Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | MENDES COELHO | ||
Descritores: | AÇÃO EXECUTIVA AGENTE DE EXECUÇÃO DESPESAS HONORÁRIOS APOIO JUDICIÁRIO PRECIPUIDADE DE CUSTAS | ||
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Nº do Documento: | RP202310092511/11.3TBPNF-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 10/09/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 5. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | Havendo produto de bens penhorados na execução, o executado, ainda que com apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, suporta as despesas e honorários do agente de execução por via da regra da precipuidade das custas prevista no art. 541º do CPC – | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo nº 2511/11.3TBPNF-A.P1 (Comarca do Porto Este – Juízo de Execução de Lousada – Juiz 1) Relator: António Mendes Coelho 1º Adjunto: Joaquim Moura 2º Adjunto: Ana Paula Amorim Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I – Relatório No âmbito de execução comum que corre termos sob o nº2511/11.3TBPNF do Juízo de Execução de Lousada, movida pelo “Banco 1..., S.A.” contra AA e esposa BB e CC, os primeiros como mutuários de empréstimo concedido pela exequente e a terceira como sua fiadora, vieram os executados AA e BB, a 19/3/2022, reclamar da liquidação do julgado pela agente de execução, alegando que, dado o seu apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, não podem ser responsabilizados – por via da sua imputação ao produto dos bens penhorados – pelo pagamento das quantias devidas com honorários e despesas ao agente de execução. A 25/5/2022 foi pelo Sr. Juiz proferida decisão que julgou improcedente tal reclamação. De tal decisão vieram os executados AA e BB interpor recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: “I - Os executados/Recorrentes gozam do benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo. II – Os executados/Recorrentes procederam ao pagamento da quantia exequenda. III – O Executado/Recorrente formularam requerimentos que denominou como “Reclamação do ato do Sr. Agente de Execução” em que alegam que a execução não deverá prosseguir com penhoras sobre o património dos Executados para pagamento das quantias devidas a título de honorários e despesas do Agente de Execução. Pois, aos Executados foram concedidos o benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e dos encargos do processo. Pelo que os Executados não podem ser responsabilizados pelo pagamento das quantias devidas com honorários e despesas ao agente de execução. Os Executados estão isentos deste pagamento sem mais. IV - o Tribunal “a quo” determinou que, mesmo beneficiando os executados de apoio judiciário, as despesas da execução (honorários e despesas do agente de execução) devem ser imputadas ao património do executado em função do produto dos bens penhorados/depositados nos autos, sem prejuízo de, na falta deste, o pagamento caber diretamente ao exequente. V - O Tribunal “a quo” fundamenta a improcedência da Reclamação no argumento de natureza processual: a precipuidade das custas de execução, nas quais se incluem os honorários e despesas devidas ao agente de execução. VI - O que está em causa é, tão só, a abrangência do benefício na modalidade de “Dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo” [alínea a) do nº1 do artigo 16º da Lei n.º 34/2004 de 29.07] concedido aos Executados/Recorrentes. VII – Sendo os honorários do Agente de Execução uma rubrica das custas de parte quando o executado goza do benefício do apoio judiciário na modalidade de isenção de prévio pagamento de taxa de justiça e de encargos processuais, não responde por tais honorários. VIII - A questão tem sido jurisdicionalmente apreciada de modo uniforme e reiterado pela jurisprudência dos tribunais superiores, no sentido de que, beneficiando o executado do apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, não terá de pagar custas, aí se incluindo os valores pagos, ou a pagar, a título de honorários de agente de execução. IX - Impõe-se, assim, a revogação do despacho recorrido, de modo a que se considere que os Executados/Recorrentes estão dispensados de pagar os honorários devidos ao agente de execução e reembolso das despesas por ele efetuadas, em face do benefício de apoio judiciário que os mesmos gozam, mormente na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.” Não foram apresentadas contra-alegações. Foram dispensados os vistos ao abrigo do art. 657º nº4 do CPC. Considerando que o objeto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (arts. 635º nº4 e 639º nº1 do CPC), há uma única questão a tratar: saber se, beneficiando os executados de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo mas havendo na execução produto de bens penhorados, os valores de honorários e despesas com a agente de execução saem precípuos daquele produto, nos termos do art. 541º do CPC. ** II – Fundamentação Com atinência para a questão a decidir, resulta dos autos de execução o seguinte: a) - ocorreu penhora de imóvel pertença dos executados/recorrentes e sua posterior venda/adjudicação à exequente pelo valor de 25.200€ (como se vê do processado dos respetivos autos por referência às datas de 16/10/2020, 24/11/2020, 26/1/2021 e 6/4/2021); b) – ocorreu penhora de quantia integrada no vencimento do executado AA a partir de Janeiro de 2022 (auto de penhora de 7/3/2022); c) – à executada BB, que comunicou aos autos a 9/9/2019 a dedução de pedido de apoio judiciário nas modalidades de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e de nomeação de patrono, foi concedido tal apoio nessas modalidades (conforme informado nos autos pelo ISS a 2/10/2019); d) – ao executado AA, que igualmente comunicou aos autos a 9/9/2019 a dedução de pedido de apoio judiciário naquelas mesmas modalidades, foi indeferido tal apoio, em ambas as modalidades (conforme informado nos autos pelo ISS a 20/11/2019); e) – em 25/2/2022, o executado AA veio juntar procuração passada ao Sr. Advogado nomeado patrono à executada BB e juntar “comprovativo de requerimento de proteção jurídica” para apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo; no “print” do documento intitulado “requerimento de proteção jurídica” que juntou nesta mesma data não é percetível a aposição de qualquer carimbo de entrada no ISS; f) – posteriormente à data de 25/2/2022 referida na alínea anterior, não consta dos autos qualquer informação sobre o desfecho do pedido de apoio judiciário ali referido. Passemos à análise da questão enunciada. E começamos com um ponto de ordem: como resulta da factualidade supra referida, não consta dos autos informação no sentido de ter sido concedido ao executado/recorrente AA o apoio judiciário que pediu, nomeadamente na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo. Efetivamente, consta informado a 20/11/2019 que lhe foi indeferido o apoio judiciário nesta modalidade e, algo estranhamente, aquele mesmo executado veio dar conta a 25/2/2022 de novo pedido naquela modalidade para este mesmo processo, mas nada se sabe dele, o que até leva a que nos questionemos sobre a sua efetiva entrada nos serviços do ISS, pois no “print” do documento intitulado “requerimento de proteção jurídica” que juntou naquela mesma data de 25/2/2022 aos autos não é percetível a aposição de qualquer carimbo de entrada no ISS, ao contrário do que acontece com o “print” similar que, a par com as executadas BB e CC, juntou aos autos a 9/9/2019… Tendo àquele executado sido indeferido o apoio judiciário por si pedido para os autos e considerando o respetivo regime legal (Lei 34/2004, de 29 de Julho), não podemos deixar de fazer notar que, como se refere em Acórdão desta mesma Relação de 13/5/2021[1], “o meio adequado de atacar aquela primeira decisão era a sua impugnação nos termos dos arts. 26º, nº1 e 27º, nº1, e nunca, por nunca, a apresentação de um novo pedido de apoio judiciário relativo ao mesmo processo judicial, fora do âmbito da superveniência de insuficiência económica, que sempre deve ser invocada e a que se refere o art. 18º, nºs 1 e 2, sob pena de inadmissível violação da decisão definitiva anterior”. Seja como for, tanto quanto consta dos autos, o executado/recorrente em referência não goza de apoio judiciário na modalidade supra referida. Ora, tendo o presente recurso como pressuposto a concessão do apoio judiciário naquela modalidade a ambos os recorrentes e não tendo ocorrido tal concessão em relação ao recorrente AA – do que decorre que não está dispensado do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo –, o recurso, quanto a si, por evidente falta de objeto, não tem qualquer cabimento ou utilidade, sendo manifesta a sua improcedência. Como tal, há que prosseguir na análise do recurso apenas em relação à executada/recorrente BB, pois a ela foi concedido o apoio naquela modalidade e foi-lhe ainda nomeado patrono o Sr. Advogado que o subscreve. Entrando agora na efetiva análise da questão supra referida, vejamos os preceitos legais atinentes. Dispõe-se no art. 529º, nº 1, do CPC, que “[a]s custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte” e no nº4 que “[a]s custas de parte compreendem o que cada parte haja despendido com o processo e tenha direito a ser compensada em virtude da condenação da parte contrária, nos termos do Regulamento das Custas Processuais”. Dispõe-se no art. 533º, nº 1, também do CPC, que “(…), as custas da parte vencedora são suportadas pela parte vencida, na proporção do seu decaimento e nos termos previstos no Regulamento das Custas Judiciais” e, sob o seu nº2, estão elencadas, a título exemplificativo, as despesas compreendidas nas custas de parte, entre elas, os encargos efetivamente suportados pela parte e as remunerações pagas ao agente de execução e as despesas por este efetuadas. Nos termos do art. 25º nº4 do Regulamento das Custas Judiciais, a liquidação da responsabilidade do executado compreende as quantias pagas pelo exequente a título de encargos, de taxa de justiça, de despesas previamente suportadas pelo agente de execução, os honorários deste e os do mandatário. Nos termos do art. 541º do CPC, “As custas da execução, incluindo os honorários e despesas devidos ao agente de execução, apensos e respetiva ação declarativa saem precípuas do produto dos bens penhorados”. Nos termos do art. 721º nº1 do CPC, “Os honorários devidos ao agente de execução e o reembolso das despesas por ele efetuadas, bem como os débitos a terceiros que a venda executiva dê origem, são suportados pelo exequente, podendo este reclamar o seu reembolso ao executado nos casos em que não seja possível aplicar o disposto no art. 541º”. No art. 45º, nº1, da Portaria 282/2013, de 29 de Agosto (que regulamenta vários aspetos das ações executivas cíveis) dispõe-se que “Nos casos em que o pagamento das quantias devidas a título de honorários e despesas do agente de execução não possa ser satisfeito através do produto dos bens penhorados ou pelos valores depositados à ordem do agente de execução decorrentes do pagamento voluntário, integral ou em prestações, realizados através do agente de execução, os honorários devidos ao agente de execução e o reembolso das despesas por ele efetuadas, bem como os débitos a terceiros a que a venda executiva dê origem, são suportados pelo autor ou exequente, podendo este reclamar o seu reembolso ao réu ou executado”. Como se analisa no Acórdão da Relação de Évora de 14/1/2021 (proc. nº2004/16.2T8LLE-C.E1, relatora Cristina Dá Mesquita, disponível em www.dgsi.pt), referido na decisão recorrida, resulta do cotejo das normas supra citadas que no pagamento dos honorários e despesas ao agente de execução a primeira regra é a da sua precipuidade (art. 541º) e no caso de aqueles encargos não puderem ser satisfeitos com o produto dos bens penhorados ou com os valores depositados decorrentes do pagamento voluntário, serão suportados pelo exequente (o qual, refira-se, tem sempre de adiantar aqueles valores sob pena de a execução não prosseguir), podendo este reclamá-los do executado. Assim, e como se pergunta naquele Acórdão – que com a devida vénia se segue, mercê da assertividade dos termos e argumentos em que, na nossa opinião, a questão é posta, analisada e decidida –, “Quid júris se o executado beneficia de apoio judiciário na modalidade de dispensa total do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo? Deverá, ainda assim, o executado responder pela satisfação dos honorários e despesas do agente de execução através da afetação do produto da venda dos bens penhorados ao seu pagamento?” Esta é a questão sob análise, e sobre ela a jurisprudência tem-se dividido. No sentido de que o executado com apoio judiciário naquela modalidade não suporta aqueles honorários e despesas ainda que haja produto de bens a si penhorados, podem-se referir, entre outros, os Acórdãos da Relação de Coimbra de 17/11/2020 (proc. nº500/09.7TDSRT.1.C1, relatora Maria João Areias) e de 28/6/2022 (proc. nº1175/18.8T8CTB-C.C1, relator José Avelino Gonçalves) e os Acórdãos da Relação de Guimarães de 10/7/2019 (proc. nº1034/14.3TJVNF-C.G1, relatora Eugénia Cunha) e de 27/5/2021 (proc. nº94/13.9TBVMS-A.G1, relator Alcides Rodrigues), todos disponíveis em www.dgsi.pt. No sentido de que o executado com apoio judiciário naquela modalidade, quando há produto de bens penhorados, suporta aquelas despesas e honorários por via da regra da precipuidade das custas prevista no art. 541º do CPC, podem-se referir os Acórdãos da Relação de Évora de 14/1/2021, que acima referimos, e de 25/2/2021 (proc. nº1390/12.8TBSTB-B.E1, do qual é igualmente relatora Cristina Dá Mesquita) e o Acórdão desta Relação do Porto de 11/5/2020 (proc. nº2835/13.5TBGDM-D.P1, relator Manuel Domingos Fernandes), também disponíveis em www.dgsi.pt. Perfilhamos a orientação que referimos por último. O apoio judiciário é uma modalidade da proteção jurídica dispensada pelo Estado no âmbito do sistema de acesso ao direito e aos tribunais, o qual se destina a assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos (arts. 1º, 6º e 16º da Lei 34/2004, de 29/7), visando a garantia e concretização do direito de acesso ao direito e a tutela jurisdicional efetiva consagrados no art. 20º da CRP. Ora, como se refere naquele Acórdão da Relação de Évora de 14/1/2021, e se subscreve, “O princípio da precipuidade previsto no art. 541.º do CPC em nada contende com o direito de acesso ao direito e aos tribunais. Com efeito, quando se chega à venda executiva é porque não houve oposição à execução ou esta foi julgada improcedente, pelo que nesta fase do processo executivo já se sabe que o executado é o responsável final pelas custas do processo, pelo que o seu direito a defender-se no processo não é afetado pelo facto de o seu património responder pelas custas do processo executivo. Por conseguinte, o direito de acesso ao direito e aos tribunais, que o apoio judiciário na modalidade de dispensa total de taxa de justiça e demais encargos com o processo visa garantir, já não será postergado pelo facto de se retirar do produto da venda dos bens penhorados os valores necessários ao pagamento das custas do processo.” A ser de dispensar o executado do pagamento dos honorários e despesas do agente de execução por via do apoio judiciário que lhe foi concedido, mesmo que na execução, com a qual o exequente tivesse suportado milhares de euros com aqueles honorários e despesas, se liquidassem bens com elevado valor que pagasse a quantia exequenda e ainda sobrasse para o executado, no final o exequente limitava-se a receber do Estado o reembolso do valor da taxa de justiça paga (art. 26º nº6 do Regulamento das Custas Processuais) e arcava por si com aqueles valores, o que não se compreenderia. Como nesta mesma linha se diz na decisão recorrida, “(…) o sistema de apoio judiciário não tem como finalidade auxiliar quem tenha dificuldades económicas no cumprimento das suas obrigações ou impedir que alguém seja colocado em situação de perigo de sobrevivência (económico-financeira) – nesta última parte, existem outras respostas legais, como a previsão de impenhorabilidade ou penhorabilidade parcial de bens – arts. 736.º e ss. do NCPC –, mas apenas tem em vista não impedir ou dificultar (…) o exercício ou defesa de direitos. Por isso, quando não esteja em causa o exercício ou a defesa de direitos do executado, não existe razão para que o Estado, pelo regime de apoio judiciário, suporte os custos da execução do património do executado ou, de modo mais incompreensível, imponha tal pagamento ao credor/exequente”. Assim, conclui-se, ainda que a executada BB beneficie do apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, a mesma, porque há produto de bens penhorados no âmbito da execução, suporta aquelas despesas e honorários por via da regra da precipuidade das custas prevista no art. 541º do CPC. Na sequência do que se veio de referir, há que julgar improcedente o recurso e confirmar a decisão recorrida. As custas do recurso ficam a cargo dos recorrentes, que nele decaíram (art. 527º nºs 1 e 2 do CPC), sem prejuízo do apoio judiciário concedido à executada BB. * Sumário (da exclusiva responsabilidade do relator – art. 663 º nº7 do CPC): ........................... ........................... ........................... ** III – Decisão Por tudo o exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso e, em consequência, confirmar a decisão recorrida. Custas pelos recorrentes, sem prejuízo do apoio judiciário concedido à executada BB. *** Porto 9/10/2023 Mendes Coelho Joaquim Moura Ana Paula Amorim ____________ [1] Proferido no processo nº16860/19.9T8PRT-A.P1, relator Filipe Caroço, disponível em www.dgsi.pt. |