Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JOAQUIM MOURA | ||
Descritores: | NULIDADE DA SENTENÇA CONTRATO DE INTERMEDIAÇÃO DESPORTIVA CLAÚSULAS CONTRATUAIS GERAIS | ||
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Nº do Documento: | RP2023121917363/22.0T8PRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 12/19/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | RECURSO IMPROCEDENTE; DECISÃO CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I – Não configura causa de nulidade da sentença, designadamente a prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º, o conhecimento do mérito da causa no despacho previsto no artigo 595.º, n.º 1, do CPC por uma das partes entender que o estado do processo o não permite, sem necessidade de mais provas, mesmo que o juiz cometa erro de avaliação da situação quanto à matéria de facto já assente e seu enquadramento jurídico, error in judicando que, a verificar-se, determinará a revogação da decisão para que sejam apurados os factos, ainda controvertidos, susceptíveis de enquadrar diversa solução jurídica; II - Não suscita qualquer controvérsia a afirmação de que para a caracterização de um contrato não importa decisivamente o nomen que lhe dêem os contraentes, o qual pode até estar em desarmonia com o acordo efectivamente estipulado; o que verdadeiramente importa é o conteúdo do contrato, que direitos e obrigações dele emergem para as partes, e por isso é pela análise do clausulado contratual que chegaremos à sua qualificação; III - O contrato de intermediação desportiva é um negócio jurídico formal, típico e nominado, e sinalagmático. IV - É sinalagmático o contrato que origina obrigações para ambas as partes, estando as obrigações dele nascidas ligadas por um vínculo de reciprocidade ou interdependência; V - O n.º 2 do artigo 38.º da Lei n.º 54/2017, de 14 de Julho, estatui que no contrato devem estar estabelecidos de forma clara o tipo de serviços a prestar pelo empresário desportivo, bem como a remuneração que lhe seja devida e as condições de pagamento; VI - A prestação do intermediário desportivo, sendo uma obrigação de meios, pois este vincula-se a desenvolver uma actividade, não a proporcionar ao cliente um resultado, esta actividade é, toda ela, orientada para desembocar no resultado pretendido: a realização do contrato por este almejado, seja um contrato de trabalho desportivo, seja uma transferência; VII - A concretização do negócio não integra a obrigação do intermediário, desde logo, porque escapa às suas possibilidades celebrá-lo, ou não. No entanto, para além da atividade suscetível de alcançar o resultado correspondente ao interesse do credor, existe um acontecimento final que desempenha um especial papel no contrato, na medida em que é condição necessária do nascimento do direito do empresário desportivo à remuneração; VIII – Falta o sinalagma funcional próprio do contrato de intermediação desportiva se no contrato em discussão está ausente a descrição clara e especificada do tipo de serviços que o empresário desportivo se propõe prestar contra remuneração; IX - A consequência dessa omissão é clara e terminante: «são nulas as cláusulas contratuais que contrariem o disposto nesta lei ou que produzam um efeito prático idêntico ao que a lei quis proibir» (artigo 42.º do citado diploma legal). | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 17363/22.0T8PRT.P1 Comarca do Porto Juízo Central Cível do Porto (Juiz 5) Acordam na 5.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto I - Relatório 1. Configuração da acção Em 11 de Outubro de 2022, “A..., L.DA” intentou no Juízo Central Cível do Porto a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra “B..., SAD”, alegando, em síntese, o seguinte: No âmbito da sua actividade de representação de jogadores ou clubes em negociações, tendo em vista a assinatura de um contrato de trabalho desportivo ou de um contrato de transferência – para o que está registada, como intermediária, na Federação Portuguesa de Futebol, designadamente na Época ..., com registo atualizado a 15.03.2022 -, no dia 21.05.2021, celebrou com a ré, sociedade desportiva, um contrato que denominaram de “Contrato de Prestação de Serviços de Representação em Regime de Exclusividade”, formalizado por escrito, pelo qual a ré contratou os seus serviços para por ela ser representada em negociações tendo em vista a assinatura de contrato de transferência temporária ou definitiva do jogador AA com uma entidade de prática desportiva, nacional ou internacional, mediante remuneração e/ou contrato de trabalho desportivo. Acordaram as partes nesse contrato que, se no decurso do corrente contrato de trabalho desportivo, eventuais prorrogações, modificações ou aditamentos, a 1.ª outorgante (ré) procedesse à venda dos direitos desportivos e económicos do jogador AA, a 2.ª Outorgante (autora) teria direito à retribuição, na forma de comissão, de 25% do valor bruto da transferência para terceiro Clube/SAD, valor a pagar até 15 dias após o envio/receção do Certificado Internacional de Transferência do Jogador AA para terceiro Clube/SAD ou, no caso de transferência nacional, até 15 dias após o registo definitivo no clube adquirente. Mais convencionaram que a 2.ª outorgante (autora) teria direito à mencionada retribuição «independentemente do intermediário, familiar ou qualquer outra pessoa ou entidade incluindo diretamente o Clube comprador, que apresente a proposta à Primeira Outorgante, aqui R., para a transferência do Jogador AA para terceiro Clube/SAD, ou seja, terá direito à retribuição em qualquer circunstância desde que a dita transferência ocorra». Em Julho de 2022, a ré recebeu uma proposta de transferência definitiva dos direitos desportivos e económicos do Jogador AA por parte do C... SAD, mediante o pagamento da quantia de € 3.800.000,00, que ela, ré, aceitou e, efetivamente, este jogador foi transferido definitivamente para o C... e assinado contrato de trabalho desportivo com esta SAD. Sucede que a ré não a informou de qualquer facto relacionado com essa transferência, mas, por força do estipulado contratualmente, tem, assim mesmo, direito à referida retribuição correspondente a 25% do valor total da transferência definitiva dos direitos desportivos e económicos do jogador, ou seja, € 950.000,00. O jogador AA foi definitivamente registado na Federação pela sociedade desportiva adquirente há mais de 15 dias, mas a ré não lhe paga o valor que dela tem a receber, apesar de, em 21.09.2022, ter sido interpelada para o fazer, interpelação que ignorou. Conclui o articulado inicial formulando os seguintes pedidos: «a. Ser a R. condenada a pagar à A. a quantia de 950.000,00 €, acrescida de juros de mora desde 2 de Outubro de 2022 até integral e efetivo pagamento, com fundamento no alegado em 1º a 62º desta p.i.; b. Subsidiariamente, caso o supra alegado em 46º a 61º da p.i. e o pedido formulado em a) não obtenham vencimento, ser a R. condenada a pagar à A. a quantia de 950.000,00 €, acrescida de juros de mora desde 2 de Outubro de 2022 até integral e efetivo pagamento, com fundamento no alegado em 65º a 72º desta p.i.; c. Subsidiariamente, caso o supra alegado em 65º a 72º da p.i. e o pedido formulado em b) não obtenham vencimento, ser a R. condenada a pagar à A. a quantia de 950.000,00 €, acrescida de juros de mora desde 2 de Outubro de 2022 até integral e efetivo pagamento, com fundamento no alegado em 76º a 110º desta p.i.; d. Subsidiariamente, caso o supra alegado em 76º a 110º da p.i. e o pedido formulado em c) não obtenham vencimento, ser a R. condenada a pagar à A. a quantia de 950.000,00 €, acrescida de juros de mora, desde 2 de Outubro de 2022 até integral e efetivo pagamento, com fundamento no alegado em 114º a 124º desta p.i.» 2. Oposição da ré Citada, a ré contestou, começando por questionar a legalidade do patrocínio forense da autora por violação de elementares deveres deontológicos do seu mandatário (que também já o foi da ré e, nessa qualidade, redigiu o clausulado do contrato que aqui é discutido). Desta acção, diz que não passa de um meio espúrio, simulado e fraudulento com um fim absolutamente ilegítimo e o contrato em que assenta a pretensão da autora configura uma verdadeira doação a favor desta. Defendendo-se por excepção, invoca a nulidade do contrato por simulação, pois assenta em «viciadas e fraudulentas declarações de vontade (por ambas as partes outorgantes e conluiadas para o efeito) unicamente alinhadas pelo objetivo de ilegitimamente empobrecer a Ré». Na defesa por impugnação, contesta a generalidade dos factos alegados pela autora, que reproduzem o texto do contrato, o qual era do desconhecimento da ré até à interpelação que aquela lhe dirigiu. Nesse contrato, não está, e devia imperativamente estar, determinada a descrição das obrigações, deveres, funções e tarefas do intermediário, bem como a duração do contrato de intermediação desportiva; claudicando o contrato quanto a estes elementos essenciais e fundamentais, não lhe pode ser reconhecido qualquer valor legal ou força probatória dado que a presença de tais elementos configura uma necessidade imperativa da validade da sua substância. O cerne ou essência deste contrato exprime-se e traduz-se no facto de que, pela mera assinatura deste contrato de representação, mesmo que a autora em nada contribua ou participe para a concretização de qualquer negócio (foi o caso – nenhuma intervenção, relevância ou interferência teve na transferência do atleta AA, como aquela confessa) imediatamente fica investida no exorbitante direito de receber 25% da receita bruta, assim se revelando totalmente desequilibrado, sem sensatez e avesso à lei, pois só um intuito manipulatório simulatório o pode explicar. A autora nenhuma intervenção teve na cedência definitiva do atleta AA ao clube comprador. Concluiu pela total improcedência da acção e pede a condenação da autora como litigante de má-fé. 3. A autora, por sua iniciativa, apresentou articulado de resposta à contestação, reafirmando o que alegara no articulado inicial. 4. Saneamento e decisão de mérito Em 09.02.2023, realizou-se audiência prévia, convocada por despacho de 18.01.2023, no qual se fez constar que abrangeria «todas as finalidades previstas na lei (art. 591.º do CPC), pois todas elas são efetivamente pertinentes ao caso concreto.» Realizada a audiência, na respectiva acta consignou-se o seguinte: «Seguidamente o Mm.º Juiz depois de ter dito aos Il.s mandatários da partes que consultou os outros processos, nomeadamente o Processo n.º 15910/21.3T8PRT, e tendo o Tribunal da Relação do Porto entendido que nesta fase teria de haver despacho convidando as partes para se pronunciarem sobre os diferentes enquadramentos jurídicos, sob pena de haver uma decisão surpresa, em especial sobre a qualificação de uma cláusula, sobre a garantia e remuneração independentemente do desenvolvimento processual do contrato, que podia ser visto como uma liberalidade relativamente a bens futuros, e sendo as mesmas partes e estando os mesmos escritórios envolvidos no outro processo n.º 15910/21.3T8PRT, com base nestes pressupostos, convidou as partes se querem acrescentar algo relativamente ao enquadramento jurídico levantados na decisão na outra acção – cuja cópia se encontra junta aos autos –, e se querem exercer o contraditório nesta acção, se é pertinente ou não, se queriam acrescentar algo quanto ao enquadramento jurídico levantado na outra decisão, contraditório oferecido pelo Tribunal da Relação do Porto, e pelo Mandatário da autora, no uso da palavra concedida, requereu o prazo de 10 (dez) dias para se pronunciar.» Pelos ilustres mandatários das partes foi pedida a concessão de um praz de 10 dias para se pronunciarem, após o que o Sr. Juiz proferiu o seguinte despacho: «Defere-se o prazo de 10 (dez) dias, a decorrer em simultâneo, para as partes se pronunciarem sobre o potencial enquadramento jurídico deste processo, das mesmas questões em matéria de direito ao qual foi sujeito o outro Processo n.º 15910/21.3T8PRT, mais precisamente sobre a qualificação do contrato como doação de bens futuros e sobre os seus efeitos. Após, façam-se os autos conclusos a fim de proceder à sua análise e aferir da possibilidade de conhecer do mérito da presente ação. Caso a ação haja de prosseguir, terão as partes 10 dias para reclamar do despacho saneador que vier a ser proferido e alterar os meios probatórios. Notifique.» A autora pronunciou-se no sentido de que não seria de conhecer, de imediato, do mérito da causa, por existir «matéria de facto controvertida que necessita de ser discutida em audiência de julgamento» e na selecção dos factos o juiz deve ter em conta todos os factos relevantes segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito e não apenas os que relevam para a solução da questão de direito que tem como aplicável. Por outras palavras, «na fase do despacho saneador, não pode o juiz decidir de acordo com os factos que estão assentes que tem por suficientes para a solução jurídica que considera correta, desprezando factos ainda controvertidos e relevantes para uma solução jurídica diversa sustentada por parte da jurisprudência». Ainda assim, pronunciou-se doutamente sobre as questões jurídicas que o caso suscita, rejeitando a tese de que o contrato configura uma doação de que ela, autora, seria beneficiária. Por seu turno, a ré alegou pronunciando-se em sentido oposto, ou seja, que havia condições para conhecer, desde logo, do mérito da causa. Reiterou e reproduziu tudo quanto alegou em sede de contestação, sublinhando que «trata-se de um instrumento contratual inexistente» porque desconhecido de qualquer outro membro do Conselho de Administração (para além do seu anterior presidente, que estaria mancomunado com a autora) e, bem assim, de qualquer seu colaborador, funcionário, assessor, etc. – não fazendo parte do seu arquivo, registos, ou constitui sequer conhecimento de quem quer que seja). O facto de tal alegado instrumento contratual não ter (propositadamente) beneficiado do reconhecimento (presencial ou por semelhança) das assinaturas, ao menos dos legais representantes da Ré, assim como não ter sido sujeito a qualquer registo junto dos organismos públicos competentes (conforme a lei prescreve), solidifica a legítima crença de que a suposta data da sua outorga não seja real, e antes falsamente declarada. * Por despacho de 28 de fevereiro de 2023, o tribunal convidou a autora a aperfeiçoar o articulado inicial, convite que esta recusou. * Em 18.04.2023, foi proferido despacho em que o tribunal:- se pronunciou sobre a alegada ilegalidade do patrocínio da autora, afastando-a; - fixou o objecto do processo; - elencou os factos não controvertidos ou não carecidos de prova; - enunciou os temas de prova (factos carecidos de prova); Seguidamente, sob o título «ANÁLISE DOS FACTOS E APLICAÇÃO DA LEI», o tribunal enunciou como questões a resolver as seguintes: 1. Não acolhimento da qualificação dada pelas partes 1.1. Análise do clausulado do “Contrato de Prestação de Serviços” 1.2. Qualificação do negócio dos autos 1.2.1. Promessa de doação 1.2.2. Assunção de uma obrigação futura 1.3. Validade das liberalidades realizadas pelas sociedades comerciais 1.4. Cláusula de garantia de exclusividade ou de não concorrência 2. Acolhimento da qualificação dada pelas partes 2.1. Regularidade formal e substantiva do contrato 2.1.1. Desconformidades do contrato à luz da Lei n.º 54/2017 2.1.2. Desconformidades do contrato à luz do RIFPF 2.1.3. Efeitos das desconformidades do contrato 2.2. Ofensa à ordem pública 2.2.1. Boa-fé na fase estipulativa e ordem pública 2.2.2. Ofensa à ordem pública contratual 3. Razões de direito subsidiárias 3.1. Enriquecimento sem causa 3.2. Responsabilidade civil fundada na violação do princípio da boa-fé 4. Conclusão Depois de analisar e decidir as questões enunciadas, conclui assim: «Não obstante ainda subsistirem algumas alegações de facto por provar nesta demanda, não há que remeter um processo para julgamento quando, independentemente da prova produzida sobre os factos dela carecidos − isto é, qualquer que seja a solução plausível de direito considerada −, a sorte da ação sempre seria a mesma. A existência de diferentes soluções plausíveis de direito não é um critério de julgamento, mas sim de elaboração dos temas da prova, no caso de se admitir que uma delas pode levar a diferente decisão. Fazer a ação prosseguir para a fase de instrução seria um ato inútil, proibido por lei − sobre esta solução, cfr. o Ac. do TRP de 19-02-2004 (0325347V). De todo o modo, todas as diferentes soluções plausíveis foram enfrentadas, designadamente as invocadas pelas partes.» Por isso julgou, de imediato, a acção: «manifestamente improcedente e, em conformidade, absolve-se a ré, B..., SAD, dos pedidos formulados pela autora, A..., L.da»[1]. 5. Impugnação da sentença Inconformada com a decisão absolutória, a autora dela interpôs recurso de apelação, com os fundamentos explanados na respectiva alegação, que “condensou” em 169 (!) “conclusões” que aqui se reproduzem na íntegra: «1ª A recorrente não se conforma com a decisão judicial proferida, porquanto a mesma fez errada decisão da matéria de facto e menos correta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, como a seguir se vai demonstrar. 2ª o Tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 5º, nº 1 e 553º, nº 1, d) do C.P.C.. 3ª Devendo ter sido considerados como Factos não controvertidos ou não carecidos de prova ou, caso assim não se entenda, como Factos controvertidos ou carecidos de prova os referentes à Atividade da A. a saber: - A A. promoveu a atividade do Jogador ao serviço da R. junto de outros clubes com vista à cedência daquele. - Nomeadamente, enviou e entregou vários vídeos do Jogador. - A A. fez “lobby” junto de vários jornalistas para promover o Jogador. - A A. promoveu o Jogador em diversos fóruns desportivos de modo a despertar o interesse pelo Jogador. - A A. divulgou o Jogador nos mercados do Médio Oriente e até da Turquia, participando em reuniões, encontros e consultas com presidentes, responsáveis por vários clubes e empresários desportivos dessas áreas geográficas. 4ª O Tribunal recorrido violou o princípio da igualdade das partes plasmado no artigo 3º do C.P.C.. 5ª Dado que, com base na fundamentação que usou para considerar como não existentes puros dados de facto alegados concretos, quanto à matéria que concretiza e densifica a atividade de promoção do Jogador ao serviço da R. junto de clubes com vista à cedência daquele alegada em 27º, 28º, 29º e 30º da p.i., deveria ter considerado igualmente como como não existentes puros dados de facto alegados concretos, quanto à matéria referente à Simulação Contratual invocada pela R., designadamente de 36. a 77. da contestação. 6ª Por outro lado, o Tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 5º, nº 1 e 572º, nº 2, c) do C.P.C., porquanto a R., nesta matéria, não alegou os factos essenciais em que se baseia a exceção deduzida, pelo que não devem ser admitidos como Factos controvertidos ou carecidos de prova os mencionados em 5. Simulação contratual, 13, 14 e 14. 7ª No caso dos autos, o estado do processo ainda não permite, sem necessidade de mais provas, que o tribunal conheça imediatamente do mérito da causa. 8ª Na realidade, no caso dos autos importa considerar a factualidade alegada pela A. na p.i. em 26º, 27º, 28º, 29º e 30º referente à Atividade da A.. 9ª Daí que, caso tal factualidade não seja dada como Factos não controvertidos ou não carecidos de prova, sempre têm que ser levados à instrução da causa como Factos controvertidos ou carecidos de prova e, designadamente, no âmbito do contrato de prestação de serviços em regime de exclusividade celebrado entre a A. e a R.. 10ª Fazer a ação prosseguir para a fase de instrução não seria, como não será, um ato inútil, muito menos proibido por lei, pelo que se verifica uma predisposição do Exmº. Senhor Dr. Juiz para proferir um despacho saneador – sentença. 11ª O Tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto no artigo 595º, nº 1, b) do C.P.C., o que determina a nulidade da sentença, visto que o juiz conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento, que se invoca ao abrigo do disposto no artigo 615º, nº 1, d), 2ª parte do C.P.C 12ª O Tribunal recorrido considerou na ANÁLISE DOS FACTOS E APLICAÇÃO DA LEI, questões que não foram suscitadas pelas partes. 13ª Por conseguinte, as questões abordadas pelo Tribunal na sua fundamentação de direito não foram suscitadas, nem discutidas, pelas partes nos autos. 14ª O Tribunal conheceu, assim, de questões de que não podia tomar conhecimento. 15ª De tal maneira, que não assegurou um estatuto de igualdade substancial entre as partes, com desrespeito pelo disposto no artigo 4º do C.P.C., com o que incorreu na nulidade prevista no artigo 615º, nº 1, d) do C.P.C., que se argui para os devidos efeitos. 16ª Devem ser considerados como Factos não controvertidos ou não carecidos de prova ou, caso assim não se entenda, como Factos controvertidos ou carecidos de prova os referentes à Atividade da A.. a saber: -A A. promoveu a atividade do Jogador ao serviço da R. junto de outros clubes com vista à cedência daquele. - Nomeadamente, enviou e entregou vários vídeos do Jogador. - A A. fez “lobby” junto de vários jornalistas para promover o Jogador. - A A. promoveu o Jogador em diversos fóruns desportivos de modo a despertar o interesse pelo Jogador. - A A. divulgou o Jogador nos mercados do Médio Oriente e até da Turquia, participando em reuniões, encontros e consultas com presidentes, responsáveis por vários clubes e empresários desportivos dessas áreas geográficas. 16ª Do Facto não controvertido ou não carecido de prova “2. “Contrato de Prestação de Serviços de Representação” (proc. 15910/21.3T8PRT) deve ser retirada, considerada não provada ou não escrita a parte relativa a “…(proc. 15910/21.3T8PRT)…”, de modo a que tal Facto não controvertido ou não carecido de prova passe a ter o seguinte teor: “2. “Contrato de Prestação de Serviços de Representação”. 17ª Do Facto não controvertido ou não carecido de prova 2. deve ser retirada, considerada não provada ou não escrita a parte relativa a “6 – em 7 de abril de 2021…”, de modo a que tal Facto não controvertido ou não carecido de prova 2. passe a ter o seguinte teor: “6 – em 10 de Maio de 2021…”. 18ª Do Facto não controvertido ou não carecido de prova 2. deve ser retirada, considerada não provada ou não escrita em 6.1. a parte relativa a “… € 360.000.00 …”, de modo a que tal Facto não controvertido ou não carecido de prova 2. passe a ter o seguinte teor: “6.1. No decurso do contrato de trabalho desportivo, eventuais prorrogações, modificações ou aditamentos ou cancelamento por qualquer razão e posterior elaboração de novo contrato com a Primeira Outorgante, se surgir uma proposta de venda dos direitos desportivos e económicos do Jogador, igual ou superior a € 1.500.000,00 (…), e a Primeira Outorgante a rejeitar, fica obrigada a liquidar ao Segundo Outorgante o valor de € 270.000,00 € (duzentos e setenta mil euros) mantendo-se as demais condições desta cláusula. O pagamento será efetuado até 8 dias após a rejeição da proposta, por ação ou omissão.” 19ª Tudo com base no Documento 2 junto com a p.i., do qual resulta a celebração por escrito entre a A. e a R. de um “Contrato de Prestação de Serviços de Representação em Regime de Exclusividade” por referência ao Jogador profissional de Futebol AA, no dia 10 de Maio de 2021, em que a cláusula 6.1. tem o teor supra indicado em 18ª. 20ª O Tribunal recorrido considerou como Factos não controvertidos ou não carecidos de prova: 1,2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12.. 21ª Com base nesta factualidade dada como provada pelo Tribunal recorrido, impunha-se outra e melhor decisão quanto à matéria de direito. 22ª Nos Considerandos e demais clausulado acima expostos resulta com clareza que as partes celebraram entre si um contrato de representação ou intermediação, enquanto modalidades especiais do contrato de prestação de serviços, nos quais foram definidos com clareza o tipo de serviços a prestar. 23ª Isto, é a A., na qualidade de Intermediária, obrigou-se a representar a R., na qualidade de entidade empregadora desportiva, em negociações, tendo em vista a assinatura de um contrato de trabalho desportivo ou de um contrato de transferência, contra remuneração, por referência aos Jogadores Profissionais de Futebol AA. 24ª A este respeito, convém frisar que o Tribunal recorrido analisou o contrato a partir das Cláusula Primeira, ignorando o que está escrito nos Considerandos. 25ª Sucede que os Considerandos fazem parte dos contratos e estes devem ser analisados na sua globalidade - o clausulado é a consequência do que está escrito nos considerandos. 26ª No caso dos autos, resulta a declaração da vontade das partes em celebraram entre si um contrato de representação ou intermediação, enquanto modalidade especial do contrato de prestação de serviços. 27ª Tais declarações resultam expressas dos contratos e, mesmo que assim não se entenda, sempre resultam de forma tácita dos comportamentos das partes e, mesmo que assim não se entendesse, tal é o que resulta do sentido normal das declarações de acordo com a doutrina da impressão do destinatário. 28ª O Tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 217º, 219º, 224º, 232º e 236º do C.C. 29ª Noutro segmento, é importante realçar que a atividade de intermediação é fortemente baseada na confiança que o intermediário desenvolve com os seus parceiros (outros clubes, intermediários etc.) e na experiência que este tem. 30ª É nesta base que os clubes confiam e lidam diariamente com intermediários. 31ª Assim, antes de mais, cumpre reconhecer que os contratos com base nos quais assenta a pretensão creditória da A. são “contratos de intermediação desportiva”. 32ª No caso dos autos importa ter em consideração que o contrato foi celebrado por escrito, assinado por ambas as partes, mostrando-se datados e assinados por ambas as partes. 33ª E relevando, desde logo, o disposto nos “Considerandos” que fazem parte integrante dos contratos. 34ª A este respeito invoca-se o vertido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo 910/20.9T8PDL.L1-7, de 08-06-2021, in www.dgsi.pt. 35ª O Tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 4º, 5º, nº 1, 9º, nº 1 do Regulamento de Intermediário da F.P.F. e artigos 2º, c), 38º, nºs 1 e 2 da Lei 54/2017, de 14 de Julho. 36ª Desta maneira, com o devido respeito, o Tribunal recorrido não qualificou corretamente o negócio dos autos. 37ª Em primeiro lugar, o contrato apresentado como causa de pedir não é, manifestamente, negócio gratuito, no que às principais obrigações da R. dizem respeito, assim como não impõe a realização de prestações num só sentido. 38ª Mais: tais contratos não é sequer contrato unilateral, dado que não gera apenas obrigações para uma das partes. 39ª No caso dos autos, a R. não pretendeu fazer, nem a A. receber, qualquer liberalidade 40ª Tanto assim que a R. não fez qualquer manifestação devida nesse sentido. 41ª Sendo que o contrato não foi realizado com uma particular intenção ou causa de proporcionar à A. uma vantagem. 42ª Na realidade, as partes estiveram de acordo em considerar as duas atribuições patrimoniais como correspetivo uma da outra. 43ª A A. e a R. estiveram de acordo em que a vantagem que cada uma visava obter era contrabalançada por um sacrifício que está numa relação de estrita causalidade com aquela vantagem. 44ª A A. e a R. consideraram as duas prestações ligadas reciprocamente pelo vínculo da causalidade jurídica. 45ª Isto é, o negócio jurídico dos autos foi na realidade, negócio oneroso. 46ª Mais: o contrato dos autos não foi contrato unilateral, dado que não gerou obrigações apenas para uma das partes. 47ª No caso dos autos, o contrato foi bilateral, isto é formado por duas ou mais declarações de vontade, de conteúdo oposto mas convergente, que se ajustaram na sua comum pretensão de produzir resultados jurídicos unitários, embora com um significado para cada parte. 48ª Em segundo lugar, o caso dos autos não se reconduz a qualquer assunção de obrigação futura a título de doação. 49ª A este propósito adverte-se que o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Julho de 1978 (Rev. Leg. Jur., ano 112º, pág. 103), decidiu, porém, que a obrigação consistente no pagamento de prestações pecuniárias não objetiva doação de bens futuros. 50ª Logo, versando o caso dos autos o pagamento pela R. de prestações pecuniárias à A., nunca em caso algum tal situação objetiva doação de bens futuros. 51ª Mais: não há doação, por falta do enriquecimento patrimonial caraterístico do negócio, no cumprimento da obrigação, por parte do devedor. 52ª Noutro quadro, para haver doação é forçoso que a atribuição patrimonial seja gratuita, e que não exista, portanto, um correspetivo de natureza patrimonial. 53ª Exige-se ainda o espírito de liberalidade por parte do disponente. 54ª No caso dos autos, nenhuma das supra citadas circunstâncias se verificam. 55ª Uma doação pressupõe, como requisitos essenciais, uma proposta de doação, por parte do doador, e a consequente aceitação, por parte do donatário. 56ª Assim sendo, diga-se em abono da verdade que a A. nunca aceitou qualquer doação por parte da R.. 57ª Pelas razões supra expostas, no caso dos autos nunca ocorreu qualquer assunção de uma obrigação futura, enquanto doação de bens futuros e nula. 58ª O Tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos autos 211º, 399º, 940º, 942º, nº 1, 945º, nº 1 do C.C.. 59ª O Tribunal recorrido considerou como provada a factualidade a seguir enunciada: 6 – Cláusula Primeira, 1; – Cláusula Primeira, 2.; – Cláusula Primeira, 2.1.; – Cláusula Primeira, 3.; – Cláusula Primeira, 4; – Cláusula Primeira, 5; – Cláusula Primeira, 6; - Cláusula Primeira, 6.1.; – Cláusula Primeira, 6.2.; – Cláusula Primeira, 6.3.; – Cláusula Primeira, 6.4.; – Cláusula Primeira, 7;– Cláusula Segunda, 1; – Cláusula Segunda, 2; – Cláusula Segunda, 3; – Cláusula Segunda, 4; – Cláusula Segunda, 5; – Cláusula Segunda, 6: – Cláusula Terceira; – Cláusula Quarta, 1; – Cláusula Quarta, 2; – Cláusula Quarta, 3.; – Cláusula Quarta, 4.; - Cláusula Quarta, 5.; – Cláusula Quarta, 6.; – Cláusula Quarta, 7.; – Cláusula Quarta, 8; – Cláusula Quarta, 9, tudo como DOCUMENTO 2 da p.i. e Facto Provado em 6 da sentença. 60ª Para além disso, foi igualmente dada como provada a factualidade a seguir enunciada: 7, 8, 9, 10, 11; tudo como DOCUMENTO 2 da p.i. e Factos Provados em 7, 8, 9, 10, 11 e 12 da sentença. 61ª Donde resulta que as partes definiram com clareza a remuneração devida à A. e as condições de pagamento. 62ª Por força do disposto na Cláusula Primeira, 3. do Contrato de Prestação de Serviços de Representação em Regime de Exclusividade (adiante “o Contrato”), a A. tem direito à retribuição mencionada na Cláusula Primeira 1. independentemente do intermediário, familiar ou qualquer outra pessoa ou entidade incluindo diretamente o Clube comprador, que apresentou a proposta à R. para a transferência do Jogador AA para a C... SAD. 63ª Ou seja, a A. ficou, como tem, direito à retribuição em qualquer circunstância desde que a dita transferência tivesse ocorrido, como ocorreu – Cláusula Primeira, 3 do Contrato. 64ª Desta maneira, a A. tem direito a 25% (vinte e cinco por cento) do valor bruto da transferência do Jogador AA para a C... SAD – Cláusula Primeira, 1 do Contrato. 65ª A A. tem, assim, direito a 950 000,00 € a serem pagos pela R. 66ª A referida quantia de 950.000,00 € ficou de ser paga pela R., que dela se confessou devedora e principal pagadora, à A. até 15 dias após o registo definitivo no clube adquirente – Cláusula Primeira, 2 do Contrato. 67ª O Jogador foi inscrito definitivamente no clube adquirente pela menos até 15 de Julho de 2022. 68ª Pelo que a R. ficou, como é, devedora à A. da quantia de 950.000,00 €, desde, pelo menos, 31 de Julho de 2022 – Cláusula Primeira, 2 do Contrato. 69ª A referida quantia ficou de ser paga de forma proporcional, em tantas parcelas quantos os pagamentos efetuados pelo Clube/SAD adquirente, sendo cada parcela liquidada à A., dentro dos quinze dias seguintes ao do recebimento respetivo por parte da R. – Cláusula Primeira, 2.1. do Contrato. 70ª No caso, ao que a A. apurou pela cedência dos direitos referidos, a C... SAD obrigou-se a pagar à R. a quantia de 3 800.000,00 € (Três milhões e oitocentos mil euros), acrescido de IVA, contra a apresentação de fatura, da seguinte forma: g) 350.000,00 € (trezentos e cinquenta mil euros) a título de adiantamento na data da assinatura do contrato; h) 750.000,00 € (setecentos e cinquenta mil euros) no dia 30 de Outubro de 2022; i) 750.000,00 € (setecentos e cinquenta euros) no dia 30 de Abril de 2023; j) 650.000,00 € (seiscentos e cinquenta mil euros) até 30 de Outubro de 2023; k) 650.000,00 € (seiscentos e cinquenta mil euros) até ao dia 30 de Abril de 2024; l) 650.000,00 € (seiscentos e cinquenta mil euros) até ao dia 30 de Outubro de 2024. 71ª Desta maneira, a R. tem que pagar à A. a quantia total de 550 000,00 €, da seguinte forma: g) 87.500,00 € (oitenta e sete mil euros) a título de adiantamento na data da assinatura do contrato; h) 187.500,00 € (cento e oitenta e sete mil e quinhentos euros) no dia 30 de Outubro de 2022;i) 187.500,00 € (cento e oitenta e sete mil e quinhentos euros) no dia 30 de Abril de 2023; j) 162.500,00 € (cento e sessenta e dois mil e quinhentos euros) até 30 de Outubro de 2023; k) 162.500,00 € (cento e sessenta e dois mil e quinhentos euros) até ao dia 30 de Abril de 2024; l) 162.500,00 € (cento e sessenta e dois mil e quinhentos euros) até ao dia 30 de Outubro de 2024. 72ª Ou seja, a R. deve à A. a quantia de 950.000,00 €, acrescida de juros de mora desde a data de vencimento até integral e efetivo pagamento. 73ª No presente caso, as partes fixaram por acordo o montante total da remuneração devida ao intermediário, com derrogação do disposto no artigo 11.3 do Regulamento de Intermediários publicado pela Federação Portuguesa de Futebol e artigo 7.3. das Regulations on Working with Intermediaries da FIFA. 74ª E acordaram ainda remuneração sujeita a condições futuras, nos termos do acima citado artigo 11, nº 3, c) do RIFPF. 75ª No contrato dos autos, ficou definida com clareza a remuneração devida à intermediária e as respetivas condições de pagamento, com respeito pelo vertido no artigo 38º, nº 8 da Lei 54/2017, de 14 de Julho. 76ª Mais tendo as partes fixado, por acordo, o montante da indemnização pela rutura do contrato, nos termos do disposto no artigo 38º, nºs 7 e 8 da Lei 54/2017, de 14 de Julho. 77ª Suscita-se ainda, em particular, a questão do sentido material do regime de exclusividade e direito de informação efetivamente convencionado entre as partes. 78ª Ou seja, no caso dos autos, a R. não poderia agir de modo a dispensar, unilateralmente, os serviços da A., nem impedir que a mesma pudesse cumprir a sua prestação, só para não ter que pagar a remuneração que lhe seria devida. 79ª Assim fixado o regime de exclusividade e verificando-se o resultado que era pretendido com a prestação dos serviços acordados, ainda no âmbito de vigência do contrato, a remuneração deveria ser devida, mesmo que o negócio concretamente alcançado não resultasse diretamente dos serviços de promoção dos serviços de promoção dos jogadores e de mediação entre as partes da iniciativa concreta da intermediária. 80ª É que a R. estava obrigada a dar conhecimento dessas concretas propostas à A., por força do regime de exclusividade e do direito de informação dos contratos, com vista a que a intermediária pudesse cumprir as suas prestações. 81ª A este respeito, cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo 910/20.9T8PDL.L1-7, de 08-06-2021, in www.dgsi.pt , com as devidas e necessárias adaptações. 82ª Ora, nos presentes autos, sempre se dirá que a cláusula penal que se encontra prevista na Cláusula Quarta, 2 do Contrato celebrado entre a A. e a R. representa uma cláusula penal de terceiro tipo, ou seja, uma cláusula puramente compulsória. 83ª Ou seja, a cláusula penal prevista na Cláusula Quarta, 2 visa obrigar ao cumprimento da prestação negocial, sendo que o pagamento da sanção estipulada não é obstativo, quer da indemnização a processar em termos gerais, quer da execução específica da obrigação incumprida. 84ª A A. tem assim direito às remunerações contratadas e peticionadas nos autos. 85ª O Tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação o disposto nos artigos 11º, nº2 2, b) e c) do RIFPF e 38º, nºs 1, 7 e 8 d a Lei nº 54/2017, de 14 de Julho, 236º a 239º e 810º, nº 1 do C.C.. 86ª No caso dos autos, reitera-se que não existe, como nunca existiu, qualquer doação por parte da R. à A.. 87ª O que aconteceu, na realidade, foi que a R. contraiu perante a A. uma obrigação contratual. 88ª Isto é a R. aceitou o vínculo jurídico por virtude do qual ficou adstrita para com a A. à realização de uma prestação, – artigo 397º do C.C., no âmbito dos Contratos de Prestação de Serviços de Representação em Regime de Exclusividade dados como provados nos autos, a qual se mostra necessária ou conveniente à prossecução dos seus fins – artigos 160º do C.C. e 6º, nº 1 do C.S.C.. 89ª Designadamente, como se deu como provado no Facto 3 da sentença, a promoção e participação como sociedade anónima em atividades desportivas, participando através da sua equipa sénior de futebol de onze em competições promovidas pela Federação Portuguesa de Futebol e pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional. 90ª Sendo de realçar que a A. em tudo o quadro negocial e contratual com a R. sempre esteve de boa-fé. 91ª Ao negócio dos autos não é aplicável o “princípio da especialidade do fim” dos artigos 160º, nº 1 do C.C. e 6º, nrs. 1 e 2 do CSC. 92ª O artigo 6º, nº 2 do C.S.C. é específico para as liberalidades, ou seja, é uma norma essencialmente dirigida a doações. 93ª Mas, nem todas as liberalidades ou atos gratuitos são doações, por exemplo, não são doações o mútuo gratuito, o comodato, a prestação gratuita de penhor. 94ª Só que as liberalidades-não doações podem não ser nulas, podem entrar no círculo da capacidade das sociedades mesmo quando não sejam “consideradas usuais – não sendo necessário recorrer ao nº 2 do artigo 6º do C.S.C.. 95ª Este preceito já é necessário, porém, para considerar válidas, não contrárias ao fim social certas doações. 96ª Em função de todo o supra exposto, mesmo que os negócios dos autos configurassem liberalidades por parte da R. e já vimos que não, nunca tais atos ofenderiam o regime resultante da aplicação conjugada dos nºs 1 e 2 do artigo 6º do C.S.C.. 97ª Por fim, deve dizer-se que as prestações decorrentes para a R. do negócio dos autos não configura uma diminuição do lucro. 98ª Por conseguinte, os atos praticados pela A. e pela R. não estão, como nunca estiverem feridos de nulidade, nomeadamente a do artigo 294º do C.C.. 99ª Ao contrário do estipulado na sentença recorrida, no contrato junto aos autos pela A. o “empresário desportivo” vinculou-se à prestação dos serviços de representação e intermediação contratados com vista à celebração de contratos de transferência dos jogadores para terceiros clubes ou sociedades desportivas e/ou contrato de trabalho desportivo (renovação/prorrogação/modificações/aditamentos) com a R.. 100ª De tal modo que o enunciado do contrato, designadamente os respetivos considerandos, evidenciam os serviços a prestar. 101ª A definição dos serviços a prestar pelo empresário desportivo torna válido e eficaz todo o contrato. 102ª Por conseguinte, nenhuma nulidade há a reportar nesta matéria, muito menos a que decorre do vertido no artigo 42º do RJCRI. 103ª Como correspetivo da prestação a executar, o empresário desportivo ficou com o direito à remuneração devida nas formas de pagamento acordadas. 104ª Designadamente, o valor da remuneração de 5% na eventualidade de ser a A. a apresentar um interessado à R. com o qual esta viesse a concluir um contrato de transferência ou cedência. 105ª Mais sendo válidas e eficazes as Cláusulas primeira, nºs. 1, 6.1 e 6.2, segunda, nº 1 e terceira, nas quais a A. assenta a sua pretensão. 106ª Dado que tais cláusulas não violam sequer o disposto nos números 4 e 5 do artigo 38º da Lei 54/2017, de 14 de Julho. 107ª O contrato de representação dos autos refere a duração por referência à duração do contrato de trabalho desportivo do jogador com a R.. 108ª Ou seja, tendo o contrato do jogador sido celebrado em 7 de Janeiro de 2021 e vigorado até Julho de 2022, resulta que o contrato dos autos teve a duração de cerca de 1 ano e 7 meses (Documento 3 da p.i.). 109ª Assim respeitando a duração de 2 anos estipulada no artigo 38º, nº 4 do RJCRI. 110ª ª Desta maneira, as Cláusulas primeira, nºs 1, 6.1 e 6.2, segunda nº 1 e terceira não associam a duração do contrato à vigência de outras relações jurídicas de duração desconhecida, nem violam o vertido nos nºs. 4 e 5 do artigo 38º do RJCRI. 111ª O Tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, o vertido no artigo 38º, nºs. 1, 2, 4 e 5 do RJCRI. 112ª O contrato dos autos não padece das desconformidades substantivas, formais e procedimentais, quando analisados à luz do artigo 9º do RIFPF. 113ª Em primeiro lugar, como acima exposto, os contratos têm a previsão do seu objeto principal, desde logo, a efetiva prestação de um serviço. 114ª Donde resulta inequívoco que a intermediária assumiu a obrigação de prestação de serviços, devendo ser remunerada pela atividade desenvolvida. 115ª Nomeadamente, a obrigação de pagamento de 25% das transferências, nas condições e termos negociados e acordados entre as partes. 116ª Pelo que foi respeitado o disposto no artigo 9º, nº 2 , b) do RIFPF. 117ª Em segundo lugar, existe a previsão da habilitação pela R. sociedade desportiva da A. intermediária para a representar, quer em termos de representação em sentido próprio – artigo 258º do C.C., quer em termos de representação de interesses – artigos 4º, 5º, nº 2, 9º, nºs 1, 2, 3 e 4 do RIFPF, para o que deve ser analisado os que se deu como provado em 6 e 12 da sentença recorrida. 118ª Em terceiro lugar, esclarece-se que o contrato não foi enviado para a F.P.F., nem para a L.P.F.P. devido também a culpa da R., que a tal não providenciou, daí que não pode a R. prevalecer-se da alegada omissão de tais envios, dado que a mesma incorreu em culpa na referida omissão. 119ª Acresce que o não envio do contrato à F.P.F. e L.P.F.P. não é causa de invalidade de todo o negócio, pois o contrato, mesmo que tivesse sido enviado à F.P.F. e L.P.F.P., teria sido concluído nos mesmos termos e condições em que ocorreu. 120ª Na realidade, a R. tomou conhecimento desses factos e, apesar disso, nunca se opôs à validade e vigência dos mesmos, pelo que renunciou ao direito de invocar os mesmos como motivo para o não cumprimento da obrigação de pagamento a que ficou vinculada por esses contratos. 121ª Portanto, em face dos acordos efetuados, a eventual nulidade do contrato decorrente da falta de depósito dos mesmos na F.P.F. e de uma quarta via destinada à L.P.F.P., tal como decorreria do disposto no artigo 9º, nºs 2 e 4 do RIFPF, ficou sanada. 122ª Aliás, por força das regras da boa-fé e da tutela da confiança, a invocação da nulidade formal originária dos contratos constituiria o exercício ilegítimo de um direito por parte da R. (cfr. artigo 334º do C.C.), por haver um evidente abuso do direito, na vertente das inalegabilidades formais – vide: Menezes Cordeiro in “Tratado de Direito Português”, I Parte, Tomo I, 2ª Edição, págs. 255 a 258, Cfr. Acórdão Tribunal da Relação de Lisboa, processo 910/20.9T8PDL.L1-7, de 08-06-2021, in www.dgsi.pt. 123ª Em quarto lugar, esclarece-se que do contrato consta o registo como intermediário do legal representante da A., o qual é condição para ser aceite o registo da pessoa coletiva – artigo 7º, nº. 5 do Regulamento de Intermediários da F.P.F.. 124ª Na realidade, a R. tomou conhecimento desses factos e, apesar disso, nunca se opôs à validade e vigência dos mesmos, pelo que renunciou ao direito de invocar os mesmos como motivo para o não cumprimento da obrigação de pagamento a que ficou vinculada por esses contratos. 125ª Portanto, em face dos acordos efetuados, a eventual nulidade dos contratos decorrentes da falta de indicação do número de registo da intermediária autora, tal como decorreria do disposto no artigo 9º, nº 2, a) do RIFPF, ficou sanada. 126ª Aliás, por força das regras da boa-fé e da tutela da confiança, a invocação da nulidade formal originária dos contratos constituiria o exercício ilegítimo de um direito por parte da R. (cfr. artigo 334º do C.C.), por haver um evidente abuso do direito, na vertente das inalegabilidades formais – vide: Menezes Cordeiro in “Tratado de Direito Português”, I Parte, Tomo I, 2ª Edição, págs. 255 a 258, Cfr. Acórdão Tribunal da Relação de Lisboa, processo 910/20.9T8PDL.L1-7, de 08-06-2021, in www.dgsi.pt. 127ª Em quinto lugar, esclarece-se o contrato não tem duração indeterminada. 128ª O contrato de representação dos autos refere a duração por referência à duração do contrato de trabalho desportivo do jogador com a R.. 129ª Ou seja, tendo o contrato do jogador sido celebrado em 7 de Janeiro de 2021 e vigorado até Julho de 2022, resulta que o contrato dos autos teve a duração de cerca de 1 ano e 7 meses (Documento 3 da p.i.), assim respeitando a duração de 2 anos estipulada no artigo 9º, nº 2, c) do RIFPF. 130ª O Tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, o vertido no artigo - artigo 9º, nº 2, c) do RIFPF. 131ª Em sexto lugar, esclarece-se o contrato não viola as exigências de divulgação e publicação. 132ª Ora, as cláusulas com este teor, não obstam ao envio de uma cópia dos mesmos para a F.P.F. e para a L.P.F.P, como decorre do disposto no artigo 9º, nº 2 do RIFPF, assim como não obstam às obrigações de divulgação e publicação previstas no artigo 10º, nºs. 1 e 4 do RIFPF, tanto assim que ficaram expressamente garantidas as necessidades de revelação em juízo. 133ª E, tendo ficado garantidas as necessidades de revelação em Tribunal, é óbvio que também nada impede a sua revelação perante a F.P.F. e a L.P.F.P., designadamente, para efeitos de respeito pelos princípios de transparência fiscal e do combate ao branqueamento de capitais. 134ª Na realidade, a R. tomou conhecimento desses factos e, apesar disso, nunca se opôs à validade e vigência dos mesmos, pelo que renunciou ao direito de invocar os mesmos como motivo para o não cumprimento da obrigação de pagamento a que ficou vinculada por esses contratos. 135ª Portanto, em face dos acordos efetuados, a eventual nulidade dos contratos decorrentes da falta de indicação do número de registo da intermediária autora, tal como decorreria do disposto no artigo 9º, nº 2, a) do RIFPF, ficou sanada. 136ª Aliás, por força das regras da boa-fé e da tutela da confiança, a invocação da nulidade formal originária dos contratos constituiria o exercício ilegítimo de um direito por parte da R. (cfr. artigo 334º do C.C.), por haver um evidente abuso do direito, na vertente das inalegabilidades formais – vide: Menezes Cordeiro in “Tratado de Direito Português”, I Parte, Tomo I, 2ª Edição, págs. 255 a 258, Cfr. Acórdão Tribunal da Relação de Lisboa, processo 910/20.9T8PDL.L1-7, de 08-06-2021, in www.dgsi.pt. 137ª Em sétimo lugar, mesmo que as irregularidades do contrato dos autos se verificassem como enunciado na sentença recorrida, nunca as mesmas teriam como consequência a nulidade proveniente do disposto no artigo 294º do C.C., nem do artigo 280º do C.C.. 138ª Pode, todavia, ter lugar aqui um sucedâneo da confirmação, desde logo, a chamada renovação ou reiteração do negócio nulo, por declaração tácita nos termos gerais. 139ª Na realidade, a R. tomou conhecimento desses factos e, apesar disso, nunca se opôs à validade e vigência dos mesmos, pelo que renunciou ao direito de invocar os mesmos como motivo para o não cumprimento da obrigação de pagamento a que ficou vinculada por esses contratos. 140ª Portanto, em face dos acordos efetuados, as eventuais nulidade dos contratos como decidido pelo Tribunal ficaram sanadas, por efeito de renovação por declaração tácita nos termos gerais. 141ª Sobre esta matéria vide Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª Edição por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, págs. 620 e 621. 142ª E, mesmo que assim não se entenda, deve operar-se a Redução nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 292º do C.C.. 143ª No caso dos autos, a recorrente entende que a ordem pública não deve prevalecer sobre a autonomia privada das partes. 144ª Ora, o contrato dos autos insere-se no princípio fundamental do Direito Civil português da autonomia privada – artigo 405º do C.C., com reflexo constitucional nos artigos 26º, nº 1 e 61º da Constituição. 145ª O negócio dos autos não viola a ordem pública (contratual) e, como tal, não estão feridos de nulidade nos termos do disposto no artigo 280º, nº 2 do C.C.. 146ª O Tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 280º, nº 2 e 405º do C.C.. 147ª Caso as razões de direito supra enunciadas não obtenham vencimento, então valem as razões de direito subsidiárias a seguir enunciadas. 148ª O que é facto é que a A. e a R., no domínio da liberdade contratual, celebraram entre si um contrato de prestação de serviços – artigos 405º e 1154º e ss. do C.C.. 149ª Diga-se ainda que obrigação é o vínculo jurídico por virtude do qual uma pessoa fica adstrita para com outra à realização de uma prestação – artigo 397º do Código Civil, sendo que as partes podem fixar livremente, dentro dos limites da lei, o conteúdo positivo ou negativo da prestação – artigo 398º, nº 1 do Código Civil. 150ª A R. faltou culposamente ao cumprimento das suas obrigações, tornando-se responsável pelo prejuízo causado à A. – artigo 798º do Código Civil, mais resultando a sua culpa presumida. – artigo 799º do Código Civil e o reconhecimento de dívida está previsto no artigo 458º do Código Civil. 151ª O Tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 397º, 398º, 405º, 458º, 762º, 798º, 799º, 405º, 1154º do C.C. Caso assim não se entenda: 152ª A R. violou os princípios da boa fé e da confiança. 153ª No caso concreto, por referência à confiança criada no A., a R. violou o princípio da boa fé, pelo que incorreu na obrigação de indemnizar o A. – artigos 562º e s. do C.C.. 154º Tudo conforme lições do Prof. Carlos Alberto da Mota Pinto – Teoria Geral do Direito Civil – 4ª Edição por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, págs. 124 a 127. Caso assim não se entenda: 155ª A R. ao não entregar à A. as quantias de 825.000,00 € devidas pelos Contratos de Prestação de Serviços de Representação em Regime de Exclusividade teve, como tem, um enriquecimento real e patrimonial, uma vez que vê o seu património ativo acrescido em 825.000,00 € e a esta vantagem patrimonial obtida pela R. corresponde um empobrecimento da A., a qual ficou, como está, privada de melhorar o seu património ativo em 825.000,00 €, endo um enriquecimento da R. à custa da A., como acima descrito, tudo sem causa justificativa e com ausência de outro meio jurídico. 156ª Donde resulta que a R. é obrigada a restituir à A. aquilo com que injustamente se locupletou – artigo 473º do C.C.. 157ª O Tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 473º e ss. do C.C.. 159ª Deve a ação ser julgada provada e procedente e, em consequência: a. Ser a R. condenada a pagar à A. a quantia de 950.000,00 €, acrescida de juros de mora desde 2 de Outubro de 2022 até integral e efetivo pagamento, com fundamento no alegado em 1º a 62º desta p.i.; b. Subsidiariamente, caso o alegado em 46º a 61º da p.i. e o pedido formulado em a) não obtenham vencimento, ser a R. condenada a pagar à A. a quantia de 950.000,00 €, acrescida de juros de mora desde 2 de Outubro de 2022 até integral e efetivo pagamento, com fundamento no alegado em 65º a 72º da p.i.; c. Subsidiariamente, caso o alegado em 65º a 72º da p.i. e o pedido formulado em b) não obtenham vencimento, ser a R. condenada a pagar à A. a quantia de 950.000,00 €, acrescida de juros de mora desde 2 de Outubro de 2022 até integral e efetivo pagamento, com fundamento no alegado em 76º a 110º da p.i.; d. Subsidiariamente, caso o alegado em 76º a 110º da p.i. e o pedido formulado em c) não obtenham vencimento, ser a R. condenada a pagar à A. a quantia de 950.000,00 €, acrescida de juros de mora, desde 2 de Outubro de 2022 até integral e efetivo pagamento, com fundamento no alegado em 114º a 124º da p.i.; f. Ser a R. condenada nas custas do processo. 160ª Após a parte decisória o Tribunal recorrido exarou despacho judicial com o seguinte teor: 161ª O Exmº. Sr. Dr. Juiz violou o disposto no artigo 613º, nº 1 do C.P.C., o que se invoca com as legais consequências, com a consequente revogação da aludida decisão judicial. 162ª A violação do princípio do contraditório por decisão surpresa do artigo 3º, nº 3 do C.P.C. dá origem a uma nulidade da sentença, por excesso de pronúncia – artigo 615º, nº 1, d) do C.P.C. – Ac. Supremo Tribunal de Justiça, Processo 392/14.4.T8CHAV-A.G1.S1, de 13 de Outubro de 2020, que se argui, com as legais consequências. 163ª Ocorreu a violação do princípio do dever de gestão processual do artigo 6º do C.P.C dá origem a uma nulidade processual, que se argui, com as legais consequências. 164ª Ocorreu a violação do princípio da gestão inicial do processo do artigo 590º, nº 3 do C.P.C dá origem a uma nulidade processual, que se argui, com as legais consequências. 165ª A A. não incorreu na violação das normas do artigo 6º, nº. 1, b) e art. 8º, a) da Portaria nº 280/2013 de 26 de Agosto. 166ª A A. não incorreu na violação do disposto no artigo 147º, nº2 do C.P.C.. 167ª A atividade da A. não padece do vício de prolixidade dos artigos 6º, nº 5 do RCP e 530º, nº 7, a) do C.P.C.. 168ª A A. e o seu mandatário não litigaram, nem litigam, de má-fé, muito menos alguma vez violaram o princípio da cooperação. 169º O Tribunal recorrido violou o disposto no artigo 542º, nº 2, c) do C.P.C., o que se invoca com as legais consequências, com a consequente revogação da aludida decisão judicial. A ré/recorrida contra-alegou, pugnando pela confirmação do julgado. O recurso foi admitido (com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo) por despacho de 26.06.2023. Do mesmo passo, o Sr. Juiz, cumprindo o disposto no art.º 617.º, n.º 1, do CPC, pronunciou-se sobre a arguição de nulidades da sentença, sustentando a sua inexistência. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. Objecto do recurso São as conclusões que o recorrente extrai da sua alegação, onde sintetiza os fundamentos do pedido, que recortam o thema decidendum (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) e, portanto, definem o âmbito objectivo do recurso, assim se fixando os limites do horizonte cognitivo do tribunal de recurso. Isto, naturalmente, sem prejuízo da apreciação de outras questões de conhecimento oficioso (uma vez cumprido o disposto no artigo 3.º, n.º 3 do mesmo compêndio normativo). Apesar da enorme extensão das “conclusões”, as questões a apreciar e decidir podem ser assim equacionadas: - se a decisão recorrida enferma de vícios que a tornam nula; - se é de alterar a decisão sobre matéria de facto ou se há factos controvertidos relevantes para a decisão, tendo em conta as várias soluções plausíveis da questão de direito, e por isso impunha-se que o processo prosseguisse com a realização da audiência final; - caracterização e qualificação do contrato em que assenta a pretensão da autora/recorrente; - se esse contrato enferma de vícios que o inquinam e o tornam nulo; - se há enriquecimento sem causa da ré e - se na formação/execução do contrato houve má-fé da ré. II – Fundamentação 1. Das arguidas nulidades da sentença A recorrente inventaria um conjunto de vícios que afectariam a sentença de nulidade, todos reconduzíveis à previsão normativa do artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC. Seguindo a ordem por que foram arguidas, temos: - nulidade «por erro de interpretação e aplicação do disposto no artigo 595º, nº 1, b) do C.P.C. (…) visto que o juiz conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento» (conclusão 11.ª); - nulidade porque o tribunal «não assegurou um estatuto de igualdade substancial entre as partes, com desrespeito pelo disposto no artigo 4º do C.P.C.» (conclusão 15.ª); - nulidade por «violação do princípio do contraditório por decisão surpresa do artigo 3º, nº 3 do C.P.C. dá origem a uma nulidade da sentença, por excesso de pronúncia» (conclusão 162.ª); A nulidade da sentença (ou do acórdão proferido em recurso) é cominada para o excesso de pronúncia e para a omissão de pronúncia sobre as questões que as partes submeteram à apreciação do tribunal, ou, nas palavras da lei, a sentença é nula quando «o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento». Essa é a cominação pela inobservância da regra estabelecida no n.º 2 do artigo 608.º do CPC: ao juiz cumpre apreciar todas as questões carecidas de resolução que as partes submetam ao seu juízo, e só essas, podendo/devendo, no entanto, ocupar-se daquelas que sejam consideradas de conhecimento oficioso. Precisando o conceito de “questões a resolver”, é pacífico o entendimento de que, para este efeito, questões não se confundem com razões, juízos, opiniões ou linhas de argumentação jurídica. Apesar do termo dever ser tomado em sentido amplo, tal «não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito, as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido: por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida; por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (art. 5-3) e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restante que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm que ser separadamente analisadas»[2]. Cabe, também, sublinhar que o erro de julgamento, quer em matéria de facto (porque se apreciou e valorou erradamente a prova), quer em matéria de direito (porque não se identificou correctamente a(s) norma(s) aplicável(is) ou porque se interpretou e aplicou mal o direito aos factos apurados) não é causa de nulidade da sentença, não cabe na previsão normativa das nulidades da sentença. Quer isto dizer que o error in judicando é fundamento de recurso, mas não afecta a validade formal da sentença. Na síntese de A.S. Abrantes Geraldes, L.F. Pires de Sousa e P. Pimenta (in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, 2019, pág. 727), «as questões a que se reporta o n.º 2 (do artigo 608.º) reportam-se aos pontos fáctico-jurídicos estruturantes das posições das partes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, pedido e exceções, não se reconduzindo à argumentação utilizada pelas partes em defesa dos seus pontos de vista fáctico-jurídicos, mas sim às concretas controvérsias centrais a dirimir. (…) Questões e argumentos não se confundem, sendo que o dever de decisão é circunscrito à apreciação daquelas, tanto mais que, com muita frequência, as partes são prolíficas num argumentário cuja medida é inversamente proporcional à pertinência das questões.» Ora, o que a recorrente sustenta é que «o estado do processo ainda não permite, sem necessidade de mais provas, que o tribunal conheça imediatamente do mérito da causa», havendo que considerar a factualidade por si alegada nos artigos 26º, 27º, 28º, 29º e 30º da petição inicial (conclusões 7.ª e 8.ª). Ou seja, na óptica da recorrente, porque, diversamente do que entendeu o tribunal, é de opinião que o estado do processo não permite conhecer, de imediato, do mérito da causa, foi cometida uma nulidade por excesso de pronúncia. É de primeira evidência que não assiste razão à recorrente. Naturalmente, a sua opinião é respeitável e não deve ser menosprezada, mas quem julga é o tribunal e se o Sr. Juiz entendeu que havia condições para conhecer do mérito da causa, não só podia como devia fazê-lo (artigo 595.º, n.º 1, al. b), do CPC). Como anotam A.S. Abrantes Geraldes, L.F. Pires de Sousa e P. Pimenta (in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, nota 9-d) da anotação ao referido artigo), «nem sequer está afastada a possibilidade de apreciação do mérito, apesar da existência de outras soluções plausíveis sustentadas em matéria de facto ainda controvertida, desde que o juiz esteja ciente da segurança da sua decisão, embora neste caso deva avaliar os riscos de uma posterior anulação pela Relação, com fundamento na necessidade de ampliação da matéria de facto (artigo 662.º, n.º 2, al. c), in fine)». O que pode ocorrer é uma errada avaliação da situação quanto à matéria de facto já assente e seu enquadramento jurídico, erro que determinará a revogação da decisão para que sejam apurados os factos, ainda controvertidos, susceptíveis de enquadrar diversa solução jurídica. Improcede, manifestamente, a arguição desta nulidade. Bem mais difícil de entender é a razão da arguição de nulidade porque o tribunal não teria assegurado um estatuto de igualdade substancial entre as partes. O princípio da igualdade das partes (expressamente consagrado no artigo 4.º do CPC) é uma consequência do princípio da igualdade perante a lei (artigo 13.º CRP) e constitui uma das dimensões do processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, CRP)[3]. Sobre o alcance da protecção constitucional do princípio da igualdade, os constitucionalistas J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Vol. I, Coimbra Editora, 4.ª edição revista) anotam que “ele é hoje um princípio disciplinador de toda a actividade pública nas suas relações com os cidadãos” (pág. 338) e, mais adiante, “todas as funções estaduais estão vinculadas ao princípio da igualdade. Isto significa que o princípio material da igualdade constitui sempre uma determinante heterónoma da legislação, da administração e da jurisdição”. Sobre o conteúdo jurídico-constitucional do princípio da igualdade, os mesmos autores sublinham a sua tríplice dimensão de: a) proibição do arbítrio (que torna inadmissíveis diferenciações de tratamento sem qualquer justificação razoável, b) proibição de discriminação e c) obrigação de diferenciação (pág. 339). Na sua dimensão de proibição do arbítrio, “constitui um limite externo da liberdade de conformação ou de decisão dos poderes públicos, servindo o princípio da igualdade como princípio negativo de controlo: nem aquilo que é fundamentalmente igual deve ser tratado arbitrariamente como desigual, nem aquilo que é essencialmente desigual deve ser arbitrariamente tratado como igual. Nesta perspectiva, o princípio da igualdade exige positivamente um tratamento igual de situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto diferentes”. Na mesma linha de pensamento, no Ac. do TC n.º 186/90 (DR, II, 12.09.1990) sublinha-se que o princípio da igualdade, enquanto princípio de conteúdo pluridimensional, «postula várias exigências, entre as quais as de obrigar a um tratamento igual das situações de facto iguais e a um tratamento desigual de situações de facto desiguais, proibindo, inversamente, o tratamento desigual das situações iguais e o tratamento igual das situações desiguais». Mas, inexistindo situações rigorosamente iguais, não pode o princípio da igualdade ser entendido em termos absolutos. A determinação da igualdade ou desigualdade das situações reclama uma prévia definição do elemento que, retirado do conjunto, permite que se estabeleça um juízo de igualdade - o chamado «padrão de igualdade». Este «padrão» é o elemento de conexão e de relacionamento das situações que permite submetê-las a um juízo comparativo e que deve abranger o conjunto de pessoas ou situações em relação às quais se verifica um tratamento jurídico-normativo distinto. O princípio da igualdade exige, assim, um acto jurídico de avaliação, desempenhando aqui o «padrão de igualdade» ou critério de comparação um papel decisivo para decidir se os dois elementos em comparação são ou não iguais e, por isso, reclamam o mesmo tratamento jurídico. A recorrente alega que na fundamentação de direito da decisão recorrida o tribunal aborda questões que não foram suscitadas, nem discutidas, pelas partes e por isso estava-lhe vedado conhecer dessas questões (conclusões 13.ª e 14.ª). Cabe aqui recordar o que já se assinalou no antecedente relatório: para não dar azo a que se pudesse invocar o argumento da decisão-surpresa que a recorrente vem agora esgrimir, quando da realização da audiência prévia, o Sr. Juiz concedeu às partes um prazo de 10 dias para se pronunciarem sobre os diferentes enquadramentos jurídicos possíveis dos factos e, em especial, sobre a qualificação do contrato em causa como negócio jurídico gratuito, como doação de bens futuros e sobre os seus efeitos (como já havia sucedido no âmbito do processo n.º 15910/21.3T8PRT, cujo objecto é em tudo idêntico ao deste processo) e a recorrente apresentou uma peça processual em que se pronunciou, douta e extensamente, sobre todas as questões de direito. Por isso, com todo o respeito devido, não se percebe onde está a desigualdade de que se queixa a recorrente. Ainda a decisão-surpresa se refere a recorrente nas conclusões 160.ª e segs., alegando que, «após a parte decisória o Tribunal recorrido exarou despacho judicial» do seguinte teor (reprodução integral): «I – A autora violou o disposto na al. a) do art. 8.º da Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto, não apresentando a petição inicial por meio de um ficheiro em pdf “na versão PDF/A e com conteúdo pesquisável”, mas sim através de uma digitalização de um texto impresso. Só o respeito pela normação regulamentar permitirá a sua utilização pelos restantes intervenientes processuais, podendo ser copiados os factos nele descritos – o que não é possível com o pdf de imagem apresentado. A autora reincidiu neste comportamento na apresentação da resposta à contestação e nos requerimentos de 24 de janeiro de 2023 (ref. 44493937) e de 6 de fevereiro de 2023 (ref. 44638888). II – A autora amontoou todos os documentos que instruem a petição inicial e, poupando o tempo que demoraria a carregá-los por ordem no sistema Citius, devidamente identificados pelo seu número e pelo seu conteúdo, limitou-se a juntá-los num único suposto documento que apelidou de “Documento autêntico [Doc. 1]”. Na resposta, a autora foi mais longe, não cuidando, sequer, de separar o articulado dos documentos que o instruem, limitando-se a juntar tudo, indistintamente, num único anexo de imagem. Poupou, assim, a autora o seu tempo, irregularmente (al. b) do n.º 1 do art. 6.º da Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto), atirando para cima dos restantes intervenientes a tarefa de percorrer tal putativo documento à procura daquele que na petição inicial identifica por determinado número – recorde-se que, atualmente, o processo é eletrónico, pelo que, formalmente, apenas foi junto um documento com a petição inicial. III – A autora apresentou um requerimento (destinado a discutir um determinado enquadramento jurídico) com 127 054 caracteres (incluindo espaços), distribuídos por 67 páginas formato A4. Para se ter um termo de comparação, para as dissertações de mestrado apresentadas na Escola de Direito do Porto da Universidade Católica Portuguesa é estabelecido o limite de 95 000 caracteres (https://fd.porto.ucp.pt/pt-pt/asset/8341/file). Foi dada a oportunidade à autora para debater (juridicamente) os factos narrados na petição inicial à luz do enquadramento que foi tido por surpreendente; não para discorrer sobre os enquadramentos legais por si já propostos – para tanto já dispôs da fase dos articulados e da audiência prévia – nem para alegar novos factos (máxime, putativamente essenciais à procedência do pedido). Trata-se de uma oportunidade que visando replicar as condições de debate oral proporcionadas pela audiência prévia. Para além de um evidente vício de prolixidade (art. 6.º, n.º 5, do RCP e do art. 530.º, n.º 7, al. a), do CPC), constata-se que neste requerimento, que constitui um complemento aos articulados, a autora não submete os seus enunciados a artigos (nem a capítulos), designadamente, quando nele narra factos que tem por relevantes, tornando, mais uma vez, desnecessariamente espinhosa a tarefa dos restantes intervenientes processuais que sobre os seus atos escritos têm de se debruçar – cfr. o art. 147.º, n.º 2, aplicável aos articulados, tipo de peça processual no qual a autora transformou o seu requerimento. Não satisfaz o pontual dever de cooperação processual a apresentação de articulados em formato de imagem, impedindo a pesquisa por palavas e a cópia do texto pelos demais intervenientes – por exemplo, para efeitos de elaboração de peças processuais, como a enunciação dos temas da prova –, assim se sacrificando, porventura, o princípio da eficiência processual e a referida norma regulamentar à satisfação da preferência estética do autor do ato. O mesmo se diga da não individualização da anexação de documentos ou da adoção de uma estratégia de “Cavalo de Troia” – pedindo para debater por escrito o direito aplicável, quando teve a oportunidade (e o dever) de o fazer na audiência prévia, para depois apresentar um requerimento que nada tem a ver com a pronúncia oral própria desta fase e que foi admitido realizar. Notifique a autora para, no prazo de 10 dias, contados do trânsito em julgado da decisão final, querendo, pronunciar-se sobre a apreciação da sua conduta nos quadros da litigância de má-fé (art. 542.º, n.º 2, al. c), do CPC), por violação groseira do princípio da cooperação, incorrendo em multa processual pelo mínimo legal, com responsabilização do mandatário autor das referidas peças processuais, nos termos previstos no art. 545.º do CPC. (O suporte físico do processo inclui cópia dos atos praticados eletronicamente indicados nas instruções dadas, assim se possibilitando a tramitação eficiente do processo (art. 6.º do CPC)) Porto (data constante da assinatura eletrónica) O Juiz de Direito 18.04.2023» Com esse despacho – alega a recorrente -, o Sr. Juiz violou o disposto no artigo 613.º, n.º 1, do CPC (conclusão 161.ª), «o princípio do contraditório por decisão surpresa do artigo 3º, nº 3 do C.P.C. (que) dá origem a uma nulidade da sentença, por excesso de pronúncia – artigo 615º, nº 1, d) do C.P.C. – Ac. Supremo Tribunal de Justiça, Processo 392/14.4.T8CHAV-A.G1.S1, de 13 de Outubro de 2020, que se argui, com as legais consequências» (conclusão 162.ª), o «princípio do dever de gestão processual do artigo 6º do C.P.C dá origem a uma nulidade processual, que se argui, com as legais consequências» (conclusão 163.ª), «o princípio da gestão inicial do processo do artigo 590º, nº 3 do C.P.C dá origem a uma nulidade processual, que se argui, com as legais consequências» (conclusão 164.ª) e «o disposto no artigo 542º, nº 2, c) do C.P.C., o que se invoca com as legais consequências, com a consequente revogação da aludida decisão judicial» (conclusão 169.ª). Sendo um despacho posterior à sentença (ainda que com a mesma data), como reconhece a recorrente, dela não é parte integrante, pelo que as nulidades de que, eventualmente, padeça não poderiam ser arguidas em sede de recurso da mesma (sentença), mas nos termos previstos nos artigos 195.º e 199.º e no prazo-regra de 10 dias. Não tendo sido tempestivamente arguida, a eventual irregularidade ficou sanada. Por outro lado, não se vislumbra como pode tal despacho ter violado o disposto no artigo 542.º do CPC, que prevê a condenação das partes que litigam de má-fé, se não tem conteúdo decisório. Com efeito, depois de evidenciar a censurável conduta processual anómala da recorrente, o despacho limita-se a mandar notificar a autora para, no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, se pronunciar, querendo, sobre a conduta que lhe é imputada, não contendo qualquer condenação. Por isso também não se enxerga onde esteja a decisão-surpresa e a violação do princípio do contraditório. Aliás, já no despacho de 28.02.2023 o Sr. Juiz havia advertido as partes que a prolixidade dos seus articulados/requerimentos (prolixidade que está bem patente, também, nas alegações de recurso e nas conclusões formuladas) poderia levar à respectiva condenação. Impõe-se, assim, concluir pela total improcedência da arguição de nulidades. 2. Fundamentos de facto Na sentença recorrida foram elencados como assentes (não carecidos de prova) os seguintes factos: 1. Partes nas relações litigiosas 1 – A autora, contra remuneração ou gratuitamente, representa jogadores ou clubes em negociações, tendo em vista a assinatura de um contrato de trabalho desportivo ou de um contrato de transferência. 2 – A autora está registada como intermediária na Federação Portuguesa de Futebol com o n.º .... 3 – A ré é uma sociedade anónima desportiva que promove e participa em atividades desportivas, participando através da sua equipa sénior de futebol de onze em competições promovidas pela Federação Portuguesa de Futebol e pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional. 4 – Em 22 de março de 2021, pela apresentação 1, inscrição 14, foram designados membros do conselho de administração da ré, nomeadamente, BB (presidente) e CC (vogal). 5 – Dispõe a al. a) do n.º 1 do art. 17.º dos estatutos da ré, juntos aos autos e que aqui se dão por transcritos, designadamente, que “todos os atos e documentos que obriguem a sociedade, terão validade quando assinados por (a) por dois administradores”. 2. “Contrato de Prestação de Serviços de Representação” (proc. 15910/21.3T8PRT) 6 – em 7 de abril de 2021, a autora, como Segunda Outorgante, e a ré, como Primeira Outorgante, subscreveram o documento intitulado “Contrato de Prestação de Serviços de Representação em Regime de Exclusividade”, junto aos autos, onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito: Contrato de Prestação de Serviços de Representação em Regime de Exclusividade As Partes: PRIMEIRA OUTORGANTE: B..., SAD, (…) representada por BB, na qualidade de presidente do conselho de administração e Dr. CC, na qualidade de vogal do conselho de administração com poderes para o ato; SEGUNDA OUTORGANTE: A..., LDA., (…) representada por DD, (…) Intermediário de Futebol, licenciado pela FPF / FIFA Card n.º ... com poderes para o ato. CONSIDERANDO QUE: i) A primeira contraente é uma Sociedade Anónima Desportiva (…), participando (…) em competições promovidas pela Federação Portuguesa de Futebol e Liga Portuguesa de Futebol Profissional. ii) A Segunda Outorgante é pessoa coletiva que (…), representa jogadores ou clubes em negociações, tendo em vista a assinatura de um contrato de trabalho desportivo ou de um contrato de transferência. iii) A Primeira Outorgante celebrou com o Jogador AA (…) um contrato de trabalho desportivo, (…) com início no dia 07 de Janeiro de 2021 e termo no dia 30 de Junho de 2024. iv) A Primeira Outorgante pretende exercer seu direito de contratar os serviços da Segunda Outorgante para por ela ser representada em negociações, tendo em vista a assinatura de contrato de transferência (…) do jogador (…), mediante remuneração e/ou contrato de trabalho desportivo (renovação/prorrogação/modificações/aditamentos) com a Primeira Outorgante. v) A Primeira Outorgante reconhece a Segunda Outorgante como uma intermediária especialista (…) e a experiência na capacidade negocial da segunda outorgante factos determinantes para a atribuição deste mandato. vi) (…) vii) As PARTES declaram acatar e cumprir as disposições contidas no Regulamento de Intermediários publicado pela Federação Portuguesa de Futebol e nas Regulations on Working with Intermediaries ((…) “RWI”), publicado pela Fédération Internationale de Football Association (…). Com base nos considerandos acima expostos, que fazem parte integrante do presente documento, as partes celebram entre si o acordo que vai reger-se pelas cláusulas seguintes: Cláusula Primeira 1. As Partes Outorgantes acordam que, se no decurso do corrente contrato de trabalho desportivo, eventuais prorrogações modificações ou aditamentos, ou cancelamento por qualquer razão e posterior elaboração de novo contrato com a Primeira Outorgante, a Primeira Outorgante proceder à venda dos direitos desportivos e económicos do Jogador AA, a Segunda Outorgante tem direito à retribuição, na forma de comissão, de 25% (vinte e cinco por cento) do valor bruto da transferência do Jogador AA para terceiro Clube/SAD. 2. A referida comissão de 25% (vinte e cinco por cento), será paga pela Primeira Outorgante, que dela se confessa devedora e principal pagadora, à Segunda Outorgante até 15 dias após o envio/receção do Certificado Internacional de Transferência do Jogador AA para terceiro Clube/SAD ou no caso de transferência nacional até 15 dias após o registo definitivo no clube adquirente. 2.1 A referida comissão será paga de forma proporcional, em tantas parcelas quantos os pagamentos efetuados pelo Clube/SAD adquirente, sendo cada parcela liquidada à Segunda Outorgante dentro dos quinze dias seguintes ao do recebimento respetivo por parte da Primeira Outorgante. 3. As Partes Outorgantes acordam que a Segunda Outorgante tem direito à retribuição mencionada na Cláusula Primeira l. independentemente do intermediário, familiar ou qualquer outra pessoa ou entidade incluindo diretamente o Clube comprador, que apresente a proposta ao Primeiro Outorgante para a transferência do Jogador AA para terceiro Clube/SAD, ou seja, terá direito à retribuição em qualquer circunstância desde que a dita transferência ocorra. 4. Caso seja a Segunda Outorgante a apresentar a proposta de compra dos direitos desportivos e económicos do Jogador, a Primeira Outorgante pagará ainda uma comissão de 5%, que acrescerá à comissão referida em 1. 5. A referida comissão de 5% (cinco por cento), será paga pelo Primeiro Outorgante, que dela se confessa devedor e principal pagador, à Segunda Outorgante e será paga até 15 dias após o envio/receção do Certificado Internacional de Transferência do Jogador AA para terceiro Clube/SAD ou no caso de transferência nacional até 15 dias após o registo definitivo no clube adquirente. 6. As partes acordam ainda nas seguintes remunerações sujeitas a condições futuras: 6.1. No decurso do contrato de trabalho desportivo, eventuais prorrogações, modificações ou aditamentos ou cancelamento por qualquer razão e posterior elaboração de novo contrato com a Primeira Outorgante, se surgir uma proposta de venda dos direitos desportivos e económicos do Jogador, igual ou superior a € 1.500.000,00 (…), e a Primeira Outorgante a rejeitar, fica obrigada a liquidar ao Segundo Outorgante o valor de € 360.000,00 € (trezentos e sessenta mil euros) mantendo-se as demais condições desta cláusula. O pagamento será efetuado até 8 dias após a rejeição da proposta, por ação ou omissão. 6.2 Caso a Primeira Outorgante no decurso do contrato de trabalho desportivo, eventuais prorrogações, proceda à venda dos direitos desportivos e económicos do Jogador por valor inferior a € 1.500.000,00 (…) fica obrigada a liquidar ao Segundo Outorgante o valor de € 190.000,00 € (…) para além das obrigações descritas nos pontos 1 e 3 desta cláusula, e ainda a assegurar que o Clube/SAD compradora proceda à execução de mandato de venda exclusiva com o Segundo Outorgante que assegure uma comissão de 15% (quinze por cento) do valor da venda dos direitos desportivos e económicos do Jogador desse Clube/SAD para Clube/SAD terceira. O pagamento será efetuado até 8 dias após a rejeição da proposta, por ação ou omissão. 6.3. Caso a Primeira Outorgante proceda à venda dos direitos desportivos e económicos do Jogador com recurso a permuta de direitos de outro(s) jogador(es), aplicar-se-á as regras dos pontos 6.1 ou 6.2 de acordo com o valor do “Transfermarket” tiver do Jogador AA no dia do negócio. 6.4. No caso de cessação do presente contrato por qualquer outra causa, que não as supra previstas, será sempre devida à Segunda Outorgante por parte da Primeira Outorgante o valor correspondente a 25% (vinte e cinco por cento) do valor bruto que o jogador tenha no transfermarket a data da dita rescisão. Sem prejuízo de que o valor nunca poderá ser inferior a 200 000,00 € que a Primeira Outorgante se obriga a pagar à Segunda Outorgante no caso de cessação do presente contrato. 7. Todas as quantias supra descritas deverão ser pagas através de transferência, para a seguinte conta bancária: (…) Cláusula Segunda l. No decurso do contrato de trabalho desportivo, eventuais prorrogações modificações ou aditamento ou cancelamento por qualquer razão e posterior elaboração de novo contrato com a Primeira Outorgante, se a Primeira Outorgante ceder temporariamente os direitos desportivos e económicos do Jogador à Club/SAD terceira, a Primeira Outorgante fica obrigada a liquidar ao Segundo Outorgante o valor correspondente a 25% (vinte e cinco por cento) do valor total dessa cessão temporária se a mesma for onerosa. 2. O pagamento será efetuado até 8 dias após o registo efetivo da cessão temporária na federação desportiva do clube cessionário. 3. As Partes Outorgantes acordam que a Segunda Outorgante tem direito à retribuição mencionada na Cláusula Segunda l. independentemente do intermediário, familiar ou qualquer outra pessoa ou entidade incluindo diretamente o Clube comprador, que apresente a proposta à Primeira Outorgante para a transferência temporária do Jogador AA para terceiro Clube/SAD, ou seja, terá direito à retribuição em qualquer circunstância desde que a dita transferência temporária ocorra. 4. Caso seja a Segunda Outorgante a apresentar a proposta de transferência temporária dos direitos desportivos e económicos do Jogador, a Primeira Outorgante pagará ainda uma comissão de 5%, que acrescerá à comissão referida em l. 5. A referida comissão de 5% cinco por cento), será paga pela Primeira Outorgante, que dela se confessa devedor e principal pagador, à Segunda Outorgante e será paga até 8 dias após o registo efetivo da cessão temporária na federação desportiva do clube cessionário. 6. Todas as quantias supra descritas deverão ser pagas através de transferência, para a seguinte conta bancária: (…) Cláusula Terceira As condições de remuneração referidas nas Cláusulas Primeira e Segunda são válidas para o decurso do contrato referido em iii) dos considerandos, bem como para o caso das futuras prorrogações e modificações do mesmo, mesmo que as mesmas ocorram com ou sem a intervenção e conhecimento da Segunda Outorgante. Cláusula Quarta l. A Primeira Outorgante compromete-se, durante a vigência do presente contrato, a informar a Segunda Outorgante de quaisquer contactos ou pedidos de informação do jogador que lhe sejam dirigidos, direta ou indiretamente, seja por seu intermédio, de familiar ou qualquer outro pessoa ou entidade, quer seja de forma pessoal, por escrito, via telefónica, transmissão eletrónica ou por qualquer outro meio de comunicação com vista à celebração de um contrato de trabalho, de publicidade, agência ou marketing e com vista à promoção e exploração da carreira e/ou da imagem do jogador. 2. O incumprimento pela Primeira Outorgante de qualquer das obrigações do presente contrato, confere à Segunda Outorgante o direito a receber daqueles, a título de indemnização, o montante de 200.000,00 € (duzentos mil euros), acrescido do valor em dívida por força do contrato. 3. Todas as comunicações efetuadas no âmbito do presente contrato deverão ser dirigidas para as moradas indicadas no introito. 4. Cada uma das partes obriga-se a comunicar por escrito, à outra, qualquer alteração à respetiva morada identificada no cabeçalho do presente contrato, no prazo máximo de oito (8) dias após a dita alteração, aceitando expressamente que, até se efetuar tal comunicação, os únicos locais válidos para efeito de se endereçarem comunicações decorrentes deste contrato são as constantes do cabeçalho do mesmo. 5. A recusa ou o não recebimento de qualquer comunicação vale, para todos os efeitos, como comunicação efetuada. 6. Salvo se de outro modo expressamente previsto no presente contrato, o não exercício por qualquer uma das partes dos direitos ou faculdades dele emergentes em nenhum caso poderá significar renúncia a tais direitos ou faculdades ou acarretar a sua caducidade, pelo que os mesmos manter-se-ão válidos e eficazes, não obstante o seu não exercício. 7. O presente contrato é absolutamente confidencial, sendo interdito às partes a revelação do seu conteúdo, com exceção da necessidade de resolver algum litígio emergente do mesmo entre as partes contratantes e, neste caso, deverá a sua revelação ser circunscrita às necessidades próprias da sua invocação em juízo. 8. As partes dispensam o reconhecimento das respetivas assinaturas, pelo que, por este meio, declaram que renunciam à invocação do suprimento de tal formalidade como fundamento para o não cumprimento do presente contrato. 9. Ambos os Outorgantes confirmam ter lido e compreendido o conteúdo do presente contrato. Cláusula Quinta 1. As partes acordam em sujeitar o presente acordo à lei portuguesa. 2. As partes aceitam designar o Tribunal da Comarca do Porto, como tribunal competente para a resolução dos litígios emergentes do presente contrato. Este contrato foi assinado em triplicado, ficando cada uma das partes com um exemplar. Local e data: ..., 7 de Abril de 2021 3. Transferência do futebolista AA 7 – Em 25 de maio de 2022, a ré, a C..., S.A.D., e AA subscreveram o documento intitulado “Contrato de Transferência”, junto aos autos, onde consta, além do mais que se dá por reproduzido: Original/Tradução TRANSFER AGREEMENT CONTRATO DE TRANSFERÊNCIA Between: Entre: C..., S.A.D., (…) hereinafter referred to as “C... SAD”; C..., S.A.D., (…) adiante designada por “C... SAD”; B..., SAD, (…) hereinafter referred to as “B... SAD”; and B..., SAD, (…) adiante designada por “B... SAD”; e AA (…), hereinafter referred to as “PLAYER”. AA (…), doravante denominado “JOGADOR”. Is concluded, freely and good-faith, the presente transfer agreement (Agreement), which shall be governed by the following clauses: É celebrado, de forma livre e de boa-fé, o presente contrato de transferência (Contrato), que será regido pelas seguintes cláusulas: 1. B... SAD warrants and represents to C... SAD that the PLAYER does not nor will have any restriction of a disciplinary, regulatory, or any other nature that would limit his professional activity or his participation in professional football competitions. 1. A B... SAD garante e declara à C... SAD que o JOGADOR não tem nem terá qualquer restrição de natureza disciplinar, regulamentar ou de outra natureza que limite a sua atividade profissional ou a sua participação em competições de futebol profissional. 2. B... SAD also acknowledges B... SAD is sole and exclusive owner of the PLAYER’s registration and economic rights, having concluded a sports employment with the PLAYER that is fully in force and duly registered with the competente C... governing bodies. 2. A B... SAD reconhece ainda que a B... SAD é a única e exclusiva titular do registo e dos direitos patrimoniais do JOGADOR, tendo celebrado com o JOGADOR um contrato de trabalho desportivo plenamente vigente e devidamente registado nos órgãos desportivos competentes. 3. Through this Agreement, B... SAD shall transfer the PLAYER's registration and 100% (…) of the economic rights for the total amount of € 3.800.000,00 (…), plus VAT at the legal rate in force, which shall be paid, upon receipt of the relevant invoice by C... SAD, as follows: 3. Através do presente contrato, a B... SAD transfere o registo do JOGADOR e 100% (…) dos direitos económicos pelo valor total de € 3.800.000,00 (…), acrescido de IVA à taxa legal em vigor, que será paga, mediante receção da respetiva fatura pela C... SAD, da seguinte forma: 3.1. € 874.000,00 (…), concerning the amount of VAT, on the subsequent working day following the satisfaction of all of the conditions precedente established in clause 13; 3.1. € 874.000,00 (...), referente ao valor do IVA, no dia útil seguinte ao do cumprimento de todas as condições precedentes estabelecidas na cláusula 13.ª; 3.2. € 350.000,00 (…), as an advanced payment, on the date of the signature of this Agreement; 3.2. € 350.000,00 (...), a título de adiantamento, na data da assinatura do presente contrato; 3.3. € 750.000,00 (…), until 30 October 2022; 3.3. € 750.000,00 (…), até 30 de outubro de 2022; 3.4. € 750.000,00 (…), until 30 April 2023; 3.4. € 750.000,00 (…), até 30 de abril de 2023; 3.5. € 650.000,00 (…), until 30 October 2023; 3.5. € 650.000,00 (…), até 30 de outubro de 2023; 3.6. € 650.000,00 (…), until 30 April 2024; and 3.6. € 650.000,00 (…), até 30 de abril de 2024; e 3.7. € 650.000,00 (…), until 30 October 2024. (…) 3.7. € 650.000,00 (…), até 30 de outubro de 2024. (…) 19. The parties declare that this Agreement was entered into with the intervention of Foot4c Consulting, Unipessoal, (…) on behalf of B... SAD, and that C... SAD was not represented by any intermediary. 19. As partes declaram que o presente contrato foi celebrado com a intervenção da Foot4c Consulting, Unipessoal, (...) em nome da B... SAD, não tendo a C... SAD sido representada por qualquer intermediário. ..., 25 May 2022. ... e ..., 25 de maio de 2022. 8 – O jogador foi definitivamente registado na Federação Portuguesa de Futebol e inscrito na Liga Portuguesa de Futebol Profissional pela C..., SAD há mais de 15 dias 9 – A ré não informou a autora de quaisquer contactos mantidos com vista à celebração do contrato de transferência de AA para a C... SAD. 4. Atividade desenvolvida pela autora 10 – A autora não representou a ré nas negociações tendo em vista a assinatura do documento referido no ponto 7 – Contrato de Transferência. 11 – A autora não interveio nas negociações entre AA e a C... SAD com vista à assinatura de um contrato de trabalho desportivo. 12 – Em 21 de setembro de 2022, a autora remeteu à ré o original da carta cuja cópia se encontra junta a fls. 16 v. (anexo documental). Factos controvertidos ou carecidos de prova 5. Simulação contratual 13 – Na subscrição do documento intitulado “Contrato de Prestação de Serviços de Representação em Regime de Exclusividade”, autora e ré atuaram com a intenção de enganar os detentores de participações sociais e os membros dos órgãos estatutários da ré não intervenientes no ato. 14 – Ao subscreverem o documento intitulado “Contrato de Prestação de Serviços de Representação em Regime de Exclusividade”, autora e ré não pretenderam que a primeira, mediante retribuição, se vinculasse à preparação e estabelecesse, em exclusividade, uma relação de negociação entre a ré e terceiros, com vista à eventual conclusão definitiva de um contrato de transferência do jogador em causa. 15 – Ao subscreverem o documento intitulado “Contrato de Prestação de Serviços de Representação em Regime de Exclusividade”, autora e ré, nisso estando de acordo, pretenderam enriquecer a primeira, à custa dos direitos patrimoniais da segunda. 3. Da alteração da decisão sobre matéria de facto Se bem que não impugne propriamente a decisão de facto tal como ficou reproduzida, a recorrente insurge-se contra ela por dois motivos: não contempla os factos (alegados sob os artigos em 26.º, 27.º, 28.º, 29.º e 30.º) que aludem à actividade da autora de promoção do jogador AA; o conteúdo do documento junto com a P.I. como Doc. 2 revela que alguns dos factos considerados assentes (não carecidos de prova) são imprecisos ou errados. Começando pelos últimos, consta da decisão de facto o seguinte: - «2. “Contrato de Prestação de Serviços de Representação” (proc. 15910/21.3T8PRT) A recorrente pretende que se elimine a referência ao processo, passando a ter a seguintes formulação: «2. “Contrato de Prestação de Serviços de Representação” - no ponto 6 dos factos assentes, em vez da data de 7 de abril de 2021, deve passar a constar da data de 10 de Maio de 2021, passando a ter a seguinte formulação: «6 – em 10 de Maio de 2021, a autora, como Segunda Outorgante, e a ré, como Primeira Outorgante, subscreveram o documento intitulado “Contrato de Prestação de Serviços de Representação em Regime de Exclusividade”, junto aos autos, onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:» - No ponto em que se reproduz o clausulado do discutido contrato, a cláusula primeira, 6.1 estipula o valor de € 270.000,00 e não de 360.000,00, como consta da decisão recorrida, pelo que deve passar a ter a seguinte formulação: «6.1. No decurso do contrato de trabalho desportivo, eventuais prorrogações, modificações ou aditamentos ou cancelamento por qualquer razão e posterior elaboração de novo contrato com a Primeira Outorgante, se surgir uma proposta de venda dos direitos desportivos e económicos do Jogador, igual ou superior a € 1.500.000,00 (…), e a Primeira Outorgante a rejeitar, fica obrigada a liquidar ao Segundo Outorgante o valor de € 270.000,00 € (duzentos e setenta mil euros) mantendo-se as demais condições desta cláusula. O pagamento será efetuado até 8 dias após a rejeição da proposta, por ação ou omissão.» Embora as alterações pretendidas não tenham qualquer repercussão no mérito da causa, a decisão recorrida, nesses pontos, evidencia lapsos, que aqui se corrigem nos termos pretendidos pela recorrente. * Quanto à outra alteração, a pretensão da recorrente é que se considere assente ou, pelo menos, seja incluído no elenco de factos controvertidos (carecidos de prova), o conteúdo alegado nos mencionados artigos da P.I., a saber:-A A. promoveu a atividade do Jogador ao serviço da R. junto de outros clubes com vista à cedência daquele. - Nomeadamente, enviou e entregou vários vídeos do Jogador. - A A. fez “lobby” junto de vários jornalistas para promover o Jogador. - A A. promoveu o Jogador em diversos fóruns desportivos de modo a despertar o interesse pelo Jogador. - A A. divulgou o Jogador nos mercados do Médio Oriente e até da Turquia, participando em reuniões, encontros e consultas com presidentes, responsáveis por vários clubes e empresários desportivos dessas áreas geográficas. Apreciando, importa ter presente que a reapreciação da decisão em matéria de facto tem carácter instrumental, é dizer, só faz sentido se visar reverter a favor do recorrente uma certa decisão jurídica alicerçada em determinada realidade factual que lhe é desfavorável. Se assim não for, essa reapreciação torna-se num acto inútil, num mero exercício cognitivo inconsequente. Por outras palavras, «a reapreciação da matéria de facto não é um exercício dirigido a todo o custo ao apuramento da verdade afirmada pela recorrente mas antes e apenas um meio da mesma poder reverter a seu favor uma decisão jurídica fundada numa certa realidade de facto que lhe é desfavorável e que pretende ver reapreciada de modo a que a realidade factual por si sustentada seja acolhida judicialmente e daí que logo que faleça a possibilidade de uma qualquer alteração da decisão factual poder ter alguma projeção na decisão da matéria de direito em sentido favorável à recorrente, deixe de ter justificação a reapreciação requerida»[4]. Ora, o alegado nos artigos 26.º a 30.º do articulado inicial não passa de um conjunto de afirmações vagas e genéricas e a autora não estabelece qualquer relação de causalidade ou conexão entre as acções que diz ter levado a cabo e o contrato pelo qual a C..., S.A.D. adquiriu à ré os direitos económicos e desportivos relativos ao jogador AA. Assim foi entendido, e bem, na primeira instância quando, no despacho proferido em 28.02.2023, o tribunal convidou a autora a aperfeiçoar o articulado: «IV – Alegou a autora que: a) enviou e entregou vários vídeos do Jogador (art. 27.º); b) fez "lobby" junto de vários jornalistas para promover o jogador (art. 28.º); c) promoveu o Jogador em diversos fóruns desportivos de modo a despertar o interesse pelo Jogador (art. 29.º); d) divulgou o jogador nos mercados do Médio Oriente e até da Turquia, participando em reuniões, encontros e consultas com presidentes, responsáveis por vários clubes e empresários desportivos dessas áreas geográficas. Deve a autora esclarecer: que vídeos do jogador entregou (juntando cópia), a quem entregou, como os entregou e como obteve tais vídeos; com que jornalistas falou sobre o jogador, onde o fez, quando o fez e o que disse aos concretos jornalistas a identificar; em que fóruns desportivos falou do jogador, quando falou, com quem falou e o que disse; em que países divulgou o jogador, como o fez (designadamente, se presencialmente), em que datas o fez, em que locais o fez, quais os presidentes, responsáveis e empresários desportivos com os quais falou do jogador e o que disse concretamente a esses destinatários.» E na sentença o tribunal expôs, de forma cristalina, as razões por que se impunha essa concretização: «Por apodítica, dispensamo-nos de explicar a diferença entre a alegação de factos e a prova de factos. As alegações da autora sobre a matéria referida são vagas e conclusivas, impedindo um contraditório esclarecido e sendo imprestáveis para uma decisão de facto. Por um lado, não pode a ré contraditar o que a autora alega, se esta não substancia em factos a sua alegação conclusiva. Por exemplo, não pode a ré provar que é falso um determinado contacto com um dirigente do futebol saudita, se nenhum concreto contacto é relatado. Por outro lado, nunca poderia a ré ser condenada com base numa conclusiva fundamentação de facto composta, por exemplo, por “A autora enviou e entregou vários vídeos do jogador” (a quem?) ou por “A autora fez ‘lobby’ junto de vários jornalistas para promover o jogador (quais? qual o conteúdo dessa atividade? em que medida afeta a comercialização do “passe” do jogador?). Se a autora entende ser relevante o emprego de determinados meios na sua atuação, tem o ónus de descrever tais meios empregues, de modo a se poder concluir que têm eles alguma relação com o contrato dos autos. Por exemplo, não basta dizer que o jogador foi sinalizado a jornalistas – porventura estrangeiros, já que os domésticos não deixarão de estar atentos ao que se passa nas principais divisões do futebol nacional, não necessitando que a autora (o sinalize?) para apreciarem as qualidades de um jogador. Há uma diferença entre um jornalista da France Football ou da Gazzetta dello Sport e o editor do jornal da paróquia. Como é evidente, não pode uma sentença (procedente) assentar, por exemplo, numa afirmação conclusiva de que a autora promoveu o jogador em diversos fóruns desportivos de modo a despertar o interesse pelo jogador (art. 29.º da contestação). Não sabemos o que quer significar a autora com “fóruns desportivos”; não sabemos o que quer significar a autora com “promoveu o jogador”; não sabemos em que sentido a autora pretendeu “despertar o interesse”. À autora, na fase dos articulados, cabe alegar os factos, não podendo esperar que sejam as testemunhas a produzir por ela tal alegação, em sede de audiência final. E não se diga que existem soluções plausíveis para a questão de direito que se bastam com uma alegação vaga e insubstanciada. Não existem. De todo o modo, a consideração de outras soluções plausíveis para a questão de direito é um postulado presente nos casos em que a ação deve prosseguir, na elaboração dos temas da prova; não é um critério de decisão – cfr. «Relevância das (outras) soluções plausíveis da questão de direito», Julgar Online, 2019 <http://julgar.pt/relevancia-das-outras-solucoes-plausiveis-da-questao-de-direito/>. Não existem, pois, puros dados de facto alegados concretos, quanto a esta matéria, sobre os quais possa incidir prova e a pronúncia de facto.» A recorrente desprezou o convite que lhe foi dirigido para concretizar essas afirmações genéricas e conclusivas. Sibi imputet! Também neste conspecto, não é compreensível que a recorrente se considere vítima de tratamento desigual. Se há tratamento desigual, é a favor da recorrente. Mantém-se, pois, inalterada a decisão quanto à matéria de facto a ter em conta no enquadramento jurídico do caso em litígio. 4. Fundamentos de direito A recorrente renova na motivação do recurso a argumentação que explanou na peça processual datada de 17.02.2023, apresentada no seguimento do ocorrido na audiência preliminar, e que foi devidamente ponderada na decisão recorrida. Começando pela qualificação do contrato em causa, o tribunal rejeitou a denominação que lhe deram as partes («Por apodítico, seria, porventura, desnecessário afirmar que o documento subscrito pelas partes não encerra um contrato de prestação de serviço»). Não suscita qualquer controvérsia que para a caracterização de um contrato não importa decisivamente o nomen que lhe dêem os contraentes, o qual pode até estar em desarmonia com o acordo efectivamente estipulado. O que verdadeiramente importa é o conteúdo do contrato, que direitos e obrigações dele emergem para as partes, e por isso é pela análise do clausulado contratual que chegaremos à sua qualificação. O princípio da liberdade contratual, consagrado no art.º 405.º do CC, permite às partes modelar o conteúdo dos contratos, nos termos da lei, designadamente “incluindo neles as cláusulas que lhes aprouver” e ainda, nos termos do n.º 2, reunindo no mesmo contrato “regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei”. Em causa está um contrato em que a primeira outorgante (aqui ré), titular dos direitos económicos e desportivos relativos ao futebolista AA, ter-se-ia obrigado (embora no seu introito se diga que estaria a exercer um direito) a recorrer aos serviços da segunda outorgante (aqui autora) para por ela ser representada em negociações, tendo em vista a eventual assinatura de um contrato de transferência deste jogador para terceiro. Intermediação é a denominação utilizada para uma categoria ampla de contratos de prestação de serviços, constituindo um instrumento jurídico utilizado em importantes sectores da actividade económica, designadamente na actividade seguradora, na actividade financeira, no imobiliário, etc. Apesar da abrangência do termo, a expressão contratos de intermediação deve ser reservada para o «conjunto dos contratos em que uma das partes desenvolve uma atividade com vista à celebração de um contrato em que não é parte ou em que apenas o será por conta alheia» (Higina Orvalho Castelo, O contrato de mediação, Almedina, 2014, p. 16). Assim acontece com a intermediação desportiva, que tem uma regulamentação própria, definida na Lei n.º 54/2017, de 14 de Julho, que estabelece o «Regime Jurídico do Contrato de Trabalho do Praticante Desportivo, do Contrato de Formação Desportiva e do Contrato de Representação ou Intermediação». Desse regime, importa destacar o capítulo dedicado ao “empresário desportivo”, que o artigo 2.º, al. c), define como «a pessoa singular ou coletiva que, estando devidamente credenciada, exerça a atividade de representação ou intermediação, ocasional ou permanente, na celebração de contratos desportivos». O artigo 36.º, n.º 1, diz-nos quem pode ser empresário desportivo: «1- Só podem exercer atividade de empresário desportivo as pessoas singulares ou coletivas devidamente autorizadas pelas entidades desportivas, nacionais ou internacionais, competentes». Quem pretenda exercer essa actividade deve «registar-se como tal junto da federação desportiva, que, para este efeito, deve dispor de um registo organizado e atualizado» (artigo 37.º, n.º 1). Nesse enquadramento, a Federação Portuguesa de Futebol aprovou um Regulamento para o exercício da atividade de intermediário desportivo no quadro da atividade desportiva federada por si organizada que, no seu artigo 4.º, define intermediário como «a pessoa singular ou coletiva que, com capacidade jurídica, contra remuneração ou gratuitamente, representa o jogador ou o clube em negociações, tendo em vista a assinatura de um contrato de trabalho desportivo ou de um contrato de transferência». Actividade esta que está sujeita a registo na F.P.F., que pode ser requerido por uma época desportiva (artigo 6.º do mesmo Regulamento). O artigo 37.º, n.º 3, da Lei n.º 54/2017 estabelece a cominação para a falta desse registo: «São nulos os contratos de representação ou intermediação celebrados com empresários desportivos que não se encontrem inscritos no registo referido no presente artigo». O contrato de intermediação desportiva é um negócio jurídico formal, típico e nominado[5], e sinalagmático[6]. Formal porque a lei (artigo 38.º, n.º 2) exige a forma escrita na exteriorização da vontade das partes, cominando a nulidade para a sua falta. Para o caso, importa pôr em relevo a natureza sinalagmática e onerosa do contrato. É sinalagmático o contrato que origina obrigações para ambas as partes, estando as obrigações dele nascidas ligadas por um vínculo de reciprocidade ou interdependência. Deste modo, as partes ficam, simultaneamente, na posição de credor(es) e devedor(es)[7]. O mesmo n.º 2 do artigo 38.º estatui que no contrato devem estar estabelecidos de forma clara o tipo de serviços a prestar pelo empresário desportivo, bem como a remuneração que lhe seja devida e as condições de pagamento. A prestação do intermediário desportivo, sendo uma obrigação de meios, pois este vincula-se a desenvolver uma actividade, não a proporcionar ao cliente um resultado, esta actividade é, toda ela, orientada para desembocar no resultado pretendido: a realização do contrato por este almejado, seja um contrato de trabalho desportivo, seja uma transferência. A concretização do negócio não integra a obrigação do intermediário, desde logo, porque escapa às suas possibilidades celebrá-lo, ou não. No entanto, para além da atividade suscetível de alcançar o resultado correspondente ao interesse do credor, existe um acontecimento final que desempenha um especial papel no contrato, na medida em que é condição necessária do nascimento do direito do empresário desportivo à remuneração. Debruçando-nos sobre o clausulado do contrato que aqui se discute, logo ressalta a falta desse sinalagma. A cláusula primeira do contrato em causa mais parece uma extensa lista de direitos conferidos ao intermediário e o seu n.º 1 começa logo por lhe reconhecer o direito a uma retribuição correspondente a 25% do valor bruto da transferência do jogador AA para terceiro Clube/SAD, mesmo que nessa transferência “não meta prego nem estopa”, o mesmo é dizer, nela não tenha a mínima intervenção. A ré “B..., SAD”, sem qualquer intervenção da autora, adquiriu os direitos económicos e desportivos do jogador AA; depois, também sem que a autora tivesse dado qualquer contributo, transferiu o futebolista para outra SAD, que adquiriu aqueles direitos pelo valor de € 3.800.000,00. É uma grossa fatia deste “bolo” que a autora, sem nada fazer, reclama. Na linguagem comum, dir-se-á que ao empresário desportivo (a autora “A..., L.DA”) foi garantida uma futura prestação pecuniária (que no caso é uma quantia bem choruda) sem mexer uma palha. Na primeira instância, o Sr. Juiz concluiu que o que está configurado é um negócio jurídico unilateral e, aprofundando a sua análise, discorreu assim: «A idiossincrasia do contrato em lígio também aqui se revela, permitindo que se aborde a sua qualificação por duas diferentes vias. Assim é porque, por um lado, estamos perante uma assunção gratuita de uma obrigação e, por outro lado, tal obrigação não é atual. Daqui decorre que se possa ver no contrato dos autos, quer uma promessa de doação, quer uma doação de coisa futura. 1.2.1. Promessa de doação Numa primeira análise do caso, o conteúdo principal do contrato dos autos, verdadeiramente identitário, parece encerrar uma promessa de doação (de 25% do valor recebido), perante a ocorrência de determinado evento futuro e incerto (recebimento de uma quantia devida pela transferência do futebolista). Recorde-se que a promessa de doação resolve-se ela própria numa doação – cfr. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Volume II, Coimbra, Coimbra Editora, 1986, p. 258 (anotação 4 ao art. 940.º) –, pelo que a sua satisfação, isto é, a celebração do contrato de doação, se aproxima do cumprimento e se afasta da liberalidade. O segundo conteúdo autonomizável compreende a promessa de remuneração, no caso de a autora praticar determinado facto (apresentação de uma futura contraparte). A segregação deste conteúdo relativamente ao primeiro pode ter relevância, designadamente nos quadros do art. 292.º do Cód. Civil. As restantes obrigações assumidas pela ré traduzem deveres acessórios – designadamente de informação. No entanto, bem vistas as coisas, a ré não promete emitir (futuramente) uma declaração de doação. Não estamos perante a assunção da obrigação de facere infungível que consiste na emissão futura da declaração (de vontade) de doação. Garante, sim, imediatamente uma prestação futura (obrigação de dare). É por assim ser que a autora não recorre a uma ação de execução específica – que sempre seria inadmissível: cfr. o Ac. do TRL de 25-06-2009 (2431/04.8TVLSB.L1-6) –, mas sim a uma ação de cumprimento. Significa isto que devemos abandonar a primeira via e verificar onde nos conduz a segunda. 1.2.2. Assunção de uma obrigação futura A assunção de uma obrigação, em benefício do outro contraente, é uma doação – cfr. o art. 940.º, n.º 1, último caso, do Cód. Civil. Conforme se sustenta no Ac. do TRP de 27-06-2002 (0230205), na esteira de ANTUNES VARELA, no texto e no espírito da lei cabe tanto a hipótese de alguém assumir a título gratuito a dívida já existente do devedor (donatário) em face de terceiro, como a de alguém assumir a título gratuito uma obrigação inteiramente nova diretamente em benefício do outro contraente, como, ainda, o caso de alguém se obrigar a doar (transmitir gratuitamente) algum direito ao outro contraente. Embora uma obrigação mesmo não vencida ou sujeita a uma condição não seja uma obrigação futura, pelo que pode ser objeto de doação (art. 942.º, n.º 1, do Cód. Civil), o mesmo já não será de dizer de uma obrigação cuja causa só surge com o decurso do tempo – cfr. CARLOS MOTA PINTO, Cessão da Posição Contratual, Coimbra, Almedina, 1982, p. 270, incluindo nota 1. Significa isto que “a realização de uma doação por meio de assunção de uma obrigação (…) tem sempre de ser entendida e limitada de acordo com a proibição da doação de bens futuros e com o espírito da lei (a razão de política legislativa) que ilumina este traço excecional da doação em face do regime dos contratos onerosos” – cfr. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Volume II, Coimbra, Coimbra Editora, 1986, p. 264; sublinhado nosso. Como é sabido, a referida proibição visa proteger o doador da sua própria leviandade, isto é, contra a prática de um ato que só é (displicentemente) praticado por não significar a disposição imediata de bens ou direitos. Estando em causa a assunção de uma obrigação perante a contraparte, em caso de futura ocorrência do evento que a fundamenta (no art. 14.º da petição inicial, a autora usa a expressão “condições futuras”), não podemos deixar de concluir que estamos perante uma doação de uma obrigação futura – dado que tal evento não se reconduz ao simples facto de o donatário se vir a encontrar em determinada situação nem se traduz num ato que este possa praticar. É a esta luz que deve ser vista a obrigação assumida pela ré. Ora, o objeto mediato da doação não pode incidir sobre uma realidade futura (art. 942.º, n.º 1, do Cód. Civil. A doação de bens futuros é nula – cfr. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código, cit., p. 264.» A recorrente considera incorrecta esta qualificação jurídica do contrato dos autos porque dele não decorrem obrigações, apenas, para uma das partes. Fá-lo, porém, em negação do que é a evidência decorrente do conteúdo do n.º 1 da cláusula primeira desse contrato (que para o caso é a que assume importância fundamental), pois não se descortina qualquer obrigação que onere a ré. Na contundente, mas inteiramente justificada, expressão da sentença recorrida, o que decorre do clausulado vertido no escrito particular que formalizou o contrato não é «uma relação contratual simbiótica (sinalagmática), mas sim uma relação contratual parasitária». A qualificação jurídica do negócio (como doação de coisa futura, nula porque expressamente proibida pelo artigo 942.º, n.º 1, do CC) efectuada na primeira instância já foi sufragada por acórdão (não transitado em julgado) da 3.ª Secção desta Relação, proferido no processo n.º 15910/21.3T8PRT.P2 (em que as partes são as mesmas e o respectivo objecto e as questões nele suscitadas são, também, as mesmas que aqui se discutem) e merece, igualmente, a nossa concordância. Tal como tem a nossa adesão a consideração de que tal liberalidade conflitua com o regime resultante da aplicação conjugada dos nºs. 1 e 2 do artigo 6.º do CSC. Desmorona-se, assim, a construção argumentativa da recorrente, alicerçada na existência de um contrato de intermediação desportiva válido e eficaz, que a ré/recorrida teria incumprido. Mas, mesmo que fosse de acolher a tese de que entre as partes foi celebrado um contrato oneroso de prestação de serviços a que se aplica o regime jurídico estabelecido pela Lei n.º 54/2017, de 14 de julho, e o Regulamento de Intermediários da Federação Portuguesa de Futebol (RIFPF), nem assim a pretensão da recorrente mereceria melhor sorte, pois são várias as irregularidades que o afectam, exaustivamente identificadas e analisadas na sentença recorrida, e cuja fundamentação aqui damos por reproduzida para evitar densificar o texto do acórdão com transcrições. Ainda assim, cabe destacar a manifesta desconformidade do contrato com a exigência do n.º 2 do artigo 38.º da Lei n.º 54/2017, a que já aludimos. Falta no clausulado contratual a definição dos serviços a prestar pela autora enquanto empresária desportiva, que justificaria a prestação pecuniária a que se vinculou a ré (cfr. cláusula primeira). Há, apenas, uma vaga referência a «serviços de representação e intermediação». Na realidade, a autora/recorrente não se vinculou à prestação de qualquer serviço (por muito que queira convencer do contrário, invocando os “considerandos” do contrato) e por isso, ressalvado o devido respeito, não faz sentido a sua alegação de que «a ré R. não poderia agir de modo a dispensar, unilateralmente, os serviços da A., nem impedir que a mesma pudesse cumprir a sua prestação». A consequência dessa omissão é clara e terminante: «são nulas as cláusulas contratuais que contrariem o disposto nesta lei ou que produzam um efeito prático idêntico ao que a lei quis proibir» (artigo 42.º do citado diploma legal). * Sendo, manifestamente, improcedente a pretensão da recorrente fundada no contrato e no seu alegado incumprimento pela ré/recorrida, importa apreciar as causas de pedir subsidiariamente invocadas para obter o mesmo resultado: o enriquecimento sem causa e a violação da boa-fé contratual.Da figura jurídica do enriquecimento sem causa (regulado nos artigos 473.º e segs. do CC) importa começar por sublinhar que tem na sua base uma deslocação patrimonial, o que não significa que se traduza necessariamente numa deslocação de valores do património do empobrecido para o património do enriquecido. Muitas vezes assim será, mas há casos, como a poupança de despesas, em que “a deslocação patrimonial consiste na subtracção a um encargo que outrem indevidamente teve de suportar; a restituição far-se-á mediante a imposição de uma nova obrigação (a cargo do beneficiado), cujo objecto visa compensar o encargo indevidamente suportado pelo empobrecido”[8]. Da norma contida no preceito legal citado resulta claro que a obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: Em primeiro lugar, tem de haver um enriquecimento de alguém, a obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, que tanto pode consistir num aumento do activo patrimonial (o chamado enriquecimento positivo) como numa diminuição do passivo ou, ainda, na poupança de despesas. Em segundo lugar, a obrigação de restituir o enriquecimento pressupõe que este careça de causa justificativa. Diz-se deste requisito que é o elemento caracterizador do locupletamento e ocorre quando este não encontra justificação na lei ou na vontade do empobrecido. Segundo o Professor Antunes Varela (ob.cit., 438), trata-se de um problema de interpretação e integração da lei, tendente a fixar a correcta ordenação dos bens à luz do Direito vigente. “Quando o enriquecimento criado está de harmonia com a ordenação jurídica dos bens aceita pelo sistema – escreve o autor – pode asseverar-se que a deslocação patrimonial tem causa justificativa; se, pelo contrário, por força dessa ordenação positiva, ele houver de pertencer a outrem, o enriquecimento carece de causa”. Em terceiro e último lugar, exige-se que o enriquecimento seja obtido à custa de outrem (em princípio, daquele que reclama a restituição), ou seja, o enriquecimento deve ser alcançado com bens jurídicos pertencentes a outrem. Ainda nas palavras do Professor Antunes Varela (ob. cit., 440), “a correlação exigida por lei entre a situação dos dois sujeitos traduzir-se-á, em regra, no facto de a vantagem patrimonial alcançada por um deles resultar do sacrifício económico correspondente suportado pelo outro”. Este requisito desempenha a dupla função de delimitar o âmbito dos enriquecimentos juridicamente criticáveis e de assinalar, desde logo, o património ao qual o enriquecimento deve vir a ser restituído no caso de se verificar que foi obtido sem causa e à custa desse património. Nenhum desses requisitos se verifica neste caso. Como se expendeu na sentença recorrida: «Das duas uma: ou a obrigação (direito) existe, caso em que tal regime é inaplicável (art. 474.º do Cód. Civil); ou tal direito não existe, caso em que não se concebe a transmissão de uma inexistência, o ganho do seu valor ou a sua perda (à custa e em proveito de quem quer que seja).» A natureza subsidiária do instituto (artigo 474.º) não significa que a ele se pode recorrer para fazer valer uma pretensão totalmente carecida de fundamento, como frequentemente acontece, e como, de novo com inteiro acerto, se afirma na sentença recorrida, «como é evidente, não existe nenhum enriquecimento (nem correspetivo empobrecimento) no mero não “pagamento” do que contratualmente não é devido». * O princípio da boa-fé e da confiança na formação e/ou execução dos contratos, ou melhor, a conduta violadora desse princípio é outra figura a que, não raro a despropósito, se recorre, e é um dos fundamentos subsidiariamente invocados pela recorrente (fê-lo, longamente, na petição inicial – artigos 76.º e segs. – e insiste no tema em sede de recurso – conclusões 152.ª e 153.ª) para obter a quantia reclamada, agora a título de indemnização.Na actualidade, é um dado perfeitamente adquirido que as partes estão obrigadas, tanto nos preliminares como na formação e execução dos contratos, e, em certos casos, mesmo após eles (post pactum finitum) a agir de boa-fé, o mesmo é dizer, a adoptar uma conduta que não se desvie de certos deveres, que não adopte um comportamento eticamente censurável susceptível de trair a confiança da outra parte numa negociação honesta. Os deveres de lealdade vinculam os negociadores a não assumir comportamentos que se desviem de uma negociação correcta e honesta. Recorrendo ao ensinamento do Professor A. Menezes Cordeiro (in Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo I, Almedina, 1999, pág. 339): «as partes não podem, in contrahendo, adoptar comportamentos que se desviem da procura, ainda que eventual, de um contrato, nem assumir atitudes que induzam em erro ou provoquem danos injustificados. Os deveres de lealdade distinguem-se, com certa dificuldade, dos deveres de informação; pode, no entanto, considerar-se que neles não há apenas uma questão de comunicação; antes se joga, também, um problema de comunicação». Não vislumbramos, nem a autora explica, onde está a má-fé na formação e/ou execução do contrato. A recorrente não sustenta que a ré cumpriu uma obrigação em termos que são contrários aos ditames da boa. Afirma, simplesmente, que não cumpriu. E a ré defende que não havia nenhuma obrigação a cumprir. Por isso, tal como na sentença recorrida, concluímos que não se coloca aqui um problema de (violação da) boa-fé na formação/execução do contrato. Improcedem, assim, todas as conclusões do recurso. III - Dispositivo Por tudo o exposto, acordam os juízes desta 5.ª Secção Judicial (3.ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação de “A..., L.DA” e, em consequência, confirmar a sentença recorrida. Custas a cargo da autora/recorrente (artigo 527.º, n.os 1 e 2, do Cód. Processo Civil). (Processado e revisto pelo primeiro signatário). Porto, 19/122023 Joaquim Moura Miguel Baldaia de Morais Teresa Fonseca ____________ [1] Decisão notificada às partes por expediente electrónico elaborado no dia seguinte. [2] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre in Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, Almedina, 4.ª edição, pág. 713. [3] Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, CPC Online, blogue do IPPC. [4] Cfr. acórdão desta Relação e desta Secção, proferido no processo nº 142/19.9T8BAO.P1, de que foi relator o Juiz Desembargador Dr. Carlos Gil e no qual o aqui relator interveio como adjunto. [5] Como referido, é regulado por lei (Lei n.º 54/2017, de 14 de Julho), que define o seu nomen juris. [6] Na doutrina e na jurisprudência há quem chame bilaterais aos contratos sinalagmáticos (os não sinalagmáticos seriam unilaterais), mas, como faz notar o Professor Menezes Cordeiro (Tratado de Direito Civil Português, Parte Geral, Tomo I, Almedina, 1999, pág. 255), todos os contratos são, no mínimo, bilaterais por terem mais que uma parte. [7] Cfr. A. Menezes Cordeiro, Ob. e Loc., Cit., Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. I, Almedina, 5.ª edição, 345, e Luís Menezes Leitão, “Direito das Obrigações”, vol. I, Almedina, 7.ª edição, 204. [8] Professor Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 5.ª edição, 431. |