Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
26/12.1TMMTS-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: VIEIRA E CUNHA
Descritores: REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
PROGENITOR NÃO GUARDIÃO
DIREITO AO CONVÍVIO DA CRIANÇA
AUDIÇÃO PRÉVIA DA CRIANÇA
SEPARAÇÃO DOS IRMÃOS
Nº do Documento: RP2014042926/12.1TMMTS-A.P1
Data do Acordão: 04/29/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Decorre da lei, de regulamentos da União Europeia e de convenções internacionais vinculantes do Estado Português que a regulação do direito ao convívio da criança com o progenitor não guardião não dispensa a audição prévia da criança.
II – A audição do menor não tem que obrigatoriamente ser efectuada pelo tribunal, podendo ser suficientes elementos que venham ao conhecimento do tribunal por via de relatório ou informações prestadas por aqueles que contactaram com a criança.
III – Não sendo aconselhável a separação de irmãos de 14 e 11 anos de idade (de sexo masculino e feminino, respectivamente), além do mais porque tal é a expressão do desejo dos mesmos, afigura-se adequada, no caso concreto, uma distribuição dos fins-de-semana por 2 fins-de-semana com o pai e 1 fim-de-semana com a mãe, vinda já da regulação provisória de 28/3/2012.
IV – Esta situação pode não se manter, na medida em que os menores, ou algum deles, venha a exprimir livremente no futuro o seu desejo de passar mais tempo de fim-de-semana com a mãe.
V - Nos termos do artº 150º OTM, os processos tutelares cíveis são considerados de jurisdição voluntária, pelo que, de acordo com o disposto no artº 988º nº1 NCPCiv, as resoluções tomadas são rebus sic stantibus.
VI – A postura calorosa, afectuosa, disponível, bem disposta, do educador, em que o dever não surge do argumento de autoridade, mas da palavra e do respeito, favorece o êxito das responsabilidades parentais.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ● Rec. 26/12.1TMMTS-A.P1. Relator – Vieira e Cunha. Adjuntos – Des. Maria Eiró e Des. Proença Costa. Decisão de 1ª Instância de 8/11/2013.

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto

Súmula do Processo
Recurso de apelação interposto na acção com processo especial de regulação das responsabilidades parentais nº26/12.1TMMTS-A, do Tribunal de Família e Menores da Comarca de Matosinhos.
Requerente – B….
Requerido – C….
Menores – D… (n. 28/2/00) e E… (n. 22/4/03).
Recorrido – Digna Procuradora da República.

Pedido
Que se proceda à regulação das responsabilidades parentais, relativamente aos menores, em todas as suas componentes, designadamente confiando-se a sua guarda à aqui Requerente e estabelecendo-se, a título de alimentos, a prestação mensal de € 300,00, a cargo do Requerido.

Tese da Requerente
Os menores são filhos da Requerente e do Requerido e encontram-se a conviver com a primeira.
De facto, Requerente e Requerido, casados desde 19/10/96, encontram-se agora separados de facto, tendo os menores continuado a conviver com a Requerente.

Foi estabelecido um regime provisório de regulação pelo Tribunal, que determinou que a residência dos menores continue com sua mãe, fixando um regime de convívio aos pais (com dois fins-de-semana em convívio com o pai e um fim-de-semana em convívio com a mãe) e uma prestação alimentícia de € 150,00, por cada menor, a cargo do Requerido.

Tese do Requerido
Os menores devem passar a residir consigo, por se tratar do progenitor de referência.
Deve ser estabelecido o regime do convívio dos pais com os menores e fixada pensão de alimentos a favor dos mesmos menores, a cargo da Requerente, no montante de € 150,00, por cada um.

Sentença Recorrida
Foi proferida, a final, a sentença de que se recorre, na qual foi decidido regular o exercício das responsabilidades parentais referentes aos menores D… e E… da seguinte forma:
A) Fixação de residência e exercício das responsabilidades parentais
- Fixa-se a residência dos menores junto da mãe.
- As responsabilidades parentais relativas a questões de particular importância para a vida dos menores, serão exercidas em conjunto por ambos os progenitores, sendo que em situação de urgência qualquer dos progenitores poderá atuar devendo porém informar o outro logo que possível.
- As responsabilidades parentais referentes a questões da vida corrente dos menores serão exercidas pela mãe, ou pelo pai quando com eles se encontre temporariamente, devendo porém respeitar as orientações educativas mais relevantes definidas pela mãe.
B) Regime de convívios
- Os menores estarão com o pai dois fins de semana seguidos, a que se segue um fim de semana com a mãe, dois com o pai e assim sucessivamente.
- Para o efeito o pai deverá ir buscar os menores à 6ª feira ao estabelecimento de ensino, no final do período escolar, devendo entrega-los na 2ª feira, no estabelecimento de ensino, no início do período escolar.
- Além disso os menores estarão com o pai, todas as semanas, de 4ª para 5ª feira, devendo o pai ir busca-los à 4ª feira ao estabelecimento de ensino, no final do período escolar e entrega-los à 5ª feira no estabelecimento de ensino, no início do período escolar.
- No dia de aniversário da mãe e dia da Mãe os menores permanecerão com a mãe.
- No dia de aniversário do pai e no dia do pai os menores passarão o dia com o pai (sem prejuízo das atividades escolares).
- No dia do seu aniversário os menores deverão almoçar com um dos progenitores e jantar com o outro, a combinar entre ambos, desde já se consignando que, caso não haja possibilidade de acordo, nos anos pares prevalecerá a escolha da mãe e nos anos ímpares prevalecerá a escolha do pai.
- Todos os períodos de férias escolares dos menores devem ser repartidos igualmente por ambos os progenitores, sendo que:
a) no Natal deverá ser garantido que as crianças passem, alternadamente, a noite de natal com um dos progenitores e o dia de natal com o outro.
b) O período de fim de ano/ano novo (dias 31-12 e 01-01) deve ser passado alternada e anualmente com cada um dos progenitores.
c) Nas férias escolares de verão, caso não haja acordo noutro sentido, os menores passarão períodos de 15 dias com cada um dos progenitores.
C) Alimentos
- A título de alimentos o pai pagará mensalmente a quantia total de 300€ (sendo 150€ por cada menor), que remeterá à mãe por qualquer meio idóneo de pagamento documentado, até ao final de cada mês.
- Tal quantia será anualmente atualizada, em janeiro de cada ano e com início em janeiro de 2015, no montante total de 5€ (sendo 2,5€ por cada menor).
- Serão suportadas em partes iguais por ambos os progenitores as despesas dos menores referentes a: livros escolares, óculos, aparelhos nos dentes e tratamentos dentários, operações, internamentos e meios auxiliares de diagnóstico.
- Para o efeito, o progenitor que efetuar a despesa enviará ao outro documento comprovativo até ao final do mês a que a despesa respeitar e o outro deverá reembolsar a sua parte até ao final do mês seguinte ao da receção do documento.

Conclusões do Recurso de Apelação da Requerente:
I. Não pode a ora Recorrente conformar-se, com a decisão do Tribunal “a quo”, na parte que estabelece o regime de convívios e de alimentos (esta ultima com exceção da quantia fixada de € 300,00, a titulo de alimentos).
II. Pois que a prova produzida em audiência de julgamento, relatório e os documentos juntos aos autos impunham decisão diversa.
III. A Meritíssima Juiz “a quo” deu como provados os factos constantes dos pontos adiante descritos, sobre os quais se impunham uma resposta diferente e nos moldes adiante discriminados.
IV. A saber:
1. O menor D…, em anos anteriores, revelou alguns problemas de comportamento (instabilidade e conflitos com colegas) que determinaram a intervenção da psicóloga do estabelecimento de ensino e que se encontram atualmente ultrapassados.
2. A progenitora revela alguma dificuldade de interação com o filho mais velho.
3. O progenitor sempre acompanhou e continua a acompanhar os filhos nas rotinas diárias, trabalhos escolares e momentos de lazer, havendo continuidade no desempenho da parentalidade e capacidade, disposição e disponibilidade para lhes dar afeição, orientação e continuidade de educação.
4. O progenitor considera que a requerente assume uma atitude educativa demasiado rígida.
5. O cumprimento do regime provisoriamente fixado nos autos não tem provocado em qualquer dos menores instabilidade comportamental, sendo que em termos escolares não se verificou qualquer alteração.
6. Ambos os menores manifestam desejo de continuar a partilhar os dois agregados, podendo beneficiar da presença de ambos os progenitores nas atividades diárias.
V. O relatório social foi elaborado de forma aligeirada.
VI. O ponto 4 acima identificado afigura-se-nos não um facto alegado e provado por qualquer das partes, mas antes sim um juízo conclusivo, formulado pelo requerido que a Dra. F… transpôs para o relatório e a Meritíssima Juiz dá como facto provado!
VII. Violando assim o disposto no art. 607.º, n.º 4 do CPC.
VIII. Porém, ainda que assim não se entenda, nenhum meio de prova documental e muito menos testemunhal foi produzido que possa conduzir a tal conclusão.
IX. Ponto 1: do depoimento da Dra. F… já devidamente identificado, resulta também que o D… foi e continua a ser acompanhado pela Psicóloga da Escola que frequenta.
X. Pelo que, deveria ter sido dado como provado também que, o D… continua a ser acompanhado pela Psicóloga da Escola
XI. Ponto 2 é um juízo de valor genérico, um conceito indeterminado e não um facto.
XII. Não foi feita qualquer prova sobre o mesmo.
XIII. Ponto 3 não foi feita qualquer prova sobre o mesmo.
XIV. Não se fez uma valoração e apreciação critica do depoimento das duas testemunhas apresentadas pela requerente, e até mesmo do relatório social.
XV. Atente-se do depoimento de G…, que referiu que o avô materno dava uma mesada para os miúdos, cujo valor não soube precisar, mais referiu que aquele lhes dava tudo o que precisavam, e até mesmo aos aqui litigantes.
XVI. Referiu que a D. B… vivia e vive em função dos filhos, deixou de trabalhar por causa deles, e de comum acordo com o então marido, dedicando-se inteiramente a eles.
XVI.I. O facto em questão deveria ter sido dado como não provado, por ausência de prova que o fundamente.
XVI.II. Ponto 5: não se vislumbram os meios probatórios que serviram de base a este facto dado como provado.
XVI.III. Quanto à situação escolar, com base em que provas se conclui que não houve alteração comportamental na escola dos menores, se nem sequer os seus registos escolares constam do processo.
XVI.IV. O facto em questão não poderia ter sido dado como provado, antes pelo contrário pela prova produzida se devia concluir que:
XVI.V. O cumprimento do regime provisoriamente fixado nos autos tem provocado em ambos os menores instabilidade comportamental e emocional.
XVI.VI. Não podemos, nem devemos esquecer que a Dra. F…, conclui no seu relatório, que deveria ser fixado “um regime de convívios que permita uma partilha de tempo mais equitativa entre os progenitores, facilitando da intervenção de ambos na vida dos descendentes.”
XVI.VII. Por último do ponto 6: do depoimento da Dra. F… resulta que a E… pouco falou, até poderíamos aceitar o facto ora em causa, se a Meritíssima Juiz tivesse acedido ao requerido pela requerente – a audição da E…, assim como fez com o D….
XVI.VIII. Porém, relegou para momento posterior a decisão, decisão esta que não veio a proferir.
XVI.IX. Coartando assim o direito da menor dizer de sua justiça, de viva voz.
XVI.X. Porém, esgotado o seu poder jurisdicional tal decisão não foi objeto de qualquer despacho.
XVI.XI. Pelo que a sentença é nula, nos termos do disposto no art. 615.º, n.º 1, al.d) do CPC.
XVI.XII. Embora a decisão nesta parte não tenha sido posta em causa, cumpre fazer dois parêntesis, no sentido de repor alguma verdade e objetividade no assunto.
XVI.XIII. Por um lado conclui a Meritíssima Juiz que a requerente a breve prazo, necessitará de se empregar e assumir um horário laboral. Pelo que, previsivelmente esta maior disponibilidade de tempo que agora se verifica será transitória.
XVI.XIV. Mas como pode a Meritíssima Juiz concluir tal.
XVI.XV. Por outro lado, a douta sentença contém uma incorrecção grave.
XVI.XVI. O Pai na fase final aceitava o regime provisório mas queria a guarda de um dos filhos – do D…, e quanto à mãe queria apenas que os filhos passassem o mesmo numero de fins-de-semana com ela, ou seja, que fossem fins-de-semana de quinze em quinze dias, tendo manifestado a sua disponibilidade para alargar os dias de quinta a segunda feira, no fim de semana que passassem com o Pai.
XVI.XVII. Presume o Tribunal que o requerido prescindiu da prova por querer manter o regime provisório, em algum momento terá ocorrido à Meritíssima Juiz, que as testemunhas do requerido pudessem não comparecer de livre e espontânea vontade (as que eram a apresentar) ou,
XVI.XVIII. que o testemunho delas pudesse não ser favorável ao requerido (uma delas até era comum) e, por esses motivos o requerido se viu forçado a prescindir da prova.
XVI.XIX. A decisão tem que ser justa, mas também objetiva, isenta e imparcial.
XVI.XX. Alteradas que sejam as respostas dadas à matéria de facto impugnada no sentido almejado, impõe-se de facto a alteração do regime de convívios fixado.
XVI.XXI. Mesmo que não o seja, o regime fixado viola grosseiramente o disposto no art. 180.º da OTM.
XVI.XXII. Aliás afigura-se-nos até salvo melhor opinião que a decisão proferida está em contradição com os fundamentos legais aduzidos na decisão recorrida.
XVI.XXIII. Apesar de se afirmar na sentença que os menores manifestaram o desejo de continuar a partilhar os dois agregados familiares, nenhum meio de prova indicia que manifestaram o desejo que o regime de convívios fosse este.
XVI.XXIV. O regime fixado não é equilibrado.
XVI.XXV. Por outro lado, não ficou estabelecido na sentença, como deveria que a condução de e para casa da mãe deve ser assegurada pelo Pai, na impossibilidade de entrega ou recolha dos menores em tempo ou dias (feriados) não letivos.
XVI.XXVI. Nada ficou estabelecido quanto ao dia de Páscoa e de Carnaval
XVI.XXVII. Verificando-se assim uma omissão de pronúncia.
XVI.XXVIII. Quanto aos alimentos, entendemos que a mesma viola o disposto no art. 2004.º do CC.
XVI.XXIX. Existem outras despesas que pela fundamentação expressa na sentença deviam também ser partilhadas entre os litigantes na mesma proporção.
XVI.XXX. A saber: material escolar, despesas médicas e medicamentosas, atividades extra curriculares, bem como renovações de matricula, uniformes e refeições do colégio, enquanto o frequentarem.
XVI.XXXI. Como tal deve ser alterada em conformidade.

Em contra-alegações, a Digna Procuradora da República sustenta a confirmação da sentença recorrida.

Factos Provados
- D… nasceu a 28 de fevereiro de 2000 e foi registado como filho da requerente e do requerido.
- E… nasceu a 22 de abril de 2003 e foi registada como filha da requerente e do requerido.
- Os progenitores dos menores casaram, um com o outro, a 19 de Outubro de 1996, encontrando-se tal casamento dissolvido por divórcio decretado por sentença proferida a 04 de outubro de 2012 nos autos de divórcio apensos.
- Após contrair casamento o casal residiu, por alguns anos, autonomamente com os filhos, tendo passado a residir na casa dos pais da requerente em 2004/2005.
- A separação de facto ocorreu em dezembro de 2011, tendo o requerido deixado a casa dos sogros e os menores permanecido a habitar com a mãe e avós maternos.
- A habitação dos avós maternos é uma moradia com excelentes condições de habitabilidade, jardim, piscina, ginásio, muito espaçosa e onde cada um dos menores possui quarto próprio com w/c.
- Num período inicial os menores mantinham convivência diária com o pai que continuou a assegurar muitas das suas rotinas diárias, por acordo com a progenitora.
- Posteriormente o casal entrou em conflito profundo havendo necessidade de intervenção judicial.
- A progenitora dos menores trabalhou numa empresa de que o seu pai era sócio gerente, tendo deixado de trabalhar quando a filha mais nova nasceu.
- Posteriormente passou a exercer funções numa empresa que constituiu com o marido e que terá cessado atividade após a separação do casal.
- Atualmente a progenitora não exerce qualquer atividade remunerada, nem aufere qualquer rendimento mensal dependendo economicamente dos seus progenitores.
- A requerente tem vindo a frequentar formação profissional.
- São os avós maternos dos menores quem assegura todas as despesas de manutenção da habitação.
- Pelo menos no presente ano letivo são também os avós maternos quem assegura o pagamento da mensalidade do colégio frequentado pela E….
- A progenitora sofre de nevralgia do trigénio há cerca de seis anos, estando medicada para a dor.
- Após a separação a progenitora tem vindo também a ser medicada para a ansiedade e depressão.
- Durante o tempo de convivência conjugal as responsabilidades parentais sempre foram repartidas por ambos os progenitores, cabendo a ambos a gestão das rotinas diárias dos menores, considerando a requerente que o requerido sempre foi um pai interessado e presente no quotidiano dos filhos.
- Nos estabelecimentos de ensino que os menores frequentam, a requerente assume a função de encarregada de educação e é considerada presente, interessada e colaborante.
- Não obstante ser a mãe a encarregada de educação junto dos estabelecimentos de ensino, essa função e as responsabilidades a ela inerentes sempre foram partilhadas por ambos os progenitores.
- Os menores têm um desenvolvimento adequado à idade e não manifestam necessidades especiais a nível educativo ou de saúde.
- Ambos frequentam estabelecimento de ensino particular, onde estão bem integrados, são assíduos e mantêm bom aproveitamento.
- O menor D…, em anos anteriores, revelou alguns problemas de comportamento (instabilidade e conflitos com colegas) que determinaram a intervenção da psicóloga do estabelecimento de ensino (redacção adoptada nesta instância, consoante fundamentação infra).
- A progenitora revela alguma dificuldade de interação com o filho mais velho.
- O requerido reside com uma companheira num apartamento t3, arrendado.
- O requerido exerce atividade como trabalhador independente, na área do comércio por grosso de brinquedos, jogos e artigos de desporto, auferindo mensalmente cerca de 1.250€; a sua companheira aufere 920€ exercendo funções administrativas na ordem dos enfermeiros.
- Requerente e requerido têm um apartamento que se encontra arrendado pelo montante mensal de 600€ (que o requerido recebe).
- Como despesas mensais fixas o agregado do requerido suporta:
- 645€ de renda de casa; cerca de 110€ de luz, água e gás; 35€ de internet, telefone e tv; 350€ de amortização da casa que se encontra arrendada; 45€ de condomínio da casa que se encontra arrendada; 20€ de telemóvel; cerca de 200€ de combustível.
- O progenitor sempre acompanhou e continua a acompanhar os filhos nas rotinas diárias, trabalhos escolares e momentos de lazer, havendo continuidade no desempenho da parentalidade e capacidade, disposição e disponibilidade para lhes dar afeição, orientação e continuidade de educação.
- (facto retirado do elenco dos provados, consoante fundamentação infra).
- No decurso do regime provisoriamente fixado nos autos, não se verificou alteração significativa em termos escolares (redacção adoptada nesta instância, consoante fundamentação infra).
- Ambos os menores manifestam desejo de continuar a partilhar os dois agregados, podendo beneficiar da presença de ambos os progenitores nas atividades diárias.
- Os menores revelam agrado no relacionamento com a atual companheira do pai.
- O menor D… frequenta triatlo como atividade extracurricular e a E… frequentou ballet.
- Ambos os progenitores desejam que a residência principal dos menores seja fixada junto de si, embora o progenitor aceite a manutenção do regime provisório, enquanto que a progenitora pretende que os fins de semana com o pai passem a ser quinzenais.
- Os progenitores mantêm entre si um clima de grande conflitualidade, sem capacidade de diálogo.
- A mensalidade do colégio particular que os menores frequentam excede os 800€ (para ambos) e a atividade de triatlo que o menor D… frequenta custa mensalmente 20€.

Fundamentos
A questão colocada pelo presente recurso resume-se a conhecer do bem fundado de alguns dos factos provados em 1ª instância, a saber:
1. O menor D…, em anos anteriores, revelou alguns problemas de comportamento (instabilidade e conflitos com colegas) que determinaram a intervenção da psicóloga do estabelecimento de ensino e que se encontram atualmente ultrapassados.
2. A progenitora revela alguma dificuldade de interação com o filho mais velho.
3. O progenitor sempre acompanhou e continua a acompanhar os filhos nas rotinas diárias, trabalhos escolares e momentos de lazer, havendo continuidade no desempenho da parentalidade e capacidade, disposição e disponibilidade para lhes dar afeição, orientação e continuidade de educação.
4. O progenitor considera que a requerente assume uma atitude educativa demasiado rígida.
5. O cumprimento do regime provisoriamente fixado nos autos não tem provocado em qualquer dos menores instabilidade comportamental, sendo que em termos escolares não se verificou qualquer alteração.
6. Ambos os menores manifestam desejo de continuar a partilhar os dois agregados, podendo beneficiar da presença de ambos os progenitores nas atividades diárias.
E, consequentemente, apurar se o regime de convívios e a prestação fixada ao Requerido devem ser alteradas.
Vejamos pois.
I
Foi ouvida na íntegra a prova testemunhal prestada em audiência de julgamento, prova essa que pouco mais esclareceu de relevante, relativamente à prova documental que o processo já detinha.
Deu-se como provado, de facto, que “o menor D…, em anos anteriores, revelou alguns problemas de comportamento (instabilidade e conflitos com colegas) que determinaram a intervenção da psicóloga do estabelecimento de ensino e que se encontram atualmente ultrapassados”.
É um facto porém, e damos razão à Recorrente, de que o depoimento da Drª F…, não contraditado, revela que o menor continua a ser acompanhado pelo psicólogo da escola (“agora menos”), facto que teria igual relevância à matéria considerada provada, e porque tal matéria se considerou (adequadamente) relevante para a decisão da regulação.
Como assim, decide-se alterar a redacção do parágrafo, fazendo excluir a expressão “e que se encontram atualmente ultrapassados”, pois não é crível, à luz da normalidade da vida, que o psicólogo continuasse a solicitar ou a ser solicitado no acompanhamento do menor (embora menos solicitado) se ele psicólogo não divisasse a necessidade de uma intervenção psicológica junto do mesmo menor.
Da alteração referida demos já nota supra, no elenco dos provados.
Deu-se também como provado que “a progenitora revela alguma dificuldade de interação com o filho mais velho”.
É certo que nenhuma testemunha se referiu a esta matéria em audiência, mas não menos verdade é que tal facto, assim provado, resulta claramente das declarações da criança, a fls. 202 e 203 dos autos. Encontra-se assim plenamente justificado o facto provado, que se mantém no respectivo elenco.
A Recorrente insurge-se também, nas doutas alegações, com a fixação do facto provado “o progenitor sempre acompanhou e continua a acompanhar os filhos nas rotinas diárias, trabalhos escolares e momentos de lazer, havendo continuidade no desempenho da parentalidade e capacidade, disposição e disponibilidade para lhes dar afeição, orientação e continuidade de educação”.
Trata-se, é certo, de uma conclusão retirada do relatório social elaborado com relação ao Requerido e à sua estrutura familiar, complementado pelas declarações do menor D… já aludidas, mas não vemos qualquer razão para que não integrem o elenco dos provados, posto que não lograram qualquer espécie de contradição. Confirma-se assim o facto provado.
Prossegue a Recorrente, que coloca em causa o facto “o progenitor considera que a requerente assume uma atitude educativa demasiado rígida” – aqui, porém, com inteira razão: trata-se de uma apreciação de um interessado no desfecho da causa (e o que importa para a decisão é a apreciação que resulte dos factos em si ou do terceiro independente, capaz de arbitrar o conflito). O facto deve ser retirado do elenco dos “provados”.
Quanto à situação escolar dos menores, considerou-se provado que “o cumprimento do regime provisoriamente fixado nos autos não tem provocado em qualquer dos menores instabilidade comportamental, sendo que em termos escolares não se verificou qualquer alteração”. Ora, vimos já como o menor D… continua a ter observação psicológica (embora menor), ignorando-se se tem como origem específica o regime provisório de regulação das responsabilidades parentais”, mas também se ignorando o contrário, isto é, também se ignorando se a dita instabilidade não se ficou a dever ao convívio posterior com os pais.
Certo porém, aparentemente, com base nos relatórios sociais e nas declarações do menor, que continuam ambos a ter aproveitamento escolar.
Daí que se altere o facto provado, determinando agora que, do mesmo, passe apenas a constar que “no decurso do regime provisoriamente fixado nos autos, não se verificou alteração significativa em termos escolares”.
Contesta-se ainda a fixação como provado de que “ambos os menores manifestam desejo de continuar a partilhar os dois agregados, podendo beneficiar da presença de ambos os progenitores nas atividades diárias”.
É o que expressamente resulta do relatório social, a fls. 189, e não foi contraditado por qualquer dos meios de prova apresentados, pelo que inexiste qualquer óbice à prova do facto, que se confirma.
II
Vejamos agora a prestação de alimentos a favor das crianças, entrando mais propriamente no regime de regulação estabelecido.
A douta sentença recorrida fixou tal prestação em € 300,00, determinando, além disso, que sejam suportadas em partes iguais por ambos os progenitores as despesas relativas a “livros escolares, óculos, aparelhos nos dentes e tratamentos dentários, operações, internamentos e meios auxiliares de diagnóstico”.
Alude a recorrente a despesas relativas a “material escolar, despesas médicas e medicamentosas, atividades extra curriculares, bem como renovações de matricula, uniformes e refeições do colégio, enquanto o frequentarem”.
Pensamos porém que o elenco da douta sentença recorrida se mostra detalhado e escrupuloso, abrangendo com mais rigor as despesas mais relevantes em causa, sendo que não resulta dos factos provados um encargo sobremaneira acrescido decorrente de actividades extra curriculares.
Nada teremos a alterar em matéria de fixação de alimentos a favor dos menores.
O regime de convívios porém levanta outro tipo de questões – encontra-se fixado, desde o regime provisório, em 28/3/2012, que os menores passem dois fins-de-semana com o pai e apenas um com a mãe, e assim sucessivamente (as férias são por igual repartidas).
Ouvido directamente pelo tribunal, existe prova nos autos que o menor D… aprecia o convívio com o pai e não coloca questões no convívio com a nova companheira do pai.
Mas não se ouviu directamente a menor E… sobre a questão da residência e dos fins-de-semana. Para a Recorrente, foi praticada uma nulidade.
A questão da nulidade, posta sob o ponto de vista formal, deve, como tal, ser também apreciada.
Não se ignora ter-se hoje estabelecido na lei e na doutrina o entendimento pacífico, igualmente decorrente de regulamentos da União Europeia e de convenções internacionais vinculantes do Estado Português, que nos casos em que haja necessidade de regular o exercício de responsabilidades parentais se impõe a audição prévia da criança – cf., nesse apontado sentido, artº 4º al.i) LPPCJP ex vi artº 147º-A OTM (na redacção da Lei nº 133/99 de 29 de Agosto), artº 24º nº2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (aprovada em protocolo anexo ao Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, tal como resultou do Tratado de Lisboa, e com idêntica força vinculante no espaço da União) e artº 12º nº2 da Convenção sobre os Direitos da Criança das Nações Unidas.
Da conjugação dos preceitos citados, ressalta que os tribunais devem ouvir a criança, tendo em conta a sua idade e grau de maturidade.
De todo o modo, como se exprime o Sr. Consº Salazar Casanova, em artigo publicado na revista Scientia Jurídica, 306º, pgs. 205ss. (O Regulamento CE nº 2201/2003 do Conselho e o Princípio da Audição da Criança), a pgs. 228, nota 31, a audição do menor não tem que obrigatoriamente ser efectuada pelo tribunal, “podendo ser suficientes elementos que venham ao conhecimento do tribunal por via de relatório ou informações prestadas por aqueles que contactaram com a criança”.
Como se evidencia, a afirmação de princípios é sempre matizada pela exegese da concreta situação que se depara ao aplicador do direito.
E é dessa afirmação doutrinal que partimos para constatar que o Tribunal, nas diversas diligências que levou a cabo ao longo do tempo, ouviu efectivamente a criança, fazendo-o através da técnica social Drª F…, como nos dá conta o relatório efectuado junto do agregado familiar da Requerente e como nos deu a mesma técnica social conta em julgamento. Quanto à não pronúncia sobre o requerimento de audição desta menor (significando que tal audição directa se não revelou necessária para o tribunal – cf. fls. 227 dos autos), tal não invalida a anterior audição indirecta da menor. Não se praticou nulidade.
Por outro lado, o menor D… manifestou preferência no convívio com o pai (com quem declarou que gostaria de poder estar mais tempo ou até residir), e mais declarou que não gostaria de se separar da irmã. Esta sua irmã, a menor E…, é uma pré-adolescente de 11 anos (em 22/4 p.p.), certamente ainda afectivamente ligada ao irmão, mas também a ambos os pais, dos quais deve continuar a manter uma imagem valorizada e positiva.
Para além disso, não devemos esquecer que o período de fim-de-semana é mais recompensador que o período semanal, proporcionando ao menor e ao progenitor uma maior influência educativa, mais profunda, mais da ordem da cultura (cf. Françoise Dolto, Quando os Pais se Separam – A Função Positiva dos Deveres, Ed. Notícias, 1990, pg. 37).
Não é de estranhar que o menor D… valorize os fins-de-semana com o pai, com quem pratica desporto.
Isto pode não continuar a ser assim, com relação à E…. À medida que cresça, o seu interesse, no sentido de a sua preferência ou a sua conveniência, pode ser a de passar um fim-de-semana a mais com a mãe, ao contrário de seu irmão.
Em matéria de responsabilidades parentais cada caso é um caso – e mesmo relativamente aos mesmos casos, cabe aqui recordar que, nos termos do artº 150º OTM, os processos tutelares cíveis são considerados de jurisdição voluntária, pelo que, de acordo com o disposto no artº 988º nº1 NCPCiv, as resoluções tomadas são rebus sic stantibus, isto é, podem ser alteradas com fundamento em circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração, e a todo o tempo. Respondendo tais alterações ao superior interesse da criança, é função dos tribunais aplicar a lei, decidindo da procedência de tais pedidos.
Quanto aos progenitores, têm eles todo o interesse em não viver em função do afecto dos seus filhos (criarão filhos mais caprichosos, que mais exigirão dos pais – cf. Lucien Auger, Le Temps d`Apprendre à Vivre – Les Enfants, Editions de l´Homme, 1996, pg. 197), mas é do superior interesse destes filhos menores manter uma relação que igualmente valorize ambos os pais.
Isso consegue-se razoavelmente com a regulação das responsabilidades parentais tal como ponderada na douta sentença recorrida, posto que a Recorrente mantenha a postura calorosa, afectuosa, disponível, bem disposta, em que o dever não surja do argumento de autoridade, mas do desenvolvimento do espírito crítico, pela palavra e pelo respeito recíproco, com tolerância e aceitação, dando o exemplo prático da conduta contrária à que deseja evitar.
Suscita-se ainda a questão do domingo de Páscoa e do Carnaval – como se trata de dias abrangidos pelas férias escolares, entendemos que tais dias foram também valorizados na douta sentença recorrida.
Consequentemente, e sem prejuízo do que deixámos dito sobre o caso julgado, somos de entendimento que a sentença recorrida merece confirmação.

Resumindo a fundamentação:
I - Decorre da lei, de regulamentos da União Europeia e de convenções internacionais vinculantes do Estado Português que a regulação do direito ao convívio da criança com o progenitor não guardião não dispensa a audição prévia da criança.
II – A audição do menor não tem que obrigatoriamente ser efectuada pelo tribunal, podendo ser suficientes elementos que venham ao conhecimento do tribunal por via de relatório ou informações prestadas por aqueles que contactaram com a criança.
III – Não sendo aconselhável a separação de irmãos de 14 e 11 anos de idade (de sexo masculino e feminino, respectivamente), além do mais porque tal é a expressão do desejo dos mesmos, afigura-se adequada, no caso concreto, uma distribuição dos fins-de-semana por 2 fins-de-semana com o pai e 1 fim-de-semana com a mãe, vinda já da regulação provisória de 28/3/2012.
IV – Esta situação pode não se manter, na medida em que os menores, ou algum deles, venha a exprimir livremente no futuro o seu desejo de passar mais tempo de fim-de-semana com a mãe.
V - Nos termos do artº 150º OTM, os processos tutelares cíveis são considerados de jurisdição voluntária, pelo que, de acordo com o disposto no artº 988º nº1 NCPCiv, as resoluções tomadas são rebus sic stantibus.
VI – A postura calorosa, afectuosa, disponível, bem disposta, do educador, em que o dever não surge do argumento de autoridade, mas da palavra e do respeito, favorece o êxito das responsabilidades parentais.

Dispositivo (artº 202º nº1 da Constituição da República):
Julga-se improcedente, por não provado, o interposto recurso de apelação e, em consequência, confirma-se a douta decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.

Porto, 29/IV/2014
Vieira e Cunha
Maria Eiró
João Proença