Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1896/13.1TBPVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ IGREJA MATOS
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
TUTELA
INDEMNIZAÇÃO
MÃE DA VÍTIMA
Nº do Documento: RP201702071896/13.1TBPVZ.P1
Data do Acordão: 02/07/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGAÇÃO EM PARTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS N.º 753, FLS.20-35)
Área Temática: .
Sumário: I - O acórdão uniformizador de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 09.01.2014 veio reconhecer o direito indemnizatório do dano reflexo do cônjuge de vítima sobrevivente. Assim, foi estabelecido nesse aresto jurisprudencial que “os artigos 483.º, n.º1 e 496.º, n.º1 do Código Civil devem ser interpretados no sentido de abrangerem os danos não patrimoniais, particularmente graves, sofridos por cônjuge de vítima sobrevivente, atingida de modo particularmente grave.”
II - De acordo com o que era já anunciado na fundamentação desse Acórdão Uniformizador, a abrangência indemnizatória em causa não tem de se confinar apenas ao cônjuge de vítima sobrevivente; admite-se que outros possam e devam beneficiar da tutela relativamente a este tipo de danos.
III - Deste modo, a tutela indemnizatória em causa deve ser igualmente concedida à mãe de uma menor, vítima de acidente de viação com consequências graves, que com ela habita e é por ela única responsável, e que foi atingida, designadamente em termos psíquicos, pelas circunstâncias decorrentes desse sinistro e da assistência/auxílio que vem prestando à sua filha.
IV - Na ponderação do montante indemnizatório a fixar nesta sede, com recurso a critérios de equidade, embora não perdendo de vista a natureza reflexa do dano em apreço, terá que se proceder, em concreto, a uma valoração autónoma do mesmo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo 1896/13.1TBPVZ
Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I – Relatório

Recorrente(s): Companhia de Seguros B…; C…
Recorrido(s): C…; Companhia de Seguros B….
Comarca do Porto – Póvoa de Varzim - Instância Central Cível - 6ª Secção Cível.
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C…, residente na Rua …, nº.., …, …, Póvoa de Varzim, instaurou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo agora comum contra Companhia de Seguros B… SA, com sede na Avenida …, nº…, Lisboa, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de 131.714,77 euros, pelos prejuízos já sofridos em virtude de acidente verificado em que ficou gravemente ferida a sua filha e, bem assim, os valores a liquidar ulteriormente acrescidos de juros de mora à taxa legal, contabilizados desde a citação e até integral pagamento.
Alega, em síntese, que a sua filha menor sofreu um acidente, tendo sofrido danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes desse acidente, que irão continuar a verificar-se.
Reclama assim as seguintes quantias líquidas:
- a quantia de 1.314,03 euros de perdas salariais;
- a quantia de 3.500,00 euros de despesas com deslocações enquanto a filha esteve internada;
- a quantia de 1.320,62 euros, a título de despesas com alimentação para ela e para a filha enquanto a mesma esteve em tratamento;
- a quantia de 94,80 euros em caixas térmicas adquiridas para levar à filha alimentos enquanto esta esteve internada;
- a quantia de 761,21 euros em consultas e exames médicos;
- a quantia de 1.421,73 euros em medicamentos e outros produtos destinados a minorar o mau estar da filha;
- a quantia de 492,50 euros a título de despesas com telecomunicações estabelecidas com a filha;
- a quantia de 74,00 euros pela aquisição de uma almofada especial;
- a quantia de 104,50 euros pela aquisição de vários edredons devido ao frio que a filha sentia decorrente do acidente;
- a quantia de 608,90 euros pela aquisição de um computador portátil e de uma pendrive, para que assistisse a aulas via skype;
- a quantia de 1.062,60 euros pelo apoio escolar individualizado prestado à filha, pelas dificuldades de aprendizagem evidenciadas após o acidente;
- a quantia de 374,30 euros pela aquisição de equipamento necessário à frequência de piscina, bem como na compra de uma bicicleta, necessária à sua recuperação;
- a quantia de 603,00 euros pela frequência de aulas de natação, necessárias à sua recuperação ;
- a quantia de 11.870,11 euros na aquisição de vestuário, quer no período em que esteve internada quer decorrente das oscilações de peso sofridas;
- as seguintes quantias pelos objectos perdidos aquando do acidente:
- 150,00 euros por uns óculos de sol;
- 150,00 euros por um relógio;
- 150,00 euros por um telemóvel;
- 360,00 euros por outro telemóvel;
- 219,00 euros por um IPOD,
- 13,00 euros em dinheiro;
- a quantia de 614,90 euros pela aquisição de um ar condicionado para colocar no quarto da filha, por causa do frio que esta sentia;
- a quantia de 6.150,00 euros pelas despesas com transportes suportadas pela A. desde que a filha teve alta;
- a quantia de 305,37 euros com consultas e medicamentos para consumo da própria A. para tratar as sequelas por si sofridas em consequência do acidente da filha;
- a quantia de 100.000,00 euros a título de dano não patrimonial.
Regularmente citada, a R. contestou, aceitando a responsabilidade pela indemnização dos danos resultantes do acidente, alegando ainda que, por conta do valor da indemnização que seria devida à A. e à filha, já lhe entregou a quantia de 18.000,00 euros. Refere ainda ter já suportado despesas com a filha da A., no valor global de 59.921,64 euros, com transportes, honorários médicos, despesas hospitalares, despesas de farmácia, consultas médicas e despesas de cirurgia. Quanto aos danos invocados, impugna a sua existência por desconhecimento, alegando que a A. não tem direito a ser indemnizada pelo dano moral próprio pois que a lei reconhece tal direito apenas aos lesados directos.
A A. replicou, alegando que desconhece as exactas quantias que foram pagas pela R., pugnando pela indemnização dos danos não patrimoniais do lesado indirecto.
Após a devida tramitação processual. procedeu-se à realização de audiência final, tendo o tribunal proferido sentença, a qual ora se transcreve na parte dispositiva:
Pelo exposto, o Tribunal julga a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, condena a R. Companhia de Seguros B… SA a pagar à A. C…:
a) A quantia de 90.000,00 euros (noventa mil euros) a título de danos não patrimoniais;
b) A quantia 11.152,02 euros (onze mil cento e cinquenta e dois euros e dois cêntimos):
c) A quantia que se vier a liquidar em incidente ulterior relativa a perdas de retribuição, transportes, consultas, internamentos, tratamentos, medicação, apoio escolar e de recuperação que sejam suportados pela A. relativamente à filha D…, desde a propositura da acção até cessação da sua obrigação de lhe prestar alimentos, necessários para tratar e minorar as lesões e sequelas sofridas pela D… por via do acidente dos autos;
d) A quantia que se vier a liquidar em incidente ulterior relativa às consultas, tratamentos e medicamentos necessários para a A., desde a propositura da acção, para tratar e minorar as lesões e sequelas por si sofridas, do foro psiquiátrico e dermatológico, decorrentes do auxílio prestado à filha por via do acidente sofrido;
e) Juros de mora, sobre as quantias referidas, desde a data desta decisão relativamente à quantia referida em a) e desde a data da citação relativamente às demais quantias, à taxa de 4%, até integral pagamento, aplicando-se qualquer alteração que venha a ser introduzida a esta taxa de juro até àquela data.
No mais, o Tribunal absolve a R. do restante pedido formulado.
Custas pela A. e pela R., na proporção do respectivo decaimento, incluindo as relativas ao pedido ilíquido, ainda que aqui apenas provisoriamente (art. 527º do C. Civil).
*
Inconformada a ré seguradora deduziu o presente recurso onde formula as seguintes conclusões:
I – A Autora, não tendo sido vítima directa do acidente de viação nos autos, não tem direito a indemnização por danos de natureza não patrimonial.
II – A Autora é mãe da vítima D…, menor à data do acidente. A lei não confere à autora, nessas condições, o direito a indemnização pelos seus danos não patrimoniais.
III – Só no caso de morte é que a lei (nº4 do art.º 496º do Código Civil) prevê a atribuição de indemnização por danos não patrimoniais a pessoas diferentes da vítima, mas apenas as que ali (nºs 2 e 3 do mesmo artigo) são mencionadas.
IV – Esta leitura tem apoio na jurisprudência (entre outros, cf. Acórdão do STJ de 28/04/1993, publicado no BMJ nº426, pg. 267 e seguintes).
V – Sendo assim, deve a sentença recorrida ser alterada, limitando-se a condenação da recorrente aos danos patrimoniais da autora com a assistência prestada à sua filha D… e absolvendo-se do pedido relativamente a danos não patrimoniais.
VI – Sem conceder e quando assim se não entenda, então deve rever-se o valor fixado pela sentença recorrida que parece excessivo.
VII – A D…, actualmente com 20 anos, já teve alta médica e já liquidou os seus próprios danos, patrimoniais e não patrimoniais.
VIII – Ora grande parte dos factos constantes da douta sentença recorrida reporta-se a danos não patrimoniais da própria D… (Cf. nºs 24 a 87 e 106 a 119 da fundamentação de facto, salvo erro).
IX – Quanto à matéria a considerar relativamente à Autora é de ter presentes, salvo erro, os nºs 88 a 105 e 127 a 129 da mesma fundamentação de facto.
X – Também é de considerar que a D… tem melhorado e evolui para a autonomia relativamente à Autora, sua mãe.
XI – A recorrida foi submetida a exame de perícia médica e, nos termos ali apurados, ficou a padecer de sequelas de carácter permanente que foram graduadas em 7 pontos.
XII – Foi-lhe atribuído o grau de “quantum doloris” de 4/7.
XIII – A recorrida teve ainda outros danos não patrimoniais muito significativos que devem ser indemnizados devidamente mas recorrendo a critérios de equidade que tenham em conta os dados existentes e objectivos, medicamente comprováveis, nomeadamente através da graduação do designado “quantum doloris” que, no caso dos autos, foi graduado em 4/7.
XIV – Tendo em conta ainda a prática jurisprudencial o valor mais razoável para a Autora pelo dano moral deverá ser de 10.000,00 Euros.
XV – A sentença recorrida sobreavaliou o dano não patrimonial, à luz dos critérios legais mais recentes, mas também pelos critérios da equidade estabelecidos na lei civil.
XVI – A sentença recorrida violou, pois, a Portaria 679/2009, de 25/06 e o artigo 496º, nº4 do Código Civil.
Termina peticionando que seja concedido provimento ao presente recurso, alterando-se a decisão recorrida no sentido de absolver a recorrente do pedido relativo a indemnização por dano moral ou, sem conceder, reduzindo a indemnização a esse título para o valor de dez mil euros.
Foi igualmente deduzido recurso subordinado pela autora a qual formula, por seu turno, as seguintes conclusões:
1. No ponto 98. dos factos provados da sentença, deverá dar-se como provado que ”Em várias das viagens feitas pela D… para o Porto, de táxi, ao longo de um período de cerca de três anos, algumas das quais incluindo a Autora, que acompanhava a sua filha, esta última chegou a abrir a porta do táxi quando este se encontrava em andamento, para dele fugir. Chegou igualmente a fugir por várias vezes da própria clínica onde se dirigia para fazer tratamentos de fisioterapia, bem como de consultórios médicos.”
2. No ponto 125 dos factos provados, ao invés de constar que a filha da Autora”emagreceu muito”, deveria constar - tal como de resto consta em 126 dos factos provados - que ”a filha da Autora experimentou sucessivas alterações ou variações de peso”.
3. No ponto 127. dos factos provados da sentença, onde se faz referência a um valor não apurado, deveria referir-se o valor de Eur 11.534,17.
4. Ora, tendo presente os factos provados na sentença, deve considerar-se manifestamente insuficiente o dispêndio de apenas Eur 50,00 por mês para fazer face a despesas com vestuário, valor esse que, não se dando como provado aquele valor efectivo de Eur 11.534,17 deverá ser passar para não menos de Eur 200,00 mensais, assim convertendo a condenação parcelar da Ré nesta sede, para não menos de Eur 6.600,00.
5. A indemnização destinada a ressarcir o dano não patrimonial da Autora, deverá cifrar-se em não menos de Eur 100.000,00, por serem mais graves os danos sofridos pelos pais - quando confrontados com lesões graves dos filhos - por comparação com os danos sofridos pelos cônjuges em idênticas situações.

II – Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar;
O objecto do recurso é delimitado pelas alegações e decorrentes conclusões, não podendo este Tribunal de 2.ª instância conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excepcionais que aqui não relevam.
Deste modo, em causa nos autos estarão em causa, em síntese:
- relativamente ao recurso principal deduzido pela ré seguradora:
Foi posto em causa o direito a indemnização por danos não patrimoniais conferido à mãe da vítima e, caso se conclua por essa compensação, pede-se a reapreciação do montante a fixar por esses mesmos danos.
- relativamente ao recurso subordinado interposto pela autora:
Foi impugnada a matéria de facto e foi igualmente posto em causa o montante da indemnização destinado a ressarcir o dano não patrimonial da Autora, mãe da vítima.
Por razões de lógica sistémica, apreciaremos sequencialmente as seguintes questões:
- Da existência do direito indemnizatório da autora relativamente aos danos não patrimoniais que a ela concernem;
- Da impugnação da matéria de facto;
- Caso se conclua positivamente pela existência de tal dano, irá aferir-se do adequado montante indemnizatório a fixar pelo dano não patrimonial sofrido pela autora.

III) Factos Provados
Pela primeira instância foram dados como provados os seguintes factos:
1. No dia 17 de Agosto de 2010, pelas 18h35m, aconteceu um acidente de viação na Rua …, freguesia de …, concelho da Póvoa de Varzim.
2. Nele foram intervenientes o veículo automóvel ligeiro de passageiros, marca e modelo Audi …, com a matrícula ..-..-RP, conduzido por E…, e propriedade de F…, e quatro jovens de menor idade, J…, K…, L…, e D…, os quais seguiam apeados.
3. A faixa de rodagem, no local do acidente, tinha 4,70 metros de largura, sendo constituída por duas hemi-faixas de rodagem que servem sentidos de trânsito contrários.
4. A via era em paralelo já desgastado, não existindo qualquer sinalização horizontal, designadamente qualquer marca ou linha que pudessem delimitar as duas faixas de rodagem e/ou marcar o eixo da via ou delimitar os limites exteriores da via.
5. No local não existiam passeios nem bermas, sendo a faixa de rodagem delimitada pelos edifícios, muros e acessos a propriedades privadas aí existentes.
6. O dia estava solarengo e o piso estava seco.
7. Não se encontravam estacionados ou parados em nenhum dos lados da via quaisquer veículos.
8. O referido veículo circulava no sentido sul - norte, ocupando a sua metade direita da via, enquanto que os menores peões seguiam a pé, no sentido norte - sul, junto das fachadas dos edifícios e muros que ladeavam a via pelo seu direito e delas não distando mais do que um metro, seguindo mais à frente a K… e a D…, e logo atrás o J… e o L….
9. Porque seguisse conduzindo debaixo da influência de uma taxa de alcoolémia de 1,81 g/l, o condutor do veículo não votava a devida atenção e cuidado à via e aos peões que por ela circulavam.
10. O condutor imprimia à marcha do veículo uma velocidade superior a 60 Km/hora, inadequada, atentas as características da via supra descritas.
11. Quando se cruzou com os referidos peões, o condutor do veículo ..-..-RP perdeu o domínio da sua marcha e invadiu a metade esquerda da via, atendo o sentido de marcha em que seguia, onde foi colher os quatro peões, quando estes passavam em frente ao edifício com o n.º de polícia …, nas circunstâncias e pela forma atrás descritas.
12. Com a violência do embate, os menores K… foram projectados cerca de 5 metros para norte do local do embate e os menores L… e D… para cerca de 17 metros para norte do local do embate, aí ficando caídos no solo.
13. Após o embate, o condutor do veículo com a matrícula ..-..-RP abandonou de imediato o local, sem deter, por um instante que fosse, a marcha do veículo por si conduzido, deixando os jovens entregues à sua sorte, apesar de se ter apercebido do acidente e de que os menores atropelados ficaram prostrados na faixa de rodagem, dois deles inanimados (o L… e a D…) e em situação de perigo para as suas vidas e integridade física.
14. O socorro das vítimas foi prestado por terceiras pessoas que se aperceberam do acidente e diligenciaram pela prestação de cuidados médicos de emergência.
15. Pelo facto de nessa ocasião conduzir com uma taxa de 1,81 g/l de álcool no sangue, o condutor do veículo foi julgado no processo sumário n.º 311/10.7GAPVZ e condenado na pena de setenta dias de multa à taxa diária de sete euros e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de sete meses.
16. Correu ainda termos no 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Póvoa de Varzim o processo-crime n.º 1453/10.4TAPVZ, no qual resultaram provados, entre outros, todos os factos supra-alegados, tendo sido proferida sentença, já transitada em julgado, que condenou o condutor do veículo, E…:
- pela prática de dois crimes de ofensas à integridade física por negligência, previstos e puníveis pelo artigo 148º n.º 1 do Código Penal, na pena de seis meses de prisão por cada crime;
- pela prática de dois crimes de ofensas à integridade física grave por negligência, previstos e puníveis pelo artigo 148º n.º 3, por referência ao artigo 144º alíneas a) e c) do Código Penal, na pena de dez meses de prisão por cada crime;
- pela prática de quatro crimes de omissão de auxílio, previstos e puníveis pelo artigo 200º n.º 1 e 2 do Código Penal, na pena de quatro meses de prisão por cada crime;
- na pena única do concurso de crimes de dois anos e seus meses de prisão, cuja execução foi suspensa por igual período, condicionada ao cumprimento pelo mesmo do regime de prova a fixar pela D.G.R.S. e frequência, com aproveitamento, de um curso de condução segura durante o período de suspensão da execução da pena, em entidade a indicar pela D.G.R.
17. À data em que se deu o acidente, a obrigação de indemnizar terceiros emergente da responsabilidade civil extracontratual do condutor do veículo automóvel com matrícula ..-..-RP encontrava-se transferida para a R., através de contrato de seguro do ramo automóvel, validamente celebrado e em vigor, titulado pela apólice n.º……., tendo como capital máximo a quantia de 1.200.000,00 euros por danos corporais e 600.000,00 euros por danos materiais.
18. A A. C… é mãe da menor atropelada, D…, esta nascida em 04/10/1995.
19. Por essa razão, na sequência do acidente de viação de que foi vítima a menor sua filha, a A. prestou-lhe toda a assistência possível e necessária, material e emocional.
20. Fê-lo quando a acompanhou em todos os internamentos, consultas médicas, tratamentos e cirurgias a que foi submetida.
21. Quando adquiriu e suportou o custo de quaisquer bens e serviços necessários à recuperação da D… ou à assistência que, enquanto mãe, pretendia prestar-lhe.
22. Quando lhe concedeu toda a atenção, companhia e afecto de que a D… carecia para se estabilizar psíquica e emocionalmente, procurando convencê-la de que, apesar dos danos sofridos, a vida e o futuro da D… continuariam a ser para ela importantes.
23. A R. suportou grande parte das despesas que essa assistência provocou, tendo todas as demais sido suportadas pela A., enquanto mãe e única responsável pela D….
24. Mercê do embate do veículo e da subsequente e violenta queda no solo, a D… ficou de imediato inconsciente, apresentando ainda esfacelo grave ao nível do joelho esquerdo, com perda de massa muscular, tendões e outros tecidos do seu corpo.
25. Por volta das 20h e 30m desse dia 17/08/2010, a D… deu entrada no serviço de urgência de pediatria do Hospital M…, onde foi observada pelas especialidades de neurologia e ortopedia.
26. Foram então diagnosticadas à D… as seguintes lesões:
- Traumatismo crâneo-encefálico com contusões parenquimatosas direitas múltiplas, hemorragia subaracnóideia nos sulcos corticais temporais direitos e fímbria hemática parieto-occipital direita sem efeito de massa.
- Esfacelo do períneo grave desde o pequeno lábio direito até à margem anal;
- Esfacelo grave do joelho esquerdo com secção completa e perda de substância do nervo ciático poplíteo externo.
27. Na sequência desse diagnóstico, a D… foi submetida a duas intervenções cirúrgicas para correcção do esfacelo perienal e do esfacelo do joelho esquerdo.
28. Estas intervenções cirúrgicas demoraram várias horas.
29. A D… apresentou-se no internamento muito ansiosa e agitada, apresentando períodos de desorientação.
30. Esteve internada na Unidade Pós-Anestésica e na Unidade de Cuidados Intermédios tendo sido depois transferida para o serviço de Cirurgia Pediátrica.
31. Foi tratada a candidíase vulvar.
32. Ao longo do período de internamento, a D… foi sendo acompanhada pelas especialidades de pediatria cirúrgica, ortopedia, medicina física de reabilitação e neurologia, sendo-lhe diariamente lavadas e tratadas pela enfermagem as feridas na perna e no períneo.
33. Esteve sempre fortemente medicada com “N…”, “O…”, “P…”, “Q…”, “S…” e “T…”.
34. Em Outubro a D… foi consultada em pedopsiquiatria.
35. Revelava comportamentos heterodestrutivos em face da sua condição.
36. Desde então, a D… passou a ser acompanhada em pedopsiquiatria, situação que se mantinha à data da propositura da acção.
37. Em 13/09/2010 foi consultada na Unidade de Dor Crónica, face à dor neuropática do dorso do pé esquerdo.
38. Em 01/10/2010 foi transferida para pediatria cirúrgica, para ser sujeita a intervenção cirúrgica ao joelho e enxerto.
39. Durante o período de internamento, a D… foi submetida a diversos tratamentos e exames médicos, regularmente vigiada e observada e intensamente medicada.
40. A D… esteve com o membro inferior esquerdo totalmente imobilizado, motivo pelo qual teve de permanecer na cama, em repouso.
41. As refeições e a sua higiene pessoal eram feitas na cama, com auxílio dos profissionais de saúde.
42. A D… esteve algaliada.
43. A D… seguiu sempre uma dieta indicada pelos médicos, recusando-se muitas vezes a tomar as refeições.
44. A D… teve alta clínica em 22/10/2010, com uma ortótese no membro inferior esquerdo, então ainda envolvido em ligaduras.
45. Na data da alta, a D… foi para casa, onde permaneceu em repouso na cama durante várias semanas.
46. Fez os tratamentos de penso na consulta externa de cirurgia pediátrica.
47. Desde a data da alta hospitalar, a D… encontra-se em tratamento ambulatório, no Hospital M…, sendo seguida pelas especialidades de Cirurgia Pediátrica, Ortopedia, Medicina da Dor, Cirurgia Plástica, Medicina Física e Reabilitação e Pedopsiquiatria.
48. Pela especialidade de pedopsiquiatria, a D… era acompanhada no referido Hospital, em consultas semanais, encontrando-se medicada com “T…” e “P…”.
49. A D… foi ainda seguida, desde 27/10/2010, pelos serviços clínicos da R. na especialidade de ortopedia e fisiatria, tendo nessa altura iniciado programa de fisiatria com a finalidade de reenervação, na Clínica U….
50. Em 10/01/2011 efectuou exame EMG que revelou uma lesão grave (aparente axonotmesis total) do nervo ciático poplíteo externo esquerdo, provavelmente ao nível do joelho.
51. Em 22/06/2011, realizou electromiografia na V… que mostrou lesão axonal muito severa (provavelmente completa – neurotmesis) do nervo peroneal esquerdo a nível da lesão traumática do joelho (proximal à emergência do seu ramo superficial sensitivo e motor peroneal), com sinais de desenervação muscular completa (sem actividade muscular visível) a nível dos músculos do compartimento anterior da perna e pé e musculatura peroneal.
52. Em 29/08/2011, a D… foi submetida a avaliação com Biofeedback Electromiográfico, que revelou lesão axoneal muito severa do nervo peroneal (CPE) esquerdo a nível da lesão traumática do joelho (proximal a emergência do seu ramo superficial sensitivo e motor peroneal), com sinais dedesnervação muscular completa (sem actividade muscular visível) a nível dos músculos do compartimento anterior da perna, pé e musculatura peroneal).
53. Em 24/11/2011, a D… foi novamente internada para ser submetida a intervenção cirúrgica ao joelho esquerdo, designadamente transferência tendinosa do tibial posterior.
54. Realizou a referida intervenção cirúrgica, tendo tido alta hospitalar em 26/11/2011.
55. Após a alta hospitalar, esteve em repouso com imobilização gessada por 6 semanas, necessitando de ajuda nesse período.
56. Durante este período não frequentou as aulas, tendo regressado à escola após 22/01/2012.
57. Iniciou então tratamentos de fisioterapia para recuperação funcional diária, com indicação de os manter até 13/11/2012 e com manutenção regular 3 vezes no ano.
58. A D… fez ainda tratamentos aos dentes, para reconstrução dos dentes 3.1. e 4.1, fracturados no acidente.
59. À data da propositura da acção, a D… é seguida no Hospital M…, por Cirurgia pediátrica, Gastroenterologia – que iniciou em Maio de 2012, por obstipação - Pedopsiquiatria, Cirurgia Plástica e Oftalmologia, encontrando-se ainda em tratamento de fisioterapia na Clínica U….
60. À data do acidente, a D… tinha 14 anos.
61. Era uma jovem muito bonita e completamente saudável, que transbordava alegria e força de viver.
62. Era ainda uma aluna distinta, com óptimas notas e com um comportamento irrepreensível.
63. Vivia e vive na companhia da mãe, desde a dissolução por divórcio do casamento de seus pais, circunstância esta que contribuiu para o estreitamente e intensificação do relacionamento da A. com a sua filha, estabelecendo entre ambas laços de grande afectividade, entreajuda e cumplicidade.
64. O descrito acidente e as suas consequências físicas, psíquicas e sociais que acarretou para a D… abalaram profundamente o seu bem-estar e mudaram drasticamente a suas vida e personalidade.
65. Durante o período de internamento hospitalar, a D… demonstrou sempre uma enorme revolta com a situação clínica em que se encontrava, adoptando comportamentos de auto e heteroagressividade.
66. Sentiu-se “presa” pelo facto de permanecer internada durante tão longo período sem poder sequer sair da cama.
67. Sentiu-se “sufocada” por diariamente ter de ser observada e examinada por médicos e enfermeiras, que persistentemente a examinavam nas partes mais íntimas do seu corpo, sujeitando-a ainda a tratamentos, e a interrogatórios sobre sintomas.
68. Sentiu-se sozinha, privada da companhia de todos os seus amigos e do conforto do seu lar e da companhia e amparo permanentes e insubstituíveis de sua mãe.
69. Toda esta situação tem provocado na D… um sentimento de injustiça, por estar durante tanto tempo a viver uma situação muito dolorosa, sentindo-se vítima de imensas privações, devido a um facto praticado por outra pessoa e relativamente ao qual não lhe pode ser assacada qualquer responsabilidade.
70. Sente ainda uma angústia enorme por desconhecer quais as sequelas que podem em definitivo resultar das lesões e que a acompanharão para o resto da sua vida.
71. Toda esta revolta e tristeza era e é expressa por palavras, por comportamentos de auto e heteroagressividade e recusa em comer, em ser observada, e em efectuar os exames e/ou tratamentos.
72. A D… sentiu dores muito fortes na perna esquerda, designadamente no joelho e dorso do pé, tendo sido fortemente medicada com analgésicos.
73. Actualmente, a D… tem limitações nos movimentos activos da articulação tibiotársica esquerda.
74. Tem dificuldade nos vários tipos de marcha, especialmente na marcha rápida, não conseguindo correr.
75. Tem dificuldade em subir e descer escadas e rampas.
76. Tem ainda dificuldade em manter a posição ortostática por períodos prolongados por parestesias no membro inferior esquerdo ao fim de 10-15 minutos.
77. Tropeça facilmente e perde com grande facilidade o equilíbrio.
78. A D… tem ainda parestesias no membro inferior esquerdo e sensação de frio.
79. Sofre de imperiosidade urinária frequente, embora sem perda de urina.
80. Faz medicação diária por obstipação.
81. A D… sente dores fortes e frequentes no pé esquerdo, bem como cefaleias ocasionais do tipo “fisgada”.
82. A D… apresenta as seguintes cicatrizes:
- no Crânio: na transição parieto-occipital esquerda área cicatricial de bordos mal definidos, com dor à pressão; cicatriz vertical rosada, sem reacção quelóide nem repuxamento dos tecidos, com 4 cm, localizada na região frontal à direita;
- na Face: área cicatricial com 2 por 2 cm de maiores dimensões, hipopigmentada, localizada acima do sulco nasolabial direito; fractura parcial do dente 41 (incisivo central inferior direito);
- no Abdómen: área despigmentada rosada com 12 por 8 cm na parede lateral esquerda do abdómen, prolongando-se para a anca;
- no Períneo: apresenta cicatriz linear do tipo cirúrgico na vulva, entre o grande e o pequeno lábio direitos com aproximadamente 5 cm; cicatriz linear vertical na região anal à direita com aproximadamente 4 cm de comprimento, Morfologia conservada;
- membro superior direito: cicatriz hiperpigmentada com 1 por 0,5 cm de maiores dimensões localizada na face posterior do braço, junto ao cotovelo; múltiplas cicatrizes no dorso da mão e dedos, a maior das quais com 1 por 0,5 cm;
- membro superior esquerdo: conjunto de múltiplas cicatrizes punctiformes (não excedendo 2-3 mm de diâmetro), salientes e despigmentadas, ocupando área de 22 por 17 cm na face posterior do ombro, prolongando-se para a omoplata homolateral;
- membro inferior esquerdo: área cicatricial quelóide, roxa, cruciforme, com perda de substância subjacente, medindo 26 por 12 cm de maiores dimensões, abrangendo a face anterior do terço Inferior da coxa, joelho e terço superior da perna; défice na flexão do joelho, nos últimos graus; cicatriz com 1 cm de diâmetro localizada junto ao maléolo externo; tumefacção mole do calcanhar; apresenta ortótese de sustentação para o pé, removida a qual apresenta pé pendente (não efectua dorsiflexão activa do tornozelo).
83. A D… tem agora, mercê do acidente, grandes dificuldades de concentração e de memorização.
84. Tem momentos de desorientação, proferindo frases sem sentido e esquecendo-se do que está a dizer se for interrompida a meio de uma conversa.
85. Tem ainda ataques de pânico.
86. A D… está constantemente irritada, reagindo por vezes de forma agressiva a quem a interpela.
87. A D… apresenta instabilidade emocional, reactiva ao acidente, com dificuldade em ultrapassar o episódio vivencial.
88. Durante o período de internamento, a D… foi acompanhada pela sua mãe, que se deslocava diariamente ao Hospital.
89. O estado psicológico da filha exigia a presença da mãe junto dela o máximo de tempo possível.
90. Por isso, a A. permaneceu junto dela sempre que pode, dando-lhe todo o apoio psicológico, ajudando-a na sua higiene pessoal e na toma das refeições, levando ainda os alimentos que a filha lhe pedia e conversando com os médicos sobre o seu estado de saúde.
91. Também nas consultas e em alguns tratamentos que vem efectuando desde a data da alta hospitalar, a D… é sempre acompanhada pela A., já que aprecia e exige sempre que possível a sua presença, a qual lhe confere maior segurança, apoio e estabilidade emocional.
92. A A. vivenciou diariamente todo o sofrimento da filha.
93. Desesperou-se por se sentir completamente impotente e incapaz para evitar ou minorar o sofrimento físico e psicológico da filha.
94. Dada a idade da D…, foi a A. quem suportou com ela o seu sofrimento, os seus ataques de fúria e crises de angústia.
95. Ficou exposta a um grande sofrimento psicológico próprio, ao ver a sua jovem filha mutilada para o resto da sua vida, adivinhando-se-lhe, por isso, um vasto rol de dificuldades pessoais, dadas as patentes dificuldades no processo de socialização e aprendizagem, designadamente a nível afectivo.
96. A A. também adoeceu sob o ponto de vista psiquiátrico, encontrando-se hoje, devido a todos aqueles acontecimentos, profundamente deprimida e angustiada com a situação da sua filha, e com as repercussões que imagina a mesma terá na sua própria vida futura.
97. Diariamente e a todo o momento, a mãe da D… teme pela vida da sua filha, que já exteriorizou a vontade de morrer.
98. Numa das viagens para o tratamento, no Porto, a D… chegou a fugir do carro que a levava para os tratamentos.
99. A A. sente uma angústia enorme por não conseguir ajudar a filha a ultrapassar psicologicamente esta situação, apesar de todos os seus esforços.
100. A A. fala ao telefone com a filha várias vezes por dia para avaliar o seu estado de espírito e da eventual necessidade da sua presença.
101. Sente-se angustiada pelo facto de não poder estar todo o dia e todos os minutos ao seu lado já que sabe que num momento a D… pode estar bem disposta e no minuto seguinte o seu estado alterar-se radicalmente.
102. Sofre porque sabe que a sua filha sofre profundamente com toda a situação, sem ter perspectivas de melhoras.
103. Por via disso, a A. encontra-se actualmente a ser alvo de tratamento psiquiátrico permanente, bem como à reacção dérmica resultante do seu estado de ansiedade, pois ela própria não se sente capaz de aguentar o sofrimento da filha, sem ajuda especializada.
104. Actualmente, encontra-se medicada com “W…”, “X…”, “Y…” e “Z…”.
105. A A. apresenta um défice funcional permanente na sua integridade física de 7 pontos numa escala de 100 pontos que corresponde à capacidade integral do indivíduo.
106. Quando se deu o acidente, às portas do ano escolar de 2010/2011, a D… encontrava-se inscrita no 10º ano.
107. Durante o período em que esteve internada e o período que se seguiu à alta hospitalar em que permaneceu em casa em repouso, a D… não pode frequentar presencialmente as aulas.
108. Entre 19 de Outubro e 9 de Novembro de 2010, a D… usufruiu de aulas ministradas por videoconferência às disciplinas de Português, Espanhol, Filosofia, Matemática A, Física e Química A.
109. Para o efeito, a D… necessitou de um computador portátil, que a mãe lhe comprou.
110. Em Janeiro de 2011, a D… anulou a matrícula das disciplinas de Matemática A, Física e Química A, Biologia e Geologia.
111. No ano lectivo 2011/2012 a D… frequentou novamente o 10º ano.
112. A frequência nos tratamentos de fisioterapia impediram e ainda impedem a D… de frequentar assiduamente as aulas e, consequentemente, de tirar o necessário proveito da sua frequência.
113. A D… precisa de apoio psicológico semanal e apoio pedagógico, com adaptação do currículo e das formas de avaliação escolares.
114. Nessa sequência, desde o 2º período do ano lectivo de 2011/2012, a D… encontra-se enquadrada no ensino especial, de modo a poder beneficiar das supra referidas medidas.
115. Desde essa altura, a D… não frequentou aulas da parte de manhã, já que se encontrava a fazer tratamento diário de fisioterapia, na cidade do Porto, em clínica designada pela R..
116. A D… necessitou de apoio escolar particular, seja por faltar muito às aulas, seja devido à falta de concentração e lentificação do raciocínio.
117. O seu comportamento na escola alterou-se de forma substancial, encontrando-se pendentes, à data da propositura da acção, dois processos disciplinares contra a aluna devido a episódios de agressividade ocorridos na sala de aula.
118. No ano lectivo 2012/2013 a D… frequentou novamente o 10º ano pelo facto de, mais uma vez, não ter transitado de ano.
119. Para além do acompanhamento e tratamento médicos, foi recomendado à D… a prática de exercício físico.
120. Assim, a D… inscreveu-se na natação em Março de 2011, tendo também nessa altura começado a andar de bicicleta, actividades que exercia à data da propositura da acção, embora sempre com grande sacrífico, devido às dores que sente.
121. Para o efeito, a A. teve de comprar o equipamento de natação, designadamente fato de banho, touca e chinelos, pagando ainda a respectiva mensalidade pela frequência das aulas de natação.
122. Também adquiriu uma bicicleta e respectivo equipamento complementar, como um capacete de protecção.
123. No período de internamento e no que se seguiu à alta hospitalar, de repouso em casa, a D… vestia apenas roupa de dormir, designadamente pijamas, camisas de noite, robe e chinelos de quarto, bem como roupa interior.
124. Por essa razão tinha de os trocar diariamente, pelo que a A. teve de comprar várias peças roupa de noite e roupa interior para a sua filha.
125. No período que se seguiu ao acidente, a D… emagreceu muito, pelo que toda a roupa que anteriormente possuía deixou de lhe servir.
126. A A. teve assim de lhe renovar todo o vestuário, pois a D… assim o exigiu, seja porque o peso perdido fez com que toda a sua roupa passasse a assentar-lhe mal, seja porque o debilitado estado psicológico em que se encontrava e encontra, afectando de um modo particular a imagem de si própria e a sua auto-estima, redobraram os cuidados que sempre colocou na sua apresentação, pedindo, por isso, insistente à A., que lhe comprasse peças de vestuário que melhor pudessem dissimular as deformações que o seu corpo passou a possuir.
127. A A. é funcionária judicial, exercendo as funções de escrivã auxiliar, no Tribunal Judicial da Póvoa de Varzim.
128. Para comparecer no Hospital junto da sua filha, faltou ao trabalho, tirou dias de férias e esteve de baixa, tendo-lhe sido efectuados descontos no respectivo vencimento, situação que se manterá porque se mantêm as suas ausências ao trabalho para acompanhamento da filha.
129. Até à propositura da acção, tais perdas salariais ascendem a pelo menos 1.314,03 euros.
130. Com todas as deslocações realizadas pela A. a partir de sua casa, em …, Póvoa de Varzim, na sua própria viatura, para acompanhar a sua filha no período de internamento a que foi sujeita, à data da propositura da acção, despendeu a A. quantia não inferior a 1.400,00 euros.
131. A A. fez refeições fora de casa quando acompanhava a sua filha nos diversos internamentos e tratamentos a que foi sujeita.
132. Muitas foram as vezes em que a filha da A. se rebelava contra a qualidade da comida que lhe era servida quando se encontrava internada, tendo, por isso, a A. adquirido alimentos que depois levava à sua filha nos diversos hospitais em que a mesma se encontrava internada, despendido quantia não apurada.
133. Despendendo a A. em refeições realizadas fora de casa a quantia de 551,45 euros.
134. Despendeu ainda a quantia de 94,80 euros na aquisição de caixas térmicas que usava para de quando em vez levar alimentos à sua filha, que previamente confeccionava em casa.
135. Em consultas e exames médicos para a D…, a A. despendeu quantia não inferior a 807,27 euros.
136. Com medicamentos e outros produtos destinados a minorar o mau estar da D…, despendeu a A. quantia não inferior 1.250,14 euros.
137. Para além do acompanhamento pessoal, a mãe da D… falava ao telefone com a sua filha diariamente, enquanto esta se encontrava internada e sempre que se ausentava de junto dela, quer porque a filha lhe telefonava quer porque ela própria telefonava à filha.
138. Em carregamentos de telemóveis, a A. despendeu a quantia de 407,50 euros, nos seguintes carregamentos:
- em Agosto de 2010, 40,00 euros;
- em Setembro de 2010, 40,00 euros;
- em Outubro de 2010, 50,00 euros;
- em Novembro de 2010, 10,00 euros;
- em Janeiro de 2011, 20,00 euros;
- em Fevereiro de 2011, 35,00 euros;
- em Março de 2011, 45,00 euros;
- em Abril de 2011, 25,00 euros
- em Maio de 2011, 30,00 euros;
- em Outubro de 2011, 25,00 euros;
- em Novembro de 2011, 15,00 euros;
- em Janeiro de 2012, 40,00 euros;
- em Fevereiro de 2012, 10,00 euros;
- em Março de 2012, 22,50 euros.
139. A. adquiriu ainda para a D… uma almofada especial, no que despendeu a quantia de 74,00, euros.
140. Adquiriu ainda edredons para a cama, devido ao frio que a filha sentia na perna magoada, no que despendeu a quantia de 104,05.
141. Com a aquisição do computador portátil e de uma pendrive, para que a filha tivesse aulas via skype, a A. despendeu a quantia de 608,90 euros.
142. A A. suportou os custos mensais do apoio escolar individualizado prestado à sua filha, tendo despendido, a este título, desde Outubro de 2012 até Maio de 2013 a quantia de 1.062,60 euros.
143. Com a aquisição do equipamento necessário à frequência de piscina pela filha, a A. despendeu a quantia de 67,60 euros.
144. Para aquisição de uma bicicleta para a filha, a A. despendeu a quantia de 292,80 euros.
145. A A. paga ainda uma quantia mensal pela frequência das aulas de natação da D…, tendo despendido a este título, desde Junho de 2012 até Julho de 2013, a quantia de 603,00 euros.
146. A A. despendeu, na aquisição de vestuário de dormir e para que permanecesse internada, para a filha, a quantia de 335,94 euros.
147. Devido às oscilações de peso da D… decorrentes das sequelas do acidente, por causa da medicação frequente, a A. suportou despesas com vestuário e calçado para a filha superiores às que suportava habitualmente, em valor não apurado.
148. A A. adquiriu para a filha um telemóvel em 19/08/2010 no valor de 179,90 euros.
149. A A. adquiriu para a filha um IPOD em 17/08/2009 no valor de 219,00 euros.
150. A A. adquiriu para a filha em 12/08/2010 um telemóvel … …. no valor de 99,90 euros.
151. A A. instalou um aparelho de ar condicionado no quarto da filha, porquanto a perna magoada arrefecia muito, não sendo suficiente a colocação de mais cobertores e ou edredons, tendo para o efeito despendido a quantia de 614,90 euros.
152. Encontrando-se ainda a D… em tratamentos, à data da propositura da acção, e não estando ainda, nessa data consolidadas as sequelas resultantes do acidente, a A. ainda não cessou a realização de despesas necessárias à assistência que tem vindo a prestar à filha.
153. Mercê do estado em que a D… ficou depois do acidente e dos tratamentos que se lhe seguiram, a filha da A. perdeu por completo a autonomia pessoal de que antes gozava, passando a ser a A. quem assegura no seu próprio veículo automóvel todas as deslocações que a D… faz, seja as que decorrem da frequência da escola, seja todas as deslocações de lazer, para junto dos amigos e colegas, para locais onde ela e os seus amigos intentam divertir-se, seja ainda para junto de familiares e parentes, como seja o caso das deslocações para junto dos avós, tios e primos, em ….
154. Relativamente a todas essas deslocações, a A. não pode juntar comprovativos das respectivas despesas, pois utiliza o mesmo veículo que utiliza nas demais deslocações que tem de fazer, o qual abastece tendo em vista a realização de todas essas deslocações, bem como outras inerentes à sua vida pessoal.
155. A A. realizou em todas estas deslocações, desde que a sua filha teve alta em Outubro de 2010, e fora do período de internamento, não menos de 15.000 Kms, despendendo quantia não inferior a 3.750,00 euros.
156. A A. continuará a suportar despesas de assistência à filha até que esta seja autónoma financeiramente, como sejam tratamentos e consultas médicas, deslocações e medicamentos.
157. Com vista a conceder-lhe maior autonomia, a D… necessitará de um veículo com caixa automática, tendo em conta que para a D…, a possibilidade de realizar as suas deslocações com total autonomia e maior segurança, constituem um importante factor para a recuperação da sua auto-estima e autonomia pessoal.
158. Até hoje, a A. despendeu, em consultas e medicamentos para o seu próprio consumo, pelas sequelas resultantes da assistência à sua filha, a quantia de 279,84 euros.
159. No futuro, a A. terá ainda de despender outras quantias com a aquisição de medicamentos e com consultas de médicos especialistas nas especialidades de dermatologia e psiquiatria.
160. A A. tinha em Outubro de 2010 o vencimento mensal de 1.067,60 euros.
161. A R. pagou, por conta deste acidente, as seguintes quantias:
- pelo menos a quantia de 30.414,14 euros, a título de transportes;
- pelo menos 15.000,00 euros à A., responsável legal da D…, por conta da indemnização a esta devida;
- 148,51 euros de despesas de farmácia;
- 3.000,00 euros por conta da indemnização devida à A.;
- pelo menos 26.621,45 euros de despesas médicas.

IV – Direito Aplicável
I) A apelante entende que a sentença apelada não deveria ter arbitrado qualquer indemnização por dano não patrimonial à autora, mãe da vítima que era menor à data da petição inicial.
Argumenta com o disposto no artigo 496º, nº4 do Código Civil que estatui que apenas no caso de morte está prevista a atribuição de indemnização por danos não patrimoniais a pessoas diferentes da vítima, no caso as mencionadas no nºs 2 e 3 do mesmo artigo.
A sentença do tribunal “a quo” decidiu diferentemente no que concerne a esta compensação de danos ditos reflexos.
Assim, lê-se que o elemento literal do citado art. 496.º não impede uma interpretação extensiva e actualista devendo, sobretudo, colocar-se a questão de saber se o dano sofrido pelo lesado, para além de ter de ser necessariamente grave, afectou reflexamente o terceiro - necessariamente um dos familiares previstos no citado art. 496º nº2; ora, nos autos tal teria ocorrido inequivocamente quer porque as graves limitações físicas da filha transtornam o quotidiano da mãe quer porque as sequelas decorrentes do acidente alteraram profundamente a personalidade da D… em termos de uma patologia do foro psiquiátrico, com importante reflexo no seu relacionamento com os outros.
Cumpre decidir. Como é consabido, aludindo-se expressamente nas doutas alegações da autora, o acórdão uniformizador de jurisprudência do STJ, de 09.01.2014 veio reconhecer a indemnizabilidade do dano reflexo do cônjuge. Atentando, no teor desse aresto jurisprudencial, foi estabelecido que “Os artigos 483.º, n.º1 e 496.º, n.º1 do Código Civil devem ser interpretados no sentido de abrangerem os danos não patrimoniais, particularmente graves, sofridos por cônjuge de vítima sobrevivente, atingida de modo particularmente grave.”
Porém, logo nessa decisão, se percebe que também os pais de vítimas sobreviventes estariam abrangidos nessa interpretação dos artigos em causa, em particular o artigo 496º, nº1.
Assim, depois de se aludir justamente à imposição de uma interpretação atualista do n.º1 do artigo 483.º e do n.º1 do artigo 496.º, em ordem a considerar ali tutelados este tipo de danos, o nosso STJ toma posição sobre a respectiva delimitação, quer subjetiva, quer objetiva. E se ressalva não poder abarcar-se esta compensabilidade a todos os que, chegados ao lesado, sofram com o que aconteceu a este, “no reverso, não pode questionar-se que, para além do cônjuge, outros podem e devem beneficiar da tutela deste tipo de danos” (sublinhado nosso).
Donde, não se suscitarão dúvidas, a nosso ver, que o alargamento desta tutela deve estender-se ao presente caso relativamente à mãe de uma menor, vítima de acidente de viação, que com ela habita e que por ela á única responsável (vide facto provado 23). Sabe-se que, além disso, “ex abundanti”, a A., mãe da vítima, prestou toda a assistência possível e necessária, material e emocional, acompanhou a lesada em todos os internamentos, consultas médicas, tratamentos e cirurgias a que foi submetida, pagando todas as despesas que a ré seguradora não assumiu, concedendo-lhe toda a atenção, companhia e afecto de que a D… carecia para se estabilizar psíquica e emocionalmente.
Assim, acompanhando esta interpretação actualista da nossa lei civil, tendo em conta a gravidade dos danos sofridos pela autora e a evidente gravidade das lesões de que padece a vítima, julgamos dever aderir aos fundamentos invocados na decisão recorrida, atribuindo uma indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela mãe da acidentada.
*
Recurso Subordinado:
II) Tendo sido cumprido suficientemente o ónus alegatório previsto no artigo 640º do CPC, importa apreciar da impugnação da matéria de facto veiculada pela autora.
Estão em causa os seguintes factos:
Facto Provado 98:
“Numa das viagens para o tratamento, no Porto, a D… chegou a fugir do carro que a levava para os tratamentos.”
Deveria dar-se como provado que:
“Em várias das viagens feitas pela D… para o Porto, de táxi, ao longo de um período de cerca de três anos, algumas das quais incluindo a Autora, que acompanhava a sua filha, esta última chegou a abrir a porta do táxi quando este se encontrava em andamento, para dele fugir. Chegou igualmente a fugir por várias vezes da própria clínica onde se dirigia para fazer tratamentos de fisioterapia, bem como de consultórios médicos.”
Facto Provado 125
“No período que se seguiu ao acidente, a D… emagreceu muito, pelo que toda a roupa que anteriormente possuía deixou de lhe servir.”
Deveria constar que:
“A filha da Autora experimentou sucessivas alterações ou variações de peso.”
Facto Provado 147:
Devido às oscilações de peso da D… decorrentes das sequelas do acidente, por causa da medicação frequente, a A. suportou despesas com vestuário e calçado para a filha superiores às que suportava habitualmente, em valor não apurado.
Deveria constar:
147. Devido às oscilações de peso da D… decorrentes das sequelas do acidente, por causa da medicação frequente, a A. suportou despesas com vestuário e calçado para a filha superiores às que suportava habitualmente, no valor de 11.534,17 Euros.
Por outro lado, ainda relativamente a estas despesas com vestuário, entende a recorrente ser manifestamente insuficiente o dispêndio de apenas 50,00 por mês para fazer face a essas despesas com vestuário, valor esse que deverá passar para não menos de 200,00 Euros mensais, convertendo-se a condenação parcelar da Ré, nesta sede, em não menos de 6.600,00 Euros.
No que concerne ao facto 98, julgamos inexistir motivos para o alterar. Na verdade, o tribunal entendeu valorar o depoimento referido nas alegações de recurso, no caso de AB…, na parte que o mesmo directamente terá presenciado – uma fuga do seu táxi; no mais, porque não presenciado pelo próprio depoente, estando, aliás, em causa a descrição de factos não alegados expressamente nos articulados, designadamente no petitório, julgamos não dever ir além do que foi apurado sem prejuízo de terem sido devidamente detalhados vários outros factos, elencados na sentença, e que permitem uma percepção aprofundada da situação vivenciada pela vítima do presente acidente e pela sua mãe.
Do mesmo modo quanto ao facto 125 não se vislumbram razões para qualquer modificação. As alterações de peso são referidas no elenco de factos apurados, nomeadamente no facto 147 (Devido às oscilações de peso da D… decorrentes das sequelas do acidente, por causa da medicação frequente ...) mas o facto impugnado refere-se ao período que se seguiu ao acidente onde, naturalmente, ocorreu, sim, uma perda de peso, obrigando à substituição da roupa. Donde, a concatenação destes dois factos, 125 e 147, para além de não se afastar do que a própria autora, no essencial, alega, corresponde ao que resulta dos autos na medida em que essa perda de peso ocorreu, efectivamente, na fase pós-acidente.
Finalmente, quanto à circunstância de, no ponto 127, se fazer referência a um valor não apurado quando deveria referir-se o valor de 11.534,17 Euros também acompanhamos a fundamentação do tribunal que entendemos a mais razoável à luz das regras da experiência e da normalidade do acontecer. Na verdade, admitir o referido valor de Euros 11.534,17 significaria que teríamos um gasto mensal de 412,00 euros mensais em vestuário durante um período continuado de 2 anos e 4 meses. Não se duvida que, como doutamente se afirma nas alegações, se poderá configurar a hipótese de a mãe da vítima recorrer a empréstimos de família ou de amigos ou a poupanças ou ao crédito bancário de modo a despender apenas em roupa para a sua filha cerca de 40% do seu rendimento mensal; simplesmente, essas possibilidades exigiriam para ser demonstradas que houvesse prova que as tornassem credíveis.
De outro modo, resta a prudente avaliação do tribunal apelado: salvo uma não ocorrida alegação e demonstração do apuramento de outros rendimentos, proventos ou capitais acumulados, deve ser tido como inverosímil, por exemplo, o gasto em dois dias de 1979 euros em vestuário (num dia, 614,00, fls. 457, e no dia seguinte 1.365,00 euros, fls. 458). Secundamos, pois, a opção do tribunal “a quo”.
Em qualquer caso, ainda que não se alterasse a factologia provinda da instância apelada, alega a autora dever considerar-se manifestamente insuficiente o dispêndio de apenas 50,00 Euros por mês para fazer face a despesas com vestuário, valor esse que deverá ascender a 200,00 Euros mensais, assim convertendo a condenação parcelar da Ré nesta sede, para não menos de 6.600,00 Euros.
Não vislumbramos, porém, motivo para alterar a fixação da primeira instância assente em critérios de equidade e tendo em conta a realidade concreta desta família. Importa sublinhar que estão em causa apenas despesas adicionais em vestuário por força das sequelas do acidente e não mais do que isso. Não podem ser imputadas à seguradora demandada as despesas normais que qualquer mãe, com o poder de compra da A., teria para com a sua filha adolescente; donde, a quantia de 50,00 euros por mês, ou seja, 1.650,00 euros, afigura-se-nos adequada e de manter.
*
III) Resta apurar do montante a fixar pelo dano não patrimonial a atribuir à Autora, mãe da vítima.
Entende a apelante seguradora que, “tendo em conta a prática jurisprudencial” o valor para a Autora pelo dano moral deveria ser de 10.000,00 Euros, tendo havido uma sobreavaliação pelo tribunal que fixou a quantia de 90.000,00 Euros.
Por sua vez, avançando-se, neste sede, igualmente com a apreciação do recurso subordinado intentado pela mãe da vítima, esta discorda da condenação arbitrada mas para afirmar que deve cifrar-se “em não menos de Eur 100.000,00, por serem mais graves os danos sofridos pelos pais - quando confrontados com lesões graves dos filhos - por comparação com os danos sofridos pelos cônjuges em idênticas situações.”
Apreciando. Importa sublinhar, como o faz a decisão sob escrutínio, que “foi apenas a mãe quem esteve sempre presente na vida da filha e que esta situação existe há já quase 6 anos”.
Mas para uma aferição mais exaustiva da gravidade dos danos em apreço convirá elencar os factos mais relevantes que incidem directamente sobre a mãe da vítima e que podem ser computados como danos de natureza não patrimonial.
Assim, temos:
Durante o período de internamento, a mãe da D… deslocava-se diariamente ao Hospital já que o estado psicológico da filha exigia a presença da mãe junto dela o máximo de tempo possível;
Nas consultas e em alguns tratamentos que vem efectuando desde a data da alta hospitalar, a D… é sempre acompanhada pela A., já que aquela exige sempre que possível a sua presença, a qual lhe confere maior segurança, apoio e estabilidade emocional;
A A. vivenciou diariamente todo o sofrimento da filha e desesperou-se por se sentir completamente impotente e incapaz para evitar ou minorar o sofrimento físico e psicológico da filha.
Dada a idade da D…, foi a A. quem suportou com ela o seu sofrimento, os seus ataques de fúria e crises de angústia.
Ficou, por isso, exposta a um grande sofrimento psicológico próprio, ao ver a sua jovem filha mutilada para o resto da sua vida, adivinhando-se-lhe, por isso, um vasto rol de dificuldades pessoais, dadas as patentes dificuldades no processo de socialização e aprendizagem, designadamente a nível afectivo.
A A. também adoeceu sob o ponto de vista psiquiátrico, encontrando-se hoje, devido a todos aqueles acontecimentos, profundamente deprimida e angustiada com a situação da sua filha, e com as repercussões que imagina a mesma terá na sua própria vida futura.
Diariamente e a todo o momento, a mãe da D… teme pela vida da sua filha, que já exteriorizou a vontade de morrer.
A A. sente uma angústia enorme por não conseguir ajudar a filha a ultrapassar psicologicamente esta situação, apesar de todos os seus esforços.
A A. fala ao telefone com a filha várias vezes por dia para avaliar o seu estado de espírito e da eventual necessidade da sua presença.
Sente-se angustiada pelo facto de não poder estar todo o dia e todos os minutos ao seu lado já que sabe que num momento a D… pode estar bem disposta e no minuto seguinte o seu estado alterar-se radicalmente.
Sofre porque sabe que a sua filha sofre profundamente com toda a situação, sem ter perspectivas de melhoras.
A A. encontra-se actualmente a ser alvo de tratamento psiquiátrico permanente, bem como à reacção dérmica resultante do seu estado de ansiedade, pois ela própria não se sente capaz de aguentar o sofrimento da filha, sem ajuda especializada.
Encontra-se medicada com “W…”, “X…”, “Y…” e “Z…”.
A A. padece de patologia do foro psiquiátrico, potenciada pelo acidente e o acompanhamento / auxílio prestado à filha, com reflexo dermatológico, que lhe provoca um défice na sua integridade física mensurável em 7 pontos.
Por outro lado, as descritas angústias e sofrimentos da autora não se desconectam da gravidade objectiva das lesões de que padece a sua filha; não resultam, pois, de uma sobrevalorização das mesmas ou de um qualquer exagero maternal.
É que importa referir, enquadrando o exposto, as principais sequelas de que padece a D… mercê do acidente:
À data do acidente, a D… tinha 14 anos, era muito bonita e completamente saudável, transbordava alegria e força de viver, aluna distinta, com óptimas notas e comportamento irrepreensível. Vivia e vive na companhia da mãe, desde a dissolução por divórcio do casamento de seus pais o que contribuiu para o estreitamento e intensificação do relacionamento da A. com a sua filha, com laços de grande afectividade, entreajuda e cumplicidade.
Depois do acidente, a D… mudou drasticamente a sua vida e personalidade. Logo, no período de internamento hospitalar, demonstrou sempre uma enorme revolta com a situação clínica em que se encontrava, adoptando comportamentos de auto e heteroagressividade. Sentiu-se “presa”, “sufocada” e sozinha, privada da companhia e amparo permanentes e insubstituíveis de sua mãe. Toda esta revolta e tristeza era e é expressa por palavras, por comportamentos de auto e heteroagressividade e recusa em comer, em ser observada, e em efectuar os exames e/ou tratamentos.
Hoje ainda tem grandes dificuldades de concentração e de memorização com momentos de desorientação, proferindo frases sem sentido e esquecendo-se do que está a dizer se for interrompida a meio de uma conversa. Tem ataques de pânico e está constantemente irritada, reagindo por vezes de forma agressiva a quem a interpela, apresentando instabilidade emocional, reactiva ao acidente, com dificuldade em ultrapassar o episódio vivencial.
A nível físico, actualmente, a D… tem limitações nos movimentos activos da articulação tibiotársica esquerda, com dificuldade nos vários tipos de marcha, especialmente na marcha rápida, não conseguindo correr. Tropeça facilmente e perde com grande facilidade o equilíbrio. 79. Sofre de imperiosidade urinária frequente, embora sem perda de urina. Faz medicação diária por obstipação. Sente dores fortes e frequentes no pé esquerdo, bem como cefaleias ocasionais do tipo “fisgada”. Tem cicatrizes várias como por exemplo: no crânio com 4 cms. no crânio, na face com 2 por 2 cm, no abdómen com 12 por 8 cm, prolongando-se para a anca, na vulva, entre o grande e o pequeno lábio direitos, com 5 cm, na região anal à direita com 4 cm de comprimento, na face posterior do braço, junto ao cotovelo com 1 por 0,5 cm; no dorso da mão e dedos, múltiplas cicatrizes, a maior das quais com 1 por 0,5 cm, no membro superior esquerdo: conjunto de múltiplas cicatrizes, ocupando área de 22 por 17 cm na face posterior do ombro, prolongando-se para a omoplata; no membro inferior esquerdo com 26 por 12 cm, abrangendo a coxa, joelho e terço superior da perna.
Julgamos inequívoca a gravidade dos danos a apreciar; não apenas pela penosa situação já vivenciada pela mãe da vítima mas igualmente por força da realidade que se apresenta para o futuro onde as dificuldades, ainda que eventualmente mitigadas pelo decurso do tempo, não deixarão de subsistir.
Porém, importa, a nosso ver e salvo melhor opinião, chamar à colação outras variáveis: desde logo, atentar que estamos perante um dano reflexo – a vítima do acidente em apreço foi a filha da requerente e, sabendo nós, como ficou expresso acima, que se encontra constituído hoje na esfera jurídica da sua mãe um direito indemnizatório relativo aos seus específicos danos não patrimoniais, estes ocorrem por força de um sinistro imputável ao segurado da ré no qual a demandante não interveio. Por outro lado, não devendo aceitar-se uma solução que pretenda comparar danos em si mesmo incomparáveis, porque subsumidos à irredutível dimensão pessoal de cada um dos lesados, não poderemos deixar de ter em conta o dano não patrimonial vivenciado directamente pela própria lesada, independentemente de a sua compensação ter sido solicitada ou não, e a necessidade de concatenar tal dano, nomeadamente em termos de parâmetros jurisprudenciais, com o que nos cumpre agora fixar relativo à sua mãe.
Finalmente, pese a evolução recente, que secundamos, no sentido da valorização das indemnizações por danos não patrimoniais quando não esteja em causa a morte do lesado mas, sim, um sofrimento prolongado no tempo que, em termos concretos, pode configurar um dano idêntico, senão superior, ao que resulta da perda de vida de um ente querido (circunstância, aliás, sublinhada na douta decisão recorrida), não deveremos perder de vista que o défice na integridade física da autora, já ponderada quer a patologia do foro psiquiátrico, potenciada pelo acidente e pelo acompanhamento prestado à filha, quer o seu reflexo dermatológico, foi de 7 pontos e que tal valoração não será indiferente à ponderação do dano de natureza não patrimonial desta lesada ainda que o seu prolongamento no tempo deva ser valorado.
Donde, ponderando o que vimos expondo, tendo em conta finalmente o montante fixado no próprio Acórdão uniformizador de jurisprudência do STJ, de 09.01.2014, acima citado, entendemos dever fixar em cinquenta mil euros (€50.000,00) a indemnização em apreço, alterando, pois, a sentença apelada, apenas neste concreto segmento.
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Resta sumariar a fundamentação conforme exigência expressa no artigo 663º, nº7 do CPC:
I) O acórdão uniformizador de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 09.01.2014 veio reconhecer o direito indemnizatório do dano reflexo do cônjuge de vítima sobrevivente. Assim, foi estabelecido nesse aresto jurisprudencial que “os artigos 483.º, n.º1 e 496.º, n.º1 do Código Civil devem ser interpretados no sentido de abrangerem os danos não patrimoniais, particularmente graves, sofridos por cônjuge de vítima sobrevivente, atingida de modo particularmente grave.”
II) De acordo com o que era já anunciado na fundamentação desse Acórdão Uniformizador, a abrangência indemnizatória em causa não tem de se confinar apenas ao cônjuge de vítima sobrevivente; admite-se que outros possam e devam beneficiar da tutela relativamente a este tipo de danos.
III) Deste modo, a tutela indemnizatória em causa deve ser igualmente concedida à mãe de uma menor, vítima de acidente de viação com consequências graves, que com ela habita e é por ela única responsável, e que foi atingida, designadamente em termos psíquicos, pelas circunstâncias decorrentes desse sinistro e da assistência/auxílio que vem prestando à sua filha.
IV) Na ponderação do montante indemnizatório a fixar nesta sede, com recurso a critérios de equidade, embora não perdendo de vista a natureza reflexa do dano em apreço, terá que se proceder, em concreto, a uma valoração autónoma do mesmo.
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V) Decisão
Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedente o recurso principal e totalmente improcedente o recurso subordinado formulado nos autos, alterando-se para cinquenta mil euros (50.000,00 Euros) a indemnização por dano não patrimonial a pagar á autora, mãe da vítima no presente sinistro acrescidos de juros de mora à taxa legal desde a data da presente decisão; no mais, mantém-se integralmente a sentença recorrida.
Custas pelos recorrentes/recorridos nas proporções respectivas.

Porto, 7 de Fevereiro de 2017
José Igreja Matos
Rui Moreira
Fernando Samões