Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2098/10.4JAPRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANTÓNIO GAMA
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAL DE EXECUÇÃO DE PENAS
MANDADOS DE LIBERTAÇÃO
DECLARAÇÃO DE EXTINÇÃO DA PENA
Nº do Documento: RP201511042098/10.4JAPRT-A.P1
Data do Acordão: 11/04/2015
Votação: DECISÃO SINGULAR
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA
Decisão: DECIDIDO O CONFLITO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: O Tribunal de Execução de Penas é o competente para emitir os mandados de libertação e declarar extinta a pena.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Conflito de competência n.º 2098/10.4JAPRT-A.P1

Importa a resolução do que nos autos se configura como conflito negativo de competência entre a Instância Central 2ª Secção Criminal J7 de Vila do Conde, Comarca de Porto e o Tribunal de Competência Alargada de Execução de Penas J3 da Comarca do Porto, tendo vem vista a emissão de mandados de libertação do condenado que cumpre pena de um anos e seis meses de prisão.
O Ex.mo juiz da Instância Central atribuiu a competência ao TEP, negando a própria, para declarar a extinção pelo cumprimento de uma pena de prisão efectiva.
O Ex.mo juiz do TEP remete-se ao habitual dizer “…o TEP apenas é competente para a emissão de mandados de libertação quando a mesma seja por si decretada, designadamente nos casos de liberdade condicional, ao passo que cabe aos autos de condenação a emissão de mandados de libertação no caso de cumprimento integral da pena de prisão, como é o caso”. Retira-se que está subjacente o entendimento de que a competência do TEP só deve ser afirmada nos casos em que há concessão de liberdade condicional.
Os despachos em que assim foi entendido transitaram em julgado.
Esta Relação, concretamente o presidente da secção criminal a quem o processo foi distribuído, é legalmente competente para conhecer do conflito e decidi-lo, art.º 12º, n.º5, al. a) do Código de Processo Penal.
O Ex.mo Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que a competência para a emissão dos mandados de libertação é do TEP.

O Direito:
O despacho proferido pelo Mmº Juiz do TEP, se no rigor não configura um despacho a declarar a incompetência daquele tribunal para a pretendida extinção da pena, pelo que não estaríamos perante um conflito negativo de competência, tal como o mesmo se mostra definido pelo art.º 34º nº 1 do Código de Processo Penal, o certo é que numa abordagem funcional do processo emerge da posição assumida pelo Mmº Juiz do TEP nos autos, uma situação de impasse que urge solucionar, por razões de racionalidade e economia processual, por analogia com as regras estabelecidas para a resolução dos conflitos de competência [artºs 34º a 36º do Código de Processo Penal ex vi art.º 139º e 140º do CEPLPL];
A questão a decidir é assim a de saber qual é o tribunal competente, em razão da matéria, para emitir mandados de libertação de recluso em fim de pena e já agora declarar a extinção da pena de prisão imposta, se é o tribunal da condenação ou, pelo contrário, o Tribunal de Execução das Penas.
Repetindo o argumentário corrente unívoco e inequívoco dos Presidentes das secções criminais deste Tribunal da Relação do Porto, diremos que a emissão de mandados de libertação de recluso em fim de pena de prisão e o despacho a declarar a extinção da pena de prisão cabe ao TEP, casos expressamente previstos na lei (art.º 138º do CEPMPL), o que não está em contradição com o disposto no início do n.º 1, do artigo 470.º, do Código de Processo Penal, pois bem vistas as coisas, a competência do tribunal da condenação, quanto a execução de penas e medidas privativas de liberdade, é agora afastada pelo segmento final sem prejuízo do disposto no art.º 138º do CEPMPL, do mesmo n.º1 do artigo 470º do Código de Processo Penal. No tocante a penas e medidas privativas de liberdade a competência do tribunal da condenação foi substituída pela do TEP, a quem cabe exclusivamente a competência para acompanhar e fiscalizar a execução de medidas privativas da liberdade, após o trânsito em julgado da sentença que as aplicou.
O artigo 138.º, n.º 2, do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, estabelece:
Após o trânsito em julgado da sentença que determinou a aplicação de pena ou medida privativa da liberdade, compete ao tribunal de execução das penas acompanhar e fiscalizar a respectiva execução e decidir da sua modificação, substituição e extinção, sem prejuízo do disposto no artigo 371.º-A, do CPP.
Sendo a competência material e funcional dos tribunais em matéria penal regulada subsidiariamente pelas leis de organização judiciária, art.º 10º do Código de Processo Penal, importa atender ao disposto na Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, Lei da Organização do Sistema Judiciário, que em matéria de competência territorial alargada dos Tribunais de Execução das Penas, disciplina:
Artigo 114.º
1 - Após o trânsito em julgado da sentença que determinou a aplicação de pena ou medida privativa da liberdade, compete ao tribunal de execução das penas acompanhar e fiscalizar a respectiva execução e decidir da sua modificação, substituição e extinção, sem prejuízo do disposto no artigo 371.º-A do Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro.
(…)
3 - Sem prejuízo de outras disposições legais, compete ao tribunal de execução das penas, em razão da matéria:
(…)
r) Declarar extinta a pena de prisão efectiva, a pena relativamente indeterminada e a medida de segurança de internamento;
s) Emitir mandados de detenção, de captura e de libertação;
Esta norma da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, replica e concretiza o art.º 138º, n.º2 do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.
A predita solução legislativa – competência do tribunal de execução de penas para emitir mandados de libertação e para a declaração de extinção da pena da pena de prisão – resultou de propósito legislativo expresso e assumido de modo claro e inequívoco na exposição de motivos da Proposta de Lei 252/X [Ponto]15. No plano processual e no que se refere à delimitação de competências entre o tribunal que aplicou a medida de efectiva privação da liberdade e o Tribunal de Execução das Penas, a presente proposta de lei atribui exclusivamente ao Tribunal de Execução das Penas a competência para acompanhar e fiscalizar a execução de medidas privativas da liberdade, após o trânsito em julgado da sentença que as aplicou. Consequentemente, a intervenção do tribunal da condenação cessa com o trânsito em julgado da sentença que decretou o ingresso do agente do crime num estabelecimento prisional, a fim de cumprir medida privativa da liberdade. Este um critério simples, inequívoco e operativo de delimitação de competências, que põe termo ao panorama, actualmente existente, de incerteza quanto à repartição de funções entre os dois tribunais e, até, de sobreposição prática das mesmas. Incerteza e sobreposição que em nada favorecem a eficácia do sistema.”
Proposta de Lei que dizia no seu artigo 138.º Competência material (…):
2 – Após o trânsito em julgado da sentença que determinou a aplicação de pena ou medida privativa da liberdade, compete ao Tribunal de Execução das Penas acompanhar e fiscalizar a respectiva execução e decidir da sua modificação, substituição e extinção, sem prejuízo do disposto no artigo 371.º-A do Código de Processo Penal.
(…)
4 – Sem prejuízo de outras disposições legais, compete aos Tribunais de Execução das Penas, em razão da matéria:
r) Declarar extinta a pena de prisão efectiva, a pena relativamente indeterminada e a medida de segurança de internamento;
s) Emitir mandados de detenção, de captura e de libertação;
No processo legislativo foi realçada essa intencionalidade no “parecer do relator”, DAR 41 II Série A – Número: 090 28 de Março de 2009, “No plano processual e no que se refere à delimitação de competências entre o tribunal que aplicou a medida de efectiva privação da liberdade e o Tribunal de Execução das Penas, a presente proposta de lei atribui exclusivamente ao Tribunal de Execução das Penas a competência para acompanhar e fiscalizar a execução de medidas privativas da liberdade, após o trânsito em julgado da sentença que as aplicou”.
O Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade manteve intocada esta solução normativa, como resulta da comparação do seu texto com o da Proposta de Lei, rompendo expressa e claramente com a solução pré-vigente, artigo 138.ºCEPMPL:
2 - Após o trânsito em julgado da sentença que determinou a aplicação de pena ou medida privativa da liberdade, compete ao tribunal de execução das penas acompanhar e fiscalizar a respectiva execução e decidir da sua modificação, substituição e extinção, sem prejuízo do disposto no artigo 371.º-A do Código de Processo Penal.
4 - Sem prejuízo de outras disposições legais, compete aos tribunais de execução das penas, em razão da matéria:
(…).
r) Declarar cumprida a pena de prisão efectiva que concretamente caberia ao crime cometido por condenado em pena relativamente indeterminada, tendo sido recusada ou revogada a liberdade condicional;
s) Declarar extinta a pena de prisão efectiva, a pena relativamente indeterminada e a medida de segurança de internamento;
Face ao exposto, está fora de qualquer dúvida que, cumprida a pena privativa da liberdade compete ao tribunal de execução das penas a emissão de mandados de libertação quer a declaração de extinção da pena.
Este é o entendimento unânime dos presidentes das secções criminais deste Tribunal da Relação do Porto. Este é também o entendimento do Ex.mo Presidente da 3ª Secção criminal do STJ (decisões de 7.4.2014 proc. 70/98.0GAMLGL-A.S1, 30.5.2014 proc. 121/06.6PBFIG-BS1, 21.11.2014 proc. 125/14.5YREVR.S1, 4.2.2015 pro. 10/15.3YFLSB, 15.4.2015 proc. 35/00.3TBMCD.P1.G1.S1). O Ex.mo Presidente da 5ª secção criminal do STJ, na parte respeitante à declaração de extinção da pena, apesar de entender que não há lugar a despacho a declarar extinta a pena de prisão efectiva já cumprida, admite muito pragmaticamente que a existir despacho a declarar extinta a pena de prisão pelo seu cumprimento, o tribunal materialmente competente é o TEP, (decisão de 12.5.2015 proferida no processo n.º 35/09.8PCCBR-A.S1). Quanto à competência para “emitir mandados de libertação” afirma também a competência do TEP, decisão de 31.3.2014, proferida no proc. 131/07.6GAVZL-A.S1 que curiosamente declarou o TEP do Porto como competente (Proc. 531/11.7TXCRB-A).
Temos assim que, em casos como o presente, quer o conflito se suscite no âmbito de competência territorial do Tribunal da Relação do Porto, quer entre o TEP do Porto e uma qualquer outra comarca fora do âmbito de competência do Tribunal da Relação do Porto, o que reclama a intervenção de um Ex.mo Conselheiro Presidente das secções criminais do STJ, art.º 11º, n.º6, al. a) do Código de Processo Penal, a decisão unânime é a atribuição de competência ao TEP. Sendo assim não nos parece curial persistir no argumento de que “…o TEP apenas é competente para a emissão de mandados de libertação quando a mesma seja por si decretada, designadamente nos casos de liberdade condicional, ao passo que cabe aos autos de condenação a emissão de mandados de libertação no caso de cumprimento integral da pena de prisão, como é o caso”. Esse argumento tem sido sucessivamente rebatido de modo unânime.
Uma de duas ou o Ex.mo juiz aceita a orientação unânime de todos os presidentes de secções criminais com jurisdição nesta matéria – Tribunal da Relação do Porto e STJ – ou, persistindo no seu entendimento, impõe-se que reformule o seu argumentário. Pela parte que nos toca, no pressuposto de que as certezas jurídicas em matéria de processo são apenas opiniões que convencem mais do que outras, estamos sempre abertos a mudar de rumo assim nos convençam de melhor juízo.
Conclui-se assim que o Tribunal de Execução de Penas é o competente para emitir os mandados de libertação e declarar extinta a pena.
DECISÃO:
Declara-se competente o TEP do Porto.
Observe de imediato o disposto no n.º 3 do artigo 36.º do Código de Processo Penal.
Não há lugar a tributação.
Envie cópia aos Ex.mos Presidentes das Comarcas do Porto, Porto Este e Aveiro.

Porto, 4 de Novembro de 2015.
António Gama