Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
9430/18.0T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: TERESA SÁ LOPES
Descritores: HORÁRIO DE TRABALHO
HORÁRIO FLEXÍVEL
TRABALHO A TEMPO PARCIAL
Nº do Documento: RP202005189430/18.0T8VNG.P1
Data do Acordão: 05/18/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO PROCEDENTE, REVOGADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - O horário de trabalho corresponde à determinação das horas de início e termo do período normal de trabalho diário e do intervalo de descanso, bem como do descanso semanal – artigo 200º, nº 1 do Código do Trabalho.
II - A determinação do horário de trabalho é uma manifestação do poder de direção do empregador – artigos 212º e 97º, ambos do Código do Trabalho.
III - O nº 1 do artigo 56º do Código do Trabalho consagra o direito do trabalhador ao horário flexível, estando o conceito de tal direito definido no nº2 do mesmo preceito, nos termos do qual se entende por horário flexível aquele em que o trabalhador pode escolher, dentro de certos limites, as horas de início e termo do período normal de trabalho. Os limites dentro dos quais o trabalhador poderá escolher o horário serão os que decorrem do nº3. E, deste, resulta que é o empregador quem deve elaborar o horário em conformidade com o que nele se estipula.
IV - O mesmo preceito não confere ao Trabalhador o direito de balizar ou impor ao Empregador as horas do início e do termo do período normal do trabalho que pretende que este lhe fixe o horário flexível.
V - Não há incompatibilidade entre o trabalho a tempo parcial e em regime de horário de trabalho flexível.
VI - Um horário flexível, uma vez definido, pode até ser fixo na sua realização.
VII - O artigo 57º do Código do Trabalho, ao regulamentar o exercício do direito a trabalhar em regime de horário de trabalho flexível, prevê no seu nº2 que o empregador apenas se lhe pode opor invocando exigências imperiosas relacionadas com o funcionamento da empresa ou serviço ou a impossibilidade de substituir o trabalhador se este foi indispensável.
VIII - Tais exigências imperiosas não se exprimem na maior ou menor dificuldade de organização da atividade da empresa ou no maior ou menor encargo para o empregador perante a necessária gestão do respectivo quadro de pessoal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 9430/18.0T8VNG.P1
Origem: Tribunal da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Vila Nova de Gaia – Juiz 3
Autora: B…
Réu: C…, S.A.

Relatora: Teresa Sá Lopes
1ª Adjunto: Desembargador Domingos Morais
2º Adjunta: Desembargadora Paula Leal de Carvalho

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório:
C…, S.A. instaurou contra B…, a presente ação de processo comum emergente de contrato de trabalho, formulando o pedido de:
a) − Ser declarada a existência de motivo justificativo para a recusa, pela Autora, do horário de trabalho apelidado de flexível requerido pela Ré;
b) Ser declarada a incompatibilidade da aplicação simultânea do regime de trabalho em horário flexível pedido pela Ré com o regime de trabalho a tempo parcial que já praticava;
c) Não serem os artigos 56º e 57º n.º 2 do Código do Trabalho aplicados, por inconstitucionais, quando interpretados no sentido de não constituírem necessidades imperiosas de funcionamento da empresa a necessidade de prévia determinação dos horários de trabalho em sectores de mão-de-obra intensiva relativamente a trabalhadores inseridos em equipas com regimes de presença necessária e interdependência na execução;
d) Ser a Ré condenada nas custas do processo e demais encargos legais.
Alegou, no essencial:
Existência de motivo justificado para a recusa do pedido efectuado pela Ré à Autora de flexibilidade de horário de trabalho entre as 10h00 e as 18h30m de terça a sábado, com as mesmas folgas fixas à segunda-feira e ao domingo, em virtude de ter uma filha menor de 9 meses que necessita do seu apoio, assistência e acompanhamento dado que:
a) o pedido efectuado não constitui um pedido de atribuição de horário flexível previsto no art. 56.º do Cód. do Trabalho, por tal pressupor que é o empregador que fixa as faixas temporais para o início e termo do trabalho normal diário, podendo então o trabalhador escolher dentro dessas faixas laborais assim fixadas quando se apresenta ao trabalho e quando lhe põe termo; o que a Ré requer consiste na escolha pela própria do seu horário de trabalho, trabalhando no horário da manhã e não no da tarde ou da noite, ou seja pretende escolher um novo horário de trabalho;
b) é inconstitucional, por violação do direito de iniciativa económica previsto no art. 82º, nº 3, da CRP, o disposto nos artigos 56º e 57º, n.º 2, do Código do Trabalho, quando interpretados no sentido de impor horários flexíveis em sectores de mão-de-obra intensiva, relativamente a trabalhadores inseridos em equipas com regimes de presença necessária recíproca e interdependência na execução, não considerando como uma das exigências imperiosas de funcionamento da empresa a necessidade de prévia determinação dos horários de trabalho.
Designado dia para a audiência de partes, procedeu-se a esse acto, mas sem que se tenha conseguido alcançar o acordo entre as partes.

A Ré contestou, alegando que no pedido de atribuição de horário flexível a Ré não escolheu o horário de trabalho, antes tendo escolhido o início e o término da prestação de trabalho, o que é permitido por lei, podendo a Autora, de acordo com o seu quadro de pessoal, fixar os concretos horários a observar pela Ré, dentro dos referidos limites.
Atenta a finalidade do artigo 56º do Código do Trabalho − protecção da parentalidade − e o disposto no artigo em causa, dentro da faixa temporal de duração superior ao período normal de trabalho diário o trabalhador fixa o início e o termo e o empregador usa a faixa temporal (e não sendo, diferentemente do que alega a Autora, esta que estabelece as faixas de variação que o trabalhador pode utilizar para iniciar ou terminar o trabalho).
A Autora, fixando os horários a realizar pela Ré dentro dos limites indicados, permite a conciliação da vida familiar da Ré com o seu trabalho, sendo que face à massa laboral de cerca de 1000 pessoas pode a Autora organizar os horários dos trabalhadores atendendo ao pedido da Ré.
Não há a invocada inconstitucionalidade, por o direito de iniciativa económica sofrer as restrições decorrentes dos direitos fundamentais dos trabalhadores, nomeadamente, a conciliação da vida familiar com a actividade profissional e o direito à maternidade e paternidade, que prevalecem sobre aquele salvo existindo interesses imperiosos.
Conclui pela improcedência da acção.

Findos os articulados, o tribunal a quo proferiu despacho tendo em vista assegurar o contraditório quanto à possibilidade de decisão imediata da causa, nada tendo as mesmas oposto.
Foi proferida sentença, na qual foi efectuado o saneamento do processo, fixado o valor da ação em € 5.000,01, fixados os factos e aplicado o direito, ficando concluída com a decisão seguinte:
“Pelo exposto, na procedência da presente acção, declaro justificada a recusa de atribuição pela Autora C…, S.A. à Ré B… do horário de trabalho solicitado pela mesma no requerimento referido no n.º 4. da fundamentação de facto, por o pedido efectuado pela Ré não consubstanciar pedido para trabalhar em regime de horário de trabalho flexível, nos termos do disposto no art. 56.º da Código de Trabalho.
Custas pela Ré, sem prejuízo da isenção de custas de que beneficia.”.

A Ré interpôs recurso, com as seguintes conclusões:
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Conclui que deve a Sentença Recorrida ser revogada e substituída por outra com base na correcção sobre a decisão da matéria de direito nos termos alegados.

A Autora contra-alegou finalizando com as seguintes conclusões:
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O Ministério Público junto desta Relação emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, acompanhando a fundamentação da sentença recorrida.

Foram colhidos os vistos legais.

Objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso, a questão colocada para apreciação pela Recorrente consiste em saber:
- se existe fundamento para a Autora recusar a atribuição à Ré do horário de trabalho flexível por esta requerido (tendo como limites as 10h00 e as 18h30m de terça a sábado, com as mesmas folgas fixas à segunda-feira e ao domingo).

2. Fundamentação:
Fundamentação de facto:
O Tribunal a quo considerou assentes, “por falta de impugnação e documentalmente”, os seguintes factos:
“1 – No âmbito da sua actividade comercial, a Autora C…, S.A. é detentora, entre outros, de um centro comercial sito em Vila Nova de Gaia. − Matéria de facto alegada no art. 1.º da petição inicial, assente por acordo/falta de impugnação.
2 – Esse centro comercial está dividido internamente em várias áreas, destinadas ao comércio dos diferentes tipos de artigos: restauração, moda senhora, moda homem, artigos para o lar, brinquedos ou supermercado. − Matéria de facto alegada no art. 2.º da petição inicial, assente por acordo/falta de impugnação.
3 – A Ré B… é trabalhadora da Autora, com a categoria de Operador Ajudante de Supermercado e presta serviço no supermercado localizado no centro comercial. − Matéria de facto alegada no art. 3.º da petição inicial, assente por acordo/falta de impugnação.
4 – Em 17/08/2018, a Autora recebeu da Ré a carta datada de 16 de agosto de 2018, cuja cópia se encontra junta a fls. 10 verso e 11 frente dos autos, na qual, além do mais que da mesma consta e que aqui se dá por reproduzido, a Ré requereu a “flexibilidade de horário de trabalho dentro de determinados limites: entre as 10h00 e as 18h30 de terça a sábado, com as mesmas folgas fixas à Segunda-feira e Domingo”, solicitando ainda “uma plataforma móvel e não fixa de horário de trabalho, de forma a cumprir o horário de trabalho que determinarem, dentro das condições referidas.”, e “dispensa de trabalho de1h30 diária para amamentação num período temporal único, das 17h00 às 18h30m”, tendo procedido à junção aos autos dos documentos cujas cópias se encontram juntas a fls. 11 verso a 13 verso dos autos, cujos respectivos teores aqui se dão igualmente por reproduzidos. − Matéria de facto alegada nos arts. 4.º a 8.º da petição inicial, assente por acordo/falta de impugnação.
5 – Em resposta, a Autora, enviou à Ré em 5/9/201 a carta cuja cópia se encontra junta a fls. 14 verso a 18 frente dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido, informando-a da intenção de recusar o horário flexível solicitado, sucintamente, fundamentando a sua recusa na circunstância de o pedido apresentado pela Ré não ser de um “horário “flexível” e na incompatibilidade de regimes de trabalho a tempo parcial com regime de horário flexível e existência de necessidades imperiosas de funcionamento da empresa que impedem o deferimento do pedido. − Matéria de facto alegada nos arts. 9.º e 10.º da petição inicial, assente por acordo/falta de impugnação.
6 – A Ré pronunciou-se sobre a intenção de recusa da Autora por carta datada de 10 de Setembro de 2018, recebida em 11/09/2018, cuja cópia se encontra junta a fls. 18 verso dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido. − Matéria de facto alegada no art. 11.º da petição inicial, assente por acordo/falta de impugnação.
7 – A Autora remeteu, então, todo o processo para a Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), para que esta entidade emitisse um parecer, nos termos do disposto no artigo 57.º do Código do Trabalho (C. T.), tendo a CITE emitido um parecer desfavorável à recusa da empresa ao pedido de horário da trabalhadora – Parecer n.º 554/CITE/2018 – Processo n.º 2529 - FH/2018, cuja cópia se encontra junta a fls. 20 a 30, cujo teor aqui se dá por reproduzido, no qual a CITE considerou que não assistiam à Autora razões para recusar o horário solicitado pela Ré. − Matéria de facto alegada nos arts. 12.º a 14.º da petição inicial, assente por acordo/falta de impugnação.
8 – Entre Autora e Ré foram sucessivamente celebrados os contratos de trabalho titulados pelos documentos escritos cujas cópias se encontram juntas a fls. 73 verso a 76 verso, sendo o último desses contratos o contrato de trabalho a tempo parcial outorgado 25 de janeiro de 2017, cuja cópia se encontra junta a fls. 76 frente e verso, com os anexos de calendário laboral juntos a fls. 93 frente e verso (ano de 2017) e a fls. 77 (ano de 2019), contrato esse pelo qual, além do mais que do mesmo consta e que aqui se dá por reproduzido, a Autora C…, S.A. e a Ré B… acordaram em converter em definitivo o contrato de trabalho a termo celebrado entre ambos os outorgantes em 10-08-2015, admitindo a Ré ao seu serviço, com a categoria profissional de Operadora Ajudante de Supermercado 2.º ano, tendo a ré prestado até Maio de 2017 25 horas de trabalho semanal e a partir de Maio de 2017 30 horas semanais, fazendo actualmente um período normal de trabalho de 6 horas diárias, a obrigando-se a aqui Ré, nos termos da cláusula quarta do aludido documento, a cumprir o horário de trabalho constante do calendário em anexo, aceitando que seja unilateralmente alterado pela Autora, desde que tal alteração lhe seja comunicada com uma antecedência mínima de 7 dias relativamente à data da produção dos efeitos da alteração, e declarando a aqui Ré aceitar prestar trabalho nocturno, obrigando-se a Autora a pagar à Ré uma retribuição horária de € 3,46. − Matéria de facto alegada nos arts. 2.º e 4.º do requerimento de prestação de esclarecimentos datado de 31 de janeiro de 2019, assentes por acordo/falta de impugnação, e face ao teor do documento apresentado, não impugnado.
10 – A Autora organiza os horários de trabalho da generalidade dos seus colaboradores com a categoria da Ré, incluindo trabalhadores a tempo parcial, nos termos da cláusula 11.ª do Contrato Colectivo de Trabalho outorgado entre a FEPCES e outros e a APED, publicado no B.T.E. n.º 22, de 18 de Junho de 2008, pelo que a generalidade dos referidos trabalhadores, incluindo a Ré, prestam a sua actividade em horários diversificados, rotativos, por turnos, que vigoram pelo período de um mês, e têm de ser comunicados com 30 dias de antecedência, nos termos do IRCT aplicável, e goza de dois dias de descanso semanal. − Matéria de facto alegada nos arts. 6.º e 7.º do requerimento de prestação de esclarecimentos datado de 31 de janeiro de 2019, assentes por acordo/falta de impugnação.
11 – A Ré assinou em 25/01/2017 o Quadro Anexo ao contrato referido no n.º 8. da fundamentação de facto contendo o calendário laboral do qual resulta que a Ré:
− Em janeiro e fevereiro de 2017 praticou exclusivamente o horário das 16h30m às 21h30m, com excepção dos dias 21 de fevereiro (em que praticou o horário das 18h30m às 23h30m) e 26 de fevereiro (em que praticou horário das 15h45 às 20h45);
− Entre Janeiro e 31 de Agosto de 2018 a Ré gozou consecutivamente de licença de maternidade e de férias, pelo que não prestou trabalho, tendo apresentado o pedido de atribuição de horário flexível nos termos descritos no n.º 4. da fundamentação de facto ainda no período de gozo de férias;
− Em geral, os horários praticados pela Ré até à apresentação do pedido referido no n.º 4. da fundamentação de facto foram sensivelmente os seguintes: entrada entre as 12h00m e as 16h30m e saída entre as 20h00 e as 23h30m. − Matéria de facto alegada no requerimento de prestação de esclarecimentos datado de 17 de maio de 2019, assente por acordo/falta de impugnação.
12 – Após a licença de maternidade e gozo de férias e a comunicação à Autora do Parecer do CITE foi fixado à Ré pela Autora, no seu regresso a trabalho, ocorrido em Novembro de 2018, o seguinte horário de trabalho: de terça-feira a sábado com entrada às 12h30m e saída às 18h30m. − Matéria de facto alegada nos requerimentos da autora de 31 de janeiro de 2019 e da Ré de 22 de maio de 2019, assente por acordo/falta de impugnação.
13 – A Ré tem uma filha, nascida a 17/11/2017, conforme cópia do cartão de cidadão junta a fls. 11 verso dos autos. − Matéria de facto alegada no art. 13.º da contestação, documentalmente provada.
14 – O tipo de negócio da Autora é feito de qualidade e presença no atendimento ao cliente, no sentido em que a não presença do vendedor junto ou à disposição do cliente se traduz na não realização de vendas, pois os clientes da Autora não voltam se não forem bem atendidos. − Matéria de facto alegada no art. 47.º da petição inicial, assente por acordo/falta de impugnação.
15 – A Autora determina, em função dos fluxos de clientes e vendas da área, o número de trabalhadores necessário em cada momento para realizar as tarefas necessárias a garantir o nível de serviço e de atendimento programados. − Matéria de facto alegada no art. 48.º da petição inicial, assente por acordo/falta de impugnação
16 – A organização e gestão de horários dos trabalhadores por parte da Autora é feita no pressuposto e com o objectivo de haver uma prévia determinação e conhecimento pela Autora dos horários de trabalho de todos os trabalhadores da Autora, com os respectivos início e termo previamente fixados e conhecidos. − Matéria de facto alegada nos arts. 46.º e 51.º da petição inicial, assente por acordo/falta de impugnação” (sublinhado e alteração do tamanho da letra nossos).

3. Fundamentação de direito:
Está em causa decidir se é justificada a recusa do regime de flexibilidade do horário de trabalho requerido pela Ré.
A Ré, no requerimento que dirigiu à Autora, a solicitar a flexibilidade de horário de trabalho, a este respeito invocou:
- ter uma filha menor de 9 meses de idade que necessita do seu apoio, assistência e acompanhamento;
- O companheiro, pai da filha, desempenha funções de empregado de balcão, tem horário de trabalho repartido de segunda feira a sábado, das 12h00 às 16h00 e das 19h00 às 23h00
- a filha está matriculada e frequenta a Fundação Pró-Infância de Pedroso que encerra às 19h00;
- não indica prazo, requerendo que aquele regime vigore até que o filha complete 12 anos de idade, indicando ainda as horas de início e termo do período normal de trabalho diário (entre as 8h30 e as 18h30), de segunda-feira a domingo, sem prejuízo do regime de folgas praticado.

A Autora recusou sustentando em suma:
- não se tratar de um pedido para um “horário “flexível”, antes da pretensão de mantendo o regime de “folgas” fixas às segundas feiras e aos domingos, ter um novo horário de trabalho das 10h00 às 18h30m, em qualquer dia em que preste trabalho;
- impossibilidade prática no horário pretendido aos sábados em que presta 8 horas de trabalho;
- a incompatibilidade de regimes de trabalho a tempo parcial com regime de horário flexível, sendo no caso um horário de 30 horas semanais, em que presta 5 horas diárias nos dias úteis (terças e quintas feiras das 15h00 às 20h00), 7 horas às sextas-feiras (12h00 às 20h00) e 8 horas aos sábados.

Consigna-se que iremos aproveitar grande parte da fundamentação do recente acórdão deste mesmo colectivo, proferido no processo nº668/19.4T8VNG.P1, proferido em 27.04.2020.
Começando por acompanhar as considerações que a propósito do horário de trabalho foram efectuadas no Acórdão da Relação de Évora de 07.11.2019, (Relatora Desembargadora Paula do Paço, in www.dgsi.pt), “(…) o horário de trabalho corresponde à determinação das horas de início e termo do período normal de trabalho diário e do intervalo de descanso, bem como do descanso semanal – artigo 200.º, n.º 1 do Código do Trabalho.
No fundo, o horário de trabalho corresponde à distribuição do período normal de trabalho Cfr. Artigo 198.º do Código do Trabalho pelo período de funcionamento da empresa ou estabelecimento “Código do Trabalho anotado”, Pedro Romano Martinez, Luís Miguel Monteiro e outros, 2016-10.ª edição pág. 508. Cfr. Artigo 201.º do Código do Trabalho – “Período de funcionamento”.
A determinação do horário de trabalho é uma manifestação do poder de direção do empregador, naturalmente, com os condicionalismos legais – artigos 212.º e 97.º do Código do Trabalho.
O horário de trabalho assume uma dupla relevância: do lado do empregador, constitui uma concretização da organização no tempo da força laboral de que dispõe para a satisfação da sua (…) atividade e objetivos; do lado do trabalhador, é um elemento de previsibilidade e de estabilidade, fundamental para que possa organizar com alguma segurança o seu tempo de autonomia com o tempo de disponibilidade para o trabalho Liberal Fernandes, “O tempo de trabalho”, Coimbra Editora, 2012, pág. 45.
Na perspetiva do trabalhador, constituindo o trabalho uma importante área da vida, o mesmo tem necessariamente de ser conciliado com a vida para além do trabalho, ou seja, com a vida pessoal, familiar e social do trabalhador, daí a importância da determinação quantitativa e da organização do tempo de trabalho.
Como refere Maria do Rosário Palma Ramalho “O tempo de Trabalho e conciliação entre a vida profissional e a vida familiar- Algumas Notas”, artigo inserido na obra “Tempo de trabalho e tempos de não trabalho”, Estudos APODIT 4, pág. 101.: «[a] importância geral do tema da conciliação entre a vida profissional e a vida familiar não precisa de ser enfatizada, uma vez que é um tema que se coloca a todos nós ao longo da vida, pela necessidade de articularmos a nossa vida profissional com as nossas responsabilidades como pais, como filhos ou simplesmente como cuidadores”, (realce, sublinhado e alteração do tamanho de letra nossos).
No Código do Trabalho a tutela da parentalidade mostra-se legalmente assegurada, nos artigos 33º e seguintes.
Ao direito à conciliação da atividade profissional com a vida familiar, aludem expressamente os artigos 127º, nº 3 e 212º, nº 2, alínea b), ambos do mesmo Código.
Sob a epígrafe “Horário flexível de trabalhador com responsabilidades familiares”, dispõe ainda o artigo 56º do Código do Trabalho:
«1 - O trabalhador com filho menor de 12 anos ou, independentemente da idade, filho com deficiência ou doença crónica que com ele viva em comunhão de mesa e habitação tem direito a trabalhar em regime de horário de trabalho flexível, podendo o direito ser exercido por qualquer dos progenitores ou por ambos.
2 - Entende-se por horário flexível aquele em que o trabalhador pode escolher, dentro de certos limites, as horas de início e termo do período normal de trabalho diário.
3 - O horário flexível, a elaborar pelo empregador, deve:
a) Conter um ou dois períodos de presença obrigatória, com duração igual a metade do período normal de trabalho diário;
b) Indicar os períodos para início e termo do trabalho normal diário, cada um com duração não inferior a um terço do período normal de trabalho diário, podendo esta duração ser reduzida na medida do necessário para que o horário se contenha dentro do período de funcionamento do estabelecimento;
c) Estabelecer um período para intervalo de descanso não superior a duas horas.
4 - O trabalhador que trabalhe em regime de horário flexível pode efectuar até seis horas consecutivas de trabalho e até dez horas de trabalho em cada dia e deve cumprir o correspondente período normal de trabalho semanal, em média de cada período de quatro semanas.
5 - O trabalhador que opte pelo trabalho em regime de horário flexível, nos termos do presente artigo, não pode ser penalizado em matéria de avaliação e de progressão na carreira.
6 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto no n.º 1.», (realce e sublinhado nossos).
Sob a epígrafe «Autorização de trabalho a tempo parcial ou em regime de horário flexível», dispõe por seu turno o artigo 57º do Código do Trabalho:
«1 - O trabalhador que pretenda trabalhar a tempo parcial ou em regime de horário de trabalho flexível deve solicitá-lo ao empregador, por escrito, com a antecedência de 30 dias, com os seguintes elementos:
a) Indicação do prazo previsto, dentro do limite aplicável;
b) Declaração da qual conste:
i) Que o menor vive com ele em comunhão de mesa e habitação;
ii) No regime de trabalho a tempo parcial, que não está esgotado o período máximo de duração;
iii) No regime de trabalho a tempo parcial, que o outro progenitor tem actividade profissional e não se encontra ao mesmo tempo em situação de trabalho a tempo parcial ou que está impedido ou inibido totalmente de exercer o poder paternal;
c) A modalidade pretendida de organização do trabalho a tempo parcial.
2 - O empregador apenas pode recusar o pedido com fundamento em exigências imperiosas do funcionamento da empresa, ou na impossibilidade de substituir o trabalhador se este for indispensável.
3 - No prazo de 20 dias contados a partir da recepção do pedido, o empregador comunica ao trabalhador, por escrito, a sua decisão.
4 - No caso de pretender recusar o pedido, na comunicação o empregador indica o fundamento da intenção de recusa, podendo o trabalhador apresentar, por escrito, uma apreciação no prazo de cinco dias a partir da recepção.
5 - Nos cinco dias subsequentes ao fim do prazo para apreciação pelo trabalhador, o empregador envia o processo para apreciação pela entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, com cópia do pedido, do fundamento da intenção de o recusar e da apreciação do trabalhador.
6 - A entidade referida no número anterior, no prazo de 30 dias, notifica o empregador e o trabalhador do seu parecer, o qual se considera favorável à intenção do empregador se não for emitido naquele prazo.
7 - Se o parecer referido no número anterior for desfavorável, o empregador só pode recusar o pedido após decisão judicial que reconheça a existência de motivo justificativo.
8 - Considera-se que o empregador aceita o pedido do trabalhador nos seus precisos termos:
a) Se não comunicar a intenção de recusa no prazo de 20 dias após a recepção do pedido;
b) Se, tendo comunicado a intenção de recusar o pedido, não informar o trabalhador da decisão sobre o mesmo nos cinco dias subsequentes à notificação referida no n.º 6 ou, consoante o caso, ao fim do prazo estabelecido nesse número;
c) Se não submeter o processo à apreciação da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres dentro do prazo previsto no n.º 5.
9 - Ao pedido de prorrogação é aplicável o disposto para o pedido inicial.
10 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto nos n.os 2, 3, 5 ou 7.», (sublinhado nosso).
O artigo 56º do Código do Trabalho materializa os princípios constitucionais de proteção dos direitos dos trabalhadores, da família, da paternidade e da maternidade, consagrados nos artigos 59º, nº 1, alínea b), 67º, nº 1 e 68º, nºs 1 e 4, todos da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Já os direitos ao livre exercício da iniciativa económica privada e à liberdade de organização empresarial, encontram-se consagrados nos artigos 61º e 82º, nº 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP). A estes direitos sobrepõem-se os direitos à conciliação da atividade profissional com a vida familiar, o direito à proteção da família como elemento fundamental da sociedade e o direito à maternidade e paternidade em condições de satisfazer os interesses da criança e as necessidades do agregado familiar, cedendo estes últimos perante os primeiros, tão só quando em presença de interesses imperiosos.
O artigo 57º do Código do Trabalho, ao regulamentar o exercício do direito a trabalhar em regime de horário de trabalho flexível, prevê que o empregador apenas se lhe pode opor invocando exigências imperiosas relacionadas com o funcionamento da empresa ou serviço ou a impossibilidade de substituir o trabalhador se este foi indispensável, conforme resulta do nº 2 da transcrita disposição legal, estabelecendo-se assim uma limitação aos poderes diretivos daquele consagrados no artigo 97º do Código do Trabalho.
Exigências imperiosas que não se exprimem na maior ou menor dificuldade de organização da atividade da empresa ou no maior ou menor encargo para o empregador perante a necessária gestão do respectivo quadro de pessoal.
A interpretação dos artigos 56º e 57º, nº2, ambos do Código do Trabalho, patenteada não é distinta tratando-se de serviços de mão de obra intensiva, com necessidade de um número determinado de presenças em momentos específicos para a realização de tarefas concretas.
Um horário flexível permite a conciliação da vida profissional com a vida familiar de trabalhador com filhos menores de 12 anos - artigo 56º nº1 do Código do Trabalho -, sendo nosso entendimento que uma vez definido, pode até ser fixo na sua realização (neste sentido cfr. Acórdão desta secção 02-03-2017, Relatado pela aqui 2º Adjunta, proferido no processo nº 2608/16.3T8MTS.P1, in www.dgsi.pt).
Existindo flexibilidade de horário, o trabalhador pode escolher, as horas de início e termo do período normal de trabalho diário, salvaguardados determinados os limites – artigo 56º nº2 do Código do Trabalho – limites a que alude o nº3 do artigo 56º do Código do Trabalho.
Ou seja, o nº 1 do artigo 56º do Código do Trabalho consagra o direito do trabalhador ao horário flexível, estando o conceito de tal direito definido no nº2 do mesmo preceito, nos termos do qual se entende por horário flexível aquele em que o trabalhador pode escolher, dentro de certos limites, as horas de início e termo do período normal de trabalho. Os limites dentro dos quais o trabalhador poderá escolher o horário serão os que decorrem do nº3. E, deste, resulta que é o empregador quem deve elaborar o horário em conformidade com o que nele se estipula, aí se prevendo:
a) deverão ser estipulados um ou dois períodos de presença obrigatória (com duração igual a metade do período normal de trabalho diário);
b) deverão ser indicados os períodos de início e termo do trabalho diário, cada um com duração não inferior a um terço do período normal de trabalho diário (podendo a duração ser reduzida na medida do necessário para que o horário se contenha dentro do período de funcionamento).
O que resulta do citado preceito é que o trabalhador poderá iniciar o trabalho no período ou faixa de tempo fixado para o início do trabalho diário, assim como poderá terminar o trabalho no período ou faixa de tempo fixado para o termo do trabalho diário (assim, poderá escolher iniciar o trabalho quando entender, mas entre as x e y horas fixadas pelo empregador, o mesmo valendo quanto ao termo do trabalho diário), considerando-se ainda o previsto no nº4 do artigo 56º do Código do Trabalho.
Todavia, adiantamos já que o mesmo preceito não confere ao Trabalhador o direito de balizar ou impor ao Empregador as horas do início e do termo do período normal do trabalho que pretende que este lhe fixe o horário flexível. Tal direito não está consagrado, nem decorre do preceito.
Assim também se pronuncia Liberal Fernandes, (in “O Trabalho e o Tempo: Comentário ao Código de Trabalho, Biblioteca RED, 2018): “IV.1 Por razões diretamente relacionadas com a tutela da parentalidade, confere-se ao trabalhador o direito a trabalhar em regime de horário variável.
Esta faculdade não põe em causa o disposto no art. 212º, n.º 1, não conferindo àquele qualquer prerrogativa quanto à escolha de um horário em concreto, sem prejuízo de poder manifestar a sua preferência — o que, eventualmente, facilitará ao empregador a fixação do horário e permitir a conciliação dos interesses de ambas as partes, além de que poderá revelar-se um elemento útil para o parecer da CITE. No entanto, aquele direito não deixa de limitar os poderes do empregador em matéria de fixação do horário de trabalho: não só porque está vinculado a elaborar esse tipo de horário, como ainda o deve fazer dentro dos limites legais (n.ºs 3 e 4 do art. 56º).»”.
(…)
V. Diferentemente do estabelecido para o direito a trabalhar a tempo parcial (art. 55º, n.º 2), a flexibilização do horário de trabalho pode ser requerida e gozada em simultâneo por ambos os progenitores (art. 56º, n.º 1). Por outro lado, enquanto na prestação a tempo parcial, o trabalhador tem a faculdade de escolher a modalidade de trabalho de entre as contempladas pelo legislador, salvo acordo em contrário (arts. 55º, n.º 3, e 57º, n.º 1, alínea c)) — cabendo, no entanto, ao empregador a fixação do respectivo horário de trabalho —, relativamente ao direito de trabalhar em regime de flexibilidade temporal, compete em última instância ao empregador determinar, dentro dos limites legais (art. 56º, n.º 3), o tipo de organização do tempo de trabalho e o respectivo horário — o que não obsta, todavia, a que o trabalhador indique as suas preferências.”».
Na sentença recorrida referiu-se o seguinte:
“O que a Ré requereu à Autora não é, a nosso ver, subsumível na previsão legal do art. 56.º do Cód. do Trabalho.
A Ré não quer flexibilidade nas horas de entrada e de saída, adequando-as (dentro dos limites dos períodos de início e de termo do trabalho normal diário fixadas pela entidade empregadora) às suas conveniências.
O que a Ré quer é que o seu horário de trabalho a tempo parcial seja fixado pela entidade empregadora com início a partir das 10h00m e apenas até às 18h30m, por forma a não ter que prestar trabalho antes das 10h00m nem depois das 18h30m.
Entendemos, efectivamente, que o que a Ré pediu à Autora não constitui um pedido de atribuição de horário flexível previsto no art. 56.º do Cód. do Trabalho. A mesma não pretende que sejam fixados pela entidade empregadora dois períodos (um para o início do trabalho; outro para o termo do trabalho) para, dentro de tais períodos, escolher diariamente as horas a que começa e termina o trabalho. O que pretende é que a Autora não lhe atribua turnos cujos horários de início e/ou de termo antecedam as 10h00m ou excedam as 18h30m, por si indicadas.
Não se nos afigura, pois, que o pedido de atribuição de horário de trabalho entre as 10h00m e as 18h30m efectuado pela Ré constitua um pedido de atribuição de horário flexível: o mesmo não é subsumível na previsão legal do art. 56.º do Cód. do Trabalho e no regime de horário flexível aí previsto e regulado (diferentemente do que é o entendimento do CITE e parece também ser o defendido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2-3-2017, processo n.º 2608/16.3T8MTS.P1, citado pela Ré na sua contestação).
O que a Ré pretende obter é a atribuição de turnos cujos horários de início e de termo se situem entre as 10h00m (a partir das 10h00m) e as 18h30m (até às 18h30m), por tal ser necessário para acompanhar a sua filha menor.
Tal interesse é um interesse relevante, com consagração legal e constitucional e que deve, efectivamente, ser protegido e assegurado.
Simplesmente, entendemos que o disposto no art. 56.º do Cód. do Trabalho não tem aplicação ao caso em análise, porque o que a Ré solicitou não constitui, efectivamente, um pedido de atribuição de horário flexível nos termos em que o legislador o consagrou.
Não constituindo um pedido de atribuição de horário flexível nos termos em que o mesmo se encontra previsto e regulado no art. 56.º do Cód. do Trabalho, não se vê ainda, para além do mais, como é possível o cumprimento pela entidade empregadora do disposto no art. 56.º, n.º 3, do Cód. do Trabalho (sendo que o cumprimento pela entidade empregadora do referido no n.º 3 não corresponde à satisfação do pedido deduzido pela Ré, e que a satisfação do pretendido pela Ré não integra um regime de horário de trabalho flexível).
O direito que a Ré pretende exercer, o qual tem consagração constitucional no art. 59.º, n.º 1, al. b), da Constituição da República Portuguesa − sendo o regime do art. 56.º do Cód. do Trabalho apenas uma das manifestações legais de tal direito constitucionalmente previsto −, tem também outras consagrações legais no direito laboral substantivo, nomeadamente:
− no art. 212.º, n.º 2, al. b), do Código do Trabalho, que dispõe que na elaboração do horário de trabalho o empregador deve facilitar ao trabalhador a conciliação da actividade profissional com a vida familiar;
− no art. 221.º, n.º 2, do Código do Trabalho, nos termos do qual os turnos devem, na medida do possível, ser organizados de acordo com os interesses e as preferências dos trabalhadores.
Será no âmbito da aplicabilidade destas normas que a Ré pode e deve solicitar à Autora a fixação dos turnos, por forma a que seja respeitada, designadamente, a sua necessidade de efectuar preferencialmente turnos com horários entre as 10h00m e as 18h30m.
E, em cumprimento do dever decorrente para a entidade empregadora do disposto no art. 59.º, n.º 1, al. b), da Constituição da República Portuguesa e dos arts. 212.º, n.º 2, al. b), e 221.º, n.º 2,ambos do Código do Trabalho, deverá a Autora e entidade empregadora diligenciar no sentido de, tanto quanto possível − ainda que tal possa implicar necessidades de reorganização de turnos e/ou mesmo de áreas de trabalho − organizar os turnos da Ré por forma a permitir à mesma a conciliação do trabalho com a vida familiar.
Mas também a Ré deverá ter a maleabilidade suficiente para efectuar as cedências possíveis e necessárias para a harmonização dos interesses em jogo (alegando a Ré no requerimento apresentado, em que solicita à Autora a atribuição de horário flexível entre as 10h00m e as 18h30m − documento junto a fls. 10 verso e fls. 11 −, para fundamentar tal pedido, que o companheiro e pai da menor tem um trabalho com horário de segunda a sábado das 12h00m às 16h00m e das 19h00 às 23h00m, não haverá a necessidade imperiosa de só fazer turnos com início às 10h00m, dado que o pai da menor estará disponível da parte da manhã para prestar à menor, também sua filha, o apoio, assistência e acompanhamento que a mesma precisa, se e enquanto a Ré se encontrar a trabalhar).
Simplesmente, tal não cabe no âmbito do regime legal e procedimento previstos nos arts. 56.º e 57.º do Cód. do Trabalho, nem no âmbito da presente acção.
Assim, uma vez que o pedido efectuado pela Ré não consubstancia o exercício do direito a trabalhar em regime de horário de trabalho flexível, nos termos em que tal modalidade de tempo de trabalho se encontra prevista e regulada no art. 56.º do Cód. do Trabalho, não está a entidade empregadora sujeita ao regime procedimental do art. 57.º do Cód. do Trabalho.
Deste modo, é motivo de recusa do pedido efectuado, para além do fundamento em exigências imperiosas do funcionamento da empresa previsto no n.º 2 do art. 57.º do Cód. do Trabalho, o facto de o peticionado não ser passível de ser objecto de autorização ou deferimento pela entidade empregadora para a prestação do trabalho em regime de horário flexível, em virtude do pedido deduzido ser o de fixação da prestação do trabalho em regime de tempo parcial (a que a Ré estava já sujeita) apenas a partir das 10h00m e com termo às 18h30m (este é que é o pedido efectivamente deduzido pela Ré no requerimento apresentado à Autora, independentemente da denominação de ‘horário flexível’ que a mesma usa).”, (sublinhado nosso).
Vejamos:
O que resulta do item 4º da factualidade provada, é que a Ré requereu “a flexibilidade de horário de trabalho dentro de determinados limites, ou seja, entre as 10h00 e as 18h30m, de terça a sábado, com as mesmas folgas fixas à segunda feira e ao domingo” e bem assim, uma plataforma móvel e não fixa de horário de trabalho.
Não acompanhamos a conclusão a que chegou o Tribunal a quo, no sentido de que a Ré não pretende que sejam fixados pela Entidade empregadora dois períodos (um para o início do trabalho; outro para o termo do trabalho). Tal não é expressamente referido nem se afere necessariamente dos limites indicados pela Ré, a qual pediu mesmo a fixação de uma plataforma móvel e não fixa de horário de trabalho.
Na verdade, do teor da comunicação a que alude o item 4º da factualidade dada como provada, resulta que a Ré pretende um horário flexível, com uma plataforma móvel e não fixa de horário de trabalho e simultaneamente, indica dois limites: um relativo ao início do período inicial e outro relativo ao final do período para o termo do trabalho.
Desta forma a Ré cumula dois “registos” de flexibilidade. Entrar e sair dentro daqueles limites (10h00 e 18h30m) e a flexibilidade de horário, a qual pressupõe a existência de dois períodos (um para o início do trabalho; outro para o termo do trabalho). Perante a sua pretensão, seriam pois aqueles limites (10h00 e 18h30m) a determinar as balizas de cada um desses períodos.
Mas pode fazê-lo?
Trabalhando a Ré a tempo parcial, cumpre analisar a susceptibilidade de um horário flexível ser balizado no seu início e no seu termo com os limites, um relativo ao início do período inicial e outro relativo ao final do período para o termo do trabalho, como pretendido/desejado pela mesma.
Antes de mais, referimos que no artigo 57º nº 1 do Código do Trabalho, supra transcrito, a conjunção ou é usada no sentido de “mais de uma opção” e não no sentido de alternativa, propriamente dita, de um afastar o outro.
Isto é, o Trabalhador que pretenda trabalhar a tempo parcial deve solicitá-lo.
E se pretender trabalhar em regime de horário de trabalho flexível também o deve solicitar.
Dito de outro modo: não há incompatibilidade entre o trabalho a tempo parcial e em regime de horário de trabalho flexível.
Isto não obstante a determinação do horário requerido caber sempre ao empregador, como se deixou já evidenciado.
Como se referiu já, no pedido que formulou a Ré reporta-se expressamente à atribuição de horário flexível, solicitando uma plataforma móvel e não fixa de horário de trabalho, o que implica a existência de dois períodos, a definir nos moldes previstos no artigo 56º, nº3, alínea b) do Código do Trabalho.
Analisando agora se o instituto da flexibilização do horário previsto no artigo 56º do Código do Trabalho abarca a possibilidade de a Ré cumular essa flexibilidade de horário com aquela outra traduzida em as designadas balizas se terem de circunscrever aos limites temporais que indicou – a primeira a iniciar-se às 10h00 e a segunda a terminar as 18h30m - já que nos termos do disposto no artigo 56º, nº3, alínea b) do Código do Trabalho, se prevê que no horário flexível a elaborar pelo empregador existam dois períodos, um no início e outro no termo do trabalho normal diário, cada um com duração não inferior a um terço do período normal de trabalho diário, podendo esta duração ser reduzida na medida do necessário para que o horário se contenha dentro do período de funcionamento do estabelecimento.
No acórdão da Relação de Évora de 07.11.2019 que citamos supra foi entendido que “Apesar do horário solicitado ter horas fixas de início e termo do período diário de trabalho e abranger os dias de folga, o mesmo não deixa de ser um horário de trabalho flexível de acordo com a definição legal, pois trata-se de um horário que visa adequar os tempos laborais às exigências familiares da trabalhadora, em função do seu filho menor de 5 anos. E esta é a essência da definição de horário flexível».
Não concordamos com tal entendimento, concluindo antes que tal extrava o regime de horário flexível, nos termos em que o legislador o consagrou e que se deixou já estudado.
O instituto de flexibilização previsto no artigo 56º do Código do Trabalho do horário, expressamente refere que o horário é elaborado pelo empregador, não se mostrando previsto que o Trabalhador possa indicar os limites quer para o início do período inicial, quer para o termo do trabalho.
Fazendo uma análise comparativa com outros institutos:
O artigo 55º do Código do Trabalho contempla o Trabalho a tempo parcial de trabalhador com responsabilidades familiares.
No artigo 55º, nº 3, o Legislador teve o cuidado de dizer que, na fala de acordo, o trabalho será prestado, conforme o pedido do Trabalhador, de manhã ou de tarde (assim excluindo o trabalho à noite) ou em três dias por semana.
Já no artigo 56º do mesmo Código não se faz referência à fixação do horário flexível dentro de determinados limites conforme o pedido do Trabalhador.
Ou seja, decorre da comparação entre ambos os preceitos legais que no pedido de trabalho flexível não pode o Trabalhador impor as balizas dentro das quais o Empregador deverá fixar o horário flexível.
Por outro lado, o artigo 60º do Código do Trabalho contempla uma outra medida de protecção da parentalidade, regulando sobre a dispensa de prestação de trabalho nocturno. Ora, mal se compreenderia que, não podendo já a trabalhadora beneficiar de tal dispensa por não se verificarem os respectivos pressupostos, pudesse todavia vir a ser dispensada dessa prestação por uma outra via, qual seja, a de, por via do artigo 56º, poder impor ao empregador uma baliza temporal para fixação do trabalho flexível que exclua o trabalho nocturno.
A protecção da parentalidade foi prevista e consagrada pelo legislador, devendo ser interpretada e aplicada de forma conjugada e harmoniosa. Dessa conjugação decorre, pelo que já ficou referido, que, no âmbito do direito à atribuição de um horário flexível – é só esse o que aqui cumpre analisar -, o que o legislador pretendeu foi dar ao trabalhador uma maior flexibilidade nos períodos de início e termo da sua prestação laboral, estabelecendo que, dentro de cada um desses períodos, que são fixados pelo empregador, poder iniciar e terminar a prestação à hora que melhor lhe aprouver, mas não já a possibilidade de, para além disso, impor ao empregador balizas de tempo dentro do qual este poderia estabelecer o horário flexível.
Em concreto, o que a Ré pretende é, efectivamente, fixar essas balizas, impondo à Autora que o horário flexível não lhe seja fixado antes das 10h00 e para além das 18h30. Ou, o mesmo é dizer, que não pretende prestar a sua actividade entre as 8h00 e as 10h00 e após as 18h30, designadamente, não pretende prestar o seu trabalho nos turnos que abranjam o período anterior às 10h00 e o período subsequente às 18h30.
Pelo que se disse, não se nos afigura que tal direito seja conferido pelo artigo 56º.
Dito de outro modo, os limites indicados pela Ré não têm que determinar as balizas dos períodos a definir nos moldes previstos no artigo 56º, nº3, alínea b) do Código do Trabalho.
Aliás, aqueles limites, em conjunto, atenta a carga horária cuja ocupação permitem, não seriam sequer coincidentes com o horário a ser definido pela Autora para a Ré, uma vez que esta última trabalha a tempo parcial, como resultou assente nos itens 8º e 12º da factualidade provada, sendo o período normal de trabalho da Ré de 30 horas em cada semana, prestando a Ré serviço em 6 horas diárias em 5 dias.
Do exposto resulta que dentro do horário a definir/elaborar pela Autora/empregadora, pode a Ré, não obstante trabalhar a tempo parcial, beneficiar de um regime de horário flexível, quer para o seu início quer para o seu final, a definir nos moldes previstos no artigo 56º, nº3, alínea b) do Código do Trabalho.
É tão só essa a amplitude que o pedido de atribuição de horário flexível por parte da Ré deve no âmbito da presente ação ser atendido.
Assim, no horário que venha a elaborar para a Ré, não tem a Autora de atender aos limites indicados por esta: um relativo ao início do período inicial e outro relativo ao final do período para o termo do trabalho.
Dessa forma, continua a ser a Autora a definir/elaborar o horário de trabalho da Ré, salientando-se a possibilidade prevista no nº4 do artigo 56º do Código do Trabalho.
Acrescentamos ainda que apesar da Ré no requerimento para beneficiar de regime de horário de trabalho flexivel não o ter referido e não estar como tal aqui em causa, poderá a Autora, ainda assim, elaborar um horário fixo (como a Autora reconheceu suceder com as restantes trabalhadoras que saem até às 18h30m e resultou provado no item 21º da factualidade provada) desde que a Ré com isso concorde, sendo que tal pode até ser mais favorável não só à Ré mas também à Autora, uma vez que os turnos à partida pressupõem um início e um termo certos, para que como se lê no parecer do CITE “não soçobrem períodos a descoberto”.

Cumpre agora analisar se ocorrem exigências imperiosas do funcionamento da empresa que justifiquem a recusa da Autora, ónus que incumbia a esta última demonstrar.
Consignamos desde logo que não deixamos de ponderar ter ficado assente (item 15º da factualidade provada) que é em função dos fluxos de clientes e vendas da área que a Autora determina o número de trabalhadores necessário em cada momento para realizar as tarefas necessárias a garantir o nível de serviço e de atendimento programados.
Também (item 16º da factualidade provada) que é pressuposto de tal planeamento e organização, a prévia determinação e conhecimento pela Autora dos horários de trabalho de todos os seus trabalhadores, sendo necessário saber quando os trabalhadores começam a trabalhar no centro comercial da Autora e quando é que acabam de trabalhar, sendo que (item 10º da factualidade provada) a generalidade dos trabalhadores da Autora prestam a sua actividade em horários diversificados, rotativos, por turnos que vigoram pelo período de um mês.
De tal factualidade aferimos que serão acrescidas as exigências de gestão por parte da Autora perante a necessidade de tornar exequíveis horários flexíveis, com os reajustamentos que tal pode implicar.
Ainda assim, como ficou já dito, as exigências imperiosas relacionadas com o funcionamento da empresa ou serviço que podem justificar a recusa da Entidade empregadora de atribuição de um horário flexível não se exprimem na maior ou menor dificuldade de organização da atividade da empresa ou no maior ou menor encargo para o empregador perante a necessária gestão do respectivo quadro de pessoal.
Ora não ficou demostrada a inexistência de turnos compatíveis com um horário flexível, a elaborar pela Autora/empregadora, balizado nos termos já referidos, em conformidade como o disposto no artigo 56º, nº3, alínea b)do Código do Trabalho, sem os limites indicados pela Trabalhadora para o seu início e termo.
Nada resultou demonstrado outrossim no sentido de a substituição da Ré ser impossível, atenta a respectiva categoria profissional nem de que para o desempenho das funções daquela sejam necessárias especiais características técnicas ou qualidades profissionais.
Consideramos que não ficaram demonstrados factos dos quais se possam aferir exigências imperiosas que justifiquem a recusa, relativamente à flexibilidade de horário pretendida pela Ré, excluindo os limites que à partida esta última indicou para o seu início e termo.
Impõe-se assim não reconhecer a existência de motivo justificativo para a Autora recusar a atribuição de flexibilidade de horário pretendida pela Ré, mas sem que tal inclua os limites que à partida esta última indicou para o seu início e termo.
Relativamente à invocada inconstitucionalidade por violação do direito de iniciativa económica, previsto nos artigos 61º, nº1 e 82º, nº3 ºda Constituição da República Portuguesa, da interpretação dos artigos 56º e 57º, nº2 do Código do Trabalho, no sentido de impor horários flexíveis em sectores de mão de obra intensiva, com necessidade de um número determinado de presenças em momentos específicos para a realização de tarefas concretas, atento o que ficou referido, quanto à forma como tal direito – sem exceções daquela natureza - deve ser compatibilizado com o direito à conciliação da actividade profissional com a vida familiar, afigura-se-nos não ocorrer tal inconstitucionalidade, consignando-se que se deixa claro que conforme previsto no artigo 56º, nº3 do Código do Trabalho, é à Empregadora que incumbe a determinação do horário em que a Trabalhadora inicia e termina as funções.
Lê-se no supra citado Acórdão desta secção de 02.03.2017 “Por fim, quanto aos direitos constitucionais à livre iniciativa económica e à liberdade de organização empresarial, (…) tais direitos são também oponíveis os direitos, também tutelados constitucionalmente, à conciliação entre a atividade profissional e familiar (art. 50º, nº 1, al. b)), o direito à família e proteção da vida familiar (art. 67º, nº 1) e, especificamente, o disposto no art. 68º, nºs 1 e 4, todos da CRP, dispondo este nº 4 que “a lei regula a atribuição às mães e aos pais de direitos de dispensa de trabalho por período adequado, de acordo com os interesses da criança e as necessidades do agregado familiar”. Por sua vez, o CT deu concretização à tutela da parentalidade nos termos dos arts. 33º e segs, 127º, nº 3, e 212º, nº 2, realçando-se, no que especificamente concerne ao caso em apreço, o art. 56º e sendo a própria lei que, nessa medida e tendo ainda em conta que salvaguarda os poderes do empregador nos termos do nº 2 desse preceito, estabelece uma limitação aos seus poderes diretivos consagrados no art. 97º do CT”.
Procede assim tão só parcialmente o recurso.

3. Decisão:
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso procedente, revogando a sentença, considerando:
a) não existir de motivo justificativo para a Autora recusar a atribuição de horário flexível solicitada pela Ré, aí não se incluindo os limites que à partida esta última indicou para o seu início e termo, cabendo à primeira elaborar tal horário;
b) improcedente o pedido de ser declarada a incompatibilidade da aplicação simultânea do regime de trabalho em horário flexível com o regime de trabalho a tempo parcial que a Ré anteriormente praticava;
c) improcedente o pedido de inconstitucionalidade por violação do direito de iniciativa económica, previsto no artigo 61ºda Constituição da República Portuguesa, da interpretação do teor dos artigos 56º e 57º nº 2 do Código do Trabalho quando interpretados no sentido de o regime de horário flexível aí previsto ser aplicável em sectores de mão de obra intensiva, com necessidade de um número determinado de presenças em momentos específicos para a realização de tarefas concretas.

Custas da ação e da apelação a cargo da Autora e da Ré, na proporção de ½ para cada.

Porto, 18 de Maio de 2020.
Teresa Sá Lopes
Domingos Morais
Paula Leal de Carvalho