Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
176/14.0T8OAZ-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA LUCINDA CABRAL
Descritores: FALÊNCIA
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
LEI PROCESSUAL APLICÁVEL
TEMAS DE PROVA
DOCUMENTO
PROVA TESTEMUNHAL
SIMULAÇÃO
Nº do Documento: RP20230418176/14.0T8OAZ-A.P1
Data do Acordão: 04/18/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; DECISÃO CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Tratando-se de uma acção declarativa que se encontrava já na fase de instrução quando em 1 de Setembro de 2013 entrou em vigor o novo CPC, este é-lhe imediatamente aplicável, como decorre das normas transitórias do artigo 5º da Lei 41/2013 de 26.6.
II - No novo CPC o conceito de temas da prova é dotado de uma flexibilidade que permite que a respectiva enunciação seja ora mais vaga ou difusa, ora mais concreta ou precisa, conforme as características da causa
III - A restrição probatória prevista no artigo 394º, nº do C. Civil não se aplica a terceiros, assim, o terceiro não é abrangido pelas limitações de prova dos nºs 1 e 2 deste artigo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 176/14.0T8OAZ-A.P1
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro
Juízo de Comércio de Oliveira de Azeméis - Juiz 1


Acordam no Tribunal da Relação do Porto


I – Relatório

Estes autos de reclamação de créditos dizem respeito à sociedade “A..., SA”, a qual foi declarada falida por decisão, já transitada em julgado, datada de 13 de Julho de 2000.

A falência foi instaurada a 14 de Julho de 1999, a pedido da credora B..., Lda. (agora C..., S.A).

Os credores da falida foram citados por editais, nos termos do disposto no artigo 20.º do Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresa e da Falência, para deduzirem oposição ou justificarem os seus créditos, publicados em jornal da localidade e no Diário da República, não tendo sido deduzida qualquer oposição

Nos termos do disposto no artigo 188º, nº 1 do Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresa e da Falência, foram reclamados os seguintes créditos:
1. D..., Lda. reclamou o seu crédito no valor de 760,79 euros proveniente do fornecimento de mercadorias.
2. E... Lda. reclamou o seu crédito no valor de 185,25 euros proveniente do fornecimento de mercadorias.
3. F..., Lda. reclamou o seu crédito no valor de 5.828,85 euros proveniente do fornecimento de mercadorias.
4. Banco 1..., S.A. reclamou o seu crédito no valor de 2.332.632,65 euros proveniente de empréstimos e juros de mora.
5. Banco 2..., S.A. reclamou o seu crédito de 301.070,36 euros proveniente de empréstimos e juros de mora.
6. Banco 3..., S.A. (incorporado no Banco 2...) reclamou o seu crédito no valor de 395.510,17 euros proveniente de empréstimos e juros de mora.
7. Banco 4..., S.A. (incorporado na Banco 5...), reclamar o seu crédito no valor de 980.778,02 euros proveniente de empréstimos e juros de mora.
8. Banco 6... reclamou o seu crédito no valor de 4.188.927,31 euros proveniente de empréstimos e juros de mora.
9. G..., Lda. reclamou o seu crédito no valor de 27.783,12 euros proveniente de fornecimentos efectuados.
10. B..., Lda. (agora C..., S.A.) reclamou o seu crédito no valor de 1.581.368,50 euros proveniente de fornecimentos efectuados e juros de mora.
11. H..., Lda. reclamou o seu crédito no valor de 9.882,61 euros proveniente do fornecimento de mercadorias.
12. I... reclamou o seu crédito no valor de 73.349,51 euros proveniente de fornecimentos efectuados e juros de mora.
13. J..., Lda. reclamou o seu crédito no valor de 6.891.101,20 euros proveniente de fornecimentos efectuados e juros de mora.
14. K..., Limited reclamou o seu crédito no valor de 1.324.813,85 euros proveniente de empréstimos efectuados.
15. L..., Lda reclamou o seu crédito no valor de 479,95 euros proveniente de fornecimentos efectuados e juros de mora.
16. AA e mulher reclamaram o seu crédito no valor de 4.530,97 euros proveniente de fornecimentos efectuados e juros de mora.
17. BB reclamou o seu crédito no valor de 54.992,47 euros proveniente de remunerações em atraso e indemnizações por cessação de contrato de trabalho.
18. CC (M...) reclamou o seu crédito no valor de 150.136,03 euros proveniente de fornecimentos efectuados e juros de mora.
19. Ministério Público, em representação da Fazenda Nacional reclamar o seu crédito no valor de 46.973,91 euros proveniente de IRC respeitante ao ano de 1995 e contribuição autárquica.
20. N..., Lda. reclamou o seu crédito no valor de 4.538,39 euros proveniente de fornecimentos efectuados e juros de mora.

Nos termos do disposto no artigo 188º, nº 4 do Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresa e de Falência, foi reclamado o seguinte crédito:
1 - Ministério Público reclamou um crédito no montante de 296,78 euros que se encontrava a ser reclamado na execução por custas correspondente ao processo n.º 221/B/99, pendente no 3.º Juízo do Tribunal da comarca de Santarém.

Nos termos do disposto no artigo 191, nº 2 do Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresa e de Falência, foram reclamados os seguintes créditos:
1. O..., Lda. reclamou o seu crédito no valor de 3.725,28 euros proveniente de fornecimentos efectuados.
2. P..., Lda. reclamou o seu crédito no valor de 12.304,63 euros proveniente de fornecimentos efectuados.
3. Q..., Lda. reclamou o seu crédito no valor de 263,35 euros proveniente de fornecimentos efectuados.
4. R..., Lda. reclamou o seu crédito no valor de 3.049,64 euros proveniente de fornecimentos efectuados.
5. DD (S...) reclamou o seu crédito no valor de 34.492,61 euros proveniente de fornecimentos efectuados e juros de mora.
6. T..., Lda. reclamou o seu crédito no valor de 28.986,14 euros proveniente de fornecimentos efectuados.
7. U..., Lda. (ex-V...) reclamou o seu crédito no valor de 8.094,44 euros proveniente de fornecimentos efectuados.
8. W..., Lda. reclamou o seu crédito no valor de 32.881,17 euros proveniente de fornecimentos efectuados e juros de mora.
9. X..., Lda. reclamou o seu crédito no valor de 20.349,31 euros proveniente de fornecimentos efectuados e juros de mora.
10. Y..., Lda. reclamou o seu crédito no valor de 17.956,72 euros proveniente de fornecimentos efectuados.
11. EE reclamou o seu crédito no valor de 3.764,37 euros proveniente de fornecimentos efectuados.
12. Z..., Lda. reclamou o seu crédito no valor de 5.629,07 euros proveniente de fornecimentos efectuados.
13. Aa..., Lda. reclamou o seu crédito no valor de 396,38 euros proveniente de fornecimentos efectuados e juros de mora.
14. Ab..., Lda. reclamou o seu crédito no valor de 4.252,39 euros proveniente de fornecimentos efectuados e juros de mora
15. Ac..., Lda. reclamou o seu crédito no valor de 4.225,94 euros proveniente de fornecimentos efectuados e juros de mora.”

Nos termos do disposto no artigo 205º do Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresa e de Falência, foram, ainda, reclamados os seguintes créditos:
1. Apenso G, Ministério Público reclamou um crédito no montante global de 347,66 euros, referente a custas.
2. Apenso I, Ministério Público reclamou um crédito no montante de 167,60 euros, referente a custas.
3. Apenso J, Ministério Público reclamou crédito no montante de 67,34 euros, referente a custas.
4. Apenso L, Ministério Público reclamou crédito no montante de 2.516,93 euros referente a custas.
5. Apenso C, Ministério Público reclamou crédito no montante de 107.222,51 euros referente a custas.
6. Apenso E, Ministério Público reclamou crédito no montante de 460,88 euros referente a custas.
7. Apenso H, Ad..., Lda. reclamou crédito no montante de 2.228,94 euros referente fornecimentos à falida e juros de mora.
8. Apenso F, Centro Regional da Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo reclamou crédito no montante de 29.766,66 euros referente a custas.

O Liquidatário deu cumprimento ao disposto no artigo 191º do Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresa e de Falência.
O crédito reclamado pelo credor K..., Limited foi impugnado por alguns dos credores e não foi reconhecido pelo Liquidatário Judicial.

Realizou-se a tentativa de conciliação a que alude o n.º 2 do art.º 196.º do Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresa e de Falência, mantendo-se a impugnação do crédito reclamado.

Foi junto o parecer a que alude o artigo 195.º do Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresa e de Falência.

Com excepção do crédito reclamado pelo credor K..., Limited, todos os demais foram declarados reconhecidos, porque não impugnados – cfr. artigo 196.º, n.º 4 e 200.º, ambos do Código de Processos Especiais de Recuperação de Empresa e Falência.

Em 07/05/2010 elaborou-se despacho saneador com a indicação dos factos assentes e com a enumeração dos factos controvertidos (base instrutória).

Apresentadas reclamações foram as mesmas decididas.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:” Pelo exposto, julgo procedentes as impugnações deduzidas pelos credores Ae... e J... ao crédito da K..., não o reconhecendo, tal como o fez o Exmo. Liquidatário Judicial.
*
VII – GRADUAÇÃO DOS CRÉDITOS RECONHECIDOS.
Reconhecidos que se mostram todos os créditos, com excepção do crédito reclamado pela K… e com excepção do crédito reconhecido a BB e que foi já pago, há que proceder à sua graduação, nos termos do disposto no artigo 196º do Código de Processos Especiais de Recuperação de Empresa e Falência e atendendo aos dispositivos legais aplicáveis.
Preliminarmente, importa ter em atenção o preceituado no artigo 208º do Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresa e de Falência, segundo o qual, “As custas da falência e todas as demais que devam ser suportadas pela massa falida, bem como as despesas de liquidação e a remuneração do liquidatário, saem precípuas de todo o produto da massa e, na devida proporção, do produto de cada espécie de bens, móveis ou imóveis. embora tenham sido objecto de garantia real”.
Na graduação a realizar, teremos, ainda, em atenção o disposto no artigo 200º, nº 3 do Código de Processos Especiais de Recuperação de Empresa e Falência, segundo o qual “Na graduação de créditos não é atendida a preferência resultante de hipoteca judicial nem a proveniente de penhora, mas as custas pagas pelo autor ou exequente são equiparadas às do processo de falência para efeito de saírem precípuas da massa.”
Assim, as custas da falência, as despesas da administração e as custas contadas do processo e apensos saem precípuas.
Os créditos verificados incluem os respectivos juros sem esquecer, porém, que na data da prolação da sentença de declaração de falência cessa a contagem de juros ou de outros encargos sobre obrigações do falido, nos termos do artigo 151º, nº 2 do Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresa e de Falência, pelo que, no caso concreto que nos ocupa, a contagem dos juros cessou a 13 de Julho de 2000 – (data da declaração da falência).
Importa chamar à colação o disposto no artigo 152° do Código de Processos Especiais de Recuperação de Empresa e Falência segundo o qual, com a declaração de falência "…extinguem-se imediatamente os privilégios creditórios1 do Estado, das autarquias locais e das instituições de segurança social, passando os respectivos créditos a ser exigidos apenas como créditos comuns, excepto os que se constituírem no decurso do processo de recuperação da empresa ou de falência."
A declaração de falência, por si só, retira o privilégio de que gozavam os créditos referidos no transcrito preceito legal que passam a ser considerados créditos comuns.
Com a estatuição constante do artigo 152º do Código de Processos Especiais de Recuperação de Empresa e Falência, opera-se, com a declaração da falência, a imediata extinção dos privilégios creditórios do Estado, das autarquias locais e das instituições de segurança social, passando os respectivos créditos a ser exigidos apenas como créditos comuns, retirando a lei o privilégio de que gozavam os créditos elencados naquele normativo que passam de privilegiados a comuns. Mantendo salvaguardados os seus privilégios aqueles créditos que se integrem na excepção já referida.
Ao proceder-se à graduação dos créditos reconhecidos, importa ter igualmente em consideração a suas diversas naturezas, dado termos de graduar créditos laborais, créditos de natureza comum, créditos garantidos por hipoteca voluntária e créditos garantidos por hipotecas legais.
Como se sabe existia um crédito privilegiado laboral que foi já pago.
O único crédito reclamado como crédito garantido (por hipoteca) foi nesta sentença declarado como não reconhecido.
Todos os demais são créditos comuns pelo que serão graduados em paridade (cf. art. 200º/3 208º, ambos do Código de Processos Especiais de Recuperação de Empresa e Falência).
E assim sendo, pelo produto de todos os bens apreendidos serão pagos todos os créditos que ficaram reconhecidos, em pé de igualdade e rateadamente.
*
Data da Falência: A já fixada – 13/07/2000.
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As custas do processo bem como as despesas da administração e as custas a que se refere o aludido art. 200º/3, do Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresa e de Falência saem precípuas de todo o produto da massa - art. 249º do Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresa e de Falência.
*
Custas pela massa falida – artigo 249º, nº 2 do Código de Processos Especiais de Recuperação de Empresa e Falência.”

Na sentença consignou-se ainda o seguinte:” Conforme resulta dos autos, no despacho saneador proferido nestes autos ainda se indicaram os factos assentes e organizaram-se, em forma de base instrutória, os factos controvertidos (corria o ano de 2010).
Porém, o julgamento dos autos fez-se de acordo com as regras estabelecidas no Novo Código de Processo Civil e não houve leitura da decisão relativa à matéria de facto.
Cremos, pois, que a indicação dos factos provados e não provados na presente sentença deve obedecer ao que actualmente se estabelece no Código de Processo Civil, não devendo tal factualidade ficar “resumida” e “limitada” pela base instrutória há muito indicada, antes se analisando os articulados de reclamação de créditos da credora cujo crédito foi impugnado e os articulados de impugnação apresentados pelas credoras Ae... e J... e vertendo como provados ou não provados os factos que foram alegados e que foram objecto da discussão da causa.
Só assim ficará espelhado nesta sentença o resultado do que foi discutido em julgamento.
Sem prejuízo, e porque devemos atender às várias soluções em Direito plausíveis, não deixaremos de nos referir aos factos indicados na base instrutória e de os dar como provados ou não provados.”

K..., LIMITED, Credora hipotecária e reclamante de créditos no processo principal de insolvência veio interpor recurso, concluindo:
Dos vícios da sentença.
I. Os presentes autos de falência da sociedade A..., SA, deram entrada em 1999, merecendo o número 451/99, sendo que a Reclamação de Créditos por parte da credora hipotecária K..., que resultou no apenso A em que a final foi proferida a sentença recorrida que os não reconheceu, foi realizada em 2000.
Consequentemente regem a falência o CPEREF e não o CIRE, e rege o processo o Código do Processo na redação à época vigente. Apenas em 2014 e por simples renumeração o processo passou a ser identificado como com o número 176/14.0T8AOZ, sem que tal tenha a faculdade de alterar o regime substantivo e processual aplicável.
II. Como era de regra obrigatória então, em despacho saneador datado de 2010, o Tribunal fixou qual o questionário, qual a base instrutória que seria objeto de prova posterior, que foi, em 2012 alterado sem objeção das partes, ficando então estabelecido em definitivo.
III. Passados mais 10 anos, no início das audiências de julgamento, o Juiz ora recorrido propôs às partes presentes, o que transpôs para a sentença, p. 7, 2º par.: “que no julgamento se observassem as regras do novo código de processo cível, no que respeita a todas as testemunhas serem inquiridas a toda a matéria e a desnecessidade de ser agendada data para a leitura da decisão relativa à matéria de facto dada como provada, acordando-se que, após o julgamento da causa, os autos seriam conclusos para sentença nos moldes atualmente previstos.” Embora tal não conste de qualquer gravação, corresponde exatamente ao que a Recorrente ouviu e entendeu.
IV. Não obstante tal limitação meramente de procedimento formal proposta, foi utilizada para por completo dar sem efeito o despacho saneador e a base instrutória, questionário, e de o substituir por um tema de prova, de que só se tomou conhecimento da sua definição na própria sentença, p. 7, 3º par. que se transcreve: “a questão a decidir ( e que foi objecto da discussão da causa ) é a de saber se os contratos de empréstimo e cessão de crédito a que se refere a reclamante K... não passaram de um acordo para prejudicar os credores desta falência, esvaziando o património da falida e avolumando artificialmente o seu passivo”
V. Nunca tal tema de prova foi definido no início do julgamento, nem em nenhuma das suas audiências que se prolongaram por mais de um ano, nem em qualquer momento anterior ao da elaboração da sentença, e que nunca foi comunicado às partes presentes.
Justificando-se na sentença que foi isso o objeto do julgamento, numa definição à posteriori do tema de prova, o que levou a que durante mais de um ano, e anteriormente durante mais de dez anos, as partes andassem a discutir o que tinha sido definido no questionário instrutório, apresentando documentos, indicando e prescindindo de testemunhas, dirigindo o seu interrogatório às testemunhas, e apresentando as suas alegações, quando desconheciam que afinal tal base instrutória tinha sido dado sem efeito pelo juiz da causa e que este passou a tudo apreciar em função de um tema que só ele conhecia.
VI. Com tal comportamento, confessado e evidente na própria sentença, o Juiz recorrido induziu em erro a Recorrente e as demais partes presentes, escolheu revogar o despacho que definiu a base instrutória anteriormente fixado, entendeu sujeitar todo o processo a partir daí ao novo regime processual, o que viola o artigo 5º da Lei 41/2013 de 26.6, que tal proíbe, e criou as condições para poder proferir uma decisão surpresa, não pedida, não invocada por qualquer das partes nos seus articulados ou nas suas alegações, antes as ultrapassando, no que igualmente violou o disposto no artigo 3º nº 3 do CPC, quer do novo quer do antigo.
VII. Desde logo concluindo de que afinal não tinha acontecido qualquer contrato de cessão de créditos entre a entidade financiadora detentora original dos créditos transacionados e reclamados pela K..., mas sim o pagamento do empréstimo, na véspera da entrada da ação de falência, para tal pedindo dinheiro emprestado ao advogado da Reclamante e seu sócio originário e beneficiário efetivo atual, quando nem documentalmente, nem por testemunho, nem por alegações, prévias ou finais, nem por inferência lógica do discutido e provado, tal possa constituir qualquer fundamento.
VIII. A revogação do despacho que estabeleceu o questionário, a definição meramente mental e individual do Juiz recorrido do tema de prova, mantendo as partes no seu desconhecimento e que resultou numa decisão surpresa sem fundamento em qualquer prova produzida, faz enfermar a sentença do vício de nulidade nos termos do artigo 195º nº 1do CPC, e como igualmente resultaria do artigo 200º do anterior Código.
Dos erros de julgamento na perceção da matéria de facto.
IX. Decide-se nesta apenso de Reclamação de Créditos apresentada pela cessionária, K..., de créditos resultantes da concessão de financiamento garantido por hipoteca em 1997 por parte da Banco 7... ( Banco 7...) no valor de 230 mil contos, em 1999, através de escritura pública e registados e averbados desde tais datas na respetiva CRP.
X. Créditos que não foram reconhecidos pelo Sr Liquidatário, por, tratando-se de créditos privilegiados em relação aos credores comuns, o seu reconhecimento resultaria em prejuízo destes, e por, alegadamente não ter encontrado evidências do recebimento de tais montantes. Motivação confessado pelo próprio Liquidatário no requerimento apresentado em 22-10-2018 com o teor seguinte: “ Tivessem o crédito então reclamado pela offshore e todos os demais atos anteriormente praticados pela A... SA sido consentidos, estaríamos em presença de mais uma falência cujo produto da massa falida se cingiria ao produto da venda dos bens móveis, … reverteria para o denominado credor hipotecário K... e todos os credores reconhecidos nada receberiam”.
XI. Reclamação de créditos que os credores comuns, membros da comissão de credores, impugnaram com base nos argumentos do Sr liquidatário e invocando simulação entre o banco financiador e a falida na realização do contrato a fim de os prejudicar, nunca os fundos obtidos tendo sido utilizado no giro comercial da empresa, e que a cessão de créditos igualmente teria sido simulada com o mesmo intuito.
XII. Atendendo a um extrato da conta corrente relativa ao empréstimo, aberta nos livros do Banco 7... aquando da concessão deste à A..., e onde igualmente terá sido lançados os pagamentos da cessão de créditos pela Reclamante, a sentença concluiu, como facto provado nº 10, p.12 da sentença: “a conta da A... no Banco 7... com o número ...01 foi creditada em julho de 1999, de três importâncias totalizando 238.272.433:
No dia 16/07/1999 pelo montante de 78.283.522$00;
No dia 14/07/1999 pelo montante de 61.484.664$00, transferido pela K....
No dia 21/07/1999, pelo montante de 98.504.247$00, correspondente ao contravalor do depósito de 500.000USD, por débito da conta ...01”
XIII. O erro de julgamento de facto está em que a K... não pagou as demais importâncias, além da de 61.484.664 escudos, e que por se encontrarem registadas a crédito de conta da A..., tais demais valores foram pagos pela A... e não pela K....
XIV. Em nada foi levada em consideração as declarações que logo veio fazer o banco financiador e cedente do crédito Banco 7..., quer através dos seus responsáveis em Paris, quer através dos seus mandatários judiciais em Portugal, a sociedade Af..., igualmente presente na escritura de cessão de créditos, e o depoimento pelo representante do banco que proferiu as declarações que constituem tal escritura, que o registo em tal conta se tratou de um mero lapso contabilístico por parte dos serviços do banco, por para eles o pagamento do crédito ou o recebimento da sua cessão ter o mesmo efeito, não tendo o administrativo contabilístico entendido adequadamente a operação realizada. Como resulta das declarações e documentos juntos aos autos pelos requerimentos entrados em 28/11/2005, referência 375889 e a 29.11.2005 referência 376249 e a 20.12.2005 referência 381887, e ainda de 29.9.2003 referência 178891, e gravação do depoimento do Dr FF, ao tempo representante da cedente, ao minuto 27.36 da gravação, como transcrita nas alegações acima.
XV. Em nenhuma de tais declarações do Banco 7..., ou de qualquer outro elemento de prova resulta que as transferências das outras importâncias que não as de 61.484.664 escudos, transferidas de contas no Banco 8... ..., sedeado na Suíça, pertencessem à A..., ou a GG ou alguém da sua família.
XVI. Provieram tais fundos, como resulta das declarações dos autos, do próprio mandatário com conhecimento de causa por ter emitido o cheque e ser o sócio originário da K..., que os demais interessados então reunidos na sociedade adquirente K..., são entidades conhecidas e até citados na sentença, HH, II, JJ e KK, que não eram nem administradores, nem sócios, nem familiares de sócios da A..., nem seus empregados, sendo meros prestadores de serviços no exercício da atividade das suas empresas profissionais.
XVII. Naturalmente a Recorrente não tinha qualquer controlo sobre os registos contabilísticos da entidade financiadora, e muito menos de onde esta entendia lançar os pagamentos do preço da cessão do crédito realizados pela K..., e logo que tomou conhecimento do mero lapso contabilístico para ele chamou a atenção, sendo a correcção imediata, como resulta dos documentos invocados.
XVIII. Ficou declarado testemunha Dr LL, no seu depoimento que o valor de 500 mil dólares que inicialmente serviram de garantia de penhor do financiamento concedido, pertencia ao Sr JJ, sócio do KK, o que o motivou mais tarde e na iminência de os perder a adquirir os créditos à Banco 7....
XIX. Não resulta da contabilidade da falida A..., não resulta da declaração de qualquer banco, não resulta das diligências promovidas pelo liquidatário, pelos credores impugnantes, pelo Ministério Público e Policia Judiciária no processo de inquérito de qualificação da insolvência, do relatório dos serviços de inspeção da Administração Tributária, e dos depoimentos por intervenientes nestes prestados em julgamento, e do depoimento da testemunha dos impugnantes Dr LL, de que a A... tivesse tido alguma vez contas no Banco 8... ..., de onde pudessem ser transferidos os fundos, pelo que o facto que deve ser dado como provado e assente é: O de que o preço da cessão foi pago pela sociedade adquirente K..., em várias tranches ou operações, totalizando o valor de 238.2 milhares de contos.”
XX. O facto dado como provado sob o número 11, “o de que teriam saído da conta da A... no Banco 7... saiu o valor de 230 mil contos com o qual se liquidou a responsabilidade da A..., “, está errado quando estabelece o pressuposto de que os fundos creditados em tal conta do Banco 7... pertenceriam à A..., pelas mesmas razões acima apresentadas como conclusão, já que é óbvio que se baseia numa conta corrente viciada de erro de mero registo contabilístico, corrigida e repetida à exaustão pelo próprio Banco 7..., que foram ostensivamente ignoradas pelo Juiz recorrido. Não sendo a histriónica e três vezes repetida razão de que os impugnantes tinham conseguido demonstrar que tinha sido a A... a pagar o financiamento, quando estes nem o alegaram, e muito menos provaram em qualquer momento, pelo que entendido nesta aceção de que o financiamento foi pago, ou que o preço da cessão de créditos foi pago pela sociedade mutuária não pode ser considerado como provado.
XXI. Pelo que o facto 11 deve ser substituído por outro que não admita qualquer equívoco ou leitura de que não foi a K... que pagou o preço da cessão, com os termos de “ foi a K... através dos pagamentos registados a crédito da conta da A..., por lapso de registo contabilístico que pagou o preço da cessão de créditos, como por esta declarado na escritura de compra e venda do crédito reclamado.”
XXII. Aliás mal se entenderia que na execução de um maléfico e maquiavélico plano de prejuízo dos credores engendrado pela falida em conluio com o seu administrador GG, a sociedade voluntariamente e usando dinheiros que tinha escondido e outros que pediria emprestados a prestadores de serviços que nem sócios da falida eram, viesse pagar um empréstimo hipotecário quando é dito que se preparava para prejudicar credores num eventual ou previsível processo de falência.
XXIII. Como não é credível que uma instituição bancária integrado num grupo financeiro então de enorme credibilidade e reputação como o grupo Banco 8..., viesse concordar em simular negócios de concessão de financiamento de mais de 1.2 milhões de euros, (há 25 anos atrás) e depois viesse igualmente simular a cessão dos mesmos, quando tais créditos já não existiriam por terem sido já pagos, arriscando-se a ter de devolver todo o pagamento recebido e de que deu quitação.
XXIV. Como carece de legitimidade a declaração de tais simulações quando o alegado co-simulador não foi chamado ao processo como parte, para efeitos de declaração de negócios nulos por simulação, não obstante os mais de 22 anos em que o processo já vêm a correr.
XXV. A pretexto e como conclusão é pretendido estabelecer como facto com o número 12, o seguinte “O negócio de cessão de créditos com o único intuito por parte da falida e da reclamante K... de prejudicar os credores da primeira”. Tal afirmação não é um facto, mas uma conclusão jurídica que deveria resultar da síntese de factos dados como provados, e que não o está. Não podendo uma intenção ou intuito resultar de uma mera hipótese aliciante para o julgador, mas de uma obrigatória confissão daqueles que teriam formado tal intenção ou intuito. E nenhum possível interveniente em tal maquinação foi ouvido em tribunal, nem de uma parte nem de outra, e muito menos da pretensa simuladora instituição financeira.
XXVI. Aliás é insustentável dizer, sem contradição, que quem pagou o financiamento foi a falida A... e que a cessão de créditos depois de pago o financiamento foi realizada com o objetivo de prejudicar credores, registando-se e invocando-se a contradição entre o facto 12 e a conclusão dita como facto 11.
XXVII. Sob o número 13, a sentença considera provado de que “O crédito referido não teve reflexos no aumento do ativo da falida nem no seu giro comercial, tendo-se destinado apenas a aumentar o passivo a reclamar”. O que é em si incompreensível na sua lógica, falso no seu fundamento e contraditório com as conclusões e factos que se pretendem igualmente estabelecidos, e consequentemente deve ser simplesmente expurgado da matéria de facto.
XXVIII. A própria sentença, a fls …., declara que o empréstimo foi concedido e que o montante de 230 mil euros foi transferido para a conta da A..., e desta para as contas da A... no Banco 8... em Aveiro, em duas tranches, de 100 e 120 mil contos, e desta diz ainda quais os destinos dados a tais fundos, com transferências para vários bancos da falida e desta utilizados para o pagamento de outros financiamentos, fornecedores entre os quais os impugnantes, e diversas despesas inclusive trabalhadores. Veja-se aliás o depoimento ainda do diretor financeiro de então, Dr LL na passagem da gravação já assinalada, ao minuto 38.50 que nas alegações se transcreveu.
XXIX. Em tais circunstâncias a afirmação, e ainda com o valor de facto, de que tal não aumentou o ativo da sociedade mutuária, é logicamente incompreensível, pois que se há dinheiros entrados em virtude de financiamento, o ativo aumentou, na mesma medida aliás que o passivo igualmente aumentou, e a situação liquida ou capitais próprios mantiveram-se iguais, pois também é falso nesta asserção.
XXX. É contrário à própria evidência refletida na sentença de que os capitais mutuados transitaram pelas diversas contas bancárias da falida, acabando por serem utilizados em pagamentos a bancos, fornecedores, despesas e ao pessoal, pelo que igualmente e nesta asserção de não terem entrado no giro da sociedade é falso.
XXXI. O facto de apenas servir para aumentar o passivo em processo de falência que foi instaurado mais de dois anos depois, quando nem era previsível qualquer processo de falência, enquanto decorriam negociações com os credores, e nem se sabia se haveria qualquer reclamação a fazer, e muito menos de quem iria realizar tal reclamação, não é um facto é uma especulação, uma conclusão e por isso espúria.
XXXII. Nem o facto, não dado como assente no lugar próprio mas que resulta dos autos e é referido na sentença, de que o administrador da falida aproveitou tal financiamento para se pagar de um crédito por empréstimo obrigacionista organizado pelo banco impugnante Ae... e por sua imposição, que anos antes tinha subscrito e realizado em 120 mil contos, fazendo emitir e assinando cheque de cem mil contos que depositou numa sua conta no Banco 2..., permite dar como fundamentado tal facto e conclusão. Pois que em qualquer que fosse o caso o dinheiro tinha entrado no ativo e na disponibilidade da sociedade falida, e teria sido utilizado no pagamento a um seu credor obrigacionista, que com tal recebimento se deu como quitado de todo o seu crédito. Tendo tal qualidade de credor sido objeto do depoimento de quem mais sabia dos negócios da sociedade, o seu diretor financeiro e depoente Dr LL, importava provar que tal administrador não era já credor hipotecário, que o pagamento que mandou que lhe fosse realizado não tinha acontecido, ou que o pagamento teria sido injustificado e apenas teria acontecido um qualquer desvio de fundos. E tal não foi demonstrado, nem consta que o beneficiário de tal transferência de fundos, que levou à diminuição do passivo da sociedade, até em maior valor, tivesse sido objeto de qualquer acusação de ilicitude. Pelo que também este montante entrou no ativo da sociedade e foi usado para a redução do seu passivo, logo entrou no giro comercial da falida. Pelo que o facto 13 deve passar, se se entender não o expurgar na sua totalidade, a ter a seguinte redação “O crédito referido teve reflexos no aumento do ativo da falida e foi utilizado no seu giro comercial.”
XXXIII. Igualmente o facto a que foi atribuído o nº 14, de que “A falida, por referência à data do empréstimo, estava sem atividade”, entenda-se à data de Dezembro de 1997, Janeiro de 1998 é falso e não tem qualquer fundamento em alegações, documentos, depoimentos ou decorre de regras de inferência de quaisquer outros, pois que resulta dos depoimentos das testemunhas arroladas pelos impugnantes, inspetor da judiciária, do inspetor tributário ouvidos como testemunhas e das declarações da testemunha arrolada pelos impugnantes B... / J..., de que em finais de 1997 e inícios de 1998, a A... estava em atividade plena, dotada de todos os seus empregados, das suas instalações, realizando vendas e prestando serviços, e gerindo a sua posição financeira, apenas que mais reduzida devido à revogação unilateral de algumas das concessões de que era concessionário do importador B... / J....
XXXIV. Aliás mal se entendendo que com o passivo que veio a ser reclamado na falência, apenas dois anos passados, os credores e desde logo os sempre presentes B... e J... e Ae..., representando 75% dos créditos reclamados, se mantivessem sem pedir a falência caso a falida não mantivesse atividade e estivesse a pagar o seu passivo. Atente-se o depoimento de conhecedor por ter vivenciado os factos, da testemunha trazida aos autos pelos impugnantes, Dr LL, ao minuto 13.52, 15.38, 17.53 e 18.22 do seu depoimento, transcritos aliás no ponto 128 das alegações acima. Pelo que o pretenso facto 14, por falso, deve ser substituído por outro que exprima “A falida, por referência à data do empréstimo, estava em atividade”
XXXV. Na sentença recorrida, e na senda dos erros de facto em que abunda, é estabelecido, facto 15, que: “E esta juntamente com o seu administrador, GG, tinha engendrado um plano de esvaziamento do seu património com vista a prejudicar os seus credores, nele se incluindo o acordo celebrado com a aludida instituição financeira.”. Naturalmente não faz sentido conjeturar um plano entre a sociedade e o seu administrador, sem que se diga e demonstre quem, além do seu administrador decidia estratégias e estabelecia planos.
XXXVI. Como não basta imaginar um qualquer plano maquiavélico e rebuscado a mais de dois anos da declaração de falência e quando a evidência demonstra que tudo estava a ser feito para negociar com os seus credores, é necessário encontrar factos que o demonstrem ou permitam tal conclusão. Uma confissão do próprio, ou de quem possa então ter tido alguma influência nas estratégias, pelo menos algumas notas escritas, depoimentos de quem tenha conhecido a empresa então, e que não tenha dito exactamente o contrário. E simplesmente não há nada que o permita infirmar sequer. Apenas uma conclusão não fundamentada e como tal de nulo efeito.
Pelo que o facto 15 deve ser simplesmente expurgado da relação dos factos provados.
XXXVII. O alegado “facto” 16 que diz “O qual se destinou a colocar os imóveis dados em garantia sob a alçada de um crédito hipotecário a fim de colocar a coberto da acção (sic) dos credores da falida.” Não é um facto mas uma conclusão, ou um desejo de que a mesma tenha tido uma fundamentação, que não o foi, do que resulta, duplamente, que tal facto deva ser expurgado da matéria de facto dado como provado.
XXXVIII. Provaria aliás em demasia se tal facto assim fosse considerado, já que o privilégio de uma hipoteca é em regra concedido na prática financeira de todas as empresas, e cabe dentro dos poderes de gestão até correntes, e se daí resulta um privilégio de uns credores em relação a outros, tal não pode simplesmente servir para julgar como simulada a operação originariamente realizada ou as que daí resultem, por muito que tal aborreça ou desagrade aos outros credores. Tinham estes a possibilidade de exigirem hipoteca em primeiro lugar, ou tornarem-se igualmente privilegiados por aquisição de outras garantias, promovendo até arrestos ou tentando anular por impugnação pauliana a(s) operações realizadas e que entendiam ser-lhe prejudiciais. Não o fizeram.
XXXIX. Porque não tinham fundamento, como continuam a não o ter, não obstante a ligeireza do processo de reclamação de créditos, do juiz dividido entre a direção da falência e a proteção dos credores e o direito de um credor e de 22 anos de diligências probatórias até ao presente julgamento. Resulta dos factos exatamente o contrário de tal conclusão, a de que o financiamento era necessário e era possível de obter dada poder ser oferecido ao financiador garantias por este exigidas e disponíveis. E resulta dos factos deque tal financiamento foi interessante e ou motivado pela necessidade ou interesse do administrador em se pagar do seu crédito sobre a falida. O que como se alegou foi considerado por todos como legitimo.
XL. Apenas uma conceção muito típica, mas mesmo assim peculiar de que os créditos hipotecários prejudicam os credores, a que se deve logicamente seguir a que os créditos privilegiados dos trabalhadores ou do Estado, ou do próprio tribunal, igualmente devem ser anulados por tal razão, já que todos tem o mesmo efeito, diferenciar os créditos de uns em relação aos outros, os privilegiados em relação aos comuns, e caso fosse aplicável ao caso e no âmbito do CPEREF em relação aos subordinados. Demonstra o Juiz recorrido além de uma conceção peculiar da relevância dos créditos privilegiados, uma preocupação de proteção dos credores comuns do processo, que mal se compatibiliza com a necessidade e obrigação da sua isenção e imparcialidade. O facto com o número 16 deve em consequência ser expurgado.
Por aditamento aos factos provados.
XLI. Porque é possível para o Tribunal superior aditar os factos que resultem do processo como provados, deve ser como considerado provado o facto de que “Foi a Cessionária K... que adquiriu e pagou à entidade financiadora, o preço do crédito adquirido a esta sobre a falida, com todas as suas garantias.”
XLII. Porque o financiamento à falida concedido pelo Banco 7... à falida foi por esta recebido e utilizado, porque a prestação de garantias pela sua administração em tal financiamento estava dentro das suas competências funcionais; porque a cessão de créditos de tal entidade financiadora á reclamante e recorrente K... foi formalmente adequada como exigida por lei, e porque a cedente do crédito declarou que o preço foi pago, e mais declarou que o pagamento não foi realizado pela falida A....
XLIII. Sendo óbvio que o contrário, pagamento pela A..., não aconteceu, pois tal significaria a cessão de coisa inexistente, em simulação que a interessada Banco 7... negou ter acontecido, que realizou o negócio que efetivamente declarou querer realizar, cessãode crédito existente e de que deu quitação à compradora destes.
XLIV. E se alguém pagou e não foi a falida, porque nenhum dos impugnantes ou terceiro veio dizer e demonstrar aos autos que foi ele a pagar, obrigatória é a conclusão de que foi a K... a pagar, através dos seus sócios.
XLV. Igualmente deve ser aditado o facto de que o “HH, beneficial owner da cessionária K..., não emprestou 61.500 contos à falida A... SA, quando o contrato de cessão de créditos foi realizado, mas sim pagou o preço devido por esta por tal cessão”. Provado que está e foi por prova documental presente a tribunal e por insistência judicial, que o também signatário desta peça, HH, entregou no ato da escritura de cessão de créditos um cheque sacado sobre conta sua no valor de 61.500 contos, (atualmente não menos de 307 mil euros e há 24 anos atrás e com a correção monetária muitíssimo mais), e que ainda é o beneficiário efetivo de tal sociedade, demonstrando não apenas ser o procurador desta, sinal considerado indiciador da titularidade, o possuidor das declarações de trust através de sociedade espanhola de que demonstrou igualmente que é o beneficiário efetivo.
XLVI. A que acresce a óbvia incoerência que consistiria um profissional bem conhecedor da realidade da falida, à qual há anos prestava serviços, a poucos meses da declaração desta lhe vir emprestar tão avultada importância, que bem realizaria que, caso fosse declarada a falência, perderia na totalidade. Pelo que a conclusão de que afinal não pagou o preço como a cedente declarou, mas sim realizou um empréstimo é uma, e apenas, uma distorção à realidade, não fundamentado em qualquer documento, em qualquer depoimento, em qualquer alegação sequer, não pode ser mantido como facto devendo ser reconhecido exatamente o seu inverso.
Do Direito.
XLVII. A subsunção dos factos ao direito é simples e linear: - o Banco 7... era titular de um crédito sobre a A... SA; resultante de um empréstimo de 230 mil contos, negociado em 1997 e executado em 1998, por transferência para conta daquela mutuária; e que era dotado de várias garantias, entre as quais a hipoteca sobre alguns imóveis da mutuária. Em finais de 1999, a sociedade K..., entidade distinta da A..., propôs e adquiriu à mutuante tal crédito, por escritura pública, conjuntamente com todas as suas garantias, incluindo as hipotecas, em contrato de cessão de créditos, e pagou o respetivo preço ao alienante do crédito.
XLVIII. Todas as formalidades legais exigidas para a concessão do financiamento e a constituição das garantias a favor da entidade bancária, escritura pública outorgada por quem tinha competência para tal, e registo, e posteriormente as formalidades da cessão dos mesmos créditos acompanhados das garantias hipotecárias, a entidade devidamente representada e por entidade que o era igualmente e por objeto existente e possível, foram cumpridas e perante Notário dotado de fé pública.
XLIX. Quer a constituição de garantia de hipoteca originária constituída quer a cessão do crédito com transmissão das mesmas foram registadas na CRPredial competente, onde permanecem desde 1997, sem que tenham sido de um qualquer modo atacadas, impondo-se a terceiros.
XLX. Sendo titular do crédito e dotado de garantias hipotecárias, a ora Recorrente reclamou os seus créditos exigindo o seu reconhecimento e na ordem de graduação que lhe e que na sentença recorrida lhe foi negada. As razões invocadas, no essencial a de que o seu reconhecimento prejudicaria os credores comuns privando-os do preço de venda dos imóveis até ao montante desta e eventualmente permitindo ao credor hipotecário ser dispensado do pagamento do preço, se estivesse interessado na aquisição e fizesse oferta ganhadora.
XLXI. Razões textualmente expressas pelo liquidatário, arguidas pelos impugnantes e defendida ativamente pelo Juiz Recorrido, que não merecem relevância jurídica, e muito menos a decisão ora recorrida. Os efeitos das hipotecas são os legalmente previstos, consagrados e indispensáveis para a boa organização social, como será dispensável de arguir ou justificar.
XLXII. A cessão de créditos é possível de ser concretizada por contrato de compra e venda, em que o titular de um crédito, coisa de relevância jurídica suscetível de ser apropriada, cede, vende, tal crédito a outro, o cessionário, sem que o devedor tenha de autorizar tal operação. Para que as garantias sobre bens sujeitos a registo sejam transmitidos tal contrato deve ser reduzido a escrito, em escritura pública e registados, como o foi. Sendo que da possibilidade e natureza contratual deste contrato de cessão de créditos, previsto e regulado no art. 577º e seguintes do Código Civil, se pronunciam os Prof. Antunes Varela e Almeida Costa, bem ensinando que tal não afeta a natureza e existência do contrato inicial donde surgiu o crédito.
XLXIII. As escrituras publicas realizadas em cumprimento das exigências legais constituem presunção de verdade, que apenas podem ser arguidas de falsidade nas declarações, em processo próprio em que todas as partes estejam presentes e representadas, por tal, como no caso, constituir atos simulados na emissão das declarações. Sendo que no caso as declarações emitidas por qualquer dos contraentes em tais escrituras foram acusadas de simuladas com o intuito de prejudicar terceiros, sem que exista nem tal processo nem a intervenção dos pretensos simuladores. Factos que impedem a declaração de falsidade, ou que diminuam o seu poder probatório, que é suficiente para demonstrar a veracidade dos factos que dele resultam.
XLXIV. A opinião do juiz recorrido de que a cessão de créditos não pode realizar-se por contrato, bem como a sua opinião das circunstâncias alargadas em que o valor probatório dos documentos autênticos, a ponto de as tornar de nulo valor, ferem o disposto nos artigos 577º e seguintes do CC quanto à cessão, e violentamente ferem o disposto nos artigos 371º e 372º igualmente do Código Civil.
XLXIV. O julgador deve obediência aos princípios de imparcialidade e isenção não devendo, por muito que discorde das leis substantivas e processuais aplicáveis, alterar por si a lei aplicável em cada caso concreto como aconteceu nos autos ao ignorar a lei processualmente aplicável a processo introduzido em 1999, com o argumento de que as novas leis são mais adequadas e de melhor conceção, afastando o questionário estabelecido e definindo como tema de prova aquele que apenas deu a conhecer às partes em sede de sentença, permitindo um julgamento que se prolongou por mais de um ano, em que se discutia um questionário, apresentando-se documentos, arrolando e dispensando testemunhas, requerendo e admitindo meios de prova, exercendo o contraditório e fazendo alegações, na ignorância afinal do que estava a ser discutido e apenas com o argumento de que afinal o julgamento tinha abarcado o tema de prova que a final entendeu informar.
XLXV. É dever do julgador não criar factos que não tenham correspondência com o discutido no processo, quer documentalmente quer em prova testemunhal, considerando e confundindo conclusões com factos, e apenas com a convicção de que assim legitima, uma conclusão que não tendo sido pedida pelas partes, objeto de qualquer prova, nem constando de qualquer alegação, e tal dever foi amplamente violado na decisão recorrida, o que violou o disposto no artigo 615º do CPC, viciando a sentença de nulidade.
XLXVI. Foi violado o disposto na alínea d) deste artigo 615º do CPC, quando conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento, como fez quando se pronunciou sobre o pagamento pela falida do empréstimo, quando tal não foi alegado e muito menos provado por parte dos impugnantes ou pelo liquidatário, e muito menos objeto de prova por parte de quem quer que fosse.
XLXVII. Ou quando a final conclui e sentenciou que afinal HH tinha emprestado 61.500 contos à falida para que esta pagasse o crédito ao Banco 7..., e assim eliminasse a favor futuros credores comuns as garantias concedidas a tal banco e transmitidas a terceiros, sem qualquer elemento de prova, depoimento, documento, inferência de outros factos provados, e violação do declarado em documento autêntico, sem que tal tivesse sido pedido ou alegado, sem que constasse do questionário, nem no próprio tema de prova definido em sede de sentença, no que igualmente violou o disposto na al. e) de tal preceito.
XLXVIII. Ao fim de 22 anos para iniciar o julgamento de uma simples reclamação de créditos, apenas ocupados pelas diligências dos credores comuns em tentar obter provas que nunca conseguiram, por não existirem; depois de 4 anos decorridos sobre a declaração do processo como urgente por parte do Conselho Superior de Magistratura; ao fim de um julgamento que se arrastou por mais de um ano, e ao fim de seis meses após a conclusão das audiências de julgamento, compreende-se mas não se aceita que uma decisão seja tomada para defender tal circunstancialismo permissivo do próprio tribunal.
XLXIX. Tal como se compreende, mas não se aceita, que para justificar uma decisão surpresa, não pedida, não arguida, não demonstrada ou fundamentada, se criem factos inexistentes, se confundam conclusões com factos, se tente adaptar os factos criados à conclusão pré-formada, pois tal viola o principio de justiça, de isenção, de imparcialidade, que faz enfermar a sentença proferida ainda de nulidade insanável nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 615º do CPC “ é nula a sentença quando não especifique de facto e de direito que justificam a decisão.”
Termos em que deve o presente recurso ser recebido e julgado procedente, com o douto suprimento desse Tribunal Superior revogando-se a sentença recorrida.
Assim se fazendo Justiça

C..., S.A., credora e membro da Comissão de Credores, veio apresentar contra-alegações, argumentando que deve ser negado provimento ao recurso da rec.te e manter-se a sentença recorrida que julgou procedentes as impugnações deduzidas pelos credores Ae... e J... ao crédito da rec.te, não o reconhecendo, tal como o fizera o Ex.mo Liquidatário Judicial.

Nos termos da lei processual civil são as conclusões do recurso que delimitam o objecto do mesmo e, consequentemente, os poderes de cognição deste tribunal.
Assim, as questões a resolver consistem em saber se:
- houve violação do disposto no artigo 3º nº 3 do CPC, proferindo-se uma decisão surpresa, bem como o vício de nulidade, nos termos do artigo 195º nº 1do CPC;
- ocorre erro de julgamento da matéria de facto e consequente erro de direito;
- se verificam as nulidades da sentença previstas nas als. b), d) e e) do artigo 615º do CPC.


II – Fundamentação de factos
O tribunal recorrido considerou:
Factos Provados
1 – A sociedade “A..., SA” foi declarada falida por sentença, já transitada em julgado, proferida em 13/07/2000, tendo a acção falimentar sido instaurada em 14/07/1999 a pedido do credor B..., Lda. (agora C..., S.A.).
2 – No dia 23/12/1997 a A... abriu no “Banco 7...” (Banco 7...) uma conta à ordem a que foi atribuída o nº ...01, conta essa que fechou em Outubro de 1999.
3 – No dia 29/12/1997, em Paris, a falida e a sociedade Ag..., S.A. outorgaram um escrito que denominaram de “Contrato de empréstimo Multi-Divisas”, nos termos do qual acordaram que:
“Ficando previamente exposto que
1. O Mutuário (a falida) deseja obter um empréstimo de PTE 230.000.000,00 (…) destinado a reescalonar alguns dos seus empréstimos bancários.
2. O empréstimo de PTE 230.000.000,00 (…) que o Banco está disposto a conceder será, conquanto a afectação de fundos adiante explicitada seja estritamente respeitada, posto à disposição do Mutuário, em conformidade com as presentes e mediante:
I. A constituição de uma hipoteca de primeiro grau sobre um terreno para construção sito em .../Sever do Vouga, descrito na Conservatória do Registo Predial de Sever do Vouga sob o n.º ...18... e inscrito na respectiva matriz pelo artigo ...76, assim como sobre um imóvel sito em .../Sever do Vouga descrito na Conservatória do Registo Predial de Sever do Vouga sob o n.º ...54... e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...51.
II. A caução solidária do Sr. GG e de sua esposa Sra. MM.
III. O depósito, na Companhia Financeira Banco 8... de USD 500.000,00 com penhor a favor da Ag....
Foi acordado o que se segue:
Artigo 1 – Definições.
(…)
Data da exigibilidade dos juros: os juros são pagáveis semestralmente a partir da data do saque, qualquer que seja a divisa de utilização no vencimento da prestação.
(…)
Período de juros: período de 6 meses contado a partir da data de saque e para o qual foi fixada uma taxa.
(…)
Artigo 2 – Contrato de Empréstimo
2.1. Empréstimo.
O BANCO concede ao Mutuário que o aceita, nas condições abaixo enunciadas, um empréstimo com as seguintes características:
Montante principal: PTE 230.000.000,00 (…)
(…)
Duração máxima: cinco (5) anos contados a partir da data de saque ou seja 10 de Janeiro de 1996, o mais tardar.
(…)
Pagamento dos Juros: Semestral e na data de vencimento de cada período de juros, qualquer que seja a divisa utilizada.
Reembolsos do capital: Período de carência de reembolso de capital de três (3) anos contados a partir da data de efectivação. O reembolso do capital far-se-á seguidamente segundo o seguinte calendário:
Dezembro de 2000 1ª amortização PTE 32.000.000,00
Junho de 2001 2ª amortização PTE 32.000.000,00
Dezembro de 2001 3ª amortização PTE 32.000.000,00
Junho de 2002 4ª amortização PTE 32.000.000,00
Dezembro de 2002 5ª amortização PTE 102.000.000,00
(…)
Artigo 8 – Declarações e compromissos do mutuário
(…)
8.2. compromissos do mutuário.
8.2.1. Enquanto for devedor de uma qualquer soma a título do presente contrato, o Mutuário deverá comunicar ao Banco:
a) no prazo máximo de 3 meses após cada trimestre civil, um estado provisório, incluindo o seu balanço intermediário e a sua conta de resultados relativos ao trimestre e estabelecidos pelo Mutuário segundo os princípios contabilísticos internacionalmente reconhecidos;
b) no prazo máximo de 6 meses após o termo de cada exercício fiscal, qualquer acta ou documentos anexos das suas Assembleias Gerais Extraordinárias referentes a eventuais modificações dos seus estatutos.
8.2.2. Enquanto for devedor de qualquer soma a título das presentes, o Mutuário deve imediatamente e logo que disso ele próprio tome conhecimento, informar o Banco:
● da ocorrência de qualquer acto ou acontecimento que tenha por objecto, ou possa ter como resultado, a diminuição sensível do seu activo ou o aumento sensível dos seus compromissos.
(…)
Feito em Paris, a 29 de Dezembro de 1997
Em três exemplares originais, dos quais um para cada parte
Ag...
Sr. NN
Presidente Director Geral
A..., S.A.
Carimbo da sociedade
A Administração.
Sob o carimbo da sociedade A..., SA consta o nome manuscrito de GG.
4 – Mediante escritura pública de constituição de hipoteca outorgada em 29/12/1997, no Cartório Notarial de Esposende, a sociedade Ag..., representada por FF e a falida, representada pelo seu administrador GG, declararam que:
“(…) em caução e garantia de bom pagamento:
a) de todas e quaisquer dívidas ou responsabilidades, sejam de que natureza forem, nomeadamente financiamentos por conta empréstimo rendas certas, por conta corrente ou livrança, descobertos em conta de depósitos à ordem, descobertos em conta corrente, descontos de letras, descontos de remessas de estrangeiro, financiamento externo e garantias bancárias que existam ou venham a existir perante a Ag... vencidas e ou vincendas, que tenham sido ou venham a ser assumidas pela representada do segundo outorgante até ao montante de duzentos e trinta milhões de escudos.
(…)
c) (…). O montante máximo garantido é de trezentos e quinze milhões e cem mil escudos.
O segundo outorgante em nome da sua representada, HIPOTECA, com a máxima amplitude legal, com todas as suas construções, benfeitorias e acessões, presentes e futuras, os seguintes imóveis:
N.º 1 – Terreno para construção urbana, sito no lugar ..., da freguesia e concelho ..., descrito na Conservatória do registo Predial de Sever do Vouga sob o número ..., de Sever do Vouga e aí registada a favor da sociedade, pela inscrição ..., inscrito na matriz rústica sob o artigo ...76.
N.º 2 – Prédio urbano composto por edifício de sub-cave, cave, rés-do-chão e andar, bombas automedidoras de combustíveis, logradouro e parque situado no Lugar ..., da dita freguesia e concelho ..., descrito na citada Conservatória sob o número mil quinhentos e cinquenta e quatro, de Sever do Vouga, e aí registado a favor da sociedade, pela inscrição ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...51.
Que, enquanto durar esta hipoteca, a representada do segundo outorgante obriga-se a trazer pontualmente pagos os encargos dos imóveis hipotecados, assim como os respectivos prémios de seguro contra incêndio (…).
Mais se obriga a representada do segundo outorgante a não constituir hipotecas e a não fazer arrendamentos ou consignações de rendimentos sobre os imóveis hipotecados sem prévio acordo, por escrito, do Banco Credor, bem como em geral a não realizar ou permitir actos ou contratos que, de algum modo, importem a desvalorização dos mesmos imóveis, sob pena de nulidade dos respectivos contratos e actos.”.
5 – No dia 06/01/1998 o Banco 7... creditou a conta nº ...01 da A... pelo valor do empréstimo. Porém, nesta conta estavam já debitados os montantes de 120.000.000$00 e 100.000.000$00 que haviam sido transferidos por ordem do administrador da A... (GG).
O montante de 120.000.000$00 foi transferido por ordem de GG no dia 30/12/1997 para a conta da A... do Banco 8....
O montante de 100.000.000$00 foi transferido por ordem de GG no dia 05/01/1998, para conta por si titulada no Banco 2....
6 – No dia 8/06/1999 a Banco 7... comunicou à A... que considerava o crédito vencido e exigível por ter sido penhorado um dos imóveis dados de garantia (penhora à ordem do processo nº 216/98, 2ª secção, 1º Juízo Cível de Albergaria-a-Velha)
7 – No dia 22/06/1999 a Banco 7... recebeu da K... proposta para aquisição da totalidade do crédito sobre a A..., com todas as garantias e posições assumidas no processo referido, pelo seu valor nominal, acrescido de juros em dívida, a liquidar imediatamente, por transferência interna”.
8 – O Banco 7..., por comunicação de 05/07/1999, dirigida ao Dr. HH, aceitou a proposta da K... contra o pagamento da quantia de 236.422.945$00 (230.000.000 de capital, 6.130.445 de juros desde 06/07/1999, 292.500 de despesas) a efectuar até ao dia 06/07/1999.
9 - Por escritura pública de cessão de créditos outorgada no 2.º Cartório Notarial do Porto em 14/07/1999 a sociedade Ag..., S.A., na qualidade de primeiro outorgante e a K..., Limited, na qualidade de segunda outorgante declararam:
“Declarou a primeira outorgante:
Que a sua representada “Ag..., SA” é credora hipotecária da sociedade comercial anónima sob a firma “A..., SA” (…), com sede em Sever do Vouga, concelho de Sever do Vouga, do montante de duzentos e trinta e sete milhões, cento e quarenta e quatro mil e quarenta e cinco escudos.
Declara, ainda, que o supra citado crédito encontra-se reclamado no processo executivo que corre termos, sob a forma ordinária, na Segunda Secção, do Primeiro Juízo Cível, do Tribunal Judicial da Comarca de Albergaria-a-Velha, sob o número duzentos e dezasseis barra noventa e oito.
Pela presente escritura, a representada do primeiro outorgante cede o seu crédito, com todas as garantias e acessórios, nomeadamente transferindo a hipoteca que, a seu favor foi constituída por escritura notarial de vinte e nove de Dezembro de mil novecentos e noventa e sete, outorgada no Cartório Notarial de Esposende, sobre os seguintes imóveis:
a) Prédio urbano, composto por edifício de sub cave, cave, rés-do-chão e andar, bombas auto-medidoras de combustíveis, logradouro e parque, situado no Lugar ..., freguesia e concelho ... sob o número mil quinhentos e cinquenta e quatro, e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo mil duzentos e cinquenta e um, com excepção das construções objecto do direito de superfície constituído a favor da Ah..., SA e que ocupam a área de setecentos e onze vírgula oitenta e quatro metros quadrados; e
b) Terreno destinado a construção urbana sito no Lugar ..., freguesia e concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Sever do Vouga sob o número ..., e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo ....
Declarou, ainda, que as aludidas hipotecas encontram-se registadas a favor do Banco, aqui cedente, na competente Conservatória do Registo Predial de Sever do Vouga, sob as inscrições C-um.
Pela presente escritura, o representante do Banco, cede o seu crédito pelo presente de Duzentos e trinta e sete milhões cento e quarenta e quatro mil e quarenta e cinco escudos, quantia esta que já se encontra liquidada e da qual o representante do Banco dá integral quitação, colocando a representada do segundo outorgante no lugar do representado do primeiro outorgante, ora cedente, para todos os efeitos legais.
O representante do Banco garante a existência e exigibilidade do crédito, mas não garante a solvabilidade da devedora “A..., SA” (…).
Declara a segunda outorgante:
Que, para a sua representada, aceita a presente cessão de crédito (…).”.
10 - A conta da A... no “Banco 7...” (Banco 7...) com o nº ...01 foi creditada, em Julho de 1999, com os seguintes montantes, num total de 238.272.433$00:
• No dia 16/07/1999 (data/valor 19/07/1999) pelo montante de 78.283.522$00;
• No dia 14/07/1999 (data/valor 22/07/1999) pelo montante de 61.484.664$00, transferido pela K...;
• No dia 21/07/1999 (data/valor 19/07/1999) pelo montante de 98.504.247$00 correspondente ao contravalor do depósito de 500.000USD, por débito na conta ...01.
11 – Da mesma conta saiu o montante de 230.000.000$00 no dia 22/07/1999 (data valor de 14/07/1999) com o qual se liquidou a responsabilidade da A... junto do Banco 7....
12 – O negócio de cessão de créditos foi celebrado com o único intuito, por parte da falida e da reclamante K..., de prejudicar os credores da primeira.
13 – O crédito referido não teve reflexos no aumento do activo da falida nem no seu giro comercial, tendo-se destinado apenas a aumentar o passivo a reclamar.
14 – A falida, por referência à data do empréstimo, estava sem actividade.
15 – E esta juntamente com o seu administrador, GG, tinha engendrado um plano de esvaziamento do seu património com vista a prejudicar os seus credores, nele se incluindo o acordo celebrado com a aludida instituição financeira.
16 – O qual se destinou a colocar os imóveis dados em garantia sob a alçada de um crédito hipotecário a fim de colocar a coberto da acção dos credores da falida.
*
Factos Não Provados
a) Que tenha sido a K... a pagar ao Banco 7... o montante relativo ao contrato de cessão.
b) Que a falida A... não utilizou, para a sua actividade comercial, qualquer quantia do montante referido como tendo sido emprestado pela Ag..., S.A. (actualmente Banco 7... e de ...).
c) Que a falta de actividade da A... já se registasse em Janeiro de 1997

III – Do mérito do recurso
Expressa, em primeiro lugar, a recorrente que no despacho saneador o Tribunal fixou o questionário, a base instrutória que seria objecto de prova posterior.
Que no início das audiências de julgamento a base instrutória foi substituída pelo tema de prova, só tomando conhecimento da sua definição na própria sentença: “a questão a decidir (e que foi objecto da discussão da causa) é a de saber se os contratos de empréstimo e cessão de crédito a que se refere a reclamante K... não passaram de um acordo para prejudicar os credores desta falência, esvaziando o património da falida e avolumando artificialmente o seu passivo”. Que a sujeição de todo o processo ao novo regime processual viola o artigo 5º da Lei 41/2013 de 26.6 e criou as condições para se proferir uma decisão surpresa, violando-se, assim, o disposto no artigo 3º, nº 3 do CPC, quer do novo, quer do antigo. Que a decisão surpresa, sem fundamento em qualquer prova produzida, faz enfermar a sentença do vício de nulidade nos termos do artigo 195º nº 1do CPC, e como igualmente resultaria do artigo 200º do anterior Código.
Ponderemos.
Como consta da sentença o despacho saneador foi proferido em 2010, com indicação dos factos assentes e elaboração da base instrutória (os factos controvertidos) mas o julgamento decorreu sob as regras estabelecidas no Novo Código de Processo Civil.
Portanto, constata-se que já depois do despacho saneador entrou em vigor o novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei 41/2013 de 26.6.
Explicita Baptista Machado, in Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil, Almedina 1968 págs. 47 e 48, que “As normas de conflito dirimem o conflito de leis num ou noutro sentido, isto é, limitam-se a determinar qual das leis é aplicável. As normas de transição, essas preocupam-se com o estabelecimento de um regime intermediário entre duas leis, visando a conciliação dos interesses particulares com a regulamentação da lei nova, e têm, portanto, natureza material. Entre as normas de conflito há que distinguir aquelas que são dotadas de validade geral e fixam princípios que fornecem ao julgador um critério permanente de solução dos conflitos (como p. ex., as contidas nos artigos 12º e 13º do Código Civil), daquelas que são estabelecidas pelo legislador com vista à solução dum conflito particular, surgido a propósito duma alteração legislativa determinada – tais, p. ex., as regras de conflito contidas na Lei de Introdução ao novo Código Civil português. Estas últimas não têm força obrigatória para além da transição legislativa concreta visada: o legislador tem em vista apenas a alteração concreta introduzida na lei anterior, resolvendo um problema de conflitos acessoriamente ou por anexo à resolução do problema de direito material. Só que frequentemente acontece representarem tais normas uma aplicação correcta dos princípios do direito transitório --- e, nessa medida, a as regras nelas contidas são susceptíveis de validade geral.”
Como resulta do texto citado as regras de caracter geral relativas aos conflitos de leis no tempo estão nos artigos 12º, 13º do C. Civil.
A centralidade deste tema encontra-se no artigo 12.º do C. Civil, o qual acolhe a teoria do facto passado. O princípio aí vertido é o do “tempus regit factum”, o que quer dizer que a lei aplicável é a vigente ao tempo em que o facto (e os seus efeitos) se produziu.
1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.
2. Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.”
Deste preceito ressaltam as seguintes proposições:
A lei nova ou regula a validade de certos factos ou os seus efeitos (e neste caso só se aplica aos factos novos) ou define o conteúdo, os efeitos de certa relação jurídica independentemente dos factos que a essa relação deram origem, caso em que é de aplicação imediata, quer dizer, aplica-se, de futuro, às relações jurídicas constitutivas e subsistentes à data da sua entrada em vigor.
O princípio geral da lei civil em matéria de aplicação da lei no tempo é o da aplicação prospectiva, que assume duas faces, distintas mas complementares - Antunes Varela, RLJ, Ano 120, pág. 150.
Portanto, na falta de disposição em contrário, a lei só se aplica aos factos futuros, entendendo-se como tais os factos que se produzem após a entrada em vigor da norma.
O direito substantivo e o direito processual civil formam uma unidade derivada da função específica deste ramo do direito: só através do direito processual logra o direito substantivo, ao aplicar-se aos casos reais da vida, a realização ou concretização para que originariamente tende.
É que o direito substantivo estabelece e regula direitos subjectivos materiais; o processo civil tem por fim a afirmação, exercício ou execução desses direitos materiais.
A relação entre o direito substantivo e o direito processual é, assim, uma relação mútua de complementaridade, existindo diversos institutos mais ligados ao direito substantivo ou ao direito processual e ainda outros de natureza mista, simultaneamente comungando de características jurídico-substantivas e jurídico-processuais.
De todo o modo, entende-se que o problema de saber se uma concreta norma ou instituto jurídico pertence ao direito substantivo ou ao direito processual civil, não assume, no que concerne ao problema do âmbito de aplicação temporal da lei, importância de maior pois que a regra é a mesma que vale na teoria geral do direito: a lei nova é de aplicação imediata aos processos pendentes, mas não possui qualquer eficácia retroactiva, sem se descurar que a lei processual, por ser de ordem pública e instrumental, reclama em especial o princípio da aplicação imediata.
Estamos em face de um processo de reclamação de créditos no âmbito de um processo de execução universal (falência/insolvência), o qual corre por apenso a esta.
O concurso de credores é uma fase da execução (singular ou universal) que se estrutura numa acção declarativa de carácter incidental.
Constitui, pois, um apenso, sendo caracterizado como um processo declarativo de estrutura autónoma, mas funcionalmente subordinado ao processo executivo.
A Lei 41/2013 de 26.6 compreende um conjunto de normas transitórias que, fazendo jus ao acima doutrinado por Baptista Machado, se não afastam do estatuído nas aludidas normas dos artigos. 12º, 13º do C. Civil.
Importa aqui atentar no seu artigo 5º” 1 – Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, o Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei, é imediatamente aplicável.
2 – As normas relativas à determinação da forma do processo declarativa só são aplicáveis às ações instauradas após a entrada em vigor do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei.
3 – As normas reguladoras dos atos processuais da fase dos articulados não são aplicáveis às ações pendentes na data da entrada em vigor do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei.
4 – Nas ações que, na data da entrada em vigor da presente lei, se encontrem na fase dos articulados, devem as partes, terminada esta fase, ser notificadas para, em 15 dias, apresentarem os requerimentos probatórios ou alterarem os que hajam apresentado, seguindo-se os demais termos previstos no Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente.”
Tratando-se, pois, de uma acção declarativa que se encontrava já na fase de instrução quando em 1 de Setembro de 2013 entrou em vigor o novo CPC, este é-lhe imediatamente aplicável, como decorre das aludidas normas transitórias.
Significa que deviam ter sido aplicadas, como foram, as regras do novo CPC.
Acontece que o novo CPC adoptou uma estratégia que dispensa uma esquematização formal de questionação e respostas sobre factos.
A elaboração da base instrutória e anteriormente do questionário correspondia a uma forma de disciplinar a instrução, diferenciando a matéria carecida de prova daquela que já estava assente em vista à obtenção de um efectivo e concreto quadro factual para uma adequada e uma justa composição do litígio.
No novo CPC nada de substancial se alterou, sendo que a principal mudança se centra no disposto no artigo 596º, nº 1, do C.P.C., que, derrogando o artigo 511º do diploma anterior, passou a estipular que, “proferido o despacho saneador, quando a acção houver de prosseguir, o juiz profere despacho destinado a identificar o objecto do litígio e a enunciar os temas da prova”. Já no código anterior se definia que “o juiz, ao fixar a base instrutória, selecciona a matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, que deva considerar-se controvertida.”
Na exposição de motivos da proposta de lei 113/XII (2ª) esclarece-se “…Relativamente aos temas de prova a enunciar, não se trata de uma quesitação atomística de pontos de facto, outrossim de permitir que a instrução, dentro dos limites definidos pela causa de pedir e pelas excepções deduzidas, decorra sem barreiras artificiais, com isso se assegurando a livre investigação e consideração de toda a matéria com atinência para a decisão da causa. Quando, mais adiante, o juiz vier a decidir a vertente fáctica da lide, aquilo que importará é que tal decisão expresse o mais facilmente possível a realidade histórica tal como esta, pela prova produzida, se revelou nos factos. Estamos perante um novo paradigma que, por isso mesmo, tem necessárias implicações, seja na eliminação de preclusões quanto à alegação de factos, seja na eliminação de um nexo directo entre os depoimentos testemunhais e concretos pontos de facto pré-definidos, seja ainda na inexistência de uma decisão judicial que, travando a vertente fáctica da lide, se limite a responder a questões até eventualmente não formuladas”.
A instrução da causa tem, nos termos do disposto no artigo 410º do C.P.C., por objecto os “temas da prova enunciados”, devendo a prova testemunhal incidir sobre a “matéria dos temas da prova” de modo preciso e com a indicação da razão de ciência, nos termos do disposto no artigo 516º.
A grande diferença é de método, de táctica para obter o resultado que é sempre o mesmo: a justa composição do litígio.
Agora o método a empregar é mais fluído, deixando-se o rigor formal do questionário e mesmo da base instrutória.
O conceito de temas da prova é dotado de uma flexibilidade que permite que a respectiva enunciação seja ora mais vaga ou difusa, ora mais concreta ou precisa, conforme as características da causa.
O que interessa é que a instrução decorra sem limites artificiais, balizada apenas pelos termos que resultam da causa de pedir e das excepções deduzidas, estabelecendo-se no artigo 5º, do actual C.P.C. que o ónus de alegação que impende sobre as partes se restringe aos factos essenciais que constituem a causa de pedir e àqueles em que se baseiam as excepções invocadas e que os poderes de cognição do tribunal não se circunscrevem aos factos originariamente alegados pelas partes, já que também devem ser considerados pelo juiz os factos que resultem da instrução da causa, quer sejam instrumentais, quer sejam complemento ou concretização dos alegados, exigindo-se, quanto aos últimos, que as partes hajam tido oportunidade de pronúncia.
Importante é, pois, que a enunciação dos temas da prova se contenha nos marcos que decorrem da causa de pedir e das excepções invocadas.
Como refere Lebre de Freitas, em Sobre o novo Código de Processo Civil – Uma visão de fora, pág. 19, a “…prova continuará a incidir sobre os factos concretos que constituem, impedem, modificam ou extinguem o direito controvertido, tal como plasmados nos articulados …, bem como sobre os factos probatórios de onde se deduza, ou não, a ocorrência destes factos principais e sobre os factos acessórios que permitam ou vedem esta dedução, uns e outros denominados como factos instrumentais…” operando-se “…uma livre investigação e consideração de toda a matéria com pertinência para a decisão da causa, sem uma prévia definição do que é a matéria relevante para essa mesma decisão da causa, sem que, contudo, se tenha deixado de fixar, dentro dos limites definidos pela causa de pedir”, devendo a decisão “incluir todos os factos relevantes para a decisão da causa, quer sejam os principais (dados como provados ou não provados), quer sejam os instrumentais, trazidos pelas partes ou pelos meios de prova produzidos, cuja verificação, ou não verificação, leva o juiz a fazer a dedução quanto à existência dos factos principais…”
De tudo se alcança que a aplicação da lei processual seguiu escrupulosamente as regras de direito transitório previstas na lei pelo que inexiste o vício de nulidade nos termos do artigo 195º nº 1 do CPC, bem como inexiste qualquer decisão surpresa com violação do disposto no artigo 3º nº 3 do CPC.
De seguida a recorrente impugna a matéria de facto nos seguintes pontos:
- o facto 11 deve ser substituído por outro que não admita qualquer equívoco ou leitura de que não foi a K... que pagou o preço da cessão, com os termos de “ foi a K... através dos pagamentos registados a crédito da conta da A..., por lapso de registo contabilístico que pagou o preço da cessão de créditos, como por esta declarado na escritura de compra e venda do crédito reclamado.”
- o facto com o número 12 “ O negócio de cessão de créditos com o único intuito por parte da falida e da reclamante K... de prejudicar os credores da primeira” não é um facto mas uma conclusão jurídica que deveria resultar da síntese de factos dados como provados e que não resulta.
- o facto com o nº 13 “ O crédito referido não teve reflexos no aumento do ativo da falida nem no seu giro comercial, tendo-se destinado apenas a aumentar o passivo a reclamar” deve passar, se se não entender expurgá-lo na sua totalidade, a ter a seguinte redacção “O crédito referido teve reflexos no aumento do ativo da falida e foi utilizado no seu giro comercial.”
- o facto nº 14, de que “A falida, por referência à data do empréstimo, estava sem atividade” por falso, deve ser substituído por outro que exprima “A falida, por referência à data do empréstimo, estava em atividade”.
- o facto 15 “E esta juntamente com o seu administrador, GG, tinha engendrado um plano de esvaziamento do seu património com vista a prejudicar os seus credores, nele se incluindo o acordo celebrado com a aludida instituição financeira” deve ser simplesmente expurgado da relação dos factos provados.
- O facto 16 “O qual se destinou a colocar os imóveis dados em garantia sob a alçada de um crédito hipotecário a fim de colocar a coberto da acção (sic) dos credores da falida” não é um facto mas uma conclusão, ou um desejo do que resulta que tal facto deva ser expurgado da matéria de facto dada como provado.
Devem ser aditados os seguintes factos:
-“Foi a Cessionária K... que adquiriu e pagou à entidade financiadora, o preço do crédito adquirido a esta sobre a falida, com todas as suas garantias.”
- “HH, beneficial owner da cessionária K..., não emprestou 61.500 contos à falida A... SA, quando o contrato de cessão de créditos foi realizado, mas sim pagou o preço devido por esta por tal cessão”.
Fundamenta que em nada foram levadas em consideração as declarações que veio fazer o banco financiador e cedente do crédito Banco 7..., quer através dos seus responsáveis em Paris, quer através dos seus mandatários judiciais em Portugal, a sociedade Af..., igualmente presente na escritura de cessão de créditos, quer do depoimento do representante do banco que proferiu as declarações que constituem tal escritura. Que o registo na conta se tratou de um mero lapso contabilístico por parte dos serviços do banco por, para eles, o pagamento do crédito ou o recebimento da sua cessão ter o mesmo efeito, não tendo o administrativo contabilístico entendido adequadamente a operação realizada. Que ficou declarado pela testemunha Dr. LL, no seu depoimento, que o valor de 500 mil dólares que inicialmente serviram de garantia de penhor do financiamento concedido, pertencia ao Sr. JJ, sócio do KK, o que o motivou mais tarde e na iminência de os perder a adquirir os créditos à Banco 7.... Que não resulta da contabilidade da falida A..., não resulta da declaração de qualquer banco, não resulta das diligências promovidas pelo liquidatário, pelos credores impugnantes, pelo Ministério Público e pela Policia Judiciária no processo de inquérito de qualificação da insolvência, do relatório dos serviços de inspecção da Administração Tributária, dos depoimentos prestados em julgamento que a A... tivesse tido alguma vez contas no Banco 8... ... de onde pudessem ser transferidos os fundos. Que o financiamento à falida, concedido pelo Banco 7..., foi por esta recebido e utilizado, que a prestação de garantias pela sua administração em tal financiamento estava dentro das suas competências funcionais. Que a cessão de créditos de tal entidade financiadora á reclamante e recorrente K... foi formalmente adequada como exigida por lei, tendo a cedente do crédito declarado que o preço foi pago e que o pagamento não foi realizado pela falida A....
Ao tribunal de segunda instância são conferidos poderes para um novo julgamento da matéria impugnada, assegurando-se um efectivo duplo grau de jurisdição, conforme dita o artigo 662º, n.º 1 do CPC ao referir que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa, assumindo este Tribunal, cada vez mais, uma feição de Tribunal de substituição, desde que verificados os condicionalismos legais.
Esta reapreciação está subordinada aos requisitos previstos no artigo 640º do CPC pois que se não pretende uma mera repetição dos julgamentos, não sendo admissíveis recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto.
Não obstante o alargamento dos seus poderes de cognição da matéria de facto, o Tribunal da Relação, sendo de 2ª instância, continua a ter competência residual em sede de reponderação ou reapreciação da matéria de facto, estando-lhe subtraída a matéria de facto fixada pelo tribunal a quo que não seja alvo de impugnação. – Vide Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª Edição, 2017.
Importa assim analisar, de forma integrada e sistémica, toda a prova produzida nos autos com vista à formação de uma convicção própria que parte de uma observação activa e crítica de todos os elementos probatórios disponíveis.
Examinemos.
FF, economista, consultor financeiro, referiu que que trabalhou para o “Banco 8...”, no departamento “Private Banking” e, paralelamente, representava o Banco 7..., que era um banco de direito francês e que se transformou na Ag... e da qual o Banco 8... era sócio maioritário. As operações deste banco eram desenvolvidas autonomamente em Paris. Aqui apenas tratava da burocracia. Participou no acto formal do empréstimo e escritura de hipoteca à A.... Recorreu aos serviços do Banco 8... para avaliação do Imóvel. Elaborou o relatório da avaliação e enviou-o para a unidade de avaliação de risco em Paris. Se houve garantia real era porque era um elemento essencial do empréstimo. Pode afirmar que a avaliação era superior ao montante do empréstimo. Este era no montante de 230 mil contos e o contrato foi celebrado em 29/12/1997. A primeira prestação era em Dezembro de 2000, havendo, por isso, um período de carência de três anos.
Quanto à cessão do crédito diz que recebeu a indicação de Paris da entidade a quem iam ceder o crédito sobre a A... Era a K..., um offshore. A cessão foi feita antes de se vencer a 1ª prestação. A cessionária deve ter pago em Paris o preço da cessão.
A sua actuação na escritura do empréstimo com hipoteca e na cessão do crédito foi sempre por procuração pois todas as negociações foram feitas em Paris.
Sobre a circunstância de o Banco 8... referir que o empréstimo foi liquidado, o que significa reembolso do capital mutuado disse que houve uma confusão na contabilidade pois foi lançado pelo Banco o pagamento do empréstimo e só depois rectificaram esse lançamento para “cessão do crédito”. Que o contabilista do Banco 8... terá entendido que o empréstimo tinha sido pago porque o montante tinha sido transferido da conta da A....
Desconhece quem na realidade pagou o empréstimo.
LL, gestor, narrou que foi director financeiro da A... de 1989 a meados de 1998. Depois foi presidente do conselho de administração da Ai... durante três anos. Saiu e, actualmente, tem uma empresa que faz consultadoria em contratação pública e, nesse âmbito, já prestou serviços à Ai....
A A... era uma concessionária da J... e da B... para o distrito de Aveiro e era concessionária da J... para as forças militares e de segurança a nível nacional. A actividade era a da venda e manutenção de viaturas.
A A... tinha actividade financeira. Só em 1997 pagou 400 mil contos ao grupo B... e 800 mil contos a bancos, nada fazendo prever que ia cessar pagamentos em 2000. Em 1997 entraram receitas na A... mas não sabe quanto.
Tratou do financiamento em causa cujas negociações tiveram início em meados de 1997 pois tinham necessidade de dinheiro para a gestão corrente, notando que a actividade da A... era de contratação pública o que obriga a prestar garantias.
Não era fácil negociar com bancos nacionais e foi o Banco 8... que sugeriu a Ag....
Contactou esta entidade bancária através do Sr. FF. Depois tratou com o director da Ag... (Dr. OO) e com os gestores PP e QQ que estava em Paris. Estes é que conduziram as negociações.
A hipoteca dos imóveis foi essencial pois o banco só emprestou 80% do valor da garantia.
Dos 230 mil contos do empréstimo só receberam 220 mil contos pois 10 mil foram para despesas de financiamento.
Esses 220 mil contos foram para a conta do Banco 8... em 1998 e utilizou-os do seguinte modo:
- amortizou contas caucionadas no montante de 12.500 contos;
- amortizou empréstimos obrigacionistas no valor de 141.558 mil contos;
- pagou juros bancários no valor de 6.885 contos;
- pagou outras despesas bancárias no valor de 10.063 contos, onde se incluíam os 10 mil do financiamento;
- pagou a fornecedores no montante de 48.715 contos;
- pagou vencimentos a funcionários no montante de 5.416 contos;
- pagou outras despesas no valor de 4.442 contos.
Os empréstimos obrigacionistas do Sr. GG eram um no Banco 8... o outro da Banco 6....
Dos referidos 141.558 mil contos pagou 100 mil contos ao Sr. GG embora ele quisesse 120 mil contos.
No financiamento houve também um aval do Sr. GG e da esposa e o penhor a favor da Ag... de USD 500.000,00 que pertenciam ao Sr. CC, sócio do Sr. KK, contabilista da A.... Não viu documentos e foi o Sr. KK que lhe disse que o montante em dólares era Sr. CC.
Pode dizer que houve transferência da actividade da A... para a Ai... mas só da parte de manutenção, ficando a A... com a venda dos veículos.
Sabe que a Ai... e a T... eram empresas do Sr. GG.
Houve dificuldade nas negociações com a credora J... e esta fez uma proposta que passava pela hipoteca de imóveis mas a A... não aceitou.
RR, funcionário da Administração Tributária, informou que, em 2001, participou numa acção de fiscalização que teve origem num pedido de reembolso de IVA por parte da A.... Seria para validar um reembolso de Jan/99. Consta do relatório que tinha havido uma inundação nas instalações da empresa, havendo documentação deteriorada. Recorda-se que a empresa já estava em falência e que falou com o liquidatário, bem como que não validaram o reembolso na totalidade.
SS, inspector tributário, explicou que elaborou, em Março de 2001, o relatório junto com o requerimento de 30/5/2001 do processo principal. A fiscalização foi iniciada em Outubro/Novembro de 2000 e lembra-se que a sede da empresa estava situada numa cave de um edifício em Oliveira de Azeméis. Já estava em falência e só falou com o liquidatário. Tinha havido uma inundação proveniente de um andar superior.
Apercebeu-se que havia um declínio grave da actividade da empresa, sobretudo a partir de Junho de 1998. O último concurso ganho foi em 1996 e o imobilizado corpóreo passou quase todo para a Ai..., existindo factura de venda. O espaço em que esteve não tinha luz, nem água.
BB relatou que trabalhou na A... durante 20 anos. O Sr. GG tinha a Ai..., a A... e a T.... A certa altura ele propôs ao trabalhadores da A... passarem para a Ai... com redução do vencimento mas garantindo-lhes os direitos anteriores. O depoente não aceitou e foi despedido verbalmente. Contudo, quando voltou para acertar o período de férias a que tinha direito foi readmitido e foi o único trabalhador a ficar na A....
A Ai... e a A... laboraram nas mesmas instalações e com os mesmos equipamentos. Tudo ficou na mesma só a identificação formal é que mudou.
Em Dezembro de 1999 foi despedido.
TT, inspector chefe da PJ, mencionou que, há 15 ou 20 anos, investigou um processo-crime referente à falência culposa da A.... Que o seu colega UU fez uma análise contabilística onde se vê que a actividade, os bens e os trabalhadores da A... passaram praticamente todos para a Ai....
Que a A... adquiriu acções no valor de 350.000 contos com a intervenção da empresa, a T..., sendo um investimento que não tem justificação sob o ponto de vista de uma gestão racional.
A investigação do empréstimo com a hipoteca foi muito difícil e envolveu a cessão a um offshore, a K..., não se tendo conseguido identificar os beneficiários ou proprietários.
UU, inspector superior de perícia de finanças contabilísticas na PJ - Directoria do Norte, contou que elaborou o relatório pericial no âmbito do processo-crime nº 284/01.7TAOAZ de falência culposa da A... (esse relatório e adimento constam do processo principal e foram juntos a estes autos em 2/7/2021 e 8/72021)
Em 1999 a A... alterou a forma como fazia os registos contabilísticos tornando menos claras as informações, não se fazendo referência às entidades envolvidas nas operações
Examinou o financiamento e a cessão em causa e verificou que parte do dinheiro que serviu para a A... pagar o empréstimo adveio do seu ROC, nunca se conseguindo apurar a origem do dinheiro. Não encontraram quaisquer transferências da cessionária K... para o Banco cedente.
VV, Administrador judicial, especificou que teve intervenção na falência da A..., fazendo uma análise da sua contabilidade cujo relatório se encontra a fls.1305 do processo principal. Falou do decréscimo acentuado da actividade da empresa e de ter detectado erros grosseiros na contabilidade.
De uma análise concertada de toda a prova produzida, mormente do confronto da enunciada prova testemunhal com toda a documentação carreada, entendemos não se mostrar desacertada a decisão de facto nos pontos impugnados, nem ser de aduzir a factualidade pretendida, tudo sem prejuízo do que se dirá adiante.
Com efeito, o empréstimo foi liquidado através de uma conta da A..., sendo irrazoável tratar-se de um erro contabilístico do banco cedente tendo em conta todo o circunstancialismo envolvente espelhado na prova.
E percebe-se que o crédito não teve reflexos no aumento do activo da falida nem no seu giro comercial, sendo que a falida, por referência à data do empréstimo, estava sem actividade.
Isto porque a A... tinha transferido para a Ai... os seus bens, equipamentos e funcionários, sendo disso bem elucidativo o depoimento da testemunha BB, suportado evidentemente na variada documentação financeira e contabilística da empresa junta aos autos.
Embora a testemunha LL tenha dito que em 1997 a A... tinha actividade, o certo é que da concretização do seu depoimento isso não resulta claro pois que em 1998 só pagou a fornecedores o montante de 48.715 contos e a trabalhadores o montante de 5.416 contos. Quer dizer, os valores que, da parte da despesa, relevam no desenrolar do normal funcionamento e desenvolvimento do objecto social, que é a actividade económica da empresa, são diminutos face às outras despesas mormente as referentes a amortização de empréstimos obrigacionistas.
É completamente verosímil que o negócio de cessão de créditos tenha sido celebrado com o único intuito, por parte da falida e da reclamante K..., de prejudicar os credores da primeira e que tenha sido engendrado um plano de esvaziamento do seu património com vista a prejudicar os seus credores, nele se incluindo o acordo celebrado com a aludida instituição financeira.
Naturalmente, tanto na 1ª como na 2ª instâncias, a valoração da prova é feita na sua totalidade, podendo recorrer-se a presunções naturais, de facto ou judiciais – artigo. 351º C. Civil.
É pela análise crítica, lógica e regras da experiência que o juiz alcança o Direito aplicável ao facto: Jura novit curia (o Tribunal conhece o direito) da mihi factum, dabo tibi ius (dá-me os factos, que eu te darei o direito).
O juízo é uma operação mental e lógica, entendida esta como a ciência que estuda as leis gerais do pensamento e a arte de aplicá-las correctamente na investigação e demonstração da verdade dos factos.
A lógica da argumentação é uma lógica dos valores, do razoável, do preferível, e não uma lógica do tipo matemático.
Na esfera do saber humano, a parte do incerto, do provável, do aproximativo é mais ou menos ampla podendo aí a persuasão ter alguma função.
É que entre a demonstração científica ou lógica e a ignorância pura e simples, existe todo um domínio de argumentação em que se insere o método de pesquisa e prova que fica a meia distância entre a evidência e a ignorância
Por isso se diz que as sentenças judiciais não se estruturam em proposições verdadeiras tiradas de um mero silogismo, antes constituem as respostas mais aceitáveis e adaptadas, integradas numa argumentação.
O juízo de convicção do julgador da matéria de facto não é mais do que um juízo de probabilidade sobre a verdade ou falsidade de certas proposições. O juiz não atinge, em caso algum, a verdade absoluta e, por isso, a lei escuda-se na prudente convicção do juiz.
No caso em análise há uma incongruência entre a argumentação de que o empréstimo se destinava e se aplicou, efectivamente, no incremento da actividade da empresa e aquilo que retrata a realidade formada quer do ponto de vista formal, da análise da contabilidade, quer do ponto de vista substancial.
Neste aspecto, a realidade dos factos é completamente nebulosa, não tendo a prova agora indicada pela recorrente contribuído para uma adequada clarificação.
E a ciência do direito contempla regras que orientam o método de compreensão da prova, as quais integram o instituto do ónus da prova.
Este ónus da prova deve ser encarado por duas perspectivas distintas: uma que diz respeito aos litigantes, indagando-se qual deles deve suportar o risco da prova frustrada – a face subjectiva – e outra que se vira para a actividade do juiz, no julgamento da matéria de facto – a face objectiva.
Na faceta subjectiva há que averiguar a quem compete produzir a prova para se responder à pergunta: qual a parte que fica onerada e sujeita ao risco de ver rejeitada pelo Tribunal a sua pretensão por não ter sabido ou querido carrear para o processo o conjunto de provas suficientes para formar a convicção daquele que está a julgar.
O ónus da prova subjectivo produz dois efeitos:
- por um lado responsabiliza a parte pela conduta probatória que adoptou;
- por outro lado, delimita o âmbito de conhecimento oficioso do Tribunal… índex debit indiciare secundum allegata et probata partium.
Já o ónus da prova objectivo reporta-se a um princípio de direito público que se liga à actividade jurisdicional, por força de um imperativo de ordem jurídica que não permite que o juiz se abstenha de julgar a pretexto de os factos serem duvidosos ou incertos… proibição de non liquet.
Na dita dimensão subjectiva, compete ao credor reclamante a prova da existência do seu crédito, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 342º do C. Civil: ”Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.”
Por significativo neste aspecto cita-se o acórdão deste Tribunal da Relação de 26/06/2014, proc. nº 1040/12.2TBLSD-C.P1, in www.dgsi.pt:” sustenta ainda a recorrente que não tendo o impugnante feito prova do vício da vontade (simulação) que alegou para invalidar a escritura de constituição da hipoteca, a impugnação do crédito tem de ser julgada improcedente e o crédito reconhecido tal como foi feito pelo administrador de insolvência.
Este entendimento suscita duas questões diversas: a primeira consiste em saber quem tem o ónus da prova: se é a credora impugnada que tem de fazer a prova da existência do seu crédito ou o credor impugnante que tem de fazer a prova de que o crédito reclamado não existe; a segunda consiste em saber o que pode constituir fundamento de impugnação do crédito.
No tocante à primeira questão, as regras gerais do ónus da prova apontam claramente no sentido de esse ónus caber ao credor reclamante. Com efeito, a verificação dos créditos é o incidente através do qual é permitido aos credores do insolvente reclamarem os seus créditos para obterem pagamento no processo de insolvência, sendo certo que se o não fizerem não poderão obter pagamento através do produto dos bens da massa insolvente. Desse modo, os credores são chamados a justificar a qualidade de titulares do crédito a que se arrogam. Ao tomarem a iniciativa processual de justificar o seu crédito, os credores estão naturalmente onerados com a prova dos factos constitutivos do direito que invocam (artigo 342.º do Código Civil).

No que concerne aos possíveis fundamentos de impugnação dos créditos a lei não contém qualquer limite ou obstáculo. O que é necessário é que o fundamento alegado tenha valor jurídico para viabilizar o efeito pretendido, ou seja, conduza à demonstração de que o crédito não reconhecido (ou na medida em que o foi) sempre existe (e tem as características reclamadas), ou que o crédito reconhecido (ou na medida em que o foi) não existe (ou não tem as características reclamadas). O que significa que nada obsta a que a impugnação possa ter múltiplos fundamentos e que possa proceder apenas por um desses fundamentos, apesar da improcedência dos restantes.”
Adverte ainda a recorrente para a circunstâncias dos pontos 12, 15 e 16 da matéria de facto provada conterem não factos mas antes conclusões.
Temos por jurisprudencial e doutrinalmente aceite que factos são todos os acontecimentos concretos da vida, reais ou hipotéticos, que sirvam de pressuposto às normas legais aplicáveis, sendo que essas realidades podem reportar-se a:
i) acontecimentos externos (realidades do mundo exterior) e,
ii) a acontecimentos internos (realidades psíquicas ou emocionais do indivíduo), sendo indiferente que o respectivo conhecimento se atinja, directamente, pelos sentidos ou se alcance através do recurso às regras da experiência (juízos empíricos).
Como realidades susceptíveis de apreensão, averiguação ou demonstração, nelas se podem incluir juízos qualificativos de fenómenos naturais ou provocados por pessoas, desde que, embora envolvendo uma apreciação com recurso às regras da experiência, não decorram da interpretação e aplicação de regras de direito e não contenham, em si, uma valoração jurídica que, por alguma forma, represente o sentido da solução final do litígio.
E embora só acontecimentos ou factos concretos possam integrar matéria de facto relevante para a decisão, não podendo aí figurar factos gerais e abstractos como são descritos nas normas legais, devem ainda admitir-se, por equiparáveis a factos, os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, desde que não integrem o próprio objecto do processo ou, mais concretamente, desde que a sua verificação não constitua, o sentido, o conteúdo ou o objecto de disputa das partes. - V.g. por Manuel Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, pág. 180 e Anselmo de Castro, in “Direito Processual Civil Declaratório”, vol. III, pág. 268.
Transcrevemos os pontos em questão.
12 – O negócio de cessão de créditos foi celebrado com o único intuito, por parte da falida e da reclamante K..., de prejudicar os credores da primeira.
15 – E esta juntamente com o seu administrador, GG, tinha engendrado um plano de esvaziamento do seu património com vista a prejudicar os seus credores, nele se incluindo o acordo celebrado com a aludida instituição financeira.
16 – O qual se destinou a colocar os imóveis dados em garantia sob a alçada de um crédito hipotecário a fim de colocar a coberto da acção dos credores da falida.
Se a preposição do ponto 12 “o único intuito, por parte da falida e da reclamante K..., de prejudicar os credores da primeira”, se pode qualificar como facto interno, ocorrência mental, psíquica, já não se pode considerar factualidade o conteúdo dos pontos 15 e 16 pois eles encerram em si precisamente o objecto do litígio.
Em consequência eliminam-se dos factos provados estes dois pontos, postura que não afecta o mérito da decisão de facto como já se disse. O que se trata é de uma correcção técnica sem consequências.
As conclusões são idóneas porque resultam de toda a factualidade provada e a elas se já aludiu mas o que não podem é fazer parte do quadro da matéria de facto.
Interessa aqui consignar que a cessão do crédito foi efectuada mediante escritura publica, no 2º Cartório Notarial do Porto, ficando aí a constar que o banco cede o seu crédito pelo preço de duzentos e trinta e sete milhões cento e quarenta e quatro mil e quarenta e cinco escudos, quantia esta que já se encontra liquidada e da qual o representante do banco dá integral quitação.
O artigo 371.º, n.º 1, do CC que prescreve que: “fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora”.
Portanto, estão cobertos pela força probatória plena:
i) Os factos praticados pela entidade documentadora, ou seja, a parte em que no final da escritura o notário menciona que a leu e explicou.
ii)- Os factos atestados pelo documentador com base nas suas percepções, ou seja, a parte em que na escritura um outorgante declara perante o notário comprar, receber o que quer que seja identificado nos precisos termos que da escritura constam e em que o outro outorgante declara vender, ceder o bem em causa; e a parte em que um outorgante declara que pagou o preço e em que o outro diz que o recebeu.
Tem-se entendido que quanto a esta categoria de factos, a força probatória plena só alcança as percepções do notário propriamente ditas, ou seja, apenas fica plenamente provado que os outorgantes declararam o que do documento consta, mas já não se tem como plenamente provado que um outorgante quis realmente comprar, receber e o outro quis realmente vender ou ceder e que um pagou mesmo e o outro recebeu mesmo.
Portanto, as declarações negociais constantes da escritura, na sua sinceridade e veracidade, não ficam, com a mera apresentação da escritura, automática e plenamente provadas.
Outra questão é a de estes factos, possam ser destruídos por qualquer meio de prova.
Tal remete-nos para o disposto no artigo 394º, nº do C. Civil que estatui ser inadmissível a prova por testemunhas se tiver por objecto “convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documentos autênticos ou autenticados”.
O nº 3 deste preceito adianta que “A proibição do número anterior aplica-se ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado, quando invocados pelos simuladores.” E o nº 3 completa que:” O disposto nos números anteriores não é aplicável a terceiros.
Nesta senda a neutralização dos efeitos jurídicos destes factos, as declarações negociais dos outorgantes, tem necessariamente que passar pela alegação de algum dos vícios de vontade ou divergências entre a vontade e a declaração.
Mas atentando no referido nº 3 verifica-se que que a restrição probatória prevista no preceito não se aplica a terceiros. Quer dizer, o terceiro não é abrangido pelas limitações de prova dos nºs 1 e 2.
É precisamente um acordo simulatório que os credores vêm invocar.
Tem-se considerado que terceiro, para estes efeitos, é todo aquele que não interveio no acordo simulatório, nem representa por sucessão quem nele participou.
Portanto, os credores detendo a posição de terceiros não estão sujeitos a esta contingência probatória.
Por fim, sustenta a recorrente que foi violado o disposto na alínea d) do artigo 615º do CPC, ou seja, que o tribunal conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento quando se pronunciou sobre o pagamento pela falida do empréstimo, quando tal não foi alegado e muito menos provado por parte dos impugnantes ou pelo liquidatário, e muito menos objecto de prova por parte de quem quer que fosse. Ou quando, a final conclui e sentenciou que HH tinha emprestado 61.500 contos à falida para que esta pagasse o crédito ao Banco 7... e assim eliminasse a favor de futuros credores comuns as garantias concedidas a tal banco e transmitidas a terceiros, sem qualquer elemento de prova, depoimento, documento, inferência de outros factos provados, em violação do declarado em documento autêntico, sem que tal tivesse sido pedido ou alegado, sem que constasse do questionário, nem no próprio tema de prova definido em sede de sentença, no que igualmente violou o disposto na al. e) de tal preceito.
E que para justificar uma decisão surpresa, não pedida, não arguida, não demonstrada ou fundamentada, se criaram factos inexistentes, se confundiram conclusões com factos, violando-se o princípio de justiça, de isenção, de imparcialidade, o que faz enfermar a sentença da nulidade insanável, nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 615º do CPC “ é nula a sentença quando não especifique de facto e de direito que justificam a decisão.”
Vejamos.
A sentença é nula quando: a) não contenha a assinatura do juiz; b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
Estas nulidades são deficiências (intrínsecas) da decisão, vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutilizam o julgado na parte afectada.
Não se confundem com o chamado erro de julgamento que se traduz numa desconformidade entre a decisão e o direito - substantivo ou adjectivo - aplicável. Neste caso, o tribunal fundamenta a decisão, aprecia todas as questões suscitadas, mas decide mal; resolve num certo sentido as questões colocadas porque interpretou e/ou aplicou mal o direito.
Ora todas as razões invocadas pela recorrente não configuram qualquer omissão pronúncia ou falta de fundamentação pois, patentemente, se observa que discorda do sentido da decisão do tribunal em sede da matéria de facto e consequente aplicação do direito.
Não se verificando as aludidas nulidades da sentença, o erro de julgamento foi objecto do tratamento que deixou explanado.
Pelo exposto, delibera-se julgar totalmente improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pela apelante.

Porto, 18 de Abril de 2023
Ana Lucinda Cabral
Rodrigues Pires
Márcia Portela


(A relatora escreve de acordo com a “antiga ortografia”, sendo que as partes em itálico são transcrições cuja opção pela “antiga ortografia” ou pelo “Acordo Ortográfico” depende da respectiva autoria.)