Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
285/13.2TTOAZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: DOMINGOS MORAIS
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
PERITO AVERIGUADOR
DEPOIMENTO
OBRA EM TELHADO
Nº do Documento: RP20160713285/13.2TTOAZ.P1
Data do Acordão: 07/13/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º244, FLS.156-164)
Área Temática: .
Sumário: I - No âmbito de impugnação de decisão sobre a matéria de facto, o depoimento de perito averiguador, que não presenciou o acidente de trabalho, só por si, não tem a necessária força probatória para sustentar, em sede de recurso, a alteração da matéria de facto decidida na 1.ª instância, com base noutros meios de prova.
II – Nas obras em telhados, o uso do cinto de segurança só é obrigatório se verificadas determinadas circunstâncias – como acentuada inclinação do telhado, mau estado da estrutura, piso escorregadio, fragilidade do material de cobertura e existências de ventos fortes - e não forem praticáveis as soluções previstas no corpo do artigo 44.º do Decreto n.º 41821/58, de 11.08.
III – Nas pequenas reparações em telhados, como a substituição de telha partida, o Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil não afasta o uso de escada de madeira na posição de deitada, assente nas traves que suportam as placas do telhado, como plataforma de trabalho.
IV – Cabe ao responsável pela reparação de acidente de trabalho alegar e provar, em sede de julgamento, as circunstâncias referidas no ponto II, bem como as características da escada de madeira referida no ponto III, nos termos do artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 285/13.2TTOAZ.P1
Origem: Comarca de Aveiro S.M.Feira - Inst. Central – 4.ª Sec.Trabalho - J2
Relator - Domingos Morais – R 600
Adjuntos: Paula Leal de Carvalho
António José Ramos

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. – Relatório
1. B… intentou a presente acção especial emergente de acidente de trabalho contra C…, S.A., ambos nos autos identificados, alegando, em síntese, que:
- No dia 4.01.2013, no Lugar de …, Oliveira de Azeméis, foi vítima de acidente, o qual consistiu em queda do telhado de uma garagem, de uma altura de cerca de 4 metros, quando, no exercício da sua atividade de trabalhador independente, procedia a uma pequena reparação do mesmo.
- Tal telhado era de muito reduzida inclinação, a sua cobertura era feita com placas de lusalite e, para se deslocar no mesmo, o autor punha apenas os pés em cima de uma escada de madeira que aí colocara para o efeito na posição de deitada ou, quando isso era absolutamente necessário, nas vigas de união desse telhado, evitando sempre andar directamente sobre as ditas placas.
- No entanto, pelas 17.00 horas, precisou de deslocar um pouco a referida escada e, quando fazia tal, acabou por se desequilibrar e colocar o seu pé esquerdo directamente em cima de uma das placas, a qual cedeu com o seu peso e quebrou, dando assim azo à sua queda no chão.
- Em consequência de tal acidente, o autor sofreu traumatismo no ombro direito (com rotura completa e extensa do tendão subescapular, com marcada retração musculo-tendinosa; com rotura da margem antero-lateral do tendão supraespinhoso, focal, sem retração e sem atrofia muscular; com derrame articular glenoumeral, na bursa subacromial/deltoideia e na bainha tenossinovial da longa porção do bicipede; com ligeira subluxação do tendão da longa porção do bicipede) e, como sua sequela, apresenta: - limitação da respetiva mobilidade articular – no plano sagital, uma antepulsão de 0-45º (retropulsão normal), no plano coronal, uma abdução de 0-90º (adução normal) e rotações normais; - dificuldades em levar a mão direita até à nuca e ao ombro colateral e incapacidade em chegar à região lombar.
- Para além das incapacidades temporárias ocorridas, o autor é portador de uma IPP de 13,51%.
Termina, pedindo a condenação da ré seguradora no pagamento:
“A) - O capital de remição de uma pensão anual e vitalícia no montante de € 661,99, devida a partir de 24/4/2013, calculada com base na retribuição anual ilíquida de € 7.000,00 e na I.P.P. de 13,51%.
B)- A quantia de € 15,00, gasta em despesas de transporte com as suas deslocações obrigatórias ao GML de Entre Douro e Vouga e a esta 3ª Secção da Instância Central do Trabalho da Comarca de Aveiro.
C)- Juros de mora já vencidos e os vincendos, à taxa legal de 4%, contados a partir do vencimento das obrigações e até efetivo e integral pagamento, computando-se os primeiros na quantia global de € 664,05, à data da propositura da presente ação.”.
2. - Citada, a ré seguradora contestou, alegando, em resumo, que o acidente deve ser considerado descaracterizado, por violação das regras de segurança no que ao caso respeitavam.
Termina pela improcedência da acção e consequente absolvição do pedido.
3. – Proferido o despacho saneador, fixados os factos assentes e controvertidos, realizado o julgamento e respondidos os quesitos, foi prolatada sentença com a seguinte decisão:
“Pelo exposto, julgo procedente a ação e, em consequência, declaro que o autor sofreu um acidente de trabalho em 4 de Janeiro de 2013 que lhe determinou uma incapacidade de 5,7% com consolidação das lesões em 23 de Abril de 2013 e, por conseguinte, condeno a ré a pagar ao autor as seguintes quantias:
O capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de € 279,30 com vencimento em 24 de Abril de 2013 acrescida de juros desde esta data até integral pagamento; e
A quantia de € 15, a título de despesas de deslocação, acrescidas de juros de mora desde a data da tentativa de conciliação [12 de Maio de 2014] até integral pagamento.
Mais condeno a ré no pagamento das custas.
Valor da causa: € 4162,88.”.
4. - A ré seguradora, inconformada, apresentou recurso de apelação, concluindo:
1 – A Recorrente não se pode conformar com a douta sentença de fls. que a condenou a liquidar na íntegra os danos sofridos pelo autor.
2 – Entende, desde logo, que não houve um correcto julgamento da matéria de facto, bem como entende que houve uma incorrecta aplicação do direito.
3 – Em primeiro lugar, entende a recorrente que foram incorrectamente julgados os artigos 5.º, 6.º, 7.º, 9.º e 10.º da matéria de facto controvertida.
4 – Refere a testemunha D…, (cujo depoimento de encontra gravado no sistema digital deste Tribunal – acta da audiência de julgamento de 12.01.2016 – minuto 10.44.80 ao minuto 11.09.35 – que o sinistrado não usou qualquer plataforma de trabalho para chegar ao local da reparação
5 – Por outro lado, também a referida testemunha refere que a escada que o sinistrado utilizou não tinha cumprimento suficiente para chegar ao local da reparação do telhado.
6 – Refere a mesma que para chegar ao local de trabalho teria o sinistrado de colocar os pés no telhado, afim de mover a escada até ao local da reparação.
7 – Assim, deveriam ter sido dados como provados os factos vertidos nos artigos 5.º, 6.º, 9.º e 10.º da matéria de facto controvertida, o que se pede.
8 – Ora, dada esta alteração da resposta aos factos acima referidos, certo é que o sinistrado não cumpriu as regras mínimas de higiene e segurança no trabalho previstas no artigo 44.º do Decreto n.º 41821 de 11 de Agosto de 1958, pelo que o acidente dos autos se deve considerar descaracterizado, devendo em consequência ser a ora recorrente absolvida do pedido.
9 – Ainda que assim não se entenda, reitera-se, face à matéria de facto dada como provada, que o sinistrado não respeitou as regras prevista no artigo 44.º do Decreto n.º 41821 de 11 de Agosto de 1958.
10 – De facto, não se pode considerar que uma escada seja classificada uma plataforma de trabalho. Uma escada pressupõe que existam buracos na sua estrutura. A base de apoio de uma escada é diminuta face a uma plataforma correctamente montada, como seja uma plataforma de madeira como a que se visualiza na fotografia junta como documento n.º 4 da contestação.
11 – Essa plataforma permitiria ao sinistrado ter uma base de apoio bastante ampla no sentido de evitar pisar as telhas de lusalite que o sinistrado tinha conhecimento que estavem em muito mau estado.
12 – Ora, sabendo deste facto, deveria o sinistrado ter adoptado medidas preventivas para evitar pisar directamente as telhas de lusalite. Ao fazê-lo com uma escada, que, repete-se, não é uma plataforma, não cumpriu com as regras de segurança devidas para a obra em questão, pelo que também por esse motivo deve ser descaracterizado o sinistro em apreço ao abrigo do artigo 14.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 98/2009, de 04.04, o que se pede.
13 – A douta sentença de fls. violou, entre outros, o disposto no artigo 44.º do Decreto n.º 41821 de 11 de Agosto de 1958 e no artigo 14.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 98/2009, de 04.04.
Nestes termos e nos melhores de direito revogando V. Exas. a douta sentença de fls., farão um acto de inteira e sã justiça.”.
5. – O autor contra-alegou, concluindo:
1 – O depoimento da testemunha D… não é possuidor de uma força probatória tal que implique uma alteração da apreciação do Tribunal “a quo” quanto aos pontos 5.º, 6.º, 7.º, 9.º e 10.º da matéria de facto controvertida.
2 - O Tribunal “a quo” fez uma adequada apreciação da prova produzida quanto a tais pontos.
3 – Uma vez que o A. utilizou, para a realização da reparação do telhado, uma escada móvel como plataforma de trabalho, não houve da sua parte qualquer violação de normas de segurança previstas no artigo 44.º do Decreto n.º 41821 de 11 de Agosto de 1958.
4 – A entender-se que houve tal violação, então, não deve a ela ser considerada sem causa justificativa, porquanto aquela não se traduz em neglicência grosseira por parte do A., já que, sendo este um simples trabalhador independente, de baixo nível cultural, que vai fazendo apenas uns pequenos biscates, com os parcos meios disponíveis, revelou, não obstante isso, uma assinalável sensibilidade à necessidade de cumprimento de normas de segurança, procurando dar-lhe satisfação de uma forma que considerou adequada, agindo ciente dos riscos que enfrentava, com a necessária cautela, como habitualmente fazia em casos semelhantes, pondo os pés apenas em cima da escada ou, quando absolutamente necessário, nas vigas de união do telhado, evitando andar sobre as placas.
5 – Caso se entenda que o comportamento do autor é enquadrável na previsão do artigo 14.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 98/2009, de 04.04, ainda assim a descaracterização do acidente não opera mercê da simples violação dessa norma, incumbindo à ré, nos termos do n.º 2 do artigo 342.º do CC o ónus de demonstrar a existência de nexo de causalidade entre essa violação e o acidente.
6 – Não pode o acidente que vitimou o autor ser descaracterizado, visto que a ré não demonstrou que o acidente não aconteceria sem essa violação, ou seja, que se aquele tivesse posto tábuas de rojo sobre o telhado, não estaria sujeito a erro na colocação das mesmas, posicionando-as de forma a dificultar a realização das obras, e que, por consequência, não teria necessidade de as deslocar, nem, por isso, se teria desequilibrado e caído sobre a placa de forma a quebrá-la e a provocar a sua queda ao solo.
7 – Deve o presente recurso considerar-se improcedente e confirmar-se a douta sentença recorrida.”.
6. - O M. Público não emitiu parecer, por patrocínio do autor.
7. - Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. - Fundamentação
1. - Os factos
1.1. - Na 1.ª instância foi proferida a seguinte decisão de facto (sem numeração):
Estão provados os seguintes factos:
No dia 4 de Janeiro de 2013, pelas 17h00, quando procedia a uma reparação no telhado de uma garagem, no exercício da sua actividade de trabalhador independente, o Autor caiu de uma altura de cerca de quatro metros.
A cobertura do telhado, de inclinação descendente, era feita de placas de luselite e para nele se deslocar o autor punha os pés em cima de uma escada de madeira que aí colocara para o efeito na posição de deitada ou, quando necessário, nas vigas de união desse telhado, evitando andar directamente sobre as ditas placas.
Na data referida vigorava entre autor e ré um contrato de seguros de acidentes de trabalho, titulado pela apólice nº …………., na modalidade de trabalhador independente, de acordo com o qual o primeiro transferia para a segunda a responsabilidade infortunística nos termos gerais da Apólice Uniforme em vigor e em função da retribuição anual ilíquida de € 7.000.
O autor nasceu no dia 15 de Abril de 1969.
Na ocasião referida o autor precisou de deslocar a escada que lhe servia de plataforma e, quando o fazia, acabou por se desequilibrar e colocar o pé esquerdo directamente em cima de uma das placas que cedeu com o seu peso e quebrou, dando azo à assinalada queda.
Em consequência do acidente o autor sofreu ruptura do supra espinhoso direito ficando com rigidez do ombro direito.
O autor gastou € 15,00 em despesas de transporte com as suas deslocações ao Gabinete Médico-Legal de Entre Douro e Vouga e a esta Secção do Trabalho.
O autor utilizou duas escadas para atingir o local da reparação.
O autor, para chegar ao local da reparação em condições de poder trabalhar, tinha que mover a escada que lhe estava a servir de plataforma e colocou o pé direito em cima da parte das placas de lusalite que tem mais resistência e ao inclinar-se caiu.
O autor utilizou uma escada como plataforma de trabalho, não tendo utilizado guarda-corpos ou cinto de segurança.
O autor havia sido alertado pelo proprietário do imóvel para as condições deficientes em que se encontrava o telhado, tendo pois prévio conhecimento de tais condições e tinha consciência de que se encontrava numa situação de perigo de queda.”.

2. – O direito
2.1. - Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis por força do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) e artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho (CPT), e salvo questões de conhecimento oficioso, o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões da recorrente, supra transcritas.

2.2. - Objecto do recurso:
- A modificabilidade da decisão de facto
- A (des)caracterização do acidente, como de trabalho, por violação das regras de segurança, por parte do sinistrado.

2.3. - A modificabilidade da decisão de facto.
2.3.1. - Atento o disposto no artigo 662.º, n.º 1, do novo Código de Processo Civil (CPC), o Tribunal da Relação deve alterar a decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Para o efeito da alteração da decisão de facto, o artigo 640.º, do novo CPC, dispõe:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo da possibilidade de poder proceder à respectiva transcrição dos excertos que considere relevantes; (…)”.
No presente caso, o recorrente cumpriu o ónus que sobre si impendia, por força do citado normativo.

2.3.2. - A ré apelante considera incorrectamente julgados os factos vertidos nos artigos 5.º, 6.º, 7.º, 9.º e 10.º da matéria de facto controvertida.
No entanto, no ponto 7) das conclusões do recurso escreveu:
Assim, deveriam ter sido dados como provados os factos vertidos nos artigos 5.º, 6.º, 9.º e 10.º da matéria de facto controvertida, o que se pede.”
Ou seja, do pedido conclusivo, para efeitos de impugnação da matéria de facto, foi excluído o artigo 7.º da matéria controvertida.
Nos restantes artigos impugnados - 5.º, 6.º, 9.º e 10.º - da matéria controvertida, perguntava-se:
“5) A escada referida em B) não atingia o local de reparação…?
6) …pelo que o Autor, após atingir o final da escada e para a mover para o local da reparação, colocou-se em cima de uma das placas de luselite, ocasião em que se deu a quebra da mesma e a queda daquele?
9) … sabia que a escada que utilizou para se apoiar não tinha o comprimento suficiente para alcançar o local da reparação…?
10) …e tinha consciência de que se encontrava numa situação de perigo de queda?”.
E obtiveram as seguintes respostas:
“Base 5.ª: Provado apenas que o autor utilizou duas escadas para atingir o local da reparação.
Base 6.ª: Provado apenas que o autor, para chegar ao local da reparação em condições de poder trabalhar, tinha que mover a escada que lhe estava a servir de plataforma e colocou o pé direito em cima da parte das placas de lusalite que tem mais resistência e ao inclinar-se caiu.
Base 9.ª: Não provado.
Base 10.ª: Provado.”.
Assim, dado que a resposta ao artigo 10.º é “provado”, conforme pedido nas conclusões do recurso, exclui-se do âmbito da presente impugnação da matéria de facto.
A ré apelante, para prova da alteração pretendida, indicou o depoimento da testemunha D…, técnico averiguador.

2.3.2.1. - Ouvida toda a prova pessoal gravada em sede de julgamento - o depoimento de parte do autor; a testemunha E…, proprietário do imóvel a reparar; e a testemunha D…, técnico averiguador -, e consultados os documentos juntos aos autos, somos a concluir que a decisão de facto impugnada não merece qualquer reparo.
Na verdade, resulta dos depoimentos testemunhais que nenhuma das duas testemunhas ouvidas em audiência de julgamento presenciou o acidente:
- a testemunha E… afirmou que combinou com o autor substituir uma telha partida por temporal, mas que no dia do acidente não estava no local, tendo chegado apenas no final desse dia, já o autor estava internado.
- a testemunha D… afirmou que se deslocou ao local do acidente no dia 21 de Fevereiro de 2013, ou seja, mais de mês e meio depois do sinistro, já a reparação do telhado tinha sido concretizada. Aliás, sobre o que terá ocorrido no dia 04 de Janeiro de 2013, iniciou o seu depoimento dizendo: “segundo fomos informados…”.
Uma dessas fontes de informação foi o próprio autor/sinistrado, ouvido em depoimento de parte na audiência de julgamento, na qual descreveu todos os “passos dados” até à ocorrência da queda.
A credibilidade do depoimento de parte do autor é tal, que o Mmo. Juiz motivou do seguinte modo:
O autor expôs a forma como ocorreu o acidente em termos que consideramos absolutamente conformes com a natureza do trabalho e com a lógica da situação, sendo certo que, apesar de não existirem testemunhas que tivessem assistido ao acidente, consideramos que existe corroboração em pequenos aspetos que tornam verosímil a sua narração.
Basicamente, o autor referiu que verificou e o próprio proprietário lhe referiu que o telhado não tinha grandes condições para andar em cima dele e o próprio material não é próprio para andar em cima dele e como tinha que subir ao telhado para arranjar um buraco e não tinha acesso da beira do telhado, subiu por umas escadas de alumínio e colocou outras escadas de madeira a funcionarem como plataforma, assentes nas traves de ferro que suportam o telhado, para poder chegar ao local, mas como a escada em causa estava sobre o buraco e não lhe permitia trabalhar, antes de lá chegar, colocou o pé direito sobre a parte resistente do telhado [a parte onde existe a trave em que as placas estão aparafusadas] e levantou o pé esquerdo para conseguir movimentar a escada e quando se inclinou para o efeito desequilibrou-se e caiu com o pé esquerdo sobre a placa de lusalite que cedeu e caiu ao chão.
Admitiu que sabia que o telhado não estava em condições e que corria risco de queda pois este risco é próprio deste tipo de trabalho e que usou a escada como plataforma por entender que não era possível montar guarda-corpos nem cinto de segurança por não ter onde os suportar.
A sua narração é corroborada em parte pelo depoimento da testemunha E… que refere que o avisou que o telhado não estava em condições mas que tinha lá uma escada de madeira que ele podia usar como plataforma e então ele respondeu que se a usasse como plataforma como subiria para o telhado e depois quando chegou ao local ouviu falar da escada de alumínio, o que parece indicar que com aquela advertência o autor trouxe uma escada dele [a de alumínio] para poder utilizar as duas.
A sua narração é contrariada, em alguns aspectos, pelo depoimento da testemunha D… que refere que, na altura, quando falou com o autor este só lhe referiu uma escada, mas os elementos expostos contrariam esta versão, bem como quanto ao facto de uma escada ser insuficiente para chegar ao local, sendo certo que nesta parte existe contrariedade de depoimentos mas a verdade é que esta testemunha também não procedeu às medições necessárias [da escada e do trajecto] para podermos contrariar a versão do autor de forma relevante.
De relevar que esta testemunha refere as dificuldades em montar guarda-corpos e cinto de segurança, por exigir a colocação de espias no prédio vizinho, referindo que a forma adequada seria a de colocar tábuas como plataforma até chegar ao local.”.
Em resumo: o depoimento da testemunha D…, que não presenciou o acidente e que “não procedeu às medições necessárias [da escada e do trajecto] para poder contrariar a versão do autor de forma relevante”, como referiu o Mmo Juiz, não tem, como é óbvio, a necessária força probatória para sustentar, em sede de recurso, a alteração da matéria de facto pretendida.
Deste modo, improcede a impugnação da matéria de facto requerida pela ré seguradora.

2.3.3. - A (des)caracterização do acidente, como de trabalho, por violação das regras de segurança, por parte do sinistrado.
2.3.3.1. - Na sentença recorrida, o Mmo. Juiz fundamentou:
Nos termos do artigo 44.º do Decreto n.º 41821 de 11 de Agosto de 1958, «no trabalho em cima de telhados que ofereçam perigo pela inclinação, natureza ou estado da sua superfície, ou por efeito de condições atmosféricas, tomar-se-ão medidas especiais de segurança, tais como a utilização de guarda-corpos, plataformas de trabalho, escadas de telhador e tábuas de rojo».
Não há dúvida que a natureza ou estado deste telhado [placas de luselite] exige medidas de segurança pois é feito de material cuja consistência não é suficiente para, sem mais, suportar o peso de um homem a trabalhar, assente sobre a placa sem qualquer outro reforço.
Então, o autor deveria utilizar alguma das medidas de segurança referidas: guarda corpos, plataformas de trabalho, escadas de telhador e tábuas de rojo.
Sucede que o autor estava a trabalhar com uma escada que funcionava como plataforma de trabalho, ou seja, assentou a escada nas traves que suportam as placas do telhado de forma a poder trabalhar com segurança e foi exactamente quando estava a colocar devidamente a escada que funcionava como plataforma que sofreu o acidente pois desequilibrou-se.
Sucede que a utilização de uma plataforma foi exactamente a medida de segurança que foi indicada pela testemunha apresentada pela ré como adequada uma vez que, no caso, o tipo de trabalho [reparação de rápida execução] e a falta de apoio adequado, não justificavam ou suportavam a utilização de guarda-corpos ou de um cinto de segurança.
O que significa que não se pode afirmar que o autor não utilizou medidas de segurança pois a escada estava a funcionar exactamente como uma plataforma de trabalho, impedindo que o peso do autor fosse suportado pelas placas do telhado, o que se pode questionar é se a escada era um meio adequado para esse fim pois, por um lado, a ré defende que a escada em causa não chegava ao local da reparação e foi na sua movimentação que se deu o acidente e, por outro lado, a própria composição da escada, a sua forma não uniforme [com degraus e espaços vazios], podia ela própria ser uma fonte de insegurança.
Mas a verdade é que não se provou que a escada não chegava ao local da reparação mas apenas que o autor estava a tentar movimentá-la para coloca-la de forma a conseguir trabalhar no local e não foi pela forma da escada ou pela sua inadequação para funcionar como plataforma de trabalho que o autor caiu pois a queda resultou de um desequilíbrio do autor quando teve que se assentar apenas numa perna para movimentar a escada afastando-a do local onde tinha que fazer a reparação.
Logo, o acidente ocorreu quando o autor estava a montar a medida de protecção considerada adequada [plataforma de trabalho] para conseguir trabalhar em segurança e, por isso, consideramos que não podemos falar em negligência grosseira na violação de uma regra de segurança prevista na lei pois o autor estava precisamente a procurar cumprir minimamente estas medidas de segurança exigidas.
Em suma, consideramos que não há lugar à descaracterização do acidente de trabalho.”.

2.3.3.2. - A ré seguradora, nas conclusões de recurso, imputa a responsabilidade do acidente ao autor/sinistrado, por violação de regras de segurança, mormente, as regras previstas no artigo 44.º, do Decreto n.º 41821/58, de 11.08, o que conduziria, na sua opinião, à descaracterização do acidente, como de trabalho, nos termos do artigo 14.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 98/2009, de 04.04 (LAT).

2.3.3.3. – Analisemos.
O artigo 44.º, do Decreto n.º 41821/58, de 11.08, sob a epígrafe “Obras em telhados”, dispõe: “No trabalho em cima de telhados que ofereçam perigo pela inclinação, natureza ou estado da sua superfície, ou por efeito de condições atmosféricas, tomar-se-ão medidas especiais de segurança, tais como a utilização de guarda-corpos, plataformas de trabalho, escadas de telhador e tábuas de rojo”.
E “se as soluções indicadas no corpo do artigo não forem praticáveis, então, os trabalhadores utilizarão cintos de segurança” - § 2.º.
Como escreveu o Ex. Sr. Juiz Conselheiro, Sousa Peixoto, em Acórdão desta Secção Social, datado de 22.09.2003, in www.dgsi.pt, “o simples facto de andar em cima de um telhado não constitui, só por si, um efectivo risco de queda. Tal só acontecerá quando se verificarem determinadas circunstâncias, tais como, acentuada inclinação, mau estado da estrutura, piso escorregadio, fragilidade do material de cobertura e existências de ventos fortes”.
Em suma: o uso dos cintos de segurança em telhados só é obrigatório se verificadas as descritas circunstâncias e não forem praticáveis as soluções previstas no corpo do artigo 44.º do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil.
No caso dos autos, a ré seguradora não alegou, nem provou, por exemplo, qual o grau de inclinação do telhado - uma acentuada inclinação do telhado -, que o telhado estivesse molhado - o piso escorregadio -, ou a existência de ventos fortes no local e hora do acidente que justificassem, no caso em concreto, o uso do cinto de segurança.

Em segundo lugar, a ré seguradora alegou a falta de uma plataforma de trabalho para a reparação do telhado em causa, enquadrando tal falta na previsão do artigo 14.º, n.º 1, alínea a), da Lei (LAT), que dispõe:
1 - O empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que:
a) For dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu acto ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei;”.

No caso em apreço, está provado que “A cobertura do telhado, de inclinação descendente, era feita de placas de luselite e para nele se deslocar o autor punha os pés em cima de uma escada de madeira que aí colocara para o efeito na posição de deitada ou, quando necessário, nas vigas de união desse telhado, evitando andar directamente sobre as ditas placas.
E que “Na ocasião referida o autor precisou de deslocar a escada que lhe servia de plataforma e, quando o fazia, acabou por se desequilibrar e colocar o pé esquerdo directamente em cima de uma das placas que cedeu com o seu peso e quebrou, dando azo à assinalada queda.”.
Da factualidade provada resulta que o autor/sinistrado usou, como meio para se movimentar e proceder à reparação pretendida, uma escada de madeira na posição de deitada, assente nas traves que suportam as placas do telhado de forma a poder trabalhar com segurança.

O uso de escada de madeira enquadra-se também na previsão do artigo 45.º do citado Decreto n.º 41821/58, que dispõe:
Nos telhados de fraca resistência e nos envidraçados usar-se-á das prevenções necessárias para que os trabalhos decorram sem perigo e os operários não se apoiem inadvertidamente sobre pontos frágeis.”.
Ou seja, o legislador não só não define o que deve ser uma “plataforma de trabalho” para reparações em telhados, de rápida execução (como por exemplo, a substituição de telhas partidas), como não afasta o uso de qualquer utensílio que evite que o trabalhador se apoie em pontos frágeis do telhado, de onde possa advir perigo para a sua saúde física.
Um desses utensílios pode bem ser uma escada de madeira – escada de telhador - na posição de deitada, assente nas traves que suportam as placas do telhado em reparação, como no caso em apreço.
A questão que se poderia colocar era a da composição da escada usada pelo autor/sinistrado, não só quanto ao seu comprimento, mas também quanto ao diâmetro das pernas e seu afastamento de eixo a eixo, bem como a distância entre os seus degraus – cf. artigo 39.º do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil.
Ora, sobre a composição da escada, a ré seguradora apenas alegou a falta de comprimento, mas, em sede de julgamento, não provou, como lhe competia - artigo 342.º, n.º 2, Código Civil -, tal facto.
Em resumo: conforme o supra descrito, a lei não afasta o uso de escada de madeira – escada de telhador - como plataforma de trabalho nas situações de reparação de telhados de rápida execução, como era o caso.

Por último, está provado que na origem da queda do autor/sinistrado está o seu desequilíbrio quando tentava deslocar a escada que lhe servia de suporte.
Conforme dispõe o artigo 46.º do citado Decreto n.º 41821/58, “Não devem trabalhar sobre telhados operários que tenham revelado não possuir firmeza e equilíbrio indispensáveis para esse efeito”.
Ora, sobre a eventual falta de equilíbrio do autor/sinistrado, a ré seguradora nada alegou nem provou, como lhe competia, nos termos do artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil.

Em conclusão: tendo o autor/sinistrado usado uma escada de madeira na posição de deitada, como plataforma de trabalho, para uma reparação de rápida execução, não se verifica a violação do disposto no artigo 44.º do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil e, consequentemente, não estão preenchidos os requisitos do artigo 14.º, n.º 1, alínea a), da Lei (LAT), para a descaracterização do acidente, como de trabalho, pelo que, improcedendo o recurso de apelação, deve ser mantida a sentença recorrida.

III.A decisão
Atento o exposto, julga-se a apelação improcedente, e em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
As custas do recurso de apelação são a cargo da ré.
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Sumário:
(da exclusiva responsabilidade do relator).
Descritores: Acidente de trabalho. Alteração da matéria de facto. Depoimento de perito averiguador. Reparação em telhado. Uso do cinto de segurança. Plataforma de trabalho.

I. - No âmbito de impugnação de decisão sobre a matéria de facto, o depoimento de perito averiguador, que não presenciou o acidente de trabalho, só por si, não tem a necessária força probatória para sustentar, em sede de recurso, a alteração da matéria de facto decidida na 1.ª instância, com base noutros meios de prova.
II – Nas obras em telhados, o uso do cinto de segurança só é obrigatório se verificadas determinadas circunstâncias – como acentuada inclinação do telhado, mau estado da estrutura, piso escorregadio, fragilidade do material de cobertura e existências de ventos fortes - e não forem praticáveis as soluções previstas no corpo do artigo 44.º do Decreto n.º 41821/58, de 11.08.
III – Nas pequenas reparações em telhados, como a substituição de telha partida, o Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil não afasta o uso de escada de madeira na posição de deitada, assente nas traves que suportam as placas do telhado, como plataforma de trabalho.
IV – Cabe ao responsável pela reparação de acidente de trabalho alegar e provar, em sede de julgamento, as circunstâncias referidas no ponto II, bem como as características da escada de madeira referida no ponto III, nos termos do artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil.
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Porto, 2016.07.13
Domingos Morais
Paula Leal de Carvalho
António José Ramos