Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3062/22.6T8VFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DA LUZ SEABRA
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
TÍTULO CONSTITUTIVO
ALTERAÇÃO
FORMA
Nº do Documento: RP202402203062/22.6T8VFR.P1
Data do Acordão: 02/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Em sede de propriedade horizontal prevalece sempre o que resultar do título constitutivo, dada a natureza real do estatuto que nele se contém.
II - A modificação do título constitutivo da propriedade horizontal que a alteração pretendida pela Apelante implicava (eliminação do arrumo 16, deixando de estar atribuído aquele arrumo à fração T) só poderia ser feita por escritura pública ou documento particular autenticado, havendo acordo de todos os condóminos, conforme exige o artigo 1419º nº 1 do CC, não sendo esta acção de reivindicação (com fundamento em aquisição por usucapião) o meio próprio para lograr tal desiderato.
III - A verificação cumulativa daqueles requisitos previstos no artigo 1419º do CC, visa garantir que o condómino não verá a sua posição jurídica afectada, sem que antes tenha dado o seu acordo, pois que todos os direitos e obrigações que para ele, direta ou indiretamente, possam advir do título constitutivo só podem ser alterados com o seu expresso assentimento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 3062/22.6T8VFR.P1- APELAÇÃO
**


Sumário (elaborado pela Relatora):
……………………………………..
……………………………………..
……………………………………..

**



I. RELATÓRIO:

1. AA intentou ação declarativa de condenação com processo comum, contra BB e mulher CC, peticionando a condenação dos Réus:

a) Reconhecer que a Autora é dona e legitima proprietária da fração “X”, composta de habitação no 6º andar esquerdo, lugar de garagem com o nº 14 e arrumos com o nº 15 na cave, estes com o comprimento de 4,60m e de largura de 1,80m, perfazendo a área total de 8,28 m2, com duas entradas/portas distintas;

b) Largarem mão da parte do arrumo que ocupam indevidamente com 2,30m de comprimento e 1,80m de largura, a favor da Autora, retirando a vedação/construção, e repondo-o no estado primitivo e já mais perturbarem o gozo, uso e fruição da Autora, do dito arrumo na integra.

Como fundamento da referida pretensão, alegou em síntese que, em Janeiro de 2015 adquiriu a fração identificada nos autos, tendo-lhe sido esclarecido pelo banco que promovia a venda que o arrumo que pertencia à fração X-6º andar esq. era aquele que a Autora reivindica nesta acção, sendo que o primitivo proprietário adquirira tal fração autónoma em 1994 ao construtor com o arrumo em frente ao seu aparcamento de lugar de garagem, contendo 2 entradas/portas para o mesmo, com a área total de 8,28 m2 (4,60 m de frente e 1,80m de largura), tendo-lhe sido entregues pelo construtor 2 chaves, uma para cada porta do arrumo, tendo a Autora e antepossuidores usado e fruído desse arrumo, que tinha a identificação de 6º andar esq.com exclusão de outrem, invocando a autora também a aquisição do referido arrumo por usucapião.

Por sua vez os RR são proprietários da fração T correspondente ao 5º andar dto do mesmo prédio, com aparcamento nº 15 e arrumo 16 na cave, sendo que os antigos proprietários dessa fração sempre usaram e fruiram do arrumo que se encontra na parte mais a poente da garagem, em frente à porta de entrada dos elevadores, local identificado na porta com a menção 5º direito.

Entre os anos de 2018/2020, altura em que a autora esteve emigrada em França, os RR ou alguém a seu mando rebentaram a fechadura da porta do arrumo do lado direito, colocando nova fechadura, fizeram obras no mesmo, construíram uma parede a dividi-lo, formando dois arrumos distintos com as áreas reduzidas de 4,14 m2 cada um, passando a ocupar cerca de metade do arrumo inicial de 8,28m2, de forma abusiva, não sendo o arrumo dos RR, nem nunca tendo sido utilizado pelos antepossuidores, nem pertence ao 5º andar direito, tendo os RR o seu próprio arrumo, situação da qual a Autora apenas tomou conhecimento no ano de 2020.

2. Os Réus deduziram contestação, invocando a excepção da ilegitimidade passiva, bem como a incindibilidade das partes comuns, sustentando que decorre da planta da cave do processo de licenciamento urbanístico do prédio que desde a constituição da propriedade horizontal o arrumo atribuído à fração X é somente o arrumo nº 15 com as características, delimitação e área nela vertida, não sendo a alegada posse da Autora por si e pelos antepossuidores passível de conduzir à aquisição dessa parte comum por usucapião.

Sem prejuízo invocaram ainda a não inversão do título da posse e impugnaram os factos alegados pela Autora.

Mais requereram a condenação da Autora como litigante de má-fé, em multa e indemnização adequada a pagar aos RR, a liquidar em execução de sentença mas em quantia nunca inferior a €2000,00

Deduziram reconvenção, formulando pedido reconvencional no sentido de a A/Reconvinda ser condenada a pagar-lhes a quantia de €4300,00 acrescidos de juros à taxa legal em vigor, desde a notificação da reconvenção até efectivo e integral pagamento, alegando que com a retirada da porta dos seu arrumo pela Autora ou por alguém a seu mando sofreram danos patrimoniais e não patrimoniais de que pretendem ser indemnizados.

3. A Autora apresentou réplica à matéria da reconvenção, alegando que actou em defesa da sua posse e, respondeu à matéria de excepção e do pedido de litigância de má-fé suscitadas pelos RR na contestação, concluindo como na pi.

4. Foi proferido despacho saneador, no qual foi julgada improcedente a excepção da ilegitimidade passiva, não foi admitida a reconvenção, não tendo sido fixado objeto do litigio nem temas de prova.

5. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto e nos termos dos fundamentos de direito invocados, julgo a presente ação parcialmente provada, e nessa medida procedente, e em consequência:
- Condeno os Réus a reconhecer que a Autora é dona e legitima proprietária da fração “X”, composta de habitação no 6º andar esquerdo, do prédio constituído em propriedade horizontal, sito na Rua ..., Santa Maria da Feira.
- Absolvo os Réus do demais peticionado pela Autora (porquanto à fração “X” corresponde o aparcamento nº 14 e arrumos com o nº 15 na cave (áreas comuns), para uso de tal fração, nos termos dos pontos 12º, 13º e 15º dos factos provados).
- Absolvo a Autora do pedido de litigância de má-fé deduzido pelos Réus.
Custas da ação pela Autora e Réus, na proporção de 8/10 para a Autora e 2/10 para os Réus.
Registe e notifique.”

6. Inconformada, a Autora interpôs recurso de apelação da sentença final, formulando as seguintes
CONCLUSÕES
1.º A recorrente intentou a presente ação peticionando a condenação dos Réus a: a) Reconhecer que a Autora é dona e legitima proprietária da fração “X”, composta de habitação no 6º andar esquerdo, lugar de garagem com o nº 14 e arrumos com o nº 15 na cave, estes com o comprimento de 4,60m e de largura de 1,80m, perfazendo a área total de 8,28 m2, com duas entradas/portas distintas;
b) Largarem mão da parte do arrumo que ocupam indevidamente com 2,30m de comprimento e 1,80m de largura, a favor da Autora, retirando a vedação/construção, e repondo-o no estado primitivo e já mais perturbarem o gozo, uso e fruição da Autora, do dito arrumo na integra.
2.º A sentença proferida nos autos julgou a ação parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência:
d) Condenou os RR. A reconhecerem que a Autora é dona e legítima proprietária da fração “X”, composta de habitação no 6º andar esquerdo, do prédio constituído em propriedade horizontal, sito na Rua ..., Santa Maria da Feira.
E) Absolvendo os RR. Do demais pedido peticionado pela Autora, (porquanto à fração “X” corresponde o aparcamento 14 e arrumos com o n.º15 na cave (áreas comuns), para uso de tal fração, nos termos dos pontos 12º, 13º e 15º dos factos provados.
3.º Com fundamento da sua pretensão alegou a Autora que é da fração autónoma designada pela letra “X”, correspondente ao 6º Andar Esq., destinado a habitação, com aparcamento nº 14 e arrumo nº 15 na cave, do prédio sito na Rua ..., em Santa Maria da Feira, sendo que o arrumo atribuído à sua fração sempre foi o citado arrumo contendo 2 entradas/portas para o mesmo, com a área total de 8,28 m2 (4,60m de frente e 1,80m de largura), tendo sido entregues, pelo construtor 2 chaves, uma para cada porta do arrumo. Mais invocou factos conducentes à aquisição por usucapião o de tal arrumo.
4.ºDa sentença sobre recurso a Autora impugna a matéria factual, especificamente os factos elencados em 14.º e 15.º dos factos dados como provados, os quais entende que deveriam ser dados como não provados, bem como os números 1, 2, 4, 5, 8, 9, 10, 11, 12, 14 e 15 dos factos não provados, que entende que deveriam ter os mesmo recebido resposta positiva, sendo o que se pretende com o presente recurso, com as consequências daí resultantes em termos de direito.
5.º A base para a alteração factual pretendida resulta da prova feita em audiência de julgamento, concretamente pelo depoimentos das testemunhas DD, primeiro proprietária da fração “X”, e EE, primeiro proprietário da fração “T”, sendo que o depoimento de ambas as testemunhas não foi colocado em causa, sendo a sua razão de ciência baseada no conhecimento direto dos factos, por terem ambos sido proprietários das fração em causa, e deste depoimentos resultou que os proprietários da fração “X” sempre utilizaram, desde a construção do prédio até cerca de 2020, o arrumo com o nº 15 na cave, com o comprimento de 4,60m e de largura de 1,80m, perfazendo a área total de 8,28 m2, com duas entradas/portas distintas.
6.º Breve resumo do depoimento destas testemunhas:
Vejamos, então, o depoimento das testemunhas, ouvidas em audiência de julgamento, DD, primeiro proprietária da fração “X” (1994), do 6.º andar esquerdo, e EE, sócio gerente da sociedade A..., Lda., foi detentor da fração “T”em 1995, fração agora dos Réus, e do mais importante destes depoimentos, temos a primeira testemunha, DD, ao minuto 00:02:01-Adv:...”conhece o arrumo?....Sim”,Adv-Como era constituído esse arrumo?....era na cave...devia ter para aí uns 9 metros...tinha 2 portas....Tem a certeza...tenho....e no interior havia alguma coisa a separar?....não...era só um arrumo....tinha 2 portas....cada porta tinha a sua chave....duas chaves diferentes....guardavamos lá coisas com valor....tinha um n.º na porta...6.º esquerdo....nas duas....quem colocou foi provavelmente o empreiteiro....quando comprou já estava identificado....desde esta altura possuiu a seu belo prazer aqueles arrumos?....sim, desde sempre....até quando?....até ter saído de lá em 2014”, que, contrariamente ao que é referido pela Juiz a quo, lograram provar a tese da Autora, aliás, sendo o depoimento de ambas as testemunhas fundamental, por conhecedores da realidade dos factos, e sem interesse na causa, convincentes para prova de todos os factos que a recorrente pretende ver alterados, provados e não provados, com o presente recurso.
7.º Refere a testemunha EE, a dada altura do seu depoimento, minuto 00:07:09....”os arrumos eram do lado da porta, não eram deste lado”.....”se bem me recordo na altura eram pertencentes do vizinho de cima...”(vizinho do 6º andar)....”na porta tinha o n.º do andar”....”o meu diz aqui 5.º dto”....”advogado:....este aqui tem 2       portas...e estes 2 de quem eram?”....”pertenciam ao DD da farmácia...”....”Minuto 00:10:03-Adv: “e já agora onde é que é o seu arrumo?”...”é do lado da porta”....”nesses arrumos guardávamos móveis e equipamentos que não estavam a ser utilizados...”
Passemos a transcrição integral destas 2 testemunhas que consideramos as mais importantes para defender a tese da Autora/Recorrente.
8.º Refere ainda a testemunha FF, pai da Autora, mas acompanhou nas negociações aquando da compra da fração “X”: FF Os…os arrumos efetivamente, inicialmente eu achei estranho, porque não é normal encontrei um arrumo com duas portas. FF Os…os arrumos efetivamente, inicialmente eu achei estranho, porque não é normal encontrei um arrumo com duas portas. 9.º FF Arrombaram…arrombaram a porta, penso…penso eu que arrombaram, que só pode ter sido, porque a minha filha tinha a chave da porta, e mais ninguém tinha a chave da porta, e depois construíram uma parede, que eu penso que estará na mesma posição que a parede que está ali, 00:08:05 e… e divide… e dividiram o arrumo que a minha filha tinha a meio, e deixaram-lhe ficar só meia parte e… e está lá parede… a parede que está do lado… do lado da minha filha, nem sequer acabada foi, não é? Está… está em tijolo. Aquilo está efetivamente até ainda em… em muito mau estado, não é? Porque eu também resolvi… Meritíssima Juiz Pronto. Muito bem. FF …também não retocar. Meritíssima Juiz Ou seja, em vez de…em vez de ficar ampla, como o senhor viu, agora tem uma parede no meio, é isso que quer dizer? FF Sim.
10.º Todos os condóminos têm arrumos, alias pasme-se que de acordo com a tese dos RR, sobra actualmemte um arrumo… o que é demonstrativo do erro em que os RR grassam, a sua inverosímil tese e consequentemente dando credibilidade total e absoluta a posição/ Postura / tese da A.
Por ultimo, mas não menos importante, desde sempre que o 5 DIREITO, FRAÇÃO T , TEVE LUGAR DE ARRUMO E CONTINUA A TER, PORÉM É MAIS COMODO AOS RR , SER JUNTO AO SEU LUGAR DE GARAGEM… ( e por causa dessa comodidade, para os réus, surgiu este pleito), ficando o arrumo que sempre foi usado e fruído pelos antepossuidores dos RR ao ABANDONO….( PASME-SE…) Lugar que o Sr EE definiu categoricamente e sem margem para duvidas como sendo o 6 ou 7 e não o 16…
11.º Pelo que os factos terão de ser alterados no seguinte sentido:
- dar como não provados os artigos 14.º e 15.º da matéria provada;
- dar como provados os artigos 1, 2, 4, 5, 8, 9, 10, 11, 12, 14 e 15 da matéria não provada.
- dar como provado que “Desde o referido em 8) que o arrumo atribuído à fração autónoma descrita em 5) (fração “T”) é o arrumo localizado mais a poente, junto aos elevadores.”.
12.ºCom a alteração do manancial fáctico nos termos referidos em 5.º e subsumindo os mesmo ao direito resulta que à fração “X” corresponde o arrumo 15 com comprimento de 4,60m e de largura de 1,80m, perfazendo a área total de 8,28 m2, com duas entradas/portas distintas, por o mesmo com esta configuração fazer parte da referida fração.
13.º A assim não se entender, terá de se concluir os arrumos não são partes imperativamente comuns, estas sim, são insuscetíveis de apropriação individual, consagrada no artigo 1421.º, n.º 1, do CC, pelo que sempre poderão ser ilidíveis a presunção de partes comuns, permitindo demonstrar-se que a coisa foi atribuída no título constitutivo da propriedade horizontal ou que foi adquirida por usucapião por algum dos condóminos. Neste sentido vide acórdão do STJ de 19-12-2018, in www.dgsi.pt
14.º Assim se concluindo que a recorrente adquiriu por usucapião, nos termos do artigo 1296.º do CC, o arrumo 15 com comprimento de 4,60m e de largura de 1,80m, perfazendo a área total de 8,28 m2, com duas entradas/portas distintas tendo metade deste sido ocupado pelos réus, não restam dúvidas que deste têm os RR. de abrir mãos.
15.º Violando, assim, a Juiz a quo, a livre apreciação da prova fixada no n.º 5 do artigo 607º do C.P.C.

7. Os Apelados apresentaram contra-alegações pugnando pela confirmação do julgado

8. Foram observados os vistos legais.

*

II. DELIMITAÇÃO do OBJECTO do RECURSO:
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635º, nº 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
Por outro lado, ainda, sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, o tribunal de recurso não pode conhecer de questões não antes suscitadas pelas partes perante o Tribunal de 1ª instância, sendo que a instância recursiva, tal como configurada no nosso sistema de recursos, não se destina à prolação de novas decisões, mas à reapreciação pela instância hierarquicamente superior das decisões proferidas pelas instâncias. [1]
*

As questões a decidir no presente recurso são as seguintes:

1ª Questão-Impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
2ª Questão- Se o arrumo atribuído à fração da Apelante está a ser ocupado indevidamente pelos Apelados.
**

III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
1. O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
1. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira com o nº …9/19930201, da freguesia ..., a fração autónoma designada pela letra “X”, correspondente ao 6º andar esquerdo, composta por habitação com AC 121,50 m2, aparcamento nº 14 e arrumo nº 15 na cave, correspondendo ao artigo matricial urbano ...09.
2. Relativamente ao prédio descrito em 1), encontra-se inscrita pela apresentação nº ...22, de 23 de janeiro de 2015, a sua aquisição por compra ao Banco 1..., SA, a favor da Autora.
3. Por escrito epigrafado Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca e Fiança outorgado no dia 23 de janeiro de 2015, GG, na qualidade de procurador substabelecido e em representação do Banco 1..., SA, na qualidade de primeiro outorgante, declarou que por esse escrito, vendia à Autora, na qualidade de segunda outorgante, que declarou aceitar, a fração autónoma designada pela letra “X”, correspondente ao 6º andar esquerdo, destinado a habitação, com tudo o que a compõe, a qual faz parte do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, registada predialmente pela inscrição Ap. ...0 de 1993/11/15, sito em ... (Largo ...), na Rua ..., da União de Freguesias ..., ..., ... e ..., concelho de Santa Maria da Feira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o nº ...29, com o registo de aquisição a favor da parte vendedora pela inscrição AP. ...72 de 2013/11/20, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...09.
4. Por escritura pública epigrafada Compra e Venda outorgado no dia 6 de julho de 1994, no Segundo Cartório Notarial de Santa Maria da Feira, HH, na qualidade de procurador da sociedade “B..., Lda”, na qualidade de primeiro outorgante, declarou que por essa escritura, vendia a DD, na qualidade de segundo outorgante, que declarou aceitar, a fração autónoma designada pela letra “X”, correspondente a uma habitação, do tipo T3, no 6º andar esquerdo, com a superfície coberta de 121,50 m2, aparcamento nº 14 e arrumo nº 15, do prédio urbano, sito em ... (Largo ...), Santa Maria da Feira, descrição na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o nº ...29, afeto ao regime de propriedade horizontal, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ...01.
5. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira com o nº …9/19930201, da freguesia ..., a fração autónoma designada pela letra “T”, correspondente 5º andar direito, composta por habitação com AC 132,50 m2, aparcamento nº 15 e arrumo nº 16 na cave, correspondendo ao artigo matricial urbano ...09.
6. Relativamente ao prédio descrito em 5), encontra-se inscrita pela apresentação nº ...98, de 22 de outubro de 2018, a sua aquisição por compra à sociedade “C..., SA”, a favor dos Réus.
7. Por escrito epigrafado Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca e Fiança outorgado no dia 22 de outubro de 2018, II, na qualidade de administrador único e em representação da C..., SA, na qualidade de primeira outorgante, declarou que por esse escrito, vendia aos Réus, na qualidade de segundos outorgante, que declararam aceitar, a fração autónoma designada pela letra “T”, correspondente ao 5º andar direito, destinado a habitação, com tudo o que a compõe, a qual faz parte do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, registada predialmente pela inscrição Ap. ...0 de 1993/11/15, sito em ... (Largo ...), na Rua ..., da União de Freguesias ..., ..., ... e ..., concelho de Santa Maria da Feira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o nº ...29, com o registo de aquisição a favor da parte vendedora  pela inscrição AP. ...77 de 2014/02/14, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...09.
8. Do título constitutivo do direito de propriedade horizontal, materializado na escritura pública outorgada no dia 12 de outubro de 1993, no Segundo Cartório Notarial de Santa Maria da Feira, consta que o prédio situado em ... (Largo ...), Rua ..., é constituído por 22 frações autónomas, independentes, distintas e isoladas entre si, destinando-se as frações A, B, C, D, E a comércio e as frações F, G, H, I, J, L, M, N, O, P, Q, R, S, T (fração descrita em 5) – dos Réus), U, V e X (fração descrita em 1) – da Autora), a habitação, e está descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira com Ap. ...0 de 1993/11/15.
9.… mais constando que a fração T (prédio descrito em 5) dos Réus) corresponde ao 5º andar direito, destinado a habitação, do tipo T3, composta de um vestíbulo, uma cozinha, uma lavandaria, uma despensa, uma sala comum, três quatros e três casas de banho, com a área total de 132, 50 m2. A esta fração corresponde o aparcamento 15 e o arrumo 16, situados na cave (piso menos um), à qual atribuem o valor de um milhão e duzentos mil escudos, correspondente a 4,8% do valor total do prédio.
10.… e a fração X (prédio descrito em 1) da Autora) corresponde ao 6º andar esquerdo, destinado a habitação, do tipo T3, composta de um vestíbulo, uma cozinha, uma lavandaria, uma despensa, uma sala comum, três quatros e três casas de banho, com a área total de 121,50 m2. A esta fração corresponde o aparcamento 14 e o arrumo 15, situados na cave (piso menos um), à qual atribuem o valor de um milhão e cem mil escudos, correspondente a 4,4% do valor total do prédio.
11.… ainda consta em tal escritura e também no registo que “Áreas Comuns: São comuns a todas as frações os aparcamentos automóveis e os arrumos, devidamente assinalados, situados na cave”.
12. Tais aparcamentos automóveis e arrumos encontram-se assinalados, numerados e delimitados relativamente a todas e a cada uma das habitações nos termos que constam na planta da cave do edifício em causa, constante do respetivo processo de licenciamento (cfr. planta extraída do proc. n.º 2155/1991/urb da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira junta aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
13. Desde o referido em 8) que o arrumo atribuído à fração autónoma descrita em 1) (fração “X”) é o nº 15, o qual localiza-se em frente ao aparcamento nº 14 (cfr. planta da cave do edifício junta aos autos, extraída no proc. n.º 2155/1991/urb da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira).
14. Desde o referido em 8) que o arrumo atribuído à fração autónoma descrita em 5) (fração “T”) é o nº 16, o qual localiza-se do lado esquerdo do aparcamento nº 15 (cfr. planta da cave do edifício junta aos autos, extraída no proc. n.º 2155/1991/urb da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira).
15. A área do arrumo nº 15 é de 4,30 m2.
16. A área do arrumo nº 16 é de 4,32 m2.
17. Por escrito epigrafado Compra e Venda outorgado no dia 14 de fevereiro de 2014, JJ e KK, ambos na qualidade de únicos sócios e em representação da sociedade “D..., Lda”, na qualidade de primeira outorgante, declararam que por esse escrito, vendiam à “C..., SA”, na qualidade de segunda outorgante, que declararam aceitar, a fração autónoma designada pela letra “T”, correspondente a uma habitação, no 5º andar direito, compreendendo aparcamento com o nº 15 e arrumo com o nº 16, ambos na cave, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito em ... (Largo ...), na Rua ..., da União de Freguesias ..., ..., ... e ..., concelho de Santa Maria da Feira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o nº ...01, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...09.
18. … e “D... Ld.ª” adquiriu, em 24 de junho de 2013, a “E... Lda, a fração autónoma designada pela letra “T”, correspondente a uma habitação, no 5º andar direito, compreendendo aparcamento com o nº 15 e arrumo com o nº 16, ambos na cave, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito em ... (Largo ...), na Rua ..., da União de Freguesias ..., ..., ... e ..., concelho de Santa Maria da Feira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o nº ...01, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...09.

2. O Tribunal de 1ª instância julgou não provados os seguintes factos:
1. Aquando o referido em 4) dos factos provados, DD, declarou comprar à sociedade “B..., Lda”, o arrumo em frente ao seu aparcamento de lugar de garagem, contendo 2 entradas/portas para o mesmo, com a área total de 8,28 m2 (4,60m de frente e 1,80m de largura), tendo sido simultaneamente entregues, pelo construtor, 2 chaves, uma para cada porta do arrumo.
2. A Autora, por si e antepossuidores da fração autónoma descrita em 1), usam e usufruem o arrumo nos moldes em 1) dos factos não provados, colocando no mesmo todo o tipo de pertences, nomeadamente bicicletas, produtos farmacêuticos, tendo em conta que o 1º proprietário era filho do dono de farmácia.
3.… tal arrumo situava-se próximo da mesma – “Farmácia ...”, sendo utulizado para depositar/armazenar produtos, durante vários anos, enquanto foi dono.
4.… esse arrumo tinha duas portas, desde o início da sua utilização (julho de 1994) e a identificação de 6º andar esquerdo.
5.… sempre foi utilizado na sua plenitude, com exclusão de outrem pelos seus sucessivos proprietários.
6.Aquando o referido em 3) dos factos provados e no anúncio que o Banco promovia e aquando da visita ao prédio, antes da venda, foi esclarecido à Autora que o arrumo que pertencia à fração autónoma descrita em 1) era em frente ao aparcamento, com 2 entradas e 2 chaves distintas, tratando-se de um único arrumo, com a área de 8,28m2, com 2 entradas e sem nada interiormente a separá-las.
7.… tendo a Autora e seu Pai entrado no mesmo.
8.Durante 20 ou mais anos, a Autora e antepossuidores da fração descrita em 1) dos factos provados, correspondente ao 6º andar esquerdo, aparcamento n.º 14 e arrumo n.º 15 na cave, com 4,60m de comprimento e 1,80m de largura, com duas portas e chaves independentes, sempre detiveram e fruíram o arrumo, com exclusão de outrem.
9.… sem oposição até á intervenção dos Réus.
10.… de forma continua.
11.… à vista de toda a gente e à luz do dia.
12.… na convicção de que não ofendiam o direito de quem quer que fosse, não lesando o direito outrem.
13. Desde o referido em 3) dos factos provados, que a Autora utiliza o arrumo com a mediação referida em 6), colocando vários bens, desde sapatos, utensílios, vários componentes de automóveis, materiais de construção.
14.Entre os anos de 2018/2020, os Réus, ou alguém a seu mando, altura que que a Autora esteve emigrada em França, rebentaram a fechadura da porta do arrumo com a medição em 6) dos factos provados, do lado direito, colocando nova fechadura, construíram uma parede a dividi-lo, formando assim dois arrumos distintos e com áreas reduzidas de 4,14m2 (2,30mx1,80m), cada um, passando a ocupar cerca de metade do arrumo inicial de 8,28m2.
15.Os antigos proprietários da fração autónoma descrita em 5) dos factos provados sempre usaram e fruíram o arrumo que se encontra na parte mais a poente da garagem, em frente a porta de entrada dos elevadores.
16.Em 22 de outubro de 2018, quando os Réus adquiriram a fração autónoma descrita em 5) dos factos provados), o anterior proprietário “C..., SA”, entregou-lhes todas as chaves referentes à fração T, incluindo a chave do arrumo nº 16.
17.O Réus, por si e seus antepossuidores, sempre utilizaram o arrumo nº 16, atribuído à fração autónoma descrita em 5), entrando e saído pela sua única porta respetiva, lá colocando bens e utensílios diversos, usando tal arrumo conforme a sua vontade e necessidade.
18.… à vista de toda a gente.
19.… sem oposição.
**

IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA.
1ª Questão-Impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Perante as exigências estabelecidas no art. 640º do CPC, constituem ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, a seguinte especificação:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
“Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus:
Primeiro: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
Segundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Terceiro: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas. 
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão.”[2]
Analisadas as conclusões deste recurso, que estabelecem os limites do objecto da apelação e, consequentemente, do poder de cognição do Tribunal de 2ª instância, concluimos que tais ónus de impugnação da matéria de facto foram suficientemente cumpridos pelo Apelante, ao fazer constar das conclusões de recurso, os factos impugnados, a decisão alternativa e os meios de prova constantes do processo, que em seu entender, sustentam a pretendida alteração da decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, fazendo constar as passagens exactas das gravações dos depoimentos testemunhais em que funda este recurso.
Segundo o disposto no art. 662º nº 1 do CPC, “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Ora, no âmbito do recurso de impugnação da decisão de facto, o Tribunal da Relação pode e deve realizar uma efectiva reapreciação da prova produzida, levando em consideração, não só os meios de prova indicados no recurso, como outros que relevem para a decisão relativa aos pontos da matéria de facto impugnada, com vista a formar a sua própria convicção, aferindo se da fundamentação vertida na sentença recorrida resulta evidente algum erro de apreciação dos factos controvertidos à luz das regras de experiência ou de prova vinculada.
Feitas estas considerações, importa, pois, apurar se foi produzida prova cabal e consistente que imponha decisão diferente da que foi tomada pelo tribunal a quo, sobre os factos mencionados pela Apelante nas Conclusões 4ª a 11ª, pugnando a Apelante pelas seguintes alteraçãoes na decisão sobre a matéria de facto:
1.1- os pontos 14 e 15 dos factos provados devem transitar para os factos não provados;
1.2-os pontos 1, 2, 4, 5, 8, 9, 10, 11, 12, 14 e 15 dos factos não provados devem transitar para os factos provados;
1.3-deve ser aditado aos factos provados o seguinte facto:
-“Desde o referido em 8) que o arrumo atribuído à fração autónoma descrita em 5)(fração “T”) é o arrumo localizado mais a poente, junto aos elevadores”.
 Sustenta a Apelante todas essas alterações nos depoimentos testemunhais de DD, EE e FF, fazendo menção aos concretos segmentos das gravações desses mesmos depoimentos e juntando transcrição integral dos mesmos.
Importa, pois, apurar se a prova testemunhal referenciada pela Apelante, devidamente articulada com a demais prova tomada em consideração pelo tribunal, mormente a prova documental e pericial, impunha decisão diferente da que foi tomada pelo tribunal a quo, sobre os factos acima mencionados.
1.1- se os pontos 14 e 15 dos factos provados devem transitar para os factos não provados.
É a seguinte a redação destes pontos impugnados:
14. Desde o referido em 8) que o arrumo atribuído à fração autónoma descrita em 5) (fração “T”) é o nº 16, o qual localiza-se do lado esquerdo do aparcamento nº 15 (cfr. planta da cave do edifício junta aos autos, extraída no proc. n.º 2155/1991/urb da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira).
15. A área do arrumo nº 15 é de 4,30 m2.
Segundo o referenciado no ponto 8 dos factos provados, o título constitutivo do direito de propriedade horizontal do prédio onde se localizam as frações da Apelante e dos Apelados e respectivos lugares de aparcamento e arrumos, corresponde a uma escritura pública outorgada no dia 12 de outubro de 1993, a qual se mostra junta aos autos por certidão emitida pelo Cartório Notarial de Santa Maria da Feira em 1.02.2023, assim como se mostra junta a planta da cave do edifício extraída do processo camarário nº 2155/1991/urb da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira.
Na escritura de constituição da propriedade horizontal daquele edifício, constituído por 22 frações autónomas, sendo as frações A, B, C, D e E correspondentes a lojas e as demais apartamentos destinados a habitação, embora na descrição de cada uma destas frações habitacionais não tenha ficado descrita a localização exacta na cave de cada um dos arrumos por referência a cada uma das frações habitacionais, nela ficou exarada a numeração do arrumo que a cada uma correspondia e, no final da escritura ficou a constar que “são comuns a todas as habitações os aparcamentos automóveis e os arrumos, devidamente assinalados, situados na cave”, tendo sido exibido o projecto de construção aprovado pela CM em 4.09.1992.
Confrontando a menção que é feita na escritura de constituição da propriedade horizontal aos números dos arrumos, com as plantas juntas aos autos, já mencionadas, resulta com meridiana clareza que no título constitutivo da propriedade horizontal o arrumo 16 foi atribuído à fração T (tal como o arrumo 15 foi atribuído à fração X), e que aquele arrumo 16 está devidamente assinalado nas plantas da cave como estando localizado do lado esquerdo do aparcamento nº 15.
Prova documental essa que está subjacente ao ponto 13 dos factos provados relativamente ao qual a Apelante não colocou qualquer reserva.
Se aqueles documentos, que nem sequer foram impugnados, fazem prova plena do que neles consta, dificilmente a prova testemunhal invocada pela Apelante teria a virtualidade de impor decisão diversa da que foi tomada pelo tribunal a quo, conclusão que saiu reforçada no caso em apreço depois de analisados tais depoimentos, porquanto deles apenas se poderá extrair, quando muito, que o sócio-gerente da sociedade que foi a primeira proprietária da fração T- testemunha EE- terá utilizado um outro arrumo na cave que não aquele que estava atribuído para aquela fração no título constitutivo e assinalado nas plantas do projecto camarário, documentos esses que desconhecia, o que bem se compreende porquanto se extrai do seu depoimento que foi a mãe que negociou a compra daquela fração, que inclusivamente a sua família terá auxiliado na construção do edifício e que para além daquela fração compraram mais quatro frações.
Ora, o que consta provado no ponto 14 é que desde a constituição da propriedade horizontal o arrumo atribuído à fração autónoma descrita em 5) (fração “T”) é o nº 16, o qual localiza-se do lado esquerdo do aparcamento nº 15, e essa atribuição consta daqueles documentos, não tendo ocorrido qualquer alteração do título constitutivo da propriedade horizontal que tenha alterado tal atribuição.
Diferente dessa atribuição é a utilização que a testemunha EE afirmou ter feito de um arrumo que primeiramente não conseguiu localizar na planta que lhe foi exibida e que depois terá mencionado ser o 6 ou o 7, não o 16 localizado do lado esquerdo do aparcamento nº 15 que era utilizado pela testemunha DD então proprietário da fração X.
Mesmo que assim tivesse ocorrido, o facto de não ter utilizado o arrumo 16 localizado ao lado do aparcamento 15, mas um outro, não significa que não fosse aquele o arrumo que lhe estava atribuído no título constitutivo da propriedade horizontal e na planta do projecto camarário, documentos que nunca vira como afirmou quando lhe foram mencionados e exibidos.
De todo o modo, não podemos deixar de mencionar que o depoimento da testemunha EE não foi de grande valia tendo sido um depoimento prestado de uma forma muito insegura, com pouca convicção, não tendo sequer conseguido ser assertivo quanto à identificação do andar que a sociedade da qual foi sócio-gerente ocuparia, certamente porque não foi ele a negociar tal compra, como ele próprio afirmou, tendo sido a sua mãe.
Afirmou ainda que para além daquela fração a sociedade da qual era gerente terá comprado mais 4 frações, podendo bem estar confundido quanto aos arrumos que a cada uma delas corresponderia, mas do que não temos dúvidas é que esse depoimento de forma alguma imporia decisão diversa da proferida.
Quanto à testemunha DD no essencial os reparos são os mesmos, porquanto ainda que tenha afirmado que utilizou durante o tempo que foi proprietário da fração X o arrumo 15 e que o proprietário da fração T nunca fez qualquer utilização do arrumo localizado do lado esquerdo do aparcamento nº 15, até porque afirmou que o seu arrumo abrangia toda aquela área e tinha duas portas, nada sabia quanto à atribuição de cada um dos arrumos às frações vertida na escritura de constituição da propriedade horizontal e nas plantas, pois como afirmou, foi o seu pai a negociar com o construtor e ele limitou-se a comparecer na escritura de compra e venda.
Por último, a testemunha FF também nada sabia sobre a atribuição dos arrumos à época da constituição da propriedade horizontal, uma vez que, tal como afirmou, só conheceu o arrumo 15 aquando da compra da fração pela sua filha (2015), tendo deposto essencialmente sobre a descrição deste arrumo em termos de áreas e que tinha duas portas, e que o mesmo sofreu alterações enquanto a filha esteve imigrada (2018/2020) tendo sido dividido a meio por uma parede cuja construção atribuiu aos Apelados, que desde então o utilizam.
Por conseguinte, referindo-se o ponto 14 dos factos provados à atribuição na escritura de constituição da propriedade horizontal do arrumo nº 16 à fração autónoma descrita em 5) (fração “T”), e à sua localização do lado esquerdo do aparcamento nº 15 conforme planta da cave e, estando tal facto alicerçado em prova documental bastante, não tendo os depoimentos testemunhais mencionados pela Apelante a virtualidade de a invalidar, até porque nada sabiam sobre tal atribuição, apenas sobre a sua utilização durante o tempo que referiram, improcede a alteração pretendia.
Relativamente ao ponto 15 dos factos provados a prova testemunhal invocada pela Apelante nada disse em contrário, pois que este ponto refere-se à dimensão que o arrumo 15 tem hoje (área actual do arrumo), o que não invalida que possa ter sido porventura maior ao temo em que a testemunha DD esteve a ocupar o arrumo 15, como este afirmou no seu depoimento, sendo que a testemunha EE não conheceu aquele arrumo por dentro e a testemunha FF claramente referiu que aquando da compra em 2015 o arrumo abrangia toda a área das duas portas mas actualmente, desde que apareceu lá uma parede a dividir ( 2018/2020) passou a ter cerca de metade do tamanho.
A área que consta do ponto 15 dos factos provados está devidamente comprovada no relatório pericial junto aos autos e, nenhuma prova impõe decisão diversa sobre esse ponto impugnado, nem mesmo a convocada pela Apelante, improcedendo a alteração pretendida.
1.2- se os pontos 1, 2, 4, 5, 8, 9, 10, 11, 12, 14 e 15 dos factos não provados devem transitar para os factos provados.
Vamos reproduzir aqui a redação dos pontos impugnados para melhor percepção:
1. Aquando o referido em 4) dos factos provados, DD, declarou comprar à sociedade “B..., Lda”, o arrumo em frente ao seu aparcamento de lugar de garagem, contendo 2 entradas/portas para o mesmo, com a área total de 8,28 m2 (4,60m de frente e 1,80m de largura), tendo sido simultaneamente entregues, pelo construtor, 2 chaves, uma para cada porta do arrumo.
2. A Autora, por si e antepossuidores da fração autónoma descrita em 1), usam e usufruem o arrumo nos moldes em 1) dos factos não provados, colocando no mesmo todo o tipo de pertences, nomeadamente bicicletas, produtos farmacêuticos, tendo em conta que o 1º proprietário era filho do dono de farmácia.
4.… esse arrumo tinha duas portas, desde o início da sua utilização (julho de 1994) e a identificação de 6º andar esquerdo.
5.… sempre foi utilizado na sua plenitude, com exclusão de outrem pelos seus sucessivos proprietários.
8.Durante 20 ou mais anos, a Autora e antepossuidores da fração descrita em 1) dos factos provados, correspondente ao 6º andar esquerdo, aparcamento n.º 14 e arrumo n.º 15 na cave, com 4,60m de comprimento e 1,80m de largura, com duas portas e chaves independentes, sempre detiveram e fruíram o arrumo, com exclusão de outrem.
9.… sem oposição até á intervenção dos Réus.
10.… de forma continua.
11.… à vista de toda a gente e à luz do dia.
12.… na convicção de que não ofendiam o direito de quem quer que fosse, não lesando o direito outrem.
14.Entre os anos de 2018/2020, os Réus, ou alguém a seu mando, altura que que a Autora esteve emigrada em França, rebentaram a fechadura da porta do arrumo com a medição em 6) dos factos provados, do lado direito, colocando nova fechadura, construíram uma parede a dividi-lo, formando assim dois arrumos distintos e com áreas reduzidas de 4,14m2 (2,30mx1,80m), cada um, passando a ocupar cerca de metade do arrumo inicial de 8,28m2.
15.Os antigos proprietários da fração autónoma descrita em 5) dos factos provados sempre usaram e fruíram o arrumo que se encontra na parte mais a poente da garagem, em frente a porta de entrada dos elevadores.
Vejamos.
Relativamente aos pontos 1 e 4 dos factos não provados, segundo a escritura pública de compra e venda junta aos autos e vertida no ponto 4 dos factos provados, a testemunha DD declarou comprar a fração X em Julho de 1994, nela não constando ter declarado comprar um arrumo com aquela área e duas portas, no entanto a referida testemunha afirmou, de forma que se nos afigurou isenta, desinteressada e consistente, que recebeu do construtor 2 chaves diferentes para cada uma das portas que aquele arrumo tinha, o qual era amplo e teria cerca de 9m2, bem como tinha escrito a tinta a indicação de 6º andar esquerdo (essa indicação é perceptível na foto junto aos relatório pericial em que se vê a porta arrancada) tendo-o usado para colocar pertences de algum valor enquanto o ocupou.
Assim sendo, decide-se eliminar os pontos 1 e 4 dos factos não provados, aditando-se ao elenco dos factos provados o seguinte ponto:
19. Aquando o referido em 4) dos factos provados, foi entregue a DD o arrumo em frente ao seu aparcamento, com a área total aproximada de 9 m2, que tinha duas portas desde o início da sua utilização (julho de 1994) e a identificação de 6º andar esquerdo, tendo sido simultaneamente entregues, pelo construtor, 2 chaves, uma para cada porta do arrumo.
Relativamente aos pontos 2, 5, 8, 9, 10, 11, 12 dos factos não provados afigura-se-nos que não foi produzida prova consistente sobre os mesmos, nem os depoimentos testemunhais convocados pela Apelante impunham decisão diversa.
Embora a testemunha DD tenha afirmado que entregou a referida fração algures em 2014 ao Banco 1..., essa entrega não está comprovada nos autos, desconhecendo-se quando e como aquela fração e o arrumo que lhe está atribuído efectivamente deixou de estar na posse daquela testemunha, até porque a testemunha GG, funcionário daquele banco e que foi quem tratou com a Apelante da venda daquela fração, questionado sobre esse assunto nada soube esclarecer.
Também não foi feita qualquer prova sobre se o Banco 1..., depois de receber a fração e o arrumo que lhe estava atribuído alguma utilização lhe deu e durante quanto tempo, nada sabendo aquelas testemunhas sobre este assunto.
Relativamente à utilização que a Autora alegara ter feito daquele arrumo tal matéria foi dada como não provada no ponto 13 dos factos não provados (que não foi impugnado) tendo a testemunha FF referido que entre 2016 e 2018 ele esteve a viver em França e a filha esteve imigrada até 2020.
Temos, pois de concluir que não foi produzida prova que permita afirmar que a autora, por si e antepossuidores, durante 20 ou mais anos (com excepção da utilização que DD afirmou ter feito) tenham utilizado de forma sucessiva e contínua aquele arrumo nos moldes referidos nos pontos impugnados.
Quanto ao ponto 14 dos factos não provados nenhuma prova foi produzida, não tendo nenhuma das testemunhas DD ou EE qualquer conhecimento que o arrumo nº 15 tenha sofrido qualquer  vicissitude daquele género, nem podendo a testemunha FF afirmar que foram os Apelados que construíram uma parede a dividir o arrumo 15 a meio, pois embora tenha referido que quando a sua filha comprou a fração X em 2015 o arrumo tinha duas portas e era um espaço amplo e que agora tem uma parede a dividi-lo ficando a filha só com meia metade, não sabe quem fez tal alteração.
De todo o modo, de acordo com o depoimento da testemunha LL, que foi o mediador que foi mostrar a fração T aos Apelados antes da compra em 2018, o arrumo atribuído aquela fração era encostado ao lugar de garagem, do lado esquerdo e tinha a porta fechada que ele abriu, pelo que a aludida alteração teve de ter sido realizada antes da venda feita aos Apelados.   
Relativamente ao ponto 15 dos factos não provados consideramos que também não foi produzida prova que impusesse decisão diferente, mormente porque a testemunha EE, sócio gerente da sociedade A..., primeira proprietária da fração T prestou um depoimento muito inseguro, não se percebendo da gravação do mesmo enquanto visualizava as plantas exibidas em julgamento a que área se estava a referir quando mencionou o arrumo que utilizou, desconhecendo-se, porque nada mencionou a esse respeito, se era na parte mais a poente da garagem e em frente à porta de entrada dos elevadores.
Não obstante, nada soube dizer sobre se os proprietários seguintes da fração T utilizaram algum arrumo, sendo que pelo menos desde 2013 a sociedade A... deixou de ser proprietária daquela fração ( como já consta dos pontos 17 e 18 dos factos provados).
1.3- se deve ser aditado aos factos provados o seguinte facto:
-“Desde o referido em 8) que o arrumo atribuído à fração autónoma descrita em 5)(fração “T”) é o arrumo localizado mais a poente, junto aos elevadores”.
Pelas mesmíssimas razões acima mencionadas quando abordamos a impugnação do ponto 14 dos factos provados, consideramos não ter sido produzida qualquer prova naquele sentido, designadamente por qualquer das testemunhas convocadas pela Apelante, quanto à testemunha EE pelas razões que ali afloramos e, quanto às testemunhas DD e FF porque sobre isso nada souberam dizer.
Em jeito de conclusão, procede parcialmente a impugnação sobre a matéria de facto, com a eliminação dos pontos 1 e 4 dos factos não provados e o aditamento aos factos provados do seguinte ponto:
19. Aquando o referido em 4) dos factos provados, foi entregue a DD o arrumo em frente ao seu aparcamento, com a área total aproximada de 9 m2, que tinha duas portas desde o início da sua utilização (julho de 1994) e a identificação de 6º andar esquerdo, tendo sido simultaneamente entregues, pelo construtor, 2 chaves, uma para cada porta do arrumo.

2ª Questão- Se o arrumo atribuído à fração da Apelante está a ser ocupado indevidamente pelos Apelados.
O direito de propriedade adquire-se por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei (art. 1316º do CC).
 O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas (art. 1305º CC).
E pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence ( art. 1311º nº 1 do CC).
Segundo escreve Manuel Rodrigues, “Há assim na acção de reivindicação um indivíduo que é titular do direito de propriedade, que não possui, há um possuidor ou detentor que não é titular daquele direito, há uma causa de pedir que é o direito de propriedade, e há, finalmente, um fim, que é constituído pela declaração da existência da propriedade no autor e pela entrega do objecto sobre que o direito de propriedade incide.” [3]
O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define (art. 7º do CRP).
Não constitui facto controvertido, porque os Apelados nem sequer o questionam, que a Apelada é proprietária da fracção autónoma “X”, correspondente ao 6.º andar esquerdo, e, que tal imóvel encontra-se inscrito a favor da Apelante, na matriz predial urbana de Santa maria da Feira sob o artigo ...09 e descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o número ...01.
A aludida fracção autónoma “X” adveio à propriedade da Apelante em 23 de Janeiro de 2015, por compra ao Banco 1..., efectuada por escritura pública.
 Em face de tal transmissão, está demonstrada a aquisição derivada pela Apelante da fracção X, beneficiando ainda da presunção do registo a seu favor.
Sustenta a Apelante que faz parte integrante da referida fracção X da qual é proprietária o arrumo nº 15 localizado na cave e, até aqui nenhum litígio existe, porquanto assim consta na escritura e no registo e, nenhum outro proprietário das demais frações naquele prédio constituído em propriedade horizontal o reivindica para si, estando contemplada no título constitutivo da propriedade horizontal daquele prédio que cada uma das frações habitacionais são compostas também por um lugar de aparcamento e um lugar de arrumos.
O imóvel foi constituído em propriedade horizontal por escritura pública de 12.10.1993, conforme decorre do título de constituição de propriedade horizontal, outorgado perante o 2.º Cartório Notarial de Santa Maria da Feira, constituição permitida pelo art. 1417º nº 1 CC.
Por força da constituição do prédio em propriedade horizontal, este passou a ser composto por 22 fracções autónomas e partes comuns, tendo ficado provado o seguinte:
Do título constitutivo do direito de propriedade horizontal, materializado na escritura pública outorgada no dia 12 de outubro de 1993, no Segundo Cartório Notarial de Santa Maria da Feira, consta que o prédio situado em ... (Largo ...), Rua ..., é constituído por 22 frações autónomas, independentes, distintas e isoladas entre si, destinando-se as frações A, B, C, D, E a comércio e as frações F, G, H, I, J, L, M, N, O, P, Q, R, S, T (fração descrita em 5) – dos Réus), U, V e X (fração descrita em 1) – da Autora), a habitação, e está descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira com Ap. ...0 de 1993/11/15- ponto 8 dos factos provados.
Mais constando que a fração T (prédio descrito em 5) dos Réus) corresponde ao 5º andar direito, destinado a habitação, do tipo T3, composta de um vestíbulo, uma cozinha, uma lavandaria, uma despensa, uma sala comum, três quatros e três casas de banho, com a área total de 132, 50 m2. A esta fração corresponde o aparcamento 15 e o arrumo 16, situados na cave (piso menos um), à qual atribuem o valor de um milhão e duzentos mil escudos, correspondente a 4,8% do valor total do prédio- ponto 9 dos factos provados.
E a fração X (prédio descrito em 1) da Autora) corresponde ao 6º andar esquerdo, destinado a habitação, do tipo T3, composta de um vestíbulo, uma cozinha, uma lavandaria, uma despensa, uma sala comum, três quatros e três casas de banho, com a área total de 121,50 m2. A esta fração corresponde o aparcamento 14 e o arrumo 15, situados na cave (piso menos um), à qual atribuem o valor de um milhão e cem mil escudos, correspondente a 4,4% do valor total do prédio- ponto 10 dos factos provados.
Ainda consta em tal escritura e também no registo que “Áreas Comuns: São comuns a todas as frações os aparcamentos automóveis e os arrumos, devidamente assinalados, situados na cave”- ponto 11 dos factos provados.
Tais aparcamentos automóveis e arrumos encontram-se assinalados, numerados e delimitados relativamente a todas e a cada uma das habitações nos termos que constam na planta da cave do edifício em causa, constante do respetivo processo de licenciamento (cfr. planta extraída do proc. n.º 2155/1991/urb da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira junta aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido)- ponto 12 dos factos provados.
Desde o referido em 8) que o arrumo atribuído à fração autónoma descrita em 1) (fração “X”) é o nº 15, o qual localiza-se em frente ao aparcamento nº 14 (cfr. planta da cave do edifício junta aos autos, extraída no proc. n.º 2155/1991/urb da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira)- ponto 13 dos factos provados.
Desde o referido em 8) que o arrumo atribuído à fração autónoma descrita em 5) (fração “T”) é o nº 16, o qual localiza-se do lado esquerdo do aparcamento nº 15 (cfr. planta da cave do edifício junta aos autos, extraída no proc. n.º 2155/1991/urb da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira)- ponto 14 dos factos provados.
Segundo os arts 1414º e 1415º CC as fracções de que um edifício se compõe, em condições de constituírem unidades independentes mas distintas e isoladas entre si e com saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública, podem pertencer a proprietários diversos (condóminos) em regime de propriedade horizontal.
Cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício. O conjunto dos dois direitos é incindível, não podendo nenhum deles ser alienado separadamente nem sendo lícito renunciar à parte comum como meio de o condómino se desonerar das despesas necessárias à sua conservação ou fruição (art. 1420º CC).
Trata-se de uma figura jurídica nova, de um direito real novo que, embora moldado sobre os direitos reais à custa dos quais se formou, é mais do que a sua justaposição, reunindo uma teia de relações num complexo incindível de propriedade singular que recai sobre uma parte determinada de um prédio urbano e de compropriedade sobre outras partes dele, essenciais tanto à sua estrutura como à sua utilização funcional, quer dizer, ao exercício do domínio pleno sobre ele (Oliveira Ascenção, A Tipicidade dos Direitos Reais, 1965, 195, Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 2009, 335, Manuel H. Mesquita, A Propriedade Horizontal, Separata da RDES, 53; Ac STJ de 20/10/2011, Relator Martins de Sousa).
No título constitutivo deverão ficar especificadas as partes do edifício correspondentes às várias frações, por forma que estas fiquem devidamente individualizadas, e será fixado o valor relativo de cada fração, expresso em percentagem ou permilagem do valor total do prédio (art. 1418º CC), tal como ocorreu no caso em apreço.
Como ensinam P. Lima e A. Varela “(...) prevalece sempre o que resultar do título constitutivo, dada a natureza real do estatuto que nele se contém. A situação jurídica do imóvel, como objecto de um direito real, é definida pelo título de que este direito emerge, e não por qualquer negócio com eficácia meramente obrigacional nem, muito menos, pelo projecto de construção do edificio, ainda que aprovado pela administração pública.”[4]
Resulta do título constitutivo da propriedade horizontal do edifício identificado nos autos que os arrumos são partes comuns (ponto 11 dos factos provados), e que a cada uma das frações habitacionais corresponde um aparcamento e um arrumo, ambos numerados, localizados na cave e devidamente assinalados, estando feita a correspondência dessa numeração do arrumo com a respectiva fração relativamente a todas elas sem excepção.
Houve, pois, uma atribuição no título constitutivo de propriedade horizontal de determinado arrumo numerado a determinada fração, não pondo as partes em causa que à fração X, entretanto adquirida pela Apelante em 2015, corresponde o arrumo 15 (ponto 10 dos factos provados) e à fração T entretanto comprada pelos Apelados em 2018 corresponde o arrumo 16 (ponto 9 dos factos provados).
As partes também não questionam que os aparcamentos e os arrumos encontram-se assinalados, numerados e delimitados relativamente a todas e a cada uma das habitações nos termos que constam da planta da cave do edifício em causa, constante do respectivo processo de licenciamento (cfr. planta extraída do proc. Nº 2155/1991/urb da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira junta aos autos)- facto que ficou provado no ponto 12 dos factos provados.
Nessa sequência, ficou ainda provado que desde a constituição da propriedade horizontal que o arrumo atribuído à fração X é o nº 15, o qual se localiza em frente ao aparcamento nº 14 ( cfr. planta da cave do edifício junta aos autos, extraída no proc. Nº ...91 urb da Cãmara Municipal de Santa Maria da Feira- ponto 13 dos factos provados.
Do mesmo modo se deu como provado que desde a constituição da propriedade horizontal que o arrumo atribuído à fração T é o nº 16, o qual se localiza do lado esquerdo do aparcamento nº 15, pois assim resulta da mesma planta- ponto 14 dos factos provados.
O dissídio ocorre porque a Apelante defende que o arrumo nº 15 que foi atribuído à sua fração X tem duas portas e tem a área de 8,28 m2 e que os Apelados estão a ocupar indevidamente parte do seu arrumo, mais precisamente 2,30 m2 de comprimento e 1,80 m de largura, tendo para o efeito construído uma parede a meio e substituído uma das portas.
Por seu turno, os Apelados dizem que tal arrumo lhes pertence porque corresponde nem mais nem menos do que ao arrumo nº 16, atribuído no título de constituição da propriedade horizontal à fração T por eles adquirida, que é contíguo ao arrumo nº 15 que foi atribuído nesse título à fração X adquirida pela Apelante.
A Apelante ao pretender que lhe seja reconhecido que o arrumo nº 15 tem a área total de 8,28 m2 com duas portas distintas, está pura e simplesmente a incluir ou incorporar no seu arrumo toda a área do arrumo nº 16, na prática eliminando este último arrumo, fazendo com que os Apelantes deixem de ter o arrumo que lhes está atribuído no título de constituição da propriedade horizontal.
Afigura-se-nos que a posição da Apelante é insustentável á luz do título de constituição da propriedade horizontal, que apenas lhe atribui enquanto proprietária da fração X o arrumo 15, estando o arrumo contíguo nº 16 atribuído aos aqui Apelantes enquanto proprietários da fração T.
Não tendo a Apelante direito a reivindicar tal área como pertencente ao arrumo que lhe está atribuído por via do título da propriedade horizontal, tentou que a mesma lhe fosse atribuída por via da usucapião.
Ainda que se possa admitir ser possível a aquisição por usucapião de partes comuns (não imperativamente comuns- art. 1421º nº 1 al. a) a d) do CC), afigura-se-nos que, no caso em apreço a Apelante dela não poderá beneficiar, essencialmente por duas ordens de razão:
1. A Apelante apenas adquiriu a fração X no ano de 2015, não logrou provar ter exercido qualquer acto de posse sobre a parte do arrumo correspondente ao nº 16 e, ainda que assim não fosse nunca teria posse por tempo suficiente para a aquisição originária por usucapião, não podendo somar à sua posse a do antecessor DD pois que este nenhuma posse lhe transmitiu, não havendo qualquer vínculo entre um e outro;
Refere Fernando Pereira Rodrigues, “(…) a aquisição por usucapião é uma constituição originária, que tem como sua fonte ou génese a posse, geradora do direito, com título, sem título, contra um título de terceiro ou mesmo com um título afectado de nulidade substantiva.”[5]
De acordo com o disposto no art. 1287º do CC, a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação: é o que se chama usucapião.
Segundo o disposto no art. 1251º do CCivil, posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real.
A posição maioritária da nossa Doutrina e Jurisprudência é de que, o referido preceito legal, assim como o art. 1253º, al. a) do CC, consagra a concepção subjectiva da posse, segundo a qual, para a existência de uma situação possessória juridicamente relevante são necessários dois elementos essenciais: o corpus – elemento objectivo, correspondente à situação de facto (actos materiais) ilustrativa do exercício do direito por parte do possuidor; e o animus – elemento subjectivo, correspondente à intenção do detentor de exercer, como seu titular, um direito real sobre a coisa.
Sem corpus não haverá posse porquanto falta a actuação de facto correspondente ao exercício do direito e sem animus não haverá posse porque falta a intenção de titularidade do direito.[6]
 A posse adquire-se, entre outros, pela prática reiterada, com publicidade, dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito ou por inversão do título da posse (art. 1263º, als. a) e d) do CC).
Não obstante, “para que haja posse, é preciso alguma coisa mais do que o simples poder de facto; é preciso que haja por parte do detentor a intenção (animus) de exercer, como seu titular, um direito real sobre a coisa e não um mero poder de facto sobre ela.”. [7]
De acordo com o art. 1287º do CC, só o possuidor pode invocar a usucapião.
Se a Apelante não logrou provar ter sido possuidora da área correspondente ao arrumo nº 16, ter praticado sobre ela actos materiais, reiterados e públicos, correspondentes ao direito de propriedade, não pode invocar a aquisição por usucapião.
De todo o modo sempre se dirá que, também não poderia invocar a acessão da posse, por não se verificar o condicionalismo previsto no art. 1256º nº 1 do CCivil, pois que não logrou provar que quem lhe transmitiu a propriedade da fracção X- Banco 1...- alguma vez tenha praticado sobre aquele arrumo actos materiais, reiterados e públicos, correspondentes ao direito de propriedade.
E relativamente ao anterior proprietário, DD, entre ele a Apelante nenhum negócio existiu.
A esse propósito, embora seja questão controvertida, a jurisprudência maioritária é no sentido de que “ para que se verifique acessão da posse nos termos do art. 1256º do CCivil e o novo possuidor junte à sua posse a posse do anterior possuidor é imprescindível que haja uma relação jurídica entre ambos e que o negócio entre ambos se trate de um negócio válido formal e substancialmente.”( Ac RP de 20/11/2012, Proc. nº 2229/11.7TBVNG.P1; no mesmo sentido Ac RP de 16/1/2012, Proc. nº 158/03.7TBBTC.P1; Ac RP de 6/5/2010, Proc. nº 829/06.6TBCHV.P1 e Ac RP de 5/5/2005, Proc. nº 0531757, www.dgsi.pt).
Pode ler-se do Ac RP de 26/1/2012, que “Para fazer funcionar a acessão é necessário que exista um título abstractamente idóneo para, pelo menos formalmente, transferir o direito.” [8]
Em abono desta posição, pode ler-se, também na Doutrina, Pires de Lima e Antunes Varela ( CC Anotado, Vol. III, p.14), Manuel Rodrigues ( A Posse, p. 252, 292) Dias Marques ( Prescrição Aquisitiva, 96/97), Santos Justo ( Direitos Reais, p. 198), Durval Ferreira, Posse e Usucapião, p. 245 e 459).
Já Henrique Mesquita dizia que “a acessão só é admissível em relação a posses consecutivas”.[9]
De igual modo escreve Manuel Rodrigues, que “a acessão exige que haja duas posses contínuas e homogéneas. A posse que se pretende somar deve ser imediatamente anterior.” [10]
No mesmo sentido, e de forma lapidar sustenta Fernando Pereira Rodrigues que, “Iniciada uma posse boa para usucapião, é necessário que esta se mantenha. E, conforme dispõe o artigo 1257º/1, a posse mantém-se enquanto durar a actuação correspondente ao exercício do direito ou a possibilidade de a continuar.
(…) a acessão na posse ou a união de posses exige que ambas as posses sejam contíguas, ininterruptas e homogéneas, bem como sem vínculo jurídico válido entre o novo possuidor e o anterior.” [11]
Afastada fica a pretensão da Apelante de aquisição do arrumo com a dimensão que pretende por via da usucapião.
2. A modificação do título constitutivo da propriedade horizontal que a alteração pretendida pela Apelante implicava (eliminação do arrumo 16, deixando de estar atribuído qualquer arrumo à fração T ) só poderia ser feita por escritura pública ou documento particular autenticado, havendo acordo de todos os condóminos, conforme exige o art. 1419º nº 1 do CC, não sendo esta acção o meio próprio para lograr tal desiderato (neste sentido Ac STJ de 6.12.2018, proferido no Proc. Nº 8250/15.9T8VNF.G1.S1 e o recente Ac RP de 7.12.2023, proferido no Proc. Nº916/19.0T8GDM.P1, www.dgsi.pt ).
Este último aresto versa igualmente sobre um arrumo, tendo sido considerada inadmissível a aquisição do mesmo por usucapião por não ser possível a alteração do título constitutivo da propriedade horizontal por essa via, podendo a esse propósito ler-se que “o tribunal não pode alterar o título constitutivo da propriedade horizontal em violação das normas legais em vigor, designadamente sem aprovação de todos os condóminos e junção de documento emanado da Câmara Municipal comprovativo de que a alteração está de acordo com as leis e regulamentos em vigor na autarquia.
Assim, no caso vertente não é legalmente admissível a aquisição do arrumo por usucapião.”
Tal como sustenta Abílio Neto, “Assim, só por consenso unitário de todos os condóminos expresso pela forma legalmente prevista-escritura pública-pode ser alterado o fim ou a utilização das frações e/ou das partes comuns, fixado no título constitutivo, ampliando-o ou restringindo-o.”[12]
Como refere Ana Taveira da Fonseca, em anotação ao art. 1419º do CC, “ estes requisitos particularmente exigentes visam garantir que o condómino não verá a sua posição jurídica afectada, sem que antes tenha dado o seu acordo. Todos os direitos e obrigações que para ele, direta ou indiretamente, possam advir do título constitutivo só podem ser alterados com o seu assentimento”[13], o que manifestamente não acontece na hipótese dos autos.
Em suma, os Apelados não ocupam indevidamente qualquer área do arrumo 15 que foi atribuído à fração da Apelante pelo título constitutivo da propriedade horizontal, nem a área que reivindica dos Apelados foi por ela adquirida por usucapião, limitando-se os Apelados a ocupar legitimamente o arrumo 16 que naquele título está atribuído à fração T que lhes pertence.
Concluindo, improcedendo os argumentos recursivos, confirmamos a sentença recorrida.

**

V. DECISÃO:
Em razão do antes exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela Apelante, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas a cargo da Apelante, que ficou vencida.

Notifique.




Porto, 20 de Fevereiro de 2024
Maria da Luz Seabra
(Relatora)
Rodrigues Pires
(1ª Adjunta)
Fernando Vilares Ferreira
 (2º Adjunto)
(O presente acórdão não segue na sua redação o Novo Acordo Ortográfico)

____________________
[1] F. Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª edição, pág. 147 e A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª edição, pág. 92-93.
[2] Cadernos Temáticos De Jurisprudência Cível Da Relação, Impugnação da decisão sobre a matéria de facto, consultável no site do Tribunal da Relação do Porto, Jurisprudência
[3] A reivindicação no Direito Civil Português, RLJ Ano 57, p.144
[4] CC Anotado, Vol. III, p. 412
[5] Usucapião, Constituição Originária de Direitos Através da Posse, fls. 13, 19 e 21
[6] Entre outros, A. Varela e Pires de Lima, Ob. cit., pág. 5; CC Anotado, Vol. II, Ana Prata (Coord), pág. 18 a 25; AC STJ de 6.02.2007, Proc.n.º 06A4036; Ac STJ de 21.06.2016, Proc. Nº 7487/11.4TBVNG.P2.S1, Ac TRP de 13.09.2016, Proc nº 2134/10.4TBVNG.P1, www.dgsi.pt
[7] Pires de Lima e A. Varela, Ob. Cit., p. 5
[8] Proc. nº 5978/08.3TBMTS.P1, www.dgsi.pt
[9].Direitos Reais, 104 e 105; no mesmo sentido Ac RP de 26/1/2012, Proc. nº 5978/08.3TBMTS.P1, www.dgsi.pt
[10] A Posse- Estudo de Direito Civil Português, p. 252/253).
[11] Ob. Cit., p. 45
[12] Manual da Propriedade Horizontal, p. 101
[13] Comentário ao Código Civil, Direito das Coisas, UCP, pág. 444.