Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JOSÉ ANTÓNIO RODRIGUES DA CUNHA | ||
Descritores: | ARGUIDO TIR AUDIÊNCIA NOTIFICAÇÃO PRESENÇA DO ARGUIDO AUSÊNCIA CONSEQUÊNCIAS DEFENSOR REINCIDÊNCIA PRESSUPOSTOS OMISSÃO DE PRONÚNCIA NULIDADE | ||
Nº do Documento: | RP2024022887/23.8GTSJM.P1 | ||
Data do Acordão: | 02/28/2024 | ||
Votação: | MAIORIA COM 1 VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA) | ||
Decisão: | JULGADO PARCIALMENTE PROVIDO O RECURSO INTERPOSTO PELO ARGUIDO | ||
Indicações Eventuais: | 4. ª SECÇÃO CRIMINAL | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I - Incumprido as obrigações processuais do TIR, encontrando-se regularmente notificado na morada que indicou mediante via postal simples para o início da audiência de julgamento, a que faltou injustificadamente, o arguido não tem que ser notificado para a sua continuação. II - Embora o n.º 1 do art.º 332.º do CPP estabeleça como regra a obrigatoriedade da presença do arguido na audiência, logo exceciona as situações em que pode ser realizada na sua ausência. Uma delas é a realização da audiência na ausência do arguido por iniciativa do tribunal prevista no art.º 333.º do CPP. III - Tendo o Tribunal quo considerado dispensável a presença do arguido e que a audiência podia começar sem estar presente, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art.º 333.º do CPP, não sendo obrigatória a sua presença na primeira sessão da audiência de julgamento, não o era também nem na continuação, nem na leitura da sentença, onde se encontrava devidamente representado pelo seu defensor, nos termos do disposto no art.º 196º, nº 3, al. d), do CPP. IV - Não operando a circunstância qualificativa da reincidência como mero efeito automático das anteriores condenações, além dos pressupostos formais, a sua verificação exige também o seguinte pressuposto material: que, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente seja de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime. V - Limitando-se a sentença a enunciar nos factos provados as anteriores condenações sofridas pelo arguido, sendo omissa quanto à referência factual relativa ao pressuposto material que constava da acusação, seja no segmento dos factos provados, seja no dos factos não provados, a fundamentação não cumpre o disposto no n.º 2 do art.º 374.º do CPP, o que configura a nulidade da sentença prevista na al. a) do n.º 1 do art.º 379.º do CPP, que é de conhecimento oficioso. VI - Não se tendo pronunciado sobre a verificação do elemento material da reincidência, quando o deveria ter feito, o Tribunal deixou de se pronunciar sobre questão com relevância para a decisão de mérito, o que também configura a nulidade da sentença prevista na al. c) do n.º 1 do art.º 379.º do CPP, igualmente de conhecimento oficioso. VII - Considerando os pressupostos formais de reincidência previstos na primeira parte do n.º 1 do art.º 75.º do Código Penal, a omissão de fixar a pena concreta precedente à determinação da pena resultante da reincidência, que deverá ser de prisão efectiva de duração superior a 6 meses, configura igualmente a nulidade da sentença prevista na al. c) do n.º 1 do art.º 379.º do CPP. (da responsabilidade do relator) | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 87/23.8GTSJM.P1 Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto
I. RELATÓRIO Realizado julgamento em processo sumário, o arguido AA foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3/01, agravado pela reincidência, praticado em 28/08/2023, na pena de dezoito (18) meses de prisão efetiva. * Inconformado, o arguido interpôs recurso. Termina a motivação com as seguintes conclusões [transcrição]: Pelo exposto: * O Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância apresentou resposta, pugnando no sentido de que deve negar-se provimento ao recurso e manter-se a decisão recorrida. Termina com as seguintes conclusões [transcrição]: In casu, da análise do específico contexto em que se desenvolveu o comportamento do arguido, não se vislumbra ser atendível qualquer das razões apresentadas pelo recorrente para alterar a decisão proferida nos autos que é de manter nos seus exactos termos. * O Ministério Público junto desta Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso não deve merecer provimento, devendo ser mantida a sentença recorrida. ** Cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta. Colhidos os vistos legais e efetuado o exame preliminar, foram os autos à conferência. Cumpre decidir. *** II. FUNDAMENTAÇÃO:
Atento o disposto no art.º 412.º, n.º 1, do CPP, e como é consensual na doutrina e na jurisprudência, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões que o recorrente extrai da sua motivação, sem prejuízo do conhecimento das questões de conhecimento oficioso. No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recurso, as questões suscitadas e a decidir são as seguintes: ** Factos provados na sentença recorrida [transcrição]: 1. No dia 28.08.2023, cerca das 09:30 horas, na EN ..., na Praça ... - Nó de Santa Maria da Feira, em Santa Maria da Feira, o arguido conduziu o veículo automóvel ligeiro de mercadorias, de matrícula ..-..-LR, sem que fosse titular de carta de condução ou de qualquer outro título que o habilitasse a conduzir veículos automóveis. 2. Conhecia as características do mencionado veículo, sabendo igualmente que circulava com ele numa via pública e não ignorava que, pelo facto de não ser titular de carta de condução ou de documento equivalente, não o podia conduzir na via pública; 3. Agiu deliberada, livre e conscientemente, muito embora conhecesse o carácter proibido e criminalmente punível da sua conduta. Elementos pessoais do arguido: 4. Aufere €900 mensais no desempenho da sua actividade profissional; vive com a esposa e 3 enteados, em casa arrendada por €400 mensais; despende ainda € 100 mensais em pensão de alimentos; 5. Foi condenado, a 24.01.2003, pela prática, a 21.01.2003, de um crime de condução sem habilitação legal e de um crime de desobediência, em 80 dias de multa (pena única) – extinta por prescrição, a 20.09.2007; 27.01.2003, pela prática, a 25.10.2001, de um crime de falsificação de documento, em 80 dias de multa – extinta pelo cumprimento; a 31.03.2003, pela prática, a 28.08.2002, de um crime de condução sem habilitação legal e de um crime de desobediência, em 90 dias de multa (pena única) – extinta pelo cumprimento, a 28.01.2003; a 09.03.2005, pela prática, a 20.10.2003, de um crime de falsificação de documento e de um crime de burla simples, em 240 dias de multa – extinta pela prescrição, a 30.04.2014; a 11.04.2005, pela prática, a 16.03.2005, de um crime de condução sem habilitação legal, em 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos – extinta nos termos do art.º 57.º do CP, a 27.06.2007; a 11.07.2005, pela prática, entre 25.09 e meados de Outubro de 2002, de um crime de falsificação de documento e de um crime de burla simples, em 380 dias de multa – convertida em prisão subsidiária e extinta a 29.09.2006; a 02.11.2005, pela prática, a 19.01.2003, de um crime de condução sem habilitação legal e, a 28.02.2003, de um crime de desobediência, em 230 dias de multa (pena única) – extinta pela prescrição, a 25.01.2010; a 10.09.2007, pela prática, a 28.08.2007, de um crime de condução sem habilitação legal e de um crime de desobediência, em 15 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos (pena única) – extinta nos termos do art.º 57.º do CP, a 25.09.2010; a 07.10.2009, pela prática, a 23.05.2007, de um crime de condução sem habilitação legal, em 9 meses de prisão efectiva – extinta pelo cumprimento, a 14.09.2010; a 22.07.2010, pela prática, em Setembro de 2007, de um crime de falsificação de documento, em 6 meses de prisão efectiva – extinta pelo cumprimento, a 10.02.2012; a 30.05.2014, pela prática, a 17.03.2013, de um crime de furto simples, em 40 dias de multa – convertida em prisão subsidiária e extinta pelo cumprimento, a 22.08.2017; a 07.07.2015, pela prática, a 20.10.2014, de um crime de abuso de confiança, em 120 dias de multa – convertida em prisão subsidiária e extinta pelo cumprimento, a 10.11.2017; a 24.10.2016, pela prática, a 20.08.2016, de um crime de condução sem habilitação legal, em 72 períodos de prisão por dias livres; a 30.11.2016, pela prática, a 26.11.2016, de um crime de condução sem habilitação legal, em 10 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, com regime de prova – englobada em cúmulo jurídico com a anterior condenação e fixada a pena única de 15 meses de prisão efectiva; extinta pelo cumprimento, a 07.02.2020 (Proc.º n.º 434/16.9PAVFR); a 16.01.2017, pela prática, a 13.12.2016, de um crime de condução sem habilitação legal, em 12 meses de prisão efectiva – extinta pelo cumprimento, a 09.11.2018; a 08.07.2020, pela prática dolosa, a 20.06.2020, de um crime de condução sem habilitação legal, em 12 meses de prisão efectiva, em RPHVE (Proc. n.º 132/20.9GBOVR, que correu termos no JL Criminal de Ovar) [esteve privado da liberdade, ininterruptamente e em cumprimento dessa pena, desde 04.10.2020 até aos 03.10.2021, data em que foi colocado em liberdade]; a 09.04.2021, pela prática, a 17.06.2016, de um crime de condução sem habilitação legal, em 2 anos e 1 mês de prisão efectiva, em RPHVE, com autorização de desempenhar a sua actividade profissional, das 08:00 horas às 18:00 horas, com 10 minutos para as respectivas deslocações (pena única que englobou as penas do cúmulo jurídico efectuado no Proc.º n.º 434/16.9PAVFR) – extinta a 03.08.2022. * No que concerne à determinação e escolha da pena, na sentença recorrida consta o seguinte [transcrição]: A aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (cfr. art.º 40.º, 1 e 2, do Cód. Penal). Como ensina JORGE DE FIGUEIREDO DIAS,2 “A exigência legal de que a medida da pena seja encontrada pelo juiz em função da culpa e da prevenção é absolutamente compreensível e justificável. Através do requisito de que sejam levadas em conta as exigências da prevenção, dá-se lugar à necessidade comunitária da punição do caso concreto e, consequentemente, à realização in casu das finalidades da pena. Através do requisito de que seja tomada em consideração a culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime - ligada ao mandamento incondicional do respeito pela eminente dignidade da pessoa do agente - limite de forma inultrapassável as exigências de prevenção. 2 Prevenção significa, por um lado, prevenção geral, e, por outro lado, prevenção especial, com a conotação específica que estes termos assumem na discussão sobre as finalidades da punição. A prevenção geral, no seu entendimento mais actual, como prevenção geral positiva ou de integração, é um momento irrenunciável - e na verdade o mais essencial - de aplicação da pena e não pode, por isso, deixar de relevar decisivamente para a medida daquela. As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida possível, na reinserção do agente na comunidade. Por outro lado, a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa.” Tal entendimento tem consagração legal, também, no art.º 71.º do Cód. Penal. O seu n.º 1 estipula que “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”. O seu n.º 2 determina que “o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”, fazendo uma especificação não taxativa. Importa, assim, considerar o mediano grau de ilicitude do facto, tendo em consideração o bem jurídico protegido violado e ameaçado – a vasta experiência do arguido na condução esbate o perigo concreto; A gravidade das suas consequências é pequena, tendo em consideração a natureza do bem protegido e o desconhecimento de resultados nefastos provocados pelo arguido; A intensidade do dolo é elevada, porque de dolo directo se trata: o arguido representou o facto e agiu com intenção de o realizar; Os motivos determinantes fundam-se na indiferença pelos bens jurídicos pessoais e patrimoniais de terceiros, transeuntes e demais automobilistas, sem esquecer o gosto pela condução e na eventual necessidade de se fazer transportar; As suas condições pessoais e situação económica são medianas, face à sua idade, situação vivencial e profissional, rendimentos auferidos e despesas necessárias; Os antecedentes criminais conhecidos são valorados como agravante considerável, porque prova cabal da necessidade de prevenção especial – reforçada neste tipo legal de crime que cometeu pela 12.ª vez, entre vários outros; Finalmente, a necessidade de prevenção geral é elevadíssima, atento o elevadíssimo número de crimes do tipo quer a nível local quer nacional. A figura da reincidência acha-se comprovada – vd. antecedentes criminais, maxime relativo ao Proc. n.º 132/20.9GBOVR –, resultando evidente, por manifesto, que a conduta do arguido deve ser objecto de censura elevada, atento o circunstancialismo dos autos, de onde ressalta que a condenação anterior, com pena de prisão efectiva, não lhe serviu de suficiente advertência contra o crime (cfr. art.º 75.º, 1 e 2, do Cód. Penal), o que conduz à elevação ou agravação do limite mínimo da pena aplicável em um terço (art.º 76.º, 1, do Cód. Penal), passando a moldura geral e abstracta agravada para prisão de 40 dias a 2 anos ou multa de 13 a 240 dias. Por tudo o exposto, julga-se concretamente adequada a pena de prisão - considerando a idade do arguido e o seu já vasto passado criminal, as penas concretas que anteriormente lhe foram fixadas (desde a multa, passando pela prisão suspensa simples e com regime de prova, prisão por dias livres e até à prisão efectiva e também em RPHVE), todas elas não suficientemente ressocializadoras (conduzindo à repetição sucessiva da prática criminal), afigura-se-nos a pena não privativa da liberdade manifestamente insusceptível de facilitar (e alcançar) a sua socialização, mostrando-se até incompatível com as exigências mínimas de integração, sob a forma de tutela do ordenamento jurídico –, que se fixa em 18 meses (art.º 70.º “a contrario sensu” do Cód. Penal). Atendendo à personalidade do arguido – com manifesta indisponibilidade para se conter na conduta criminosa e sem capacidade de autocrítica –, às suas condições de vida – inserido social, familiar e profissionalmente –, à sua conduta anterior ao crime – já referenciada – e às razões subjacentes – indiferença manifesta pelas condenações aplicadas e propensão para práticas criminosas do tipo –, afigura-se-nos já impossível um juízo de prognose favorável, por resultar manifesta a incapacidade de interiorizar valores fundamentais que suportem uma mudança de rumo, pelo que se considera que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não garantem já a necessária protecção do bem jurídico lesado e a recondução do arguido aos sãos valores sociais dominantes, razões pelas quais se entende de não suspender a execução da pena, nem a substituir por PTFC (cfr. art.os 50.º e 58.º, ambos “a contrario sensu”, do Cód. Penal). Por sua vez, o regime de permanência na habitação com VE resulta também manifestamente desadequado e insuficiente à realização das finalidades da execução da pena de prisão, porquanto, não obstante lhe ter sido aplicado nas duas últimas condenações, não teve o mérito ou condão de o convencer à regência da sua vida em conformidade com os ditames legais criminais estradais, antes se revelando inoperante ao estancamento dessas práticas costumeiras do arguido, que voltou a colocar em perigo os bens jurídicos protegidos pela norma incriminadora (art.º 43.º, 1 a) e 2, “ a contrario sensu”, do Cód. Penal). * V. DECISÃO: Julga-se procedente a acusação e condena-se AA, pela autoria material de um crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º, 2, do Dec. Lei n.º 2/98, de 03.01, agravado pela reincidência (art.os 75.º, 1 e 2, e 76.º, 1, ambos do Cód. Penal), na pena de dezoito (18) meses de prisão efectiva. (…) ** Decidindo as questões objeto do recurso Da alegada nulidade insanável decorrente da falta de notificação do arguido da data designada para continuação da audiência de discussão e julgamento que ocorreu em 14 de Setembro de 2023. Como vimos, em primeira linha, o arguido questiona a realização da continuação da audiência à revelia, sem que tivesse sido notificado da mesma, entendendo estar verificada a nulidade insanável da al. c) do art.º 119.º do CPP. Vejamos. O arguido prestou TIR e foi-lhe dado conhecimento dos seus direitos e obrigações processuais, designadamente que o incumprimento do disposto nas als. a), b) e c) do n.º 3 do art.º 196.º do CPP legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito de estar presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência nos termos do artigo 333º. Embora o n.º 1 do art.º 332.º do CPP estabeleça como regra a obrigatoriedade da presença do arguido na audiência, logo exceciona as situações em que pode ser realizada na sua ausência. Uma delas é precisamente a realização da audiência na ausência do arguido por iniciativa do tribunal prevista no art.º 333.º do CPP[1]. Revertendo para o caso concreto, tendo prestado TIR, o arguido foi regularmente notificado na morada que indicou mediante via postal simples para o início da audiência designada para o dia 12.09.2023, o que não questiona. Tendo faltado injustificadamente, o julgamento iniciou-se após o Senhor Juiz considerar não ser absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material a presença do arguido desde o início da audiência ( art.º 333.º, 1 e 2, do CPP ). O julgamento não terminou nesse dia porque o Tribunal entendeu ser imprescindível a junção da documentação promovida pelo Ministério Público, designando o dia 14 de setembro de 2023 para continuação da audiência, com vista à referida junção. A audiência continuou na data designada e finda a produção da prova e concedida a palavra ao Ministério Público e ao Defensor do arguido para em alegações orais exporem as conclusões de facto e de direito, foi designado o dia 21 de setembro de 2023 para a leitura da sentença. O recorrente não foi notificado da continuação da audiência. E não tinha que ser. Com efeito, acompanhando o Acórdão da Relação de Coimbra de 5.08.2018[2], a notificação (envio de aviso postal simples para a morada indicada) é indispensável para que se dê início à audiência, mas não o é para a sua continuação, sempre que ocorra incumprimento das obrigações decorrentes do TIR, como aconteceu no caso concreto. Em suma, apenas em relação ao início da audiência se exige prévia notificação, sendo esse o sentido da remissão da alínea d) do artigo 196º, nº 3 para o artigo 333º do Código de Processo Penal. Como refere o Acórdão da Relação de Évora de 21.11.2023[3], estando o arguido regularmente notificado para a morada que indicou no TIR, não tendo comparecido nem justificado a sua falta, não pode ser desresponsabilizado em relação ao andamento do processo ou ao seu julgamento. Nestes casos, regularmente notificado para a data do início da audiência de julgamento, tem de aceitar que a mesma se realize na sua ausência, com as sessões entendidas como necessárias, sendo representado, para todos os efeitos legais, pelo seu defensor, sendo de aplicar o disposto no artigo 196º, nº 3, alínea d), sendo a sua representação assegurada pelo seu defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito de estar presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência nos termos do artigo 333º. Por outro lado, tendo o Tribunal quo considerado dispensável a presença do arguido e que a audiência podia começar sem estar presente, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do referido art.º 333.º do CPP, não sendo obrigatória a sua presença na primeira sessão da audiência de julgamento, como é pacifico, não o era também nem na continuação, nem na leitura da sentença, onde se encontrava devidamente representado pelo seu defensor. Não se verifica, pois, a nulidade insanável prevista na al. c) do art.º 119.º do CPP, dado que a ausência do arguido não ocorreu num caso em que a lei exige a sua comparência. Muito embora o Tribunal quo tenha decidido que a audiência podia começar sem o arguido estar presente, é certo que mantinha o direito de comparecer por sua iniciativa para prestar declarações até ao encerramento da audiência. Contudo, incumprindo as obrigações decorrentes do TIR, inviabilizou esse direito. De todo o modo, não tendo sido possível terminar a audiência na primeira data, aquela para a qual o arguido estava regularmente notificado e à qual faltou injustificadamente, encontrando-se o mesmo devidamente representado pelo seu defensor em todos os atos processuais nos quais tinha o direito ou o dever de estar presente, como escreve Paulo Pinto de Albuquerque[4], não tinha o Tribunal a quo de o notificar da data designada para continuação da audiência. Termos em que também não se verifica a violação dos art.ºs 61.º, n.º 1, al. a), 113.º, n.º 10, 332.º, n.º 1, 333.º, n.º 3, e 386.º, n.º 1, do CPP, nem dos artigos 2.º e 32.º, n.ºs 1, 5 e 6 da Constituição, inexistindo qualquer inconstitucionalidade. Do alegado vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. Em segunda linha, e subsidiariamente, o arguido alega que foi omitida pronúncia sobre factos alegados na acusação e relevantes para a integração do pressuposto material da reincidência, pelo que, segundo ele, se verifica o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. Refere-se ao seguinte: Não obstante ter já sofrido várias condenações pela prática de crimes rodoviários, concretamente pela prática do crime que ora lhe é imputado, tal não bastou para o demover da prática dos factos aqui em referência. O arguido revelou um total desrespeito pelas condenações anteriores, para além da supra referida, as quais não foram suficientes para o levar a interiorizar o desvalor dos factos de que vem acusado, revelando, assim, acentuada propensão para a prática de actos ilícitos, designadamente de crimes estradais. Vejamos. Resulta do n.º 4 do art.º 339.º do CPP que a discussão da causa tem por objecto os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência, bem como todas as soluções jurídicas pertinentes, independentemente da qualificação jurídica dos factos resultante da acusação ou da pronúncia, tendo em vista as finalidades a que se referem os artigos 368.º e 369.º. Como refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.09.2007[5], cuja jurisprudência seguimos, na discussão da causa as questões a decidir são as constantes da acusação para além de outras que resultem da prova produzida em audiência. É sobre a matéria factual com esta dupla origem - ou múltipla se eventualmente acrescerem contestação à acusação, dedução de pedido cível e respectiva contestação - que o tribunal terá de decidir, deixando bem claro que foram por ele apreciados todos os factos alegados com interesse para a decisão, que todos eles foram examinados, investigados, apreciados, enfim, objecto de discussão e decisão. (…) Só a enumeração concreta e especificada dos factos - alegados pela acusação, defesa e resultantes da discussão da causa - permite ao tribunal superior, em recurso, determinar se certo facto foi efectivamente apreciado e considerado provado ou não provado, ou se, pelo contrário, nem sequer foi considerado. De há muito se firmou jurisprudência no sentido de que a decisão deve conter a enumeração concreta, feita da mesma forma, dos factos provados e não provados, desde que os mesmos sejam essenciais à caracterização do crime em causa e suas circunstâncias relevantes juridicamente com influência na medida da pena, desde que tenham efectivo interesse para a decisão (…). Revertendo para o caso concreto, aqueles parágrafos constam da acusação deduzida contra o arguido, imediatamente a seguir à enumeração das anteriores condenações por ele sofridas. Todavia, não constam do texto da decisão recorrida, nem no segmento dos factos provados, nem no dos factos não provados. Não operando a circunstância qualificativa da reincidência como mero efeito automático das anteriores condenações, não é suficiente, como assinala o citado aresto, erigir a história delitual do arguido em pressuposto automático da agravação, mostrando-se necessária uma específica comprovação factual, de enunciar os factos concretos dos quais se possa retirar a ilação de que a recidiva se explica por o arguido não ter sentido e interiorizado a admonição contra o crime, veiculada pela anterior condenação e que conduz à falência desta no que respeita ao desiderato dissuasor. Tal como no caso apreciado e decidido pelo Supremo, também nos presentes autos a sentença se limita enunciar nos factos provados as anteriores condenações sofridas pelo arguido, sendo omissa quanto à referência factual em causa que constava da acusação. A fundamentação não é, pois, completa, como o exige o nº 2 do art.º 374º do CPP, o que configura nulidade prevista na al. a) do nº 1 do art. 379º CPP, a qual é cognoscível oficiosamente. Acresce que a questão pode ainda ser vista à luz da alínea c) do nº 1 do artigo 379º do CPP, pois o tribunal não se pronunciou sobre a verificação do elemento material da reincidência, como resulta dos termos expostos, devendo tê-lo feito, o que constitui omissão de pronúncia. A sentença recorrida é, pois, nula nos termos do art.º 379.º, n.º 1, als. a) e c), e n.º 2, do CPP, devendo ser substituída por outra que supra as apontadas omissões. Da alegada nulidade por falta de especificação e fundamentação da medida da pena concreta independentemente da reincidência Em terceira linha, também subsidiariamente, o arguido alega que na determinação da pena resultante de reincidência o Tribunal a quo omitiu por completo a primeira operação, não fixando a pena concreta precedente à determinação da pena resultante da reincidência. Também aqui lhe assiste razão. Nos termos do disposto no art.º 75.º, n.º 1, do Código Penal, é punido como reincidente quem, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com prisão efectiva superior a 6 meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a 6 meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime. São, pois, pressupostos formais da reincidência a presença de crimes dolosos; a punição de qualquer deles com prisão efectiva de duração superior a 6 meses; o trânsito em julgado da condenação ou condenações anteriores; o cumprimento total ou parcial da punição pela condenação anterior; e a conexão entre os crimes, materializada na exigência de que entre a prática do crime anterior e aquele em que se perspectiva a verificação da reincidência, não tenham decorrido mais de cinco anos, descontado o período de privação da liberdade[6]. Tendo o arguido sido condenado como reincidente, cabia determinar a pena nos termos do disposto no art.ºs 75.º e 76.º, do Código Penal, o que o Tribunal a quo não fez. Com efeito, não determinou a medida da pena pela prática do crime de condução sem habilitação legal objeto dos presentes autos, como é imposto pelo n.º 1 do referido art.º 75.º. Não sabemos, pois, se foi condenado em pena de prisão efectiva de duração superior a 6 meses. Pelo que entendemos que também nessa parte a decisão recorrida está ferida de nulidade, nos termos do art.º 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, que é de conhecimento oficioso e que o tribunal recorrido igualmente deve suprir, a par das referidas supra. Face à declaração de nulidade da sentença recorrida, fica prejudicado o conhecimento da última questão (se a pena de 18 meses de prisão efetiva aplicada ao arguido deve ser executada em regime de permanência na habitação). ** Sumário: ……………….. ……………….. ……………….. * III. DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente provido o recurso, e, em consequência, declaram a nulidade da sentença recorrida, que deve ser substituída por outra que supra as apontadas omissões. * Sem custas.* * Porto, 28 de fevereiro de 2024 José António Rodrigues da Cunha Elsa Paixão Manuel Ramos Soares (com voto de vencido): [Declaração de voto de vencido: «Votei vencido porque não concordo com a interpretação segundo a qual, tendo a audiência de julgamento começado na ausência do arguido, com este notificado na morada do TIR, já não tem de ser notificado para a data da continuação da audiência. Penso que as regras do artigo 333º nºs 2 e 3 do CPP não dispensam a notificação do arguido para uma segunda data, para, querendo, estar presente e poder exercer os correspondentes direitos. O regime do TIR faz presumir que a notificação chega ao conhecimento do arguido e isso é que explica que depois a sua ausência não seja impeditiva da realização do julgamento. Mas, para isso, é necessário que a notificação seja feita, pois de outro modo aquela presunção não se opera.] Por esta razão, considero que, em consequência da nulidade insanável, o julgamento devia ser anulado a partir do momento em que esta foi cometida, sendo a mesma sanada com a notificação do arguido e a subsequente continuação do julgamento.» ________________________ [1] É obrigatória a presença do arguido na audiência, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 333.º e nos n.ºs 1 e 2 do artigo 334.º. [2] Relatado pela Desembargadora Maria Pilar de Oliveira, in www.dgsi.pt. [3] Relatado pelo Desembargador Edgar Valente, in www.dgsi.pt. [4] Comentário do Código de Processo Penal…, 4.ª edição actualizada, págs. 861 e 862. [5] Relatado pelo Conselheiro Raúl Borges, in www.dgsi.pt. [6] Ac TRC, de 16.07.2008, relatado pelo então Desembargador, Conselheiro Fernando Ventura, in www.dgsi.pt. |