparada e, porque, é fundamental que todos os documentos (de ambas as empresas) que vão ser carreados para a candidatura (e, posteriormente submetidos na plataforma eletrónica) demonstram as capacidades exigidas pela entidade adjudicante nas peças concursais.
20. Existem requisitos de capacidade exigidos pela entidade adjudicante que podem ser assegurados pelas duas empresas no seu conjunto (havendo neste caso o chamado aproveitamento de capacidades) e existem outros requisitos que têm que ser assegurados, pelo menos, por uma das empresas e não em conjunto (como sucedeu, nomeadamente, com o número de trabalhadores).
21. Até à referida alteração da outra empresa que iria formar o agrupamento com a Ré, a Autora teve que analisar toda a documentação referente à empresa F..., tendo inclusive pedido mais elementos instrutórios e, após essa análise, a Ré veio informar que seria outra empresa do grupo a concorrer em agrupamento com esta, ou seja, a H....
22. A Autora peticionou também a documentação referente à empresa “H...” para sua análise.
23. Nesta fase, a Autora analisou as peças do concurso - caderno de encargos e programa de concurso e respetivos anexos - e os documentos de ambas as empresas.
24. A Autora analisou, ainda, a participação das empresas, do ponto de vista do direito da concorrência.
25. Perante esse facto, a Autora elaborou um relatório, apoiado na jurisprudência e na legislação, de modo a acautelar a candidatura da Ré, do ponto de vista do direito da Concorrência.
26. Para a elaboração desse relatório foi necessário analisar as três empresas (B..., F... e H...) do ponto de vista societário, a legislação e Jurisprudência relativa à participação simultânea de empresas pertencentes ao mesmo grupo e o estudo do regime dos impedimentos plasmado no CCP e suas consequências, nos termos do artigo 55º n.º 1 do CCP.
27. A Autora efectuou o registo da segunda empresa que ira concorrer ao lado da Ré, a H..., na plataforma electrónica I..., uma vez que ainda não se encontrava registada.
28. Dada a confiança depositada na Autora por parte da Ré, a pessoa escolhida para ser o representante comum do agrupamento candidato foi o Sr. AA, gerente da Autora, o qual seria também responsável por assinar digitalmente (tendo também assinado manuscritamente) cada um dos documentos da candidatura.
29. Os documentos seriam ainda assinados manuscritamente pelo Sr. DD, gerente e administrador das duas empresas agrupadas.
30. Após todos os documentos terem sido assinados, a Autora reuniu toda a documentação, organizou e procedeu à submissão com sucesso da candidatura na plataforma electrónica I....
31. Posteriormente, depois de terem sido disponibilizadas as candidaturas, na plataforma I..., a Autora procedeu à análise das mesmas em face das regras do concurso e da legislação aplicável.
32. Em sequência, elaborou um relatório da análise com a identificação de cada uma das causas de exclusão das candidaturas apresentadas e enviou à Ré.
33. Mais tarde, viria a ser disponibilizado o relatório preliminar de avaliação das candidaturas – fase da qualificação - e a Autora preparou uma minuta de direito de audiência a ser apresentado pelo agrupamento candidato formado pela Ré e pela H..., nos termos do artigo 185.º do Código dos Contratos Públicos no qual, sumariamente, em virtude dos argumentos expedidos, foi requerida a exclusão de várias candidaturas.
34. Na sequência do Direito de Audiência exercido pela Ré, o júri do procedimento solicitou que alguns dos candidatos procedessem ao suprimento de irregularidades das candidaturas.
35. No primeiro relatório final da fase qualificação, e em face do Direito de Audiência apresentado, foi excluída a candidatura da empresa J....
36. Posteriormente, foi elaborado o segundo relatório final pelo Júri do Procedimento, que manteve a exclusão da candidatura da J... e a admissão de todas as outras candidaturas.
37. Esta documentação foi analisada pela Autora.
38. Em abril de 2020, a Autora enviou para a Ré as peças do concurso relativas à segunda fase, concretamente o convite, caderno de encargos e respectivos anexos e decisão de qualificação dos candidatos (2ª fase: a da proposta).
39. A Autora elaborou um relatório de análise das peças do procedimento (dirigida a esta segunda fase do procedimento).
40. Foi também realizada uma reunião via teams para se discutir dúvidas e preparar os timings da proposta.
41. Na sequência do estudo das peças do procedimento e de dúvidas colocadas pela Ré, nomeadamente, do ponto de vista técnico e financeiro, a Autora elaborou um pedido de esclarecimentos e procedeu à sua submissão na plataforma electrónica.
42. Em face dos esclarecimentos prestados pelo júri aos concorrentes, a Autora enviou para a Ré informação extremamente relevante sobre alguns aspetos a ter em consideração na elaboração das propostas criativas.
43. O prazo de apresentação de propostas terminava no dia 23 de Junho de 2020, sendo que as empresas agrupadas, a Ré e a empresa H... iam apresentar proposta aos 3 lotes do concurso, o que implicava a análise de documentação (especialmente técnica) para cada um dos lotes.
44. Era exigido, do ponto de vista técnico:
- Lote 1: Proposta criativa para a marca Euromilhões que inclua uma declinação para a temática ‘Férias de Verão’, bem como uma proposta de estratégia e definição do conceito criativo para a marca Totoloto;
- Lote 2: Proposta criativa para a marca Placard associada ao Campeonato da Europa de Futebol 2020, bem como uma proposta de estratégia e definição do conceito criativo para a marca Lotaria Clássica;
- Lote 3: Proposta criativa para a marca Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, relacionada com a área da Saúde e foco na área de medicina de reabilitação.
44.A. (aditado) Além dessa documentação técnica, foi necessário preparar a documentação financeira da proposta (remuneração da agência, os custos de produção de cada campanha e os custos da tabela de referência), administrativa, bem como, dos documentos necessários para a definição do agrupamento em sede de proposta.
44.B. (aditado) Os documentos financeiros (fee da agência, custos de produção e da tabela de referência), e a constituição da equipa, começaram a ser enviados a 17 de junho.
44.C. (aditado) No dia 18 de junho de 2020 – cinco dias antes do termo do prazo de apresentação de propostas e não obstante a insistência da Autora -, a Ré começou a enviar os primeiros drafts das propostas criativas para análise por parte da Autora.
45. A Autora subcontratou uma sociedade de advogados especialista na área da contratação pública (C... - Sociedade de Advogados SP RL), para que esta a apoiasse na análise de toda a documentação que incluía as 3 propostas.
46. O trabalho prestado por tal sociedade custou à Autora o valor de 8.000,00 euros, acrescido de IVA.
47. Essa contratação não teria sido necessária, caso a Ré tivesse actuado nesta fase de forma diligente.
48. A Autora teve que afectar toda a sua equipa para a análise e apoio na rectificação dos documentos, inclusivamente durante todo o fim-de-semana, tendo culminado na submissão da proposta no dia 23 de junho, por volta das 21h30, ou seja, duas horas e meia antes do termo do prazo para o efeito.
49. Depois da submissão da proposta, as peças do procedimento previam ainda um momento relativo à apresentação das propostas criativas correspondentes a cada um dos lotes do concurso.
50. Nesse sentido, a Autora ainda auxiliou a Ré na composição e envio das equipas que iriam efectuar a apresentação (via teams) perante o Júri do Procedimento de cada uma das propostas criativas.
51. Em Agosto de 2020, a Autora enviou à Ré o relatório preliminar do Júri do Procedimento de avaliação das propostas.
52. No referido relatório, a Ré (em conjunto com a H...) ficou classificada em último lugar no Lote 1, em 5º lugar no Lote 2 e em último lugar no Lote 3.
53. Antes da disponibilização do relatório preliminar, a Autora já havia analisado as propostas apresentadas, pois, a partir do momento em que o relatório preliminar fosse disponibilizado, disporia de 5 dias para o exercício do direito de Audiência Prévia.
54. A Ré informou à Autora que não pretendia avançar com qualquer direito de audiência.
55. A Autora elaborou uma nota de honorários e procedeu à emissão da respectiva factura.
56. A Ré, apesar de instada para o efeito, até à presente data não procedeu ao seu pagamento.
56. A Autora e a Ré já mantinham relações comerciais, tendo a primeira já assessorado a segunda noutros procedimentos concursais.
57. Existiram, pelo menos, duas reuniões remotamente (via Teams), nas quais estiveram presentes pela Ré: GG e HH e, pela Autora, AA, onde a Ré manifestou a sua discordância com os valores dos honorários apresentados pela Autora.
58. Os honorários apresentados pela Autora nunca foram propostos ou acordados com a Ré, nem aprovados ou aceites por esta.
59. Os honorários foram apresentados conjuntamente com a factura FT 2020/23, com data de emissão de 21-08-2020 e da data de vencimento de 20-09-2020, no valor de € 35.000,00 + IVA, depois do serviço prestado.
60. A Autora foi contactada para a prestação de serviços de consultoria em procedimentos de contratação pública, sem carácter de exclusividade, sem quaisquer contratos escritos, nove vezes, com os valores de honorários infra descritos:
Empresa Data Honorários (s/Iva) Facturas
B... 04/01/2016 1 000,00 € Ft 2016/3
K... 04/01/2016 2 500,00 € Ft 2016/2
F... 30/06/2016 1 500,00 € Ft 2016/42
K... 04/08/2016 1 500,00 € Ft 2026/52
B... 30/09/2016 2 500,00 € Ft 2016/68
B... 31/03/2017 1 500,00 € Ft 2017/13
K... 26/05/2017 25 000,00 € Ft 2017/22
B... 15/03/2018 8 000,00 € Ft 2017/76
B... 21/01/2019 2 500,00 € Ft 2017/123
61. O “Director Jurídico” da Autora – AA – redigiu e enviou o seguinte e-mail:
---------- Forwarded message ----------
From: AA <...>
Date: 2015-03-16 12:29 GMT+00:00
Subject: RE: Pedido de informações
To: II <...>
Cara II,
Atendendo ao potencial que vislumbramos na área da contratação pública para a vossa empresa, apresentamos uma proposta de honorários que nos parece bastante competitiva em relação aos preços que habitualmente praticamos. Assim, propomos o valor de 1.250 € + IVA, para dois dias de trabalho por mês, ou seja, 16 horas mensais, distribuídos da forma que for mais interessante para a vossa empresa. Claro está que manteremos a disponibilidade para troca de qualquer informação via e-mail ou por telemóvel.
Propomos que esta relação tenha a duração de seis meses com início em Abril e fim em 30 de Setembro, finda a qual se deverá proceder a uma avaliação, dispondo cada uma das partes do direito de a fazer cessar ou de decidir a sua continuidade, sendo certo que nessa altura será possível fazer um ajustamento do preço e da formatação.
No fundo, a vossa empresa terá um custo para os próximos 6 meses de 7.500 € e terá a possibilidade de apresentar propostas das quais poderão resultar adjudicações que tornarão esse mesmo custo, praticamente irrelevante.
Uma formatação com valores inferiores àqueles que propomos, na nossa maneira de ver, não seria honesta da nossa parte, pois não permitiria criar a profundidade necessária para constituir propostas vencedoras.
Esta é a nossa proposta II, pelo que, ficamos a aguardar pela vossa decisão.
Com os melhores cumprimentos,
62. O processo de negociação e aprovação dos honorários da Autora nos processos identificados em 60, foi feito através de e-mail e reuniões presenciais.
63. Nesse primeiro processo, a ora Ré na pessoa de JJ afirma aos seus Colegas em 03/09/2015:
«Olá.
Conforme combinado, já falei coma empresa sugerida pela F...: Consultores A....
Eles vêm cá amanhã às 15:00 para podermos fazer uma avaliação definitiva das nossas expectativas em relação ao serviço que nos poderão prestar.
O MF tinha referido que o preço negociado por concurso com eles, foi de 2500 euros, mas como nós só temos 3 semanas daqui até a entrega, argumentei que eles iriam trabalhar menos tempo que o habitual. Depois, se for necessário a ajuda deles na fase de “impugnações” falamos outra vez.
Assim conseguimos um valor de 1500, que deverá ser dividido entre as 3 agências.
O que eu espero, com a participação destes consultores, é que a nossa candidatura esteja blindada do pov jurídico e de cumprimento dos requisitos técnicos.
Gostava que vocês estivessem amanha na reunião, para fazerem uma avaliação da empresa/ pessoa que nos vai prestar o serviço.
A reunião é amanhã as 15:00.
Obrigada
F.».
65. Na sequência disso, escreve nesse mesmo dia a AA (o aludido “Director Jurídico” da Autora):
«Caro AA,
Na sequência dos mails que tem trocado com a minha colega II, que está de férias, gostava de saber se tem disponibilidade para vir a YR amanha de manhã afim de discutirmos
A contratação dos vossos serviços, num concurso público que temos já em mãos.
Os prazos são apertados daí estar a pedir para que a reunião seja já amanhã.
Nós teremos disponibilidade a partir das 14:30, a qualquer hora.
Tendo como referência o valor de 2500 euros por projecto, com a duração de 2 meses pergunto já (para não perdermos tempo) se existe alguma hipótese do valor ser revisto uma vez q a entrega deste concurso é já no dia 21 de Setembro.
Muito obrigada
Se preferir me ligar tem os meus contactos em baixo.
Fico a espera da sua resposta asap.»
JJ / Client Service Directos
B...».
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4. FUNDAMENTOS DE DIREITO

Como emerge do quadro factual apurado (e ora estabilizado), os serviços que a ré encomendou à autora traduziam-se na realização por esta, mediante o recebimento de contrapartida pecuniária, de trabalhos de consultadoria em contratação pública no âmbito do concurso limitado por prévia qualificação n.º ... lançado pela Santa Casa da Misericórdia.
Na presença dessa materialidade o juiz a quo qualificou juridicamente a relação contratual estabelecida entre as partes como sendo um contrato de prestação de serviço atípico[7], qualificação essa que não é fundadamente posta em crise no presente recurso e que igualmente reputamos ajustada ao descrito substrato fáctico.
De acordo com a noção acolhida no art. 1154º do Cód. Civil, o contrato de prestação de serviço «[é] aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição».
Malgrado a referida noção legal, não estamos - como sublinha PEDRO PAIS DE VASCONCELOS[8] - perante um verdadeiro tipo contratual, mas antes perante uma classe de contratos, como é ilustrado pelo facto de o artigo 1155º se referir a vários tipos de contratos de prestação de serviço e ainda pelo facto de o artigo 1156º conter uma referência genérica para as regras do mandato; esta remissão genérica para um tipo contratual “significa a ausência de um modelo regulativo próprio” do contrato de prestação de serviço.
À luz do transcrito inciso, a existência de uma retribuição não é elemento essencial para caraterizar esta classe de contratos, sendo que, por mor do nº 1 do art. 1158º do Cód. Civil (aplicável, como se referiu, ao contrato de prestação de serviço por força da remissão[9] estabelecida no art. 1156º do mesmo diploma legal), o mesmo «[p]resume-se gratuito, exceto de tiver por objeto atos que o [prestador do serviço] pratique por profissão; neste caso, presume-se oneroso».
No caso sub specie a autora/apelante é uma sociedade comercial especialmente vocacionada para a atividade de consultadoria e prestação de serviços nessa área, daqui resultando a onerosidade dos serviços contratados com a ré que foram realizados nesse âmbito.
Como se notou, a autora desenhou a presente ação como uma típica ação de cumprimento, pretendendo acionar a ré por inadimplemento da sua prestação debitória, já que não realizou pontualmente (no sentido pressuposto pelo art. 406º do Cód. Civil) o dever de proceder ao pagamento da contrapartida pecuniária devida àquela pela realização dos serviços a que se obrigara.
No ato decisório sob censura, depois de se reconhecer esse incumprimento, foi a ré condenada a pagar à autora a quantia global de €17.616,06 - sendo €6.322,00 a título de remuneração propriamente dita, €.1454,06 referente ao IVA sobre essa importância calculado à taxa de 23% e €9.840,00 relativos aos honorários da sociedade de advogados que a autora subcontratou para a assessorar juridicamente em todo o procedimento concursal.
Na determinação desse montante, o juiz a quo, na ausência de expressa previsão contratual, decidiu, convocando o preceituado no nº 2 do citado art. 1158º do Cód. Civil, fixar a retribuição devida à demandante por apelo aos usos da empresa nesta matéria.
É exatamente neste ponto que se situa o âmago do objeto do presente recurso, já que é primordialmente em relação à forma como o tribunal de 1ª instância fixou o aludido quantum que se reporta, em termos úteis, a divergência recursiva apresentada pela apelante, que esgrime argumentação no sentido de que, ao invés do entendimento sustentado na decisão recorrida, a remuneração que lhe é devida deveria ser fixada no valor por si peticionado no terminus da peça processual com que deu início ao presente processo.
Preceitua o último normativo citado «Se o [contrato] for oneroso, a medida da retribuição, não havendo ajuste entre as partes, é determinada pelas tarifas profissionais; na falta destas, pelos usos; e, na falta de umas e outros, por juízos de equidade».
Como se viu, não ficou demonstrado que tivesse havido qualquer acordo das partes quanto à retribuição devida à autora pelos serviços que realizou por incumbência da ré, sendo certo igualmente que inexistem tarifas profissionais que tenham aplicação na vertente situação. Na falta delas, e seguindo a ordem de determinação da medida da retribuição legalmente estabelecida, decidiu o julgador de 1ª instância recorrer aos usos, entendendo, neste conspecto, que deveria atender aos preços praticados pela empresa autora em anteriores transações comerciais, nomeadamente com a ora ré.
Com o devido respeito, não parece que seja de sufragar tal entendimento, posto que os usos a que a norma se refere não se identificam com qualquer prática seguida pela empresa autora na fixação da remuneração dos serviços que presta aos seus clientes, correspondendo antes ao sentido tido em vista pelo art. 3º do Cód. Civil, isto é, como práticas sociais reiteradas não acompanhadas da convicção de obrigatoriedade, em cuja noção está ínsita ou implícita a ideia de uma reiteração ou repetição dum comportamento ao longo do tempo[10]. É nesse figurino que os usos se apresentam como relevantes no tráfico jurídico, designadamente no domínio da integração dos negócios jurídicos e, em particular, no sector comercial, sendo juridicamente atendíveis quando a lei o determine (como é o caso, nomeadamente, da referência que a eles é feita no citado nº 2 do art. 1158º) e desde que não se revelem contrários aos princípios da boa fé.
Como assim, inexistindo, neste domínio, usos atendíveis, a retribuição devida à autora deverá, pois, ser fixada com recurso à equidade.
A fixação da retribuição, segundo juízos de equidade, resulta obrigatoriamente da lei (arts. 4º, alínea a) e 1158º, nº 2, ambos do Cód. Civil), no caso de a mesma não poder ser determinada por qualquer das outras indicadas formas, por ausência de elementos no processo, surgindo-nos, deste modo, como um recurso indispensável na realização do direito a que a autora/apelante se arroga na ação.
Como é consabido, a equidade destina-se a encontrar a solução mais justa para o caso concreto.
Como a este propósito escreve DARIO MARTINS DE ALMEIDA[11]-[12], “a equidade é a resposta àquelas perguntas em que está em causa o que é justo ou o que é mais justo. E funciona em casos muito restritos, algumas vezes para colmatar as incertezas do material probatório; noutras para corrigir as arestas de uma pura subsunção legal, quando encarada em abstrato.
A equidade, exatamente entendida, não traduz uma intenção distinta da intenção jurídica, é antes um elemento essencial da juridicidade. A equidade é, pois, a expressão da justiça num dado caso concreto (…), não equivalendo ao arbítrio; é mesmo a sua negação, sendo uma justiça de proporção, de adequação às circunstâncias, de equilíbrio. Quando se faz apelo a critérios de equidade, pretende-se somente encontrar aquilo que, no caso concreto, pode ser a solução mais justa; a equidade está assim limitada sempre pelos imperativos da justiça real (a justiça ajustada às circunstâncias), em oposição à justiça meramente formal”.
No caso, não se tratará de recorrer à equidade para contornar questões de falta de prova de factos que pudessem ser provados, mas antes, dentro dos limites que foi possível ter por provados, encontrar a justa compensação pecuniária para os serviços realizados pela demandante.
Com relevo para a questão, resulta da materialidade apurada que:
. Em dezembro de 2019, através da Sra. FF, agindo no interesse da Ré, a Autora foi contactada através de comunicação eletrónica, para prestar serviços à Ré e à empresa F..., que faz parte do grupo G..., no qual se integra a Ré;
. Nesse mesmo mês, foi realizada uma reunião com vista a que a Autora fosse colocada a par do concurso, bem como dos serviços a prestar e para preparar todos os trabalhos e timings;
. A Ré pretendia beneficiar dos serviços de consultoria em contratação pública da Autora com vista à participação num concurso limitado por prévia qualificação n.º ..., lançado pela Santa Casa da Misericórdia, no valor global de 18 milhões de euros mais IVA;
. O concurso tinha como objeto a “Aquisição de serviços de agência criativa para as marcas da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa”, em conformidade com as cláusulas jurídicas gerais e especiais definidas no caderno de encargos junto sob o documento n.º 3 da petição inicial;
. O concurso encontrava-se organizado por marcas distribuídas por 3 (três) Lotes:
- LOTE 1: Euromilhões; M1LHÃO; Totoloto; Raspadinha e Novo Jogo;
- LOTE 2: Placard, Totobola; Apostas Hípicas; Lotaria Clássica e Lotaria Popular;
- LOTE 3: Marcas/Serviços da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e Marca Jogos Santa Casa;
. A Autora aceitou prestar serviços à Ré e à outra empresa do grupo, dado que iriam concorrer as duas empresas em agrupamento;
. O concurso limitado por prévia qualificação destinava-se à contratação de agências de criatividade para prestar serviços de comunicação e publicidade nas marcas e jogos da Santa Casa;
. Num concurso limitado por prévia qualificação existem duas fases: da candidatura e da proposta;
. Tais fases apresentam-se distintas do ponto de vista procedimental/documental;
. Na fase da candidatura, o candidato (neste caso, agrupamento candidato) tem de apresentar um conjunto de documentos (das próprias empresas) que evidenciem e demonstrem as necessárias capacidades para executar o contrato, seja do ponto de vista técnico, financeiro e da própria experiência neste tipo de serviços a adquirir pela entidade adjudicante, revelando-se uma fase com uma carga documental muito grande;
. Nessa sequência, apenas os candidatos que veem a sua candidatura admitida (selecionada) é que poderão, posteriormente, avançar no concurso para a segunda fase, a da proposta propriamente dita;
. Nesta segunda fase, os concorrentes têm de apresentar propostas criativas, as equipas que vão ser integradas nos serviços (em caso de adjudicação), bem como, os preços totais em causa (relativos à prestação do serviço, onde se inclui a remuneração da agência – Fee – custos de produção das campanhas e custo de produção da tabela de referência);
. Na primeira fase, a da candidatura, a Autora enviou uma súmula de todos os documentos que eram necessários, tendo os mesmos sido remetidos para sua análise: - Certidão Permanente; - Registo Criminal da Sociedade (a ser solicitado por uma pessoa de cada empresa); - Registos Criminais dos Gerentes/Administradores (estes devem ser solicitados por cada empresa e por pessoas distintas); - Certidão de Não Dívida à Autoridade Tributária; - Declaração de Não Dívida à Segurança Social; - Registo Central do Beneficiário Efectivo; - Cópia das últimas três declarações anuais de IRC (2016, 2017 e 2018); - Cópia das últimas três declarações de IES (2016, 2017, 2018); - Respectivos documentos de prestação de contas legalmente certificadas dos últimos três exercícios (2016, 2017 e 2018); - DEUCP (Documento Europeu Único de Contratação Pública) por empresa – os quais foram posteriormente preenchidos pela Autora, tendo em conta as informações e documentos enviados pela Ré- Documentos para serem apresentados pelos membros do agrupamento, desde que em conjunto garantissem os mínimos abaixo indicados: -- Documento/Certificado de atribuição aos membros de um mínimo de 5 Prémios de Eficácia; -- Documentos/Certificado de atribuição aos membros de um mínimo de 5 Prémios do Clube de Criativos; -- 2 Declarações de 2 Clientes distintos a confirmar que prestaram serviços de forma correta em comunicação e publicidade nos meios off line – TV, Rádio, Imprensa, Exterior. -- Comprovativo de investimentos de media a preços de tabela “Ranking Media Monitor – Top Agências de Publicidade” (TV, imprensa, internet, rádio, exterior e cinema) nos últimos três anos civis, com o valor mínimo de 75.000.000,00 €; - Declaração relativa ao volume médio de negócios dos últimos três exercícios disponíveis (igual ou superior a 3.000.000,00 € (três milhões de euros)), elaborada em conformidade com o modelo do ANEXO II ao programa de concurso; - indicação de Representante Comum (que a Autora procedeu à elaboração de todos os documentos/minutas de instrumentos de mandato, com vista à constituição e definição do agrupamento e nomeação do representante comum do agrupamento;
. Durante a recolha e análise da documentação das duas empresas, a Ré comunicou que a outra empresa (a F...) que iria agrupar-se com a Ré afinal seria “substituída” por outra empresa, a H...;
. O que implicou recolher e analisar todo aquele acervo documental relativamente também a esta empresa;
. A fase da candidatura é de enorme detalhe, donde é necessário garantir que a documentação relativa à constituição do agrupamento se encontra bem preparada e, porque, é fundamental que todos os documentos (de ambas as empresas) que vão ser carreados para a candidatura (e, posteriormente submetidos na plataforma eletrónica) demonstram as capacidades exigidas pela entidade adjudicante nas peças concursais;
. Existem requisitos de capacidade exigidos pela entidade adjudicante que podem ser assegurados pelas duas empresas no seu conjunto (havendo neste caso o chamado aproveitamento de capacidades) e existem outros requisitos que têm que ser assegurados, pelo menos, por uma das empresas e não em conjunto (como sucedeu, nomeadamente, com o número de trabalhadores);
. Até à referida alteração da outra empresa que iria formar o agrupamento com a Ré, a Autora teve que analisar toda a documentação referente à empresa F..., tendo inclusive pedido mais elementos instrutórios e, após essa análise, a Ré veio informar que seria outra empresa do grupo a concorrer em agrupamento com esta, ou seja, a H...;
. A Autora peticionou também a documentação referente à empresa “H...” para sua análise;
. Nesta fase, a Autora analisou as peças do concurso - caderno de encargos e programa de concurso e respetivos anexos - e os documentos de ambas as empresas;
. A Autora analisou, ainda, a participação das empresas, do ponto de vista do direito da concorrência;
. Perante esse facto, a Autora elaborou um relatório, apoiado na jurisprudência e na legislação, de modo a acautelar a candidatura da Ré, do ponto de vista do direito da Concorrência;
. Para a elaboração desse relatório foi necessário analisar as três empresas (B..., F... e H...) do ponto de vista societário, a legislação e Jurisprudência relativa à participação simultânea de empresas pertencentes ao mesmo grupo e o estudo do regime dos impedimentos plasmado no CCP e suas consequências, nos termos do artigo 55º n.º 1 do CCP;
. A Autora efetuou o registo da segunda empresa que ira concorrer ao lado da Ré, a H..., na plataforma electrónica I..., uma vez que ainda não se encontrava registada;
. Dada a confiança depositada na Autora por parte da Ré, a pessoa escolhida para ser o representante comum do agrupamento candidato foi o Sr. AA, gerente da Autora, o qual seria também responsável por assinar digitalmente (tendo também assinado manuscritamente) cada um dos documentos da candidatura;
. Os documentos seriam ainda assinados manuscritamente pelo Sr. DD, gerente e administrador das duas empresas agrupadas;
. Após todos os documentos terem sido assinados, a Autora reuniu toda a documentação, organizou e procedeu à submissão com sucesso da candidatura na plataforma electrónica I...;
. Posteriormente, depois de terem sido disponibilizadas as candidaturas, na plataforma I..., a Autora procedeu à análise das mesmas em face das regras do concurso e da legislação aplicável;
. Em sequência, elaborou um relatório da análise com a identificação de cada uma das causas de exclusão das candidaturas apresentadas e enviou à Ré;
. Mais tarde, viria a ser disponibilizado o relatório preliminar de avaliação das candidaturas – fase da qualificação - e a Autora preparou uma minuta de direito de audiência a ser apresentado pelo agrupamento candidato formado pela Ré e pela H..., nos termos do artigo 185.º do Código dos Contratos Públicos no qual, sumariamente, em virtude dos argumentos expedidos, foi requerida a exclusão de várias candidaturas;
. Na sequência do Direito de Audiência exercido pela Ré, o júri do procedimento solicitou que alguns dos candidatos procedessem ao suprimento de irregularidades das candidaturas;
. No primeiro relatório final da fase qualificação, e em face do Direito de Audiência apresentado, foi excluída a candidatura da empresa J...;
. Posteriormente, foi elaborado o segundo relatório final pelo Júri do Procedimento, que manteve a exclusão da candidatura da J... e a admissão de todas as outras candidaturas;
. Esta documentação foi analisada pela Autora;
. Em abril de 2020, a Autora enviou para a Ré as peças do concurso relativas à segunda fase, concretamente o convite, caderno de encargos e respetivos anexos e decisão de qualificação dos candidatos (2ª fase: a da proposta);
. A Autora elaborou um relatório de análise das peças do procedimento (dirigida a esta segunda fase do procedimento);
. Foi também realizada uma reunião via teams para se discutir dúvidas e preparar os timings da proposta;
. Na sequência do estudo das peças do procedimento e de dúvidas colocadas pela Ré, nomeadamente, do ponto de vista técnico e financeiro, a Autora elaborou um pedido de esclarecimentos e procedeu à sua submissão na plataforma eletrónica;
. Em face dos esclarecimentos prestados pelo júri aos concorrentes, a Autora enviou para a Ré informação extremamente relevante sobre alguns aspetos a ter em consideração na elaboração das propostas criativas;
. O prazo de apresentação de propostas terminava no dia 23 de junho de 2020, sendo que as empresas agrupadas, a Ré e a empresa H... iam apresentar proposta aos 3 lotes do concurso, o que implicava a análise de documentação (especialmente técnica) para cada um dos lotes;
. Era exigido, do ponto de vista técnico:
- Lote 1: Proposta criativa para a marca Euromilhões que inclua uma declinação para a temática ‘Férias de Verão’, bem como uma proposta de estratégia e definição do conceito criativo para a marca Totoloto;
- Lote 2: Proposta criativa para a marca Placard associada ao Campeonato da Europa de Futebol 2020, bem como uma proposta de estratégia e definição do conceito criativo para a marca Lotaria Clássica;
- Lote 3: Proposta criativa para a marca Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, relacionada com a área da Saúde e foco na área de medicina de reabilitação;
. Além dessa documentação técnica, foi necessário preparar a documentação financeira da proposta (remuneração da agência, os custos de produção de cada campanha e os custos da tabela de referência), administrativa, bem como, dos documentos necessários para a definição do agrupamento em sede de proposta;
. Os documentos financeiros (fee da agência, custos de produção e da tabela de referência), e a constituição da equipa, começaram a ser enviados a 17 de junho;
. No dia 18 de junho de 2020 – cinco dias antes do termo do prazo de apresentação de propostas e não obstante a insistência da Autora -, a Ré começou a enviar os primeiros drafts das propostas criativas para análise por parte da Autora.
. A Autora subcontratou uma sociedade de advogados especialista na área da contratação pública (C... - Sociedade de Advogados SP RL), para que esta a apoiasse na análise de toda a documentação que incluía as 3 propostas;
. O trabalho prestado por tal sociedade custou à Autora o valor de 8.000,00 euros, acrescido de IVA;
. Essa contratação não teria sido necessária, caso a Ré tivesse atuado nesta fase de forma diligente;
. A Autora teve que afetar toda a sua equipa para a análise e apoio na retificação dos documentos, inclusivamente durante todo o fim-de-semana, tendo culminado na submissão da proposta no dia 23 de junho, por volta das 21h30, ou seja, duas horas e meia antes do termo do prazo para o efeito;
. Depois da submissão da proposta, as peças do procedimento previam ainda um momento relativo à apresentação das propostas criativas correspondentes a cada um dos lotes do concurso;
. Nesse sentido, a Autora ainda auxiliou a Ré na composição e envio das equipas que iriam efetuar a apresentação (via teams) perante o Júri do Procedimento de cada uma das propostas criativas;
. Em agosto de 2020, a Autora enviou à Ré o relatório preliminar do Júri do Procedimento de avaliação das propostas;
. No referido relatório, a Ré (em conjunto com a H...) ficou classificada em último lugar no Lote 1, em 5º lugar no Lote 2 e em último lugar no Lote 3;
. Antes da disponibilização do relatório preliminar, a Autora já havia analisado as propostas apresentadas, pois, a partir do momento em que o relatório preliminar fosse disponibilizado, disporia de 5 dias para o exercício do direito de Audiência Prévia;
. A Ré informou à Autora que não pretendia avançar com qualquer direito de audiência.
. A Autora foi contactada para a prestação de serviços de consultoria em procedimentos de contratação pública, sem carácter de exclusividade, sem quaisquer contratos escritos, nove vezes, com os valores de honorários infra descritos:
Empresa Data Honorários (s/Iva) Facturas
B... 04/01/2016 1 000,00 € Ft 2016/3
K... 04/01/2016 2 500,00 € Ft 2016/2
F... 30/06/2016 1 500,00 € Ft 2016/42
K... 04/08/2016 1 500,00 € Ft 2026/52
B... 30/09/2016 2 500,00 € Ft 2016/68
B... 31/03/2017 1 500,00 € Ft 2017/13
K... 26/05/2017 25 000,00 € Ft 2017/22
B... 15/03/2018 8 000,00 € Ft 2017/76
B... 21/01/2019 2 500,00 € Ft 2017/123

O descrito quadro fáctico demonstra ter sido expressivo o trabalho desenvolvido pela apelante em cumprimento das obrigações para si advenientes do ajuizado contrato, trabalho esse que se desenrolou por mais de seis meses e que exigiu a mobilização de parte significativa dos seus colaboradores.
Por outro lado, haverá a considerar o elevado valor do ajuizado concurso (18 milhões de euros, acrescidos de IVA) para o qual foram contratados os seus serviços de consultoria, sendo que esse concurso (enquanto concurso limitado por prévia qualificação) é mais complexo do que um habitual procedimento de concurso público (em que há apenas a fase da proposta) ou de ajuste direto[13], razão pela qual não terá especial préstimo para a determinação da remuneração devida à autora por esses serviços os valores que terão sido por esta cobrados em anteriores procedimentos de contratação pública e a que se faz alusão no ponto nº 60 dos factos provados, por não se registar uma identidade fundamental entre os serviços realizados em cada um desses procedimentos.
Atentas estas circunstâncias e sem esquecer o subjetivismo que envolve a fixação da retribuição segundo os mencionados critérios de equidade, tendo especialmente em atenção o tempo gasto, os recursos humanos alocados, a complexidade dos serviços realizados, a sua dimensão, o valor do concurso e o resultado obtido, entendemos adequado arbitrar a esse título o montante de € 15.000,00.
No que tange às despesas suportadas pela autora com a subcontratação de uma sociedade de advogados (no que despendeu a importância de €8.000,00, acrescida de IVA), terá direito a ser delas reembolsada nos termos da al. c) do art. 1167º, ex vi do art. 1156º, ambos do Cód. Civil, facto, aliás, que a demandada não contesta, tendo resultado provado (cfr. ponto nº 47) que a necessidade dessa subcontratação foi motivada pela sua atuação não diligente.
Resta, assim, apurar se assiste à apelante o direito de reclamar o pagamento do valor do IVA que terá de liquidar pela prestação dos serviços.
Na peça processual com que deu início ao presente processo, a demandante, para além do pedido de condenação da ré a pagar-lhe a quantia de €35.000,00 alegadamente correspondente ao valor da sua retribuição (onde incluiu, como se deu nota, o valor dos honorários pagos à sociedade de advogados), impetrou ainda a condenação desta no pagamento de IVA à taxa legal em vigor.
Como é sabido, a liquidação desse imposto obedece a normas específicas quanto a incidência objetiva e subjetiva e a taxas aplicáveis.
Dessas normas resulta, desde logo, que o devedor tributário é, no caso, o prestador de serviços (cfr. art. 2.º, n.º 1, alínea a) do CIVA), embora não seja ele a suportar a respetiva prestação tributária[14]. A relação tributária estabelece-se, no entanto, entre o obrigado (no caso a autora) e o Estado, do que resulta que as partes nesta ação são inteiramente alheias, nessa sua qualidade, à relação tributária.
Todavia, em sede de atribuição do montante remuneratório não é a liquidação da obrigação tributária que está em causa, antes o é a determinação do quantum adequado como justa retribuição pelos serviços que a autora executou, tarefa essa que, naturalmente, terá de levar em linha de conta (todas) as quantias que aquela terá de despender.
Como se referiu, o regime legal do IVA implica que a sua taxa e momento de incidência se rejam por regras específicas. Se essas regras se não podem aplicar diretamente, porque não nos encontramos em sede de liquidação do imposto, podem ser consideradas na liquidação como base para critérios de equidade.
Atendendo que a autora terá de suportar esse montante, o mesmo deve ser objeto de liquidação neste momento, ponderando o montante provável do imposto, inexistindo motivo para a consideração de taxa diversa da taxa normal de 23%.
Como assim, à fixada remuneração de €15.000,00, deverá acrescer o montante de € 3.450,00, correspondente ao valor que a demandante terá de liquidar ao Estado a título de imposto.
Impõe-se, por conseguinte, a parcial procedência do recurso.
***
III- DISPOSITIVO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação parcialmente procedente, em consequência do que:
(i) se condena a ré a pagar à autora a quantia de €15.000,00 (quinze mil euros), a título de remuneração pelos serviços prestados ao abrigo do contrato que celebraram, acrescida de IVA à taxa legal;
(ii) se condena a ré a reembolsar a autora da quantia de 8.000,00 (oito mil euros), acrescida de IVA à taxa legal, que esta desembolsou com os honorários da sociedade de advogados que subcontratou;
(iii) confirmar no mais a sentença recorrida.
*
Custas, em ambas as instâncias, por autora e ré na proporção da respetiva sucumbência.

Porto, 11/9/2023
Miguel Baldaia de Morais
José Eusébio Almeida
Augusto de Carvalho
______________
[1] Diploma a atender sempre que se citar disposição legal sem menção de origem.
[2] In Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 225; no mesmo sentido milita REMÉDIO MARQUES (in A ação declarativa, à luz do Código Revisto, 3ª edição, págs. 638 e seguinte), onde critica a conceção minimalista sobre os poderes da Relação quanto à reapreciação da matéria de facto que vem sendo seguida por alguma jurisprudência.
[3] Isso mesmo é ressaltado por ABRANTES GERALDES, in Temas da Reforma de Processo Civil, vol. II, 3ª ed. revista e ampliada, pág. 272.
[4] Assim ABRANTES GERALDES Recursos, pág. 299 e acórdãos do STJ de 03.11.2009 (processo nº 3931/03.2TVPRT.S1) e de 01.07.2010 (processo nº 4740/04.7TBVFX-A.L1.S1), ambos acessíveis em www.dgsi.pt.
[5] Cfr., neste sentido, acórdão do STJ de 15.09.2011 (processo nº 1079/07.0TVPRT.P1.S1), de 2.12.2013 (processo nº 34/11.0TBPNI.L1.S1) e de 22.10.2015 (processo nº 212/06), acórdãos desta Relação de 5.11.2012 (processo nº 434/09.5TTVFR.P1) e de 17.03.2014 (processo nº 3785/11.5TBVFR.P1) e acórdãos da Relação de Guimarães de 15.09.2014 (processo nº 2183/12.TBGMR.G1) e de 15.10.2015 (processo nº 132/14.8T8BCL.G1), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[6] Impugnação e reapreciação da decisão da matéria de facto, pág. 4 e seguinte, trabalho disponível em www.cjlp.org/materias/Ana_Luisa_Geraldes_Impugnacao_e_Reapreciacao_da_Decisao_da_Materia_de_Facto.pdf. Idêntico entendimento vem sendo acolhido na jurisprudência, de que constituem exemplo, inter alia, os acórdãos do STJ 15.09.2011 Processo nº 1079/07.0TVPRT.P1.S1de 2.12.2013 (processo nº 34/11.0TBPNI.L1.S1) e de 22.10.2015 (processo nº 212/06), acórdãos desta Relação de 5.11.2012 (processo nº 434/09.5TTVFR.P1) e de 17.03.2014 (processo nº 3785/11.5TBVFR.P1) e acórdãos da Relação de Guimarães de 15.09.2014 (processo nº 2183/12.TBGMR.G1) e de 15.10.2015 (processo nº 132/14.8T8BCL.G1), acessíveis em www.dgsi.pt.
[7] Para uma análise circunstanciada de várias modalidades do contrato de prestação de serviço, vide FERREIRA DE ALMEIDA, in Contratos, vol. II, Almedina, 2007, págs. 201 e seguintes.
[8] In Contratos Atípicos, Almedina, 2002, págs. 163 e seguinte.
[9] Como a este respeito escrevem JÚLIO GOMES e AGOSTINHO GUEDES (in Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações – Contratos em Especial -, Universidade Católica Editora, 2023, pág. 660) esta remissão «não parece que deva ser interpretada no sentido de erigir o regime legal do contrato de mandato em regime geral do contrato de prestação de serviço; o alcance da remissão parece ser mais modesto: as regras do contrato de mandato devem ser usadas para colmatar as eventuais lacunas detetadas nos concretos contratos atípicos de prestação de serviços efetivamente celebrados: A distinção tem alcance prático relevante, na medida em que, neste caso, as partes poderão afastar, no respetivo clausulado contratual, mesmo as regras imperativas do mandato».
[10] Sobre a caraterização dos usos, vide, entre outros, CARLOS DA MOTA PINTO, in Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição atualizada, Coimbra Editora, págs. 33 e seguinte e ENGRÁCIA ANTUNES, Os Usos e o Costume no Direito Comercial, in Estudos Comemorativos dos 10 anos da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa – vol. II, Almedina, 2008, págs. 227 e seguintes.
[11] In Manual de Acidentes de Viação, 2.ª edição, Almedina, págs. 103/105.
[12] Sobre a equidade enquanto critério não normativo de solução do caso, vide, para maior desenvolvimento, TEIXEIRA DE SOUSA, in Introdução ao Direito, 2012, Almedina, págs. 414 e seguintes e KARL LARENZ, in Metodologia da Ciência do Direito, 3ª edição, Fundação Calouste Gulbenkian, págs. 190 e seguintes.
[13] Com efeito, como deflui do regime vertido no Código dos Contratos Públicos (cfr., v.g., arts. 112º, 130º e 162º e seguintes) existe uma significativa diferença, designadamente a nível de documentação e prazos, entre o procedimento de ajuste direto, o concurso público e o procedimento (bifásico) de concurso limitado por prévia qualificação, sendo este último mais exigente ao nível das formalidades a observar.
[14] De facto, na sua configuração legal, o IVA é um imposto plurifásico que utiliza o método indireto subtrativo, em que a prestação tributária não é, verdadeiramente, suportada pelo sujeito passivo, mas pelos seus clientes, sendo que aquele se limita a receber a quota tributária que cobra dos clientes, quota essa que constitui o crédito fiscal do Estado e a detê-la, a título precário, até que se vença o prazo que a lei fiscal estabelece para a sua entrega.