Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JOSÉ EUSÉBIO DE ALMEIDA | ||
Descritores: | INJUNÇÃO COBRANÇA DE UMA DÍVIDA FORMA DE PROCESSO RECONVENÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RP20120514176189/11.1YIPRT-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 05/14/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | REVOGADA A DECISÃO. | ||
Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO. | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I- Uma Injunção destinada à cobrança de uma dívida fundada em transacção comercial e com valor superior à alçada do Tribunal da Relação, segue os termos do processo comum declarativo, logo que o requerido deduza oposição. II - E, nesse caso, é admissível a dedução de reconvenção. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 176189/11.1YIPRT-A.P1 Recorrente – B……, Lda. Recorrida – C……, Lda. Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto: 1 – Relatório 1.1 – A decisão sob censura A ora recorrente, B….., Lda. veio deduzir oposição à injunção (em que era requerente a ora recorrida, C….., Lda.), nos termos do articulado de fls. 31 e ss. e, nessa mesma peça processual, deduziu reconvenção, pedindo que seja declarado o não cumprimento do contrato por parte da recorrida, em razão da desconformidade das qualidades da máquina de estampar vendida, com as (qualidades) que foram contratualmente garantidas e que, em consequência do incumprimento e da mora, que seja indemnizada, a título de lucros cessantes, com a quantia não inferior a 350,00€ por mês, indemnização a manter-se até ao cumprimento integral e mostrando-se já vencida no montante de 7.000,00€; pediu igualmente a condenação nos danos patrimoniais e não patrimoniais, no montante de 5.000,00€ e que a recorrida proceda à reparação da máquina ou à sua substituição por outra, se necessário. A ora recorrente, na fundamentação da sua pretensão reconvencional, alegou o incumprimento contratual por parte da autora (requerente da injunção) e a mora, o seu direito a ser indemnizada em razão dos defeitos da máquina comprada, e enumerou os danos sofridos por causa da falta de qualidades técnicas da máquina de estampar, acrescentando que a recorrida reconheceu os defeitos da mesma, mas nunca os quis corrigir, o que originou que a recorrente ficasse com a sua capacidade produtiva restringida, menos competitiva no mercado, e incapaz de satisfazer integralmente os seus clientes. Perante este pedido reconvencional foi proferido o despacho de fls. 50, agora objeto de recurso. Aí, a autora foi convidada a apresentar nova petição inicial, para sustentar o pedido formulado na injunção e, no que ora especialmente importa, foi também decidido o seguinte: "Nos termos do regime dos procedimentos publicado em anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, a oposição à injunção contempla, apenas, a possibilidade de a contestar (artigo 15.º e 1.º, n.º 2 do referido regime), não se encontrando prevista, ao contrário das ações originalmente declarativas, a possibilidade de dedução de reconvenção. Nos termos expostos não admito a reconvenção formulada[1]. Custas pela ré". 1.2 – Do recurso Inconformada, a requerida (ré, recorrente) veio apelar a esta Relação. Conclui deste modo o seu recurso: 1 – A presente ação deu entrada no Balcão Nacional de Injunções, enquanto injunção, pretendendo a autora, através da mesma, obter o pagamento da quantia de 33.413,33€ (valor inicial da ação). 2 – O procedimento de injunção foi introduzido entre nós com o DL. 404/93, de 10.12, tendo sido objeto das alterações introduzidas pelo DL. 269/98, de 1 de setembro, com o objetivo de conferir força executiva a um requerimento destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias. 3 – Posteriormente, o DL. 32/2003, de 17.02 e o DL. 107/2005, de 1.07 estabeleceram um regime especial relativo a atrasos de pagamento em transações comerciais, alargando assim a aplicação do procedimento de injunção às obrigações nele previstas, independentemente do valor da dívida. 4 – Sendo este o caso sub judice, era este o regime legal que o tribunal a quo se deveria ter socorrido para admitir a reconvenção deduzida pela ré, o que não fez. 5 – No caso presente, a autora recorreu à mencionada providência para exigir o cumprimento de obrigações emergentes de transações comerciais, cujo valor ascende a 33.413,33€. 6 – Ora, o legislador estabeleceu dois regimes processuais distintos, separados pelo valor, atendo o regime legal mencionado (DL. 32/2003, na redação conferida pelo DL. 107/2005, com entrada em vigor em 15 de setembro de 2005, portanto aplicável aos presentes autos. 7 – Assim, se o pedido for de valor não superior à alçada da relação – atualmente, 30.000,00€ - a dedução de oposição em ações destinadas a exigir o cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de transação comercial faz com que a mesma siga os termos da ação declarativa especial prevista no DL. 269/98, de 1 de setembro (artigo 7.º, n.º 1 e n.º 2, este "à contrário" e 7.º, n.º 4 do DL. 32/2003, com a redação do DL. 107/2005, de 1 de julho). 8 – Por outro lado, nas injunções cujo valor peticionado seja superior à alçada da Relação – como é o caso – a dedução de oposição determina a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma do processo comum (n.º 2 do DL. 32/2003, com a redação do DL. 107/2005). 9 – O que determinou que o processo fosse distribuído às Varas do T.J. de Vila Nova de Gaia, seguindo a forma ordinária. 10 – Sendo esta a forma do processo e estando preenchidos os requisitos do artigo 274.º do CPC – que não foram contestados pela autora nem oficiosamente pelo M.mo Juiz do tribunal a quo – no modesto entendimento do recorrente é sempre admissível reconvenção. 11 – Violou assim o tribunal o disposto no artigo 15.º, n.º 1 do DL. 269/98, de 1 de setembro e n.º 2 e 4 do artigo 7.º do DL. 32/2003, de 17 de fevereiro, com a redação do DL. 107/2005, de 1 de julho. Não houve resposta ao recurso, e este veio a ser admitido nos termos legais e adequados (cf. fls. 24 e 61). Nesta Relação, atenta a natureza da questão a decidir, foram dispensados os Vistos. Nada obsta ao conhecimento do seu mérito. 1.3 – Objeto do recurso Definido pelas conclusões da apelante a única questão a resolver é a de saber se aos presentes autos, que se iniciaram como processo de injunção, devem ser aplicadas as regras próprias do processo declarativo comum e, por isso, a reconvenção deduzida pela recorrente deve ser admitida. 2 – Fundamentação: Os factos relevantes à apreciação do recurso decorrem, quase integralmente, do relatório e das conclusões que antecedem. Ainda assim, para melhor clareza, deixamos transcritos os seguintes: 1 – A recorrida, em 15.06.2011, apresentou no Balcão Nacional de Injunções um requerimento de Injunção (fls. 29) no qual é invocada "obrigação emergente de transação comercial" e é requerido o recorrente e pelo qual pretende a condenação deste na quantia de 28.910,59€ em dívida, correspondente ao valor de diversas faturas e já descontado de entregas feitas, e da quantia de 4.349,74€ de juros. 2 – A quantia total pretendida pela requerente, atenta a taxa de justiça paga (153,00€) ascende ao montante de 33.413,33€. 3 – A requerida (ora recorrente) deduziu oposição (fls. 31 e ss.) e na mesma peça processual deduziu reconvenção. 4 – Pretendendo "que seja declarado o não cumprimento do contrato por parte da recorrida, em razão da desconformidade das qualidades da máquina de estampar vendida, com as (qualidades) que foram contratualmente garantidas e que, em consequência do incumprimento e da mora, que seja indemnizada, a título de lucros cessantes, com a quantia não inferior a 350,00€ por mês, indemnização a manter-se até ao cumprimento integral e mostrando-se já vencida no montante de 7.000,00€; pediu igualmente a condenação nos danos patrimoniais e não patrimoniais, no montante de 5.000,00€ e que a recorrida proceda à reparação da máquina ou à sua substituição por outra, se necessário". 5 – Distribuído o processo (à 2.ª Vara de Competência Mista de Vila Nova de Gaia) o Exmo. Juiz, além do mais e no que ora importa, proferiu despacho a considerar que "Nos termos do regime dos procedimentos publicado em anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, a oposição à injunção contempla, apenas, a possibilidade de a contestar (artigo 15.º e 1.º, n.º 2 do referido regime), não se encontrando prevista, ao contrário das ações originalmente declarativas, a possibilidade de dedução de reconvenção". 6 – E por isso, concluiu: "Nos termos expostos não admito a reconvenção formulada". 2.2 – Aplicação do direito. Está bem clara a questão que esta apelação deve resolver: o recorrente, sujeito processual que deduziu oposição ao requerimento de injunção, podia também, nessa oposição, deduzir reconvenção? Comecemos por dizer que nenhuma "razão substantiva", nos termos decorrentes da previsão do artigo 274.º do Código de Processo Civil (CPC) o impediria, nem por aí se funda a decisão em reparo ou a posição do requerente (recorrido); efetivamente, a invocação do incumprimento contratual do vendedor (requerente da injunção) e dos danos, nomeadamente lucros cessantes, daí advindos sustenta a possibilidade reconvencional na previsão da sua fundamentação em facto jurídico da defesa (artigo 274.º, n.º 2, alínea a) do CPC). A questão relevante é outra: se o que começou como Injunção sempre continuará como procedimento injuntivo, procedimento típico e próprio que impede a dedução de reconvenção, desde logo por atenção à natureza especial deste processo. O problema não é original nas decisões das Relações e todas elas se encaminham, tanto quanto constatamos, para o entendimento que distingue as injunções em dois tipos, concluindo que aquelas que correspondem a transações comerciais com pedidos superiores à alçada da Relação (anteriormente, à alçada do tribunal) implicam o prosseguimento do processo como ação comum ordinária e, por isso, permitem a dedução de reconvenção pelo requerido que, entretanto, com a oposição, passou a réu. No acórdão da Relação de Lisboa de 13.07.2010 a admissão da reconvenção, num caso semelhante ao que aqui se aprecia, é claramente atendida, salientando-se que, após a oposição, o processo passou a ser um processo comum ordinário, distinto de uma providência de injunção e que (citamos) "atento o disposto no artigo 7.º, n.º 2 do Dec.-Lei n.º 32/2003, é admissível a reconvenção, a qual deve ser admitida com as inerentes consequências processuais subsequentes a essa admissão, nomeadamente quanto aos factos a levar à base instrutória e ao cumprimento do disposto no artigo 512.º, n.º 1 do CPC"[2]. No acórdão da Relação de Coimbra de 18.05.2004, por sua vez, refere-se, sumariadamente, que o DL. 32/2003, de 17.02, procedeu à alteração do regime da injunção, alargando o âmbito da sua aplicação ao atraso de pagamento em transações comerciais e que para valores superiores à alçada do tribunal, "a dedução de oposição no processo de injunção determina a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum[3]." Finalmente, também o acórdão da Relação do Porto de 16.05.2005 segue o mesmo entendimento, concluindo, de modo inequívoco, que a oposição do requerido, numa injunção de valor superior à alçada da Relação, implica a remessa do processo para distribuição no tribunal competente, "findando o processo de injunção, que se transmuta em ação declarativa que seguirá a forma do processo comum, conforme o valor.[4] " Claramente e no mesmo entendimento citando (abordando também algumas das decisões jurisprudenciais antes referidas) pronuncia-se Edgar Valles (Cobrança Judicial de Dívida, Injunções e Respetivas Execuções, 4.ª edição, Almedina, 2001, a págs. 107/108), onde escreve, nomeadamente, o seguinte: "Se o valor da injunção for superior à alçada da Relação, admite-se a reconvenção, uma vez que o procedimento se transforma em processo comum, com possibilidade de apresentação de réplica."[5] Também Salvador da Costa (A Injunção e as Conexas Ação e Execução, 6.ª edição, Almedina, 2008, págs. 189/191) esclarece o sentido do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro (com as alterações introduzidas pelo artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 107/2005, de 1 de julho). E, comentando o seu n.º 2, afirma que "se o direito de crédito em causa for de valor superior ao da alçada do tribunal da Relação - € 30.000 -, a dedução de oposição e a frustração de notificação no procedimento de injunção relativo a créditos decorrentes de transações comerciais determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma do processo comum"[6]. Parece-nos claro, em suma, que no caso presente a injunção inicial passou a processo comum declarativo, a processo comum ordinário. Aliás, reconhecimento manifesto deste facto, dessa "transmutação" é a circunstância de, no próprio despacho em que se não admite a reconvenção, ter-se convidado o autor (requerente da injunção) a apresentar "nova p.i. articulada para sustentar o pedido formulado". E se assim é, se estamos perante um processo comum e já não perante um procedimento injuntivo, nenhum obstáculo processual se coloca à admissibilidade da reconvenção, a qual devia – e deve – ser admitida. Procede, por tudo, a apelação. Quanto às custas do recurso: Considerando que a presente apelação correspondia ao recurso de agravo do regime processual anterior ao DL. 303/2007, de 24.08; considerando que foi revogada a isenção de custas nos agravos procedentes sem contra-alegações, prevista no regime anterior ao Regulamento de Custas Processuais (RCP) e que também o novo regime de custas (decorrente da Lei 7/2012) continua a não prever essa isenção e, por isso, não é aplicável o seu novo artigo 8.º, n.º 5; considerando que a presente decisão revoga o despacho da 1.ª instância, mas igualmente anula os atos subsequentes que contrariem a admissão da reconvenção, entendemos, por tudo e atendendo às regras gerais que regem a responsabilidade pelas custas, que as devidas neste recurso devem ser fixadas a final, de acordo com a distribuição da respetiva responsabilidade na reconvenção. 3 – Sumário: 1 - Uma Injunção destinada à cobrança de uma dívida fundada em transação comercial e com valor superior à alçada do Tribunal da Relação, segue os termos do processo comum declarativo, logo que o requerido deduze oposição. 2 - E, nesse caso, é admissível a dedução de reconvenção. 4 – Decisão: Pelas razões que se deixaram ditas, acorda-se na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente a presente apelação e, em conformidade, revogando a decisão da 1.ª instância, admite-se, em substituição da mesma, a reconvenção deduzida pela recorrente na sua oposição e determina-se a anulação de todos os atos processuais posteriores incompatíveis com o ora decidido e a repetição de todos os necessários ao prosseguimento e adequação do processo à aludida admissão da reconvenção. Custas do recurso a fixar a final, nos termos do que venha a ser o vencimento e o decaimento da reconvinte e da reconvinda. Porto, 14.05.2012 José Eusébio dos Santos Almeida Maria Adelaide de Jesus Domingos Ana Paula Pereira Amorim __________ [1] Sublinhado no próprio despacho. [2] Relator Ilídio Sacarrão Martins, unânime, dgsi, com o seguinte sumário: Na vigência do DL. 32/03, de 17/2, havendo oposição em processo de injunção respeitante a valor superior à alçada do tribunal da Relação, é admissível a reconvenção". [3] Relator António Piçarra, unânime, dgsi. [4] Relator Fonseca Ramos, unânime, dgsi. [5] E acrescenta (pág. 107): "Em sentido contrário, da inadmissibilidade da reconvenção, poder-se-ia invocar a norma do artigo 274.º, n.º 3 do CPC, que refere que "não é admissível a reconvenção, quando ao pedido do réu corresponder uma forma de processo diferente da que corresponde ao pedido do autor". Na injunção, não existe sequer uma ação judicial, mas apenas um procedimento. Só com a distribuição do processo no tribunal competente é que o procedimento se transmuta em ação declarativa que seguirá a forme de processo comum, se o valor for superior à alçada da Relação. No entanto, a reconvenção é admitida pelo facto de, com a distribuição, passar a haver a forma ordinária, quer para o pedido formulado pelo autor quer para o do réu" [6] Acrescentando: "Assim, deduzida oposição num procedimento de injunção relativo a cobrança de dívidas derivadas de transações comerciais com valor superior ao da alçada da Relação, a competência para a ação declarativa de condenação com processo comum dele transmutada inscreve-se nas varas cíveis ou mistas, se as houver ou noas juízos cíveis, conforme os casos. Nessa hipótese, como o procedimento de injunção se transmuta em ação declarativa sob a forma de processo comum ordinário, após a distribuição, o prazo de contestação, se não tiver havido oposição ao requerimento de injunção, será de 30 dias, nos termos do artigo 486.º do Código de Processo Civil, e é admissível a réplica" (págs. 190, in fine e 191). ___________ Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince. |