Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ANABELA MORAIS | ||
Descritores: | DIREITO DE PREFERÊNCIA DO ARRENDATÁRIO COMERCIAL PRÉDIO NÃO CONSTITUIDO EM PROPRIEDADE HOTIZONTAL | ||
Nº do Documento: | RP202402058156/19.2T8PRT-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 02/05/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I - A lei reguladora do direito de preferência do arrendatário é a vigente na data em que se concretizou o acto de transmissão. II - O objecto da preferência é o «local arrendado» e não o prédio onde se insere o arrendado. III - O direito de preferência do arrendatário comercial, nos termos do artigo 1091º, nº 1, alínea a), do Código Civil, na redacção introduzida pela Lei nº64/2018, de 29 de Outubro, está limitado ao local arrendado, objecto do contrato de arrendamento, se se tratar de bem jurídico autónomo; caso o prédio não tenha sido constituído em propriedade horizontal, o arrendatário de parte dele, sem autonomia jurídica, não tem direito de preferência, nem sobre essa parte, nem sobre a totalidade do prédio, em caso de venda deste. IV - Estando em causa a venda de um prédio e não a venda de uma “coisa juntamente com outra ou outras”, não é aplicável o regime previsto no artigo 417º do Código Civil. | ||
Reclamações: | Processo nº 8156/19.2T8PRT-A.P1 Acordam os Juízes da 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto, sendo Relatora: Anabela Morais Primeiro Adjunto: Manuel Fernandes Segundo Adjunto: António Mendes Coelho I_ Relatório A Autora AA intentou a presente acção com processo especial para divisão de coisa comum contra BB e CC, alegando, em síntese, que A. e RR. são proprietários, em comum, sem determinação de parte ou direito, de o prédio identificado no art. 1º da petição inicial e que o mesmo é indivisível em substância, peticionando que seja posta fim à indivisão. Os Réus contestaram a acção e deduziram reconvenção, peticionando o reconhecimento de que são proprietários exclusivos do aludido imóvel. I.1_ Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença, constando do dispositivo: “Pelo exposto, e ao abrigo das referidas disposições legais: - Julgo a presente acção provada, e nessa medida procedente, e em consequência: - Declaro que a Autora e os Réus são proprietários, em comum, do prédio descrito no ponto 1) dos factos provados, sendo o mesmo indivisível em substância. - Condeno os Réus a reconhecerem que a Autora e os Réus são proprietários, em comum, do prédio descrito no ponto 1) dos factos provados, sendo o mesmo indivisível em substância. - Julgo a reconvenção improcedente, por não provada. - Absolvo a A. e os RR. dos pedidos de condenação como litigantes de má-fé. Custas da acção e da reconvenção a cargo dos Réus/reconvintes, por força do disposto no art. 527.º, nºs 1 e 2 do CPC”. * I.2_ Em 20/4/2021, foi proferido despacho de cujo teor consta:“A requerente AA instaurou a presente acção especial de Divisão de Coisa Comum contra BB e CC. Alegou que são proprietários, em comum, sem determinação de parte ou direito, de um prédio, melhor identificado no art. 1º do requerimento inicial. Afirmou ainda que não pretende permanecer na indivisão do referido imóvel, mais alegando que o mesmo é indivisível em substância. Devidamente citados, os RR. contestaram a acção e deduziram reconvenção, peticionando o reconhecimento de que os RR. são proprietários exclusivos do aludido imóvel. A reconvenção foi admitida. Nos termos do disposto nos artºs 926º, nº 3, 266º, nº 3, 6.º, n.º 1, 547.º e 548.º, todos do Código de Processo Civil, foi determinado que os autos passassem a seguir os termos do processo comum. Foi suscitado e apreciado incidente de verificação e fixação do valor da reconvenção. Dispensou-se a realização de audiência prévia, e foi proferido despacho saneador por escrito, fixando-se o objecto do litígio e enunciados os temas de prova. Realizou-se a audiência de julgamento. Foi proferida sentença em 20/12/20, que julgou a presente acção provada, e nessa medida procedente, e em consequência: - Foi declarado que a Autora e os Réus são proprietários, em comum, do prédio descrito no ponto 1) dos factos provados, sendo o mesmo indivisível em substância. - Foram os Réus condenados a reconhecerem que a Autora e os Réus são proprietários, em comum, do prédio descrito no ponto 1) dos factos provados, sendo o mesmo indivisível em substância. Foi a reconvenção julgada improcedente, por não provada. Foram A. e RR. absolvidos dos pedidos de condenação como litigantes de má-fé reciprocamente deduzidos. Assim, face ao decidido, concluímos que o prédio dos autos é indivisível. Atenta a declaração de indivisibilidade do imóvel comum, o processo deverá prosseguir com a realização da conferência de interessados prevista no artigo 929º, nº 2, do Código de Processo Civil. Para a realização da conferência de interessados com vista à tentativa de obtenção de acordo dos comproprietários para a adjudicação da coisa a algum ou alguns deles, inteirando-se os demais em dinheiro, nos termos do artigo 929º, nº 2, do Código de Processo Civil, designo o dia 17-6-2021, às 09.15 horas (e não antes por manifesta indisponibilidade de agenda e de sala de audiências afecta a este Juízo). Notifique, fazendo menção ao objecto da conferência…”. * I.3_ Em 10/11/2023, AA e CC apresentaram requerimento com o seguinte teor:“Tendo ponderado a última proposta apresentada para a compra do imóvel, pelo valor de 305.000,00€ (trezentos e cinco mil euros) e face à desfavorável conjuntura de mercado, vêm, respeitosamente, informar que a proposta mereceu aceitação. Termos em que se requer, a notificação do encarregado da venda e o prosseguimento dos ulteriores trâmites processuais”. * I.4_ Por carta, datada de 8/2/2023, expedida para A..., Lda. foi a mesma notificada:“… para nos termos do artigo 1091º do CC e artigo 823º do CPC, em 10 ( dez) dias, informar aos autos se pretender usar o direito de preferência na venda realizada sob o imóvel, cuja proposta, já aceite, se anexa e pelo preço dela constante. Nos termos do n.º 1 do artigo 824.º do CPC o preferente que pretenda exercer o seu direito deverá juntar com a sua comunicação cheque visado/bancário à ordem do agente de execução com 5% do valor da proposta. Findo tal prazo, se o preferente não usar do seu direito será o imóvel adjudicado, nos termos constantes da proposta aceite”. * I.5_ A..., Lda., na qualidade de arrendatária do prédio sito na Rua ..., no Porto, apresentou Requerimento, em 16/2/2023 – referência 44758738 -, com o seguinte teor:“A A..., Lda. é arrendatária no prédio sito na Rua ..., no Porto. 2. Nessa qualidade, foi na data de 09 de Fevereiro de 2023 notificada pelo Sr. Agente de Execução para declarar nos presentes autos se pretende exercer o direito de preferência na venda do supra identificado imóvel no prazo de 10 dias. 3. Sucede que, nos termos do art. 1091.º do Código Civil, o prazo legal de que o arrendatário dispõe para exercer o direito de preferência é de 30 dias. 4. Apresenta-se assim manifesta a existência de lapso na notificação recebida quando alude a um prazo de 10 dias para o dito exercício. 5. Sem prejuízo, e por estar em prazo, desde já se confirma de forma expressa a intenção de vir a exercer o direito de preferência na aquisição do prédio dentro do prazo legal. 6. Requer-se, contudo, a V/Exa. se digne ordenar a rectificação da notificação recebida no passado dia 09 de Fevereiro, por forma a dela constar o prazo legal prescrito pelo art. 1091.º do CC….”. * I.6_ Em 20/2/2023, foi proferido o seguinte despacho – referência 44758738:“Com cópia do requerimento apresentado notifique o Sr. Agente de Execução para informar o que tiver por conveniente. Notifique os interessados nos autos para, querendo, se pronunciarem”. * I.7_ A..., Lda., na qualidade de arrendatária do prédio sito na Rua ..., no Porto, apresentou Requerimento, em 2/3/2023 – referência 44889924 -, com o seguinte teor: “1. Por requerimento apresentado nos presentes autos na data de 16 de Fevereiro de 2023, a Requerente, notificada na qualidade de arrendatária no prédio sito na Rua ..., Porto, respondeu à notificação para o exercício do direito legal preferência, dando aí nota da sua intenção de exercer o respectivo direito no prazo legal. 2. Requereu igualmente a rectificação da notificação recebida - que unicamente aludia ao prazo supletivo de 10 dias - no sentido de da mesma passar a constar a referência ao prazo de 30 dias que decorre do art. 1091.º do Código Civil. 3. Embora a Requerente não tenha até à presente data sido notificada da rectificação da antedita notificação, procedeu já ao depósito da quantia de €15.250,00 (quinze mil, duzentos e cinquenta euros), correspondente a 5% da proposta aceite de €305.000,00 (trezentos e cinco mil euros), através de cheque bancário à ordem do Sr. Agente de Execução. 4. Nestes termos, por ter legitimidade e se encontrar em prazo, deverá o exercício do direito de preferência ser tido como validamente efectuado, mais requerendo seja a preferente notificada para proceder ao depósito do remanescente do preço no prazo de 15 dias, nos termos e para os efeitos do art. 824.º, n.º2 do CPC e, consequentemente, para os demais trâmites processuais com vista à aquisição do imóvel”. * I.8_ Por despacho de 10/11/2023, decidiu o Tribunal de Primeira Instância:“Nos autos veio a Requerente A..., Lda., invocando a qualidade de qrrendatária no prédio sito na Rua ..., Porto, requerer a sua notificação para proceder ao depósito do remanescente do preço no prazo de 15 dias, nos termos e para os efeitos do artigo 824.º, n.º 2 do CPC e, consequentemente, para os demais trâmites processuais com vista à aquisição do imóvel. Efetivamente, estabelece o artigo 824º n.º 2 do CPC que aceite alguma proposta, o proponente ou preferente é notificado para, no prazo de 15 dias, depositar numa instituição de crédito, à ordem do agente de execução ou, nos casos em que as diligências de execução são realizadas por oficial de justiça, da secretaria, a totalidade ou a parte do preço em falta. Com efeito, nos termos do artigo 1091º do CC - O arrendatário tem direito de preferência: a) Na compra e venda ou dação em cumprimento do local arrendado há mais de dois anos, sem prejuízo do previsto nos números seguintes; b) Na celebração de novo contrato de arrendamento, em caso de caducidade do seu contrato por ter cessado o direito ou terem findado os poderes legais de administração com base nos quais o contrato fora celebrado. - O direito previsto na alínea b) existe enquanto não for exigível a restituição do prédio, nos termos do artigo 1053.º. - O direito de preferência do arrendatário é graduado imediatamente acima do direito de preferência conferido ao proprietário do solo pelo artigo 1535.º. - A comunicação prevista no n.º 1 do artigo 416.º é expedida por carta registada com aviso de receção, sendo o prazo de resposta de 30 dias a contar da data da receção. - É aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 416.º a 418.º e 1410.º, sem prejuízo das especificidades, em caso de arrendamento para fins habitacionais, previstas nos números seguintes. - No caso de venda de coisa juntamente com outras, nos termos do artigo 417.º, o obrigado indica na comunicação o preço que é atribuído ao locado bem como os demais valores atribuídos aos imóveis vendidos em conjunto. - Quando seja aplicável o disposto na parte final do n.º 1 do artigo 417.º, a comunicação referida no número anterior deve incluir a demonstração da Existência de prejuízo apreciável, não podendo ser invocada a mera contratualização da não redução do negócio como Fundamento para esse prejuízo. - No caso de contrato de arrendamento para fins habitacionais relativo a parte de prédio não constituído em propriedade horizontal, o arrendatário tem direito de preferência nos mesmos termos previstos para o arrendatário de fração autónoma, a exercer nas seguintes condições: a) O direito é relativo à quota-parte do prédio correspondente à permilagem do locado pelo valor proporcional dessa quota-parte face ao valor total da transmissão; b) A comunicação prevista no n.º 1 do artigo 416.º deve indicar os valores referidos na alínea anterior; c) A aquisição pelo preferente é efetuada com afetação do uso exclusivo da quota-parte do prédio a que corresponde o locado. - Caso o obrigado à preferência pretenda vender um imóvel não sujeito ao regime da propriedade horizontal, podem os arrendatários do mesmo, que assim o pretendam, exercer os seus direitos de preferência em conjunto, adquirindo, na proporção, a totalidade do imóvel em compropriedade. O Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 299/2020, de 18/9 veio declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante do n.º 8 do artigo 1091.º do Código Civil, na redação dada pela Lei n.º 64/2018, de 29 de outubro. Por outro lado, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 583/2016, de 09 de dezembro, pronunciou-se no sentido de não julga inconstitucional a norma extraída da alínea a) do n.º 1 do artigo 1091.º do Código Civil, na redação introduzida pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, interpretada no sentido de o arrendatário, há mais de três anos, de parte de prédio urbano não constituído em propriedade horizontal, não ter direito de preferência sobre a totalidade do prédio, na compra e venda desse mesmo prédio. O prédio cuja venda se pretende nos autos não está constituído em propriedade horizontal. Nestes ternos, determina-se, antes de mais, a fim de aferir dos pressupostos do invocado direito de preferência, a notificação da arrendatária para juntar aos autos o respetivo contrato de arrendamento. Oportunamente, comprovada nos autos a invocada qualidade, deverá ser dado cumprimento ao estatuído no artigo 824º n.º 2 do CPC. Notifique”. * I.9_ Por Requerimento de 27/3/2023 – referência 45143467 -, A..., Lda. procedeu à junção do “contrato de trespasse no âmbito do qual adquiriu, na data de 11 de Dezembro de 1985, o respectivo direito ao arrendamento”, constando dessa escritura, datada de 11de Novembro de 1985, intitulada “Trespasse”, que DD e EE, em representação da sociedade “B..., Limitada” “disseram (…) que dão de trespasse à sociedade que os segundos representam “A..., Limitada”, “livre de passivo e de qualquer encargo, um estabelecimento de talho instalado no rés do chão do prédio sito na Rua ..., da freguesia ..., desta cidade, inscrito na matriz urbana, sob o artigo nº ...…”. * I.10_ Em 4/5/2023, foi proferido o seguinte despacho:“Resulta dos documentos juntos aos autos que a sociedade A..., Lda. é arrendatária apenas da parte do prédio, onde se encontra instalado o estabelecimento comercial “A...” e não da totalidade do prédio - prédio urbano, sito na Rua ..., da freguesia ..., ..., ..., ..., ... e ..., da cidade do Porto, inscrito na matriz urbana, sob o artigo nº ... (anterior artigo nº ..., da freguesia ...). Estabelece o artigo 1091.º do CC que - O arrendatário tem direito de preferência: a) Na compra e venda ou dação em cumprimento do local arrendado há mais de dois anos, sem prejuízo do previsto nos números seguintes; b) Na celebração de novo contrato de arrendamento, em caso de caducidade do seu contrato por ter cessado o direito ou terem findado os poderes legais de administração com base nos quais o contrato fora celebrado. - O direito previsto na alínea b) existe enquanto não for exigível a restituição do prédio, nos termos do artigo 1053.º - O direito de preferência do arrendatário é graduado imediatamente acima do direito de preferência conferido ao proprietário do solo pelo artigo 1535.º - A comunicação prevista no n.º 1 do artigo 416.º é expedida por carta registada com aviso de receção, sendo o prazo de resposta de 30 dias a contar da data da receção. - É aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 416.º a 418.º e 1410.º, sem prejuízo das especificidades, em caso de arrendamento para fins habitacionais, previstas nos números seguintes. - No caso de venda de coisa juntamente com outras, nos termos do artigo 417.º, o obrigado indica na comunicação o preço que é atribuído ao locado bem como os demais valores atribuídos aos imóveis vendidos em conjunto. - Quando seja aplicável o disposto na parte final do n.º 1 do artigo 417.º, a comunicação referida no número anterior deve incluir a demonstração da existência de prejuízo apreciável, não podendo ser invocada a mera contratualização da não redução do negócio como fundamento para esse prejuízo. - No caso de contrato de arrendamento para fins habitacionais relativo a parte de prédio não constituído em propriedade horizontal, o arrendatário tem direito de preferência nos mesmos termos previstos para o arrendatário de fração autónoma, a exercer nas seguintes condições: a) O direito é relativo à quota-parte do prédio correspondente à permilagem do locado pelo valor proporcional dessa quota-parte face ao valor total da transmissão; b) A comunicação prevista no n.º 1 do artigo 416.º deve indicar os valores referidos na alínea anterior; c) A aquisição pelo preferente é efetuada com afetação do uso exclusivo da quota-parte do prédio a que corresponde o locado. - Caso o obrigado à preferência pretenda vender um imóvel não sujeito ao regime da propriedade horizontal, podem os arrendatários do mesmo, que assim o pretendam, exercer os seus direitos de preferência em conjunto, adquirindo, na proporção, a totalidade do imóvel em compropriedade. Neste âmbito, o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 299/2020, de 18/9, declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante do n.º 8 do artigo 1091.º do Código Civil, na redação dada pela Lei n.º 64/2018, de 29 de outubro. Com efeito, tal como se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 27-10-2022, O artigo 1091.º, n.º 1, alínea a), do CC, na redação dada pela Lei n.º 6/2006, deve ser interpretado no sentido de só atribuir ao arrendatário urbano o direito de preferência na venda ou dação em cumprimento de prédio ou fração autónoma dele, quando o arrendamento incida sobre a totalidade deste prédio ou fração autónoma dele, não contemplando os casos em que o arrendamento se confina a uma parte de prédio indiviso ou não constituído em propriedade horizontal. Do exposto, decorre que não resultando dos autos que a Requerente A..., Lda. é arrendatária da totalidade do prédio e não se encontrando o prédio constituído em propriedade horizontal, inexiste direito de preferência. Nestes termos, improcede a pretensão da Requerente A..., Lda. Notifique. Dê conhecimento ao Agente de Execução. D.N.” * Inconformada, a Recorrente “A..., Lda.” interpôs recurso do despacho de 4/5/2023, formulando as seguintes conclusões:(…) * Não foi apresentada resposta. * * * Por despacho proferido em 25/10/2023, foi admitido o recurso.* Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.* II_ Questões a decidir:Nos termos dos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que resultem dos autos. Assim, a questão a apreciar e decidir consiste em saber se existe na esfera jurídica da Recorrente, o direito legal de preferência de que a mesma se afirma titular, na compra e venda do prédio urbano, sito na Rua ..., da freguesia ..., ..., ..., ..., ... e ..., da cidade do Porto, inscrito na matriz urbana, sob o artigo nº ... (anterior artigo nº ..., da freguesia ...). * III. Fundamentação de factoOs factos a considerar, relevantes para a decisão são os que decorrem do relatório supra, sem prejuízo dos mais que se ponderarão na apreciação do objecto do recurso. * IV. Fundamentação de direitoInsurge-se a Recorrente com o despacho proferido pelo Tribunal a quo que não lhe reconheceu o direito legal de preferência na compra e venda do prédio, na sua totalidade. Invoca, entre o mais, que no «enquadramento dos autos, é efectivamente inócuo aos actuais proprietários verem a sua propriedade transmitida para a Recorrente ou para terceiros, já que a aquisição caberia, quanto ao prédio como um todo, ao preferente, além de nem sequer ter ocorrido qualquer negociação» e que o direito de preferência que «pretende exercer resulta de uma alienação num processo judicial, em que o surgimento de um proponente na aquisição do prédio terá decorrido de uma aceitação dos termos de uma licitação e não de uma negociação, o que elimina o argumento da falta de “liberdade de escolha do outro contraente», não se verificando «qualquer prejuízo para os proprietários pela transmissão a favor da Recorrente» cuja posição «desconsiderada em absoluto, carece igualmente de tutela». Sustenta a Recorrente que «[e]fectuando-se uma análise da situação de facto à luz da actual redacção dos arts.1091.º, n.º1, alínea a) e 9 e 417.º do CC, torna-se forçoso concluir pela inexistência de fundamento para o não reconhecimento deste direito à Recorrente. Da leitura conjunta destes preceitos, poder-se-ia admitir que a questão do reconhecimento do direito de preferência seria discutível se a Recorrente apenas tivesse manifestado a sua intenção de preferir única e exclusivamente, em termos proporcionais, a parte do locado sobre a qual incide o arrendamento, exigindo que o preço da sua quota parte fosse também reduzido proporcionalmente; no entanto, o que se passa é exactamente o oposto, em que é dado ao preferente o preço global para a aquisição da plena propriedade do prédio e este acede às exactas condições para a transmissão da totalidade». Salienta que «no prédio em causa apenas a parte locada à Recorrente se encontra arrendada, ao passo que o resto do prédio se encontra devoluto de pessoas e bens e em mau estado de conservação, presentemente insusceptível de ser colocado no mercado de arrendamento». A questão que importa apreciar e decidir consiste em saber se, face à redação do artigo 1091º do Código Civil, na compra e venda de um prédio não constituído em propriedade horizontal, o arrendatário comercial de uma parte ou delimitada desse prédio, sem autonomia jurídica, tem na sua esfera jurídica o direito legal de preferência. Resulta da sentença proferida na acção de divisão de coisa comum que o imóvel em causa é o prédio urbano, composto por “casa de três pavimentos”, sito na Rua ..., da freguesia ..., ..., ..., ..., ... e ..., da cidade do Porto, inscrito na matriz urbana, sob o artigo nº ..., anterior artigo nº ..., da freguesia ..., composto por “casa de três pavimentos, sita na Rua ..., da freguesia ..., da cidade do Porto. Consta da escritura datada de 11 de Novembro de 1985, intitulada “Trespasse”, que DD e EE, em representação da sociedade “B..., Limitada” «disseram (…) que dão de trespasse à sociedade (…) “A..., Limitada”, livre de passivo e de qualquer encargo, um estabelecimento de talho instalado no rés-do-chão do prédio sito na Rua ..., da freguesia ..., desta cidade, inscrito na matriz urbana, sob o artigo nº ...… O estabelecimento é trespassado com todos os elementos que o integram, designadamente (…) o direito ao arrendamento…». O prédio onde se situa o locado não se encontra constituído em propriedade horizontal e a compra e venda relativamente à qual a Recorrente pretende exercer o direito de preferência tem por objecto o prédio, na sua totalidade. Á situação dos presentes autos é aplicável a lei em vigor à data da celebração do negócio, ou seja, o artigo 1091º do Código Civil com as alterações introduzidas pela Lei nº64/2018, de 29 de Outubro [entrou em vigor em 30 de Outubro de 2018 - cfr. respectivo artigo 3º). Dispõe o artigo 1091º do Código Civil, com as alterações introduzidas pela Lei nº64/2018, de 29 de Outubro que: “1. O arrendatário tem direito de preferência: a) Na compra e venda ou dação em cumprimento do local arrendado há mais de dois anos, sem prejuízo do previsto nos números seguintes; b) … 2. ... 3. … 4 - A comunicação prevista no n.º 1 do artigo 416.º é expedida por carta registada com aviso de receção, sendo o prazo de resposta de 30 dias a contar da data da receção. 5 - É aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 416.º a 418.º e 1410.º, sem prejuízo das especificidades, em caso de arrendamento para fins habitacionais, previstas nos números seguintes. 6 - No caso de venda de coisa juntamente com outras, nos termos do artigo 417.º, o obrigado indica na comunicação o preço que é atribuído ao locado bem como os demais valores atribuídos aos imóveis vendidos em conjunto. 7 - Quando seja aplicável o disposto na parte final do n.º 1 do artigo 417.º, a comunicação referida no número anterior deve incluir a demonstração da existência de prejuízo apreciável, não podendo ser invocada a mera contratualização da não redução do negócio como fundamento para esse prejuízo. 8 - No caso de contrato de arrendamento para fins habitacionais relativo a parte de prédio não constituído em propriedade horizontal, o arrendatário tem direito de preferência nos mesmos termos previstos para o arrendatário de fração autónoma, a exercer nas seguintes condições: a) O direito é relativo à quota-parte do prédio correspondente à permilagem do locado pelo valor proporcional dessa quota-parte face ao valor total da transmissão; b) A comunicação prevista no n.º 1 do artigo 416.º deve indicar os valores referidos na alínea anterior; c) A aquisição pelo preferente é efetuada com afetação do uso exclusivo da quota-parte do prédio a que corresponde o locado. 9 - Caso o obrigado à preferência pretenda vender um imóvel não sujeito ao regime da propriedade horizontal, podem os arrendatários do mesmo, que assim o pretendam, exercer os seus direitos de preferência em conjunto, adquirindo, na proporção, a totalidade do imóvel em compropriedade.» Argumenta a Recorrente que “[a] remissão para a fundamentação constante do Acórdão n.º299/2020 do Tribunal Constitucional aponta no sentido de ser do n.º8 do art. 1091.º do Código Civil que o ora Recorrente colhe a sua legitimidade para exercer o direito de preferência, o que não só não corresponde à situação em causa dos autos, nem a Recorrente tal invocou”. Todavia, resulta do nº 5 do artigo 1091º do Código Civil que os nºs 6 a 9 deste preceito legal apenas são aplicáveis ao arrendamento para fins habitacionais, que não é a situação dos autos, que respeita a um arrendamento comercial. Em anotação ao artigo 1091º do Código Civil, escreve Elsa Sequeira Santos [1], «O objecto da preferência é o local arrendado”. Este conceito fáctico de “local” não coincide com o conceito jurídico de prédio ou de fracção autónoma. Com efeito, o art. 1064º prevê que o regime deste contrato se aplica “ao arrendamento total u parcial de prédios urbanos e, ainda, a outras situações”. Esta indefinição do que seja “local arrendado” deu origem a acesa discussão a que a Lei nº 64/2018, de 29 de Outubro, visou pôr cobro. Era discutido na doutrina e na jurisprudência - e já era discutido no domínio do RAU – se o titular de arrendamento de um fogo de um edifício não constituído em propriedade horizontal tinha direito de preferência na alienação da totalidade do edifício. Não sendo o fogo uma fracção autónoma, não pode ser objecto de alienação separadamente do restante imóvel, pelo que o direito de preferência, a existir, teria de abranger todo o prédio. A maioria da doutrina e da jurisprudência iam no sentido de o direito de preferência existir nestes casos (contra, entre outros, Oliveira Ascensão, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galão Telles, vol. III Direito do Arrendamento Urbano, Almedina, 2002, p. 254)[2]. Refere Elsa Sequeira Santos que «A eliminação da norma contida no nº2 do artigo 47º do RAU[3] (…) foi interpretada por alguma doutrina e jurisprudência como significando que deixara de poder acontecer uma situação em que existissem dois ou mais preferentes – o que tipicamente sucederia no concurso de preferências entre diversos inquilinos de partes de um edifício -, daqui se retirando a inexistência de preferência naqueles casos. Continua a referida autora, «A expressão “local arrendado” foi usada pelos defensores de ambas as posições como corroborando a tese que perfilhavam. Assim, para a tese que entendia que não havia direito de preferência nestes casos, isso sucedia porque o “local arrendado” é apenas a parte do prédio objecto do arrendamento, e, não sendo esta parte autonomizável e passível de alienação, não há nada sobre que preferir”. Para os defensores da tese contrária, a lei garante a preferência sobre o “local arrendado”, não distinguindo a sua natureza jurídica, nem fazendo qualquer exclusão, pelo que a única forma de garantir a preferência sobre o local parcial seria afectar o local total». [4] A Lei nº6/2006, de 27/2 voltou a consagrar, no artigo 1091º, o direito de preferência do arrendatário «na venda ou dação em cumprimento do local arrendado» e foi omitida qualquer referência a uma pluralidade de arrendatários, com direito de preferência. «Se na vigência do antigo RAU, a posição dominante, quer na doutrina, quer na jurisprudência, defendia a existência do direito de preferência mesmo não havendo coincidência entre o local arrendado e o prédio a alienar, depois da entrada em vigor da Lei nº6/2006, de 27/2, essa posição veio a alterar-se com a consolidação de uma corrente jurisprudencial que reconhece ao arrendatário direito de preferência na venda ou dação em cumprimento do prédio arrendado apenas quando o contrato de arrendamento se refere a todo o prédio e não a parte dele (cfr. Ac. STJ 18.10.2018).[5] [negrito nosso] Pronunciando-se sobre o direito legal de preferência, no Acórdão de 7/11/2019 [6], decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, “a questão em análise sobre a qual este Supremo é (de novo) chamado a pronunciar-se coloca-nos perante um problema de interpretação da lei, concretamente da norma do artigo 1091º, nº1, al. a), do CC (na redação aplicável), importando, consequentemente, trazer à colação o disposto no art. 9º, do CC, onde se prescreve que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, não podendo, no entanto, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. Nesta tarefa interpretativa, afigura-se-nos de toda a conveniência começar por delinear, em traços gerais, os antecedentes do regime jurídico do direito legal de preferência do arrendatário consagrado no art. 1091º, do CC, a fim de percecionar melhor os contornos da questão a decidir. No citado Acórdão, após efectuada a análise da evolução do direito legal de preferência do arrendatário na legislação precedente, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça: Nesta conformidade, conhecendo o legislador a controvérsia gerada pelo art. 47º, do RAU e devendo presumir-se que soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (cf. art. 9º, do CC), ao remover – voluntária e conscientemente - do art. 1091, nº1, al. a), do CC as expressões que permitiam justificar, segundo alguns, a possibilidade do exercício da preferência sobre todo o imóvel, parece-nos que deixou bem clara a sua intenção de restringir a preferência do arrendatário na venda ou dação do local objeto do contrato de arrendamento («local arrendado») aos casos em que o mesmo seja autonomamente transacionável, o que implica necessariamente a prévia submissão do prédio ao regime da propriedade horizontal”.[7] Os arestos mencionados debruçam-se sobre a questão agora trazida à apreciação deste Supremo Tribunal, pelo que não poderiam deixar de ser por nós especialmente ponderados, designadamente por força do disposto no art. 8º, nº3, do CC, segundo o qual “nas decisões a proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.” Refere, ainda, «finalmente, que a interpretação normativa que acolhemos vai buscar ainda contributos ao disposto no art. 7º, nº3, da Lei nº 42/17, de 14 de junho, no qual se estabelece que “os arrendatários de imóvel em que esteja situado estabelecimento ou entidade reconhecidos como de interesse histórico e cultural ou social local gozam de direito de preferência nas transmissões onerosas de imóveis, ou partes de imóveis, nos quais se encontrem instalados, nos termos da legislação em vigor”. Na verdade, como se referiu no já mencionado acórdão deste STJ de 18.10.2018, a referida estatuição legal “deixa bem evidente a necessidade que foi sentida de assegurar uma tutela específica para os arrendamentos que apresentam as especificidades previstas na citada norma, diferenciando-a da tutela geral que é alcançada pelo regime do direito legal de preferência regulado no art. 1091º do CC. Com tal medida o legislador procurou prosseguir o objetivo de tutelar especificamente as chamadas “lojas históricas” que naturalmente, na maior parte dos casos, estão instaladas em edifícios situados nos grandes centros urbanos sobre os quais ainda não incide ou não pode incidir (por falta dos requisitos legais mínimos) o regime da propriedade horizontal.”. Com tais fundamentos, concluiu, o Supremo Tribunal de Justiça, no citado Acórdão: «Nessa medida, a solução que defendemos colhe dos mencionados acórdãos argumentos reforçados no sentido de: - O direito legal de preferência previsto no art. 1091º, do CC, na redação em vigor em 20.3.2019, estar confinado ao local que constitui o objeto concreto do contrato de arrendamento, o qual, para ser transacionável, deve estar juridicamente autonomizado; - Se o prédio não estiver constituído em propriedade horizontal, o arrendatário de parte dele não tem direito de preferência sobre a totalidade do prédio, nem sobre a parte arrendada». No mesmo sentido, decidiu o Tribunal da Relação de Guimarães, no Acórdão de 16/12/2021 [8]: “1 – O artigo 1091º, nº 1, alínea a), do Código Civil, na redacção introduzida pela Lei nº 64/2018, de 29 de Outubro, não atribui o direito de preferência legal ao arrendatário comercial de parte de prédio urbano não constituído em propriedade horizontal na venda ou dação em cumprimento da totalidade do prédio. 2 – Tal interpretação não viola os princípios constitucionais da igualdade e da segurança jurídica.” Conforme resulta expressamente do nº 5 do artigo 1091º do Código Civil, na sua actual redacção, os nºs 6 a 9 deste preceito legal apenas são aplicáveis ao arrendamento para fins habitacionais, que não é a situação dos autos, que respeita a um arrendamento comercial. * CustasAtento o disposto no art. 527º, n.º 1, do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. Assim, são da responsabilidade da Recorrente as custas da apelação, face à improcedência do recurso. * V_ DecisãoPelos fundamentos acima expostos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida. Custas no recurso pela Recorrente (artº 527 do C.P.C.). * * * Sumário: ……………………………… ……………………………… ……………………………… | ||
Decisão Texto Integral: |