Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | PINTO DOS SANTOS | ||
| Descritores: | CONFERÊNCIA DE INTERESSADOS GRAVAÇÃO ANULAÇÃO DE LICITAÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RP2025112620288/19.2T8PRT-G.P1 | ||
| Data do Acordão: | 11/26/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - A conferência de interessados, em processo de inventário, não está sujeita ao regime previsto nos nºs 1 a 6 do art. 155º do CPC, mas sim ao que consta dos seus nºs 7 a 9, não se tratando de diligência que tem de ser obrigatoriamente gravada, mas sim de diligência cujos atos [declarações, requerimentos, promoções e atos decisórios orais que tiverem ocorrido] devem ser documentados na respetiva ata. II - A parte [no caso o cabeça de casal] que invoca a existência de erro na transmissão da declaração [ou de erro na declaração], com vista à anulação da licitação ocorrida na conferência de interessados, deve alegar, para depois provar, a materialidade fáctica essencial/nuclear do erro-vício previsto no art. 250º [ou no art. 247º, para o qual aquele também remete] do CCiv., designadamente que o declaratário conhecia ou não podia ignorar a essencialidade, para ele, declarante, do elemento sobre que incidiu o erro. Não o tendo feito e não sendo tal omissão passível de convite ao aperfeiçoamento, a pretensão daquele tinha que ser desatendida, como foi, não sendo merecedora de censura. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Proc. 20288/19.2T8PRT-G.P1 – 2ª Secção (apelação) Relator: Des. Pinto dos Santos Adjuntos: Des. Rodrigues Pires Des. Maria Eiró * Acordam nesta secção cível do tribunal da Relação do Porto:* I. Relatório: Nestes autos de inventário para partilha dos bens comuns do dissolvido [por divórcio] casal constituído por AA e BB, ambos com os sinais dos autos, realizou-se, em 09.10.2024, a conferência de interessados, na qual, além do mais, foram licitadas as verbas nºs 89 e 90 da relação de bens, que foram arrematadas pela interessada AA pelos valores, respetivamente, de 140.000,00€ e de 280.000,00€. Logo após, o ilustre mandatário do cabeça de casal formulou o seguinte requerimento [que consta da ata daquela diligência]: «- O cabeça de casal no âmbito da presente conferência de interessados e na sequência de licitação iniciada quanto às Verbas nº 89º e 90º, por manifesto erro de análise e enquadramento técnico, confundiu o valor do bem a que corresponde cada uma das descritas verbas pelo qual foi atribuindo sucessivos valores, com o valor de tornas ou compensação a atribuir à requerente. - Dessa forma e, mediante um erro manifesto de interpretação, confundiu a expressão "licitação" com o valor da compensação atribuída a cada uma das verbas. - Esse erro manifesto configura nos termos do Código Civil um erro na transmissão da declaração e correspondente vício de vontade, o qual é anulável. - Nesse contexto, requer a V. Ex.ª que seja considerada anulável a declaração transmitida com as legais consequências, nomeadamente, o início da fase de licitações para cada uma das verbas. - Pede deferimento.». Após resposta do ilustre mandatário da referida interessada, em que concluiu pelo indeferimento do requerido pelo cabeça de casal, a Mma. Juíza que presidia à diligência proferiu o seguinte despacho [também constante da mesma ata]: «A licitação tem a estrutura de uma arrematação, conforme decorre do artigo 1113º do C.P.C., o que significa que o bem é arrematado pelo sujeito que apresenta a última proposta. No caso dos autos, após as propostas apresentadas pela interessada AA, nenhuma outra foi apresentada pelo cabeça de casal. O agora invocado erro enquadra-se no erro da declaração previsto no artº 247º do C.C., sendo certo, que tal erro não está demonstrado, tanto mais se atendermos à circunstância de o cabeça de casal estar devidamente representado por mandatário. Face ao exposto, indefiro o requerido.». O cabeça de casal, inconformado, interpôs recurso de apelação, pugnando, nas conclusões, pela anulação da conferência de interessados, por não ter sido gravada, bem como pela revogação do despacho acabado de transcrever e anulação das licitações efetuadas sobre as verbas 89 e 90, por alegada existência de erro na formação da vontade e transmissão da declaração por parte do cabeça de casal, com a consequente repetição das mesmas, na conferencia de interessados. Após o decurso do prazo de resposta, a Mma. Juíza a quo proferiu despacho de não admissão do recurso acabado de indicar, por considerar que a decisão impugnada só «é recorrível conjuntamente com o recurso da sentença homologatória da partilha (cfr. artigo 1123º/5 do C.P.C.)». Os autos prosseguiram seus termos e, em 15.05.2025, foi proferida sentença homologatória da partilha, com a consequente adjudicação dos bens partilhados aos interessados, em harmonia com o que resulta do referido mapa. Em 28.05.2025, o cabeça de casal interpôs o presente recurso de apelação [com subida imediata, em separado e a que foi fixado efeito devolutivo], cujas alegações culminou com as seguintes conclusões: «I- DA NULIDADE PROCESSUAL POR FALTA DE GRAVAÇÃO VIDEO /AUDIO DA CONFERENCIA DE INTERESSADOS pelo tribunal ‘a quo’: (…) A) A audiência de conferência de interessados com vista a licitações sobre as verbas nº 89 e 90 da relação de bens deveria ter sido GRAVADA; B) Trata-se de um ato solene, pois estão em curso declarações de vontade com vista a uma arrematação das descritas verbas. C) Sem a gravação e sem possibilidade de reprodução e análise das declarações proferidas pelos licitantes é impossível apurar se a vontade real do declarante coincide com a vontade declarada. D) A preterição de tal formalidade processual é insanável. E) A imediata consequência decorrente da falta de gravação da audiência implica a repetição do ato, nomeadamente das licitações efetuadas ‘in casu’ pelo cabeça de casal quanto as verbas nº 89 e 90 da relação de bens. F) Foi solicitada a disponibilização das gravações dentro do prazo legal de 2 dias úteis. G) Foi o apelante informado pelo tribunal ‘a quo’ que a audiência de conferência de interessados não tinha sido gravada e que não precisaria de o ser. H) Não se torna assim possível analisar devidamente o conteúdo das declarações do apelante, I) Devendo tal conferência ser anulada com a consequente repetição da mesma. II. DO DESPACHO/SENTENÇA PROFERIDO PELO TRIBUNAL ‘A QUO’ QUE INDEFERIU O REQUERIMENTO DO CABEÇA DE CASAL DITADO PARA A ATA NA CONFERÊNCIA DE INTERESSADOS QUE CONDICIONOU O MAPA DE PARTILHA REFERENCIA 470511415 homologado em 17.05.2025 com a referência 472095589 (…) A) O cabeça de casal aqui apelante EFETUOU licitação sobre a verba nº 89 e 90º. B) A conferência de interessados foi interrompida com vista a tentativa de acordo entre as partes na resolução do litígio, nomeadamente no que concernia às tornas a efetuar pelo apelante. C) Era intenção absoluta do cabeça de casal aqui apelante a adjudicação a si das referidas verbas 89 e 90. D) Tais verbas constituem acervo fundamental para o prosseguimento da sua atividade comercial que desenvolve através da sociedade A..., Lda a qual tem por base uma loja agrícola. E) Sem tais imoveis (verbas 89 e 90) é impossível a prossecução da sua atividade comercial. F) Era intenção real e séria do cabeça de casal a arrematação de tais verbas, com o consequente pagamento de tornas. G) O raciocínio da parte do cabeça de casal foi o de que estaria a oferecer esse valor á interessada pela aquisição das referidas verbas. H) E sobre o qual teria que dar tornas á interessada. I) Confundiu esse valor de potenciais tornas com o total dos lances licitados com vista á aquisição de cada um dos imoveis em causa. J) Se não se tivesse confundido nunca teria deixado de continuar a licitar. K) Quando lhe foi transmitido pelo meritíssimo Juiz do tribunal ‘a quo’ que as verbas 89 e 90 não lhe seriam adjudicadas, reagiu interpelando verbalmente o meritíssimo juiz do tribunal ‘a quo’ que se tinha confundido e se seria possível reformular a sua intenção e prosseguir com a licitação. L) O tribunal ‘a quo’ recusou a sugestão efetuada pelo cabeça de casal e adjudicou as referidas verbas á interessada por € 420.000,00. M) O apelante só aí se apercebeu que não iria ficar com a propriedade das referidas verbas, impedindo de imediato a prossecução da sua atividade comercial. N) O cabeça de casal nunca expressou a vontade de que as referidas verbas fossem adjudicadas á interessada. O) Com o silêncio, após a licitação efetuada pela interessada o tribunal ‘a quo’ atribuiu as referidas verbas á interessada. P) O cabeça de casal manifestou a sua confusão entre as tornas a pagar e o valor para aquisição das ditas verbas. Q) A sua real intenção era de licitar com vista á aquisição de tais verbas fundamental para a prossecução da sua atividade comercial, sendo tal essencialidade, e importância para o apelante do perfeito conhecimento e consciência pela interessada. R) O silêncio foi considerado como declaração de vontade real do cabeça de casal em não querer para si as referidas verbas. S) Tal silêncio não equivale a declaração de vontade, T) Confundiu tornas com valor de aquisição dos imóveis. U) A vontade real era de aquisição das verbas 89 e 90 e não coincidiu com a vontade considerada pelo tribunal ‘a quo’ como declarada e que considerou como sinal de aceitação da última licitação feita. V) Existiu erro na formação da vontade e transmissão da declaração - artº 247 do código civil - e correspondente vicio de vontade, do qual a declaratária e interessada tinha pleno conhecimento e sabia serem tais imóveis fundamentais para a prossecução da atividade profissional do apelante. X) Declaração essa que é anulável. Z) Devendo tal anulabilidade ser declarada com a consequente repetição das licitações SOBRE AS VERBAS 89 E 90 DA RELAÇÃO DE BENS realizadas na conferência de interessados, com a observância de todas as formalidades legais. AA) Dessa forma o mapa de partilha com a menção de adjudicação á requerida das verbas 89 pelo montante de € 140.000,00 e verba 90 pelo montante de € 280.000,00 homologado com base no referido vício de vontade do recorrente deverá ser anulado. AB) E consequentemente refeito com base na repetição das licitações sobre as verbas nº 89 e 90 da relação de bens a efetuar livres de qualquer vício de vontade AC) O que implica necessariamente a repetição da conferência de interessados. AD) A qual devido á falta de gravação da mesma AE) Acompanhada das declarações do cabeça de casal feridas de vício de vontade tradutor de erro na transmissão da declaração AF) Originou um MAPA DE PARTILHA viciado na sua substância porquanto o ativo nele descrito de € 420,000,00 bem como as operações de partilha subsequentes foram CALCULADAS com base em declarações do cabeça de casal anuláveis, AG) Acompanhadas de uma diminuição da garantia processual que o ato solene de gravação da audiência de interessados visa assegurar ás partes licitantes AH) E que no presente caso não se verificou e que constitui NULIDADE PROCESSUAL. (…) TERMOS EM QUE DEVE O DOUTO DESPACHO/ RECORRIDO SER REVOGADO, SEREM ANULADAS AS LICITAÇÕES EFETUADAS SOBRE AS VERBAS 89 E 90 COM A REPETIÇÃO DAS LICITAÇÕES NA CONFERÊNCIA DE INTERESSADOS E SER PROCEDENTE O RECURSO DA SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA DO MAPA DE PARTILHA, SEGUINDO-SE OS DEMAIS TRÂMITES LEGAIS. DESSA FORMA FARÃO OS VENERANDOS DESEMBARGADORES A HABITUAL JUSTIÇA.». A interessada AA apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso e confirmação da decisão recorrida. * II. Questões a decidir:* Em atenção à delimitação decorrente das conclusões das alegações do recorrente – que fixam o thema decidendum deste recurso [arts. 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 als. a) a c) do CPC], salvo ocorrência de outras de conhecimento oficioso, que aqui não se colocam -, as questões a decidir são as seguintes: i) Nulidade processual por falta de gravação da conferência de interessados; ii) Anulação das licitações que incidiram sobre as verbas nºs 89 e 90, por erro na formação da vontade e transmissão da declaração por parte do recorrente. iii) Anulação do mapa de partilha e revogação da sentença homologatória. * III. Circunstancialismo fáctico a ter em conta:* O circunstancialismo fáctico a ter em consideração é o que consta e decorre do ponto I deste acórdão. * IV. Apreciação jurídica:* i) Nulidade processual por falta de gravação da conferência de interessados. O recorrente começa por arguir uma nulidade processual secundária por considerar que o tribunal a quo omitiu, na realização da conferência de interessados, o ato de gravação da diligência que, no seu entendimento, era obrigatório, pretendendo, por via disso, a anulação de tal conferência e a sua repetição. Adianta-se já que não tem razão no que invoca e pretende. Que está em causa uma eventual nulidade processual não há qualquer dúvida. As nulidades processuais decorrem de “quaisquer desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, a que esta faça corresponder – embora não de modo expresso – uma invalidação mais ou menos extensa dos atos processuais” [cfr. Manuel de Andrade, in «Noções Elementares de Processo Civil», Reimpressão, 1993, Coimbra Editora, pg. 176 e Anselmo de Castro, in «Direito Processual Civil Declaratório», vol. III, 1982, Almedina, pg. 103]. Estas nulidades são de dois tipos: i) nulidades principais, nominadas ou típicas, que se encontram taxativamente previstas nos arts. 186º, 187º, 191º, 193º e 194º do CPC; e ii) nulidades secundárias, inominadas ou atípicas, que estão referenciadas no art. 195º do mesmo corpo de normas [e dispersas por outros preceitos deste Código]. Estas últimas têm na sua base a prática de um ato que a lei não admite, ou a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreve – nº 1 – e só constituem nulidade se a lei o declarar ou quando o vício cometido possa influir no exame ou na decisão da causa, ou seja, quando se repercutam na sua instrução, discussão ou julgamento ou, em processo executivo, na realização da penhora, venda ou pagamento [cfr. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in «Código de Processo Civil Anotado», vol. 1º, 3ª ed., pg. 381 e Paulo Pimenta, in «Processo Civil Declarativo», 3ª ed., Almedina, pg. 278]. Os regimes das nulidades principais e das nulidades secundárias também são diferentes. No primeiro caso, a regra é a da oficiosidade do seu conhecimento – art. 196º do CPC –, podendo algumas delas ser arguidas ou conhecidas em qualquer estado do processo, enquanto não devam considerar-se sanadas, enquanto outras só podem ser arguidas ou conhecidas até determinada fase processual – art. 198º nºs 1 e 2, idem. No segundo, as nulidades não são, por regra, de conhecimento oficioso [a exceção a esta regra consta do nº 2 do art. 199º, que se reporta ao conhecimento oficioso de irregularidades durante a prática do ato a que o juiz presida], tendo que ser invocadas pelo interessado na observância da formalidade ou na repetição ou eliminação do ato, não podendo ser arguidas pela parte que lhes deu causa ou que, expressa ou tacitamente, renunciou à arguição – arts. 196º, parte final, 197º nºs 1 e 2 e 199º, idem [cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, in «Código de Processo Civil Anotado», vol. I, 3ª ed. reimpr., Almedina, pg. 262, anotações 1 a 3 ao art. 196º]. Esta arguição das nulidades secundárias, mediante a competente reclamação [e não por via recursória], deve ter lugar, em princípio, enquanto o ato em que foram cometidas não terminar, nos casos em que a parte estiver presente, por si ou por mandatário [uma exceção a esta regra consta do nº 4 do art. 155º do CPC que permite a arguição da irregularidade aí prevista nos dez dias seguintes à realização da diligência, ainda que o arguente nela tenha estado presente, por si ou por mandatário], ou, quando não estiver presente, nos dez dias seguintes, contados a partir do momento em que, depois de cometida a nulidade, a parte intervier em algum ato praticado no processo ou for notificada para qualquer termo dele, mas, nesta última situação, só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência – arts. 199º nº 1 e 149º nº 1, idem. Feita esta esquemática referência ao regime das nulidades processuais e, particularmente, das nulidades secundárias, vejamos então o caso sub judice, cuja resolução se apresenta simples e, por isso, não demanda grandes lucubrações argumentativas. Isto porque é manifesto que o recorrente não tem razão. E não tem razão, desde logo, porque a conferência de interessados realizada no âmbito de [qualquer] processo de inventário não está sujeita a gravação. Com efeito, à falta de indicação expressa sobre o assunto nos arts. 1082º e segs. do CPC [particularmente, nos que se referem àquela diligência – arts. 1111º a 1117º], que regulam atualmente tal espécie processual, há que ter em conta o que estabelece o art. 155º do mesmo diploma legal, que rege sobre a «gravação da audiência final e documentação dos demais atos presididos pelo juiz». O teor deste preceito é o seguinte: «1 - A audiência final de ações, incidentes e procedimentos cautelares é sempre gravada, devendo apenas ser assinalados na ata o início e o termo de cada depoimento, informação, esclarecimento, requerimento e respetiva resposta, despacho, decisão e alegações orais. 2 - A gravação é efetuada em sistema vídeo ou sonoro, sem prejuízo de outros meios audiovisuais ou de outros processos técnicos semelhantes de que o tribunal possa dispor, devendo todos os intervenientes no ato ser informados da sua realização. 3 - A gravação deve ser disponibilizada às partes, no prazo de dois dias a contar do respetivo ato. 4 - A falta ou deficiência da gravação deve ser invocada, no prazo de 10 dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada. 5 - A secretaria procede à transcrição de requerimentos e respetivas respostas, despachos e decisões que o juiz, oficiosamente ou a requerimento, determine, por despacho irrecorrível. 6 - A transcrição é feita no prazo de cinco dias a contar do respetivo ato; o prazo para arguir qualquer desconformidade da transcrição é de cinco dias a contar da notificação da sua incorporação nos autos. 7 - A realização e o conteúdo dos demais atos processuais presididos pelo juiz são documentados em ata, na qual são recolhidas as declarações, requerimentos, promoções e atos decisórios orais que tiverem ocorrido. 8 - A redação da ata incumbe ao funcionário judicial, sob a direção do juiz. 9 - Em caso de alegada desconformidade entre o teor do que foi ditado e o ocorrido, são feitas consignar as declarações relativas à discrepância, com indicação das retificações a efetuar, após o que o juiz profere, ouvidas as partes presentes, decisão definitiva, sustentando ou modificando a redação inicial.». Este artigo procede a duas divisões de atos processuais presididos pelo juiz: i) os que consistem na audiência final de ações, incidentes e procedimentos cautelares, a que se reportam os nºs 1 a 6; ii) e os demais atos/diligências, a que se referem os nºs 7 a 9. E em função desta divisão, prescreve que as audiência finais são sempre [por isso, obrigatoriamente] gravadas [gravação que é feita nos termos indicados nº 2], ao passo que os demais atos/diligências [também presididos pelo juiz] são apenas documentados em ata [nos termos especificados nos nºs 7, 8 e 9]. Importa, por isso, distinguir os conceitos de «audiência final» e de «demais atos processuais presididos pelo juiz». A audiência final é o ato processual principal e culminante do processo declarativo e dos incidentes e procedimentos de natureza declarativa, em que se produz a totalidade ou a parte essencial da prova oral [depoimentos e/ou declarações de parte, inquirição de testemunhas, audição/esclarecimentos de peritos, etc.] e se discutem as questões de facto [e também de direito – neste caso, nas alegações orais finais], com vista à prolação da sentença final. O que a define para os efeitos daquele art. 155º é o facto de ser o momento processual destinado ao julgamento da matéria de facto, com produção de prova oral, cujo registo é crucial para um eventual recurso da decisão sobre essa mesma matéria de facto. Por isso, a sua gravação é sempre obrigatória. Já os demais atos processuais presididos pelo juiz são todas as outras diligências que ocorrem ao longo do processo, antes ou depois da audiência final, e que não têm como finalidade principal o julgamento da matéria de facto da causa. Aqui se incluem, designadamente, as conferências, as tentativas de conciliação, as diligências que não se destinem a produção de prova [embora para a audiência prévia se admita a possibilidade (mas não a obrigatoriedade) da respetiva gravação – art. 591º nº 4 do CPC] e outros atos de natureza administrativa ou de gestão do processo. Nestes casos, por não estar em questão a produção de prova pessoal com vista ao julgamento de matéria de facto, o legislador bastou-se com a mera documentação da ata, nos termos assinalados nos nºs 7 a 9. Ora, como é bom de ver, a conferência de interessados não se destina à produção de prova, nem ao julgamento de matéria de facto, como facilmente se afere do que dispõem os arts. 1111º a 1117º do CPC, pois os diversos atos/diligências que nela podem ter lugar não têm estrutura nem função que se assemelhe à de uma audiência final em ação declarativa, incidente ou procedimento de natureza declarativa [nela podem ter lugar, designadamente, os seguintes atos/diligências: composição e preenchimento dos quinhões por acordo, deliberação sobre a venda total ou parcial dos bens e distribuição do respetivo produto, deliberação sobre o passivo e forma do seu pagamento, deliberação sobre o cumprimento de legados e outros encargos da herança, realização de licitações entre os interessados, pedido de avaliação de bens, adjudicação de bens]. E, assim sendo, como é, a conferência de interessados não está sujeita ao regime previsto nos nºs 1 a 6 do art. 155º do CPC, mas sim ao que consta dos seus nºs 7 a 9, ou seja, não se trata de diligência que tem de ser obrigatoriamente gravada, mas sim de diligência cujos atos [declarações, requerimentos, promoções e atos decisórios orais que tiverem ocorrido] devem ser documentados em ata [cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, obr. cit., vol. II, 2ª ed., reimpr., 2025, Almedina, anotação 19 ao art. 1111º, pg. 629, que referem que “[t]odas as declarações relevantes devem ser exaradas na ata que for elaborada”]. Deste modo, porque a referida diligência não tinha que ser gravada [contrariamente ao que o recorrente erradamente defende], bastando que se procedesse à documentação em ata nos termos indicados nos referidos nºs 7 a 9 do aludido art. 155º, não incorreu o tribunal a quo na nulidade processual arguida nas conclusões das alegações. Nesta parte, o recurso tem que improceder, sem necessidade de nos pronunciarmos sobre a questão da sanação da nulidade invocada, caso a gravação da conferência de interessados fosse obrigatória. Isto porque, se o fosse e se, por via da sua omissão, tivesse ocorrido a nulidade processual invocada, o ora recorrente devia tê-la arguido, por meio de reclamação dirigida ao juiz do processo [e não através de recurso dirigido ao tribunal superior] – art. 200º nº 3 do CPC –, nos dez dias seguintes à data em que teve conhecimento da não gravação daquela diligência, sendo certo que tal reclamação nunca foi por ela formulada, daí resultando que, decorrido aquele prazo, a mesma se considerasse sanada. * ii) Anulação das licitações que incidiram sobre as verbas nºs 89 e 90, por erro na formação da vontade e transmissão da declaração por parte do recorrente.Na segunda parte das conclusões das alegações, o recorrente, anunciando que recorre do despacho que indeferiu o requerimento que, enquanto cabeça de casal, ditou para a ata da conferência de interessados de 09.10.2024 [requerimento e despacho transcritos na parte inicial do ponto I deste acórdão], pugna pela anulação das licitações que incidiram sobre as verbas nºs 89 e 90 e sua repetição, invocando ter havido um vício na manifestação da sua vontade, no ato da licitação, mais concretamente uma situação de «erro na formação da vontade e transmissão da declaração» que reconduz à previsão do art. 247º do CCiv.. Radica este alegado erro no seguinte circunstancialismo fáctico: que era sua intenção licitar as verbas 89 e 90 e que as mesmas lhe fossem adjudicadas; que tais verbas constituem acervo fundamental para o prosseguimento da sua atividade comercial que desenvolve através da sociedade A..., Lda, a qual tem por base uma loja agrícola; que sem elas é impossível a prossecução da sua atividade comercial; que era real e séria a intenção de arrematar essas verbas com o consequente pagamento de tornas à outra interessada; que a licitação foi, a dado passo, interrompida com vista a tentativa de acordo entre as partes; que, na ausência de acordo, a licitação prosseguiu [a outra interessada tinha sido a última a licitar antes daquela interrupção], mas o recorrente ficou em silêncio, sem licitar, porque pensou que o valor total decorrente das licitações [420.000,00€ (140.000,00€ + 280.000,00€] seriam as tornas a pagar pela interessada a ele próprio; que confundiu esse valor de potenciais tornas com o total dos lances licitados com vista a aquisição de cada um dos imoveis em causa; que caso não se tivesse confundido, nunca teria deixado de continuar a licitar, até porque os referidos imoveis terão um valor comercial, respetivamente, de 150.000,00€ e de 340.000,00€; e que a interessada AA sabia que era sua intenção licitar as referidas verbas e que da essencialidade das mesmas para a prossecução da sua atividade comercial. Vejamos então se assiste razão ao recorrente. Ensina Fernando Amâncio Ferreira [in «Manual dos Recursos em Processo Civil», 8ª ed., Almedina, pgs. 67-68] que, no recurso, “[a]taca-se a decisão judicial por ser errada ou injusta”. É errada quando padece de error in procedendo, ou seja, “quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos atos processuais que integram o procedimento”, ou quando está afetada de error in iudicando, que é como quem diz, “quando viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e à aplicação incorretas da norma reguladora do caso ajuizado”. A decisão é injusta “quando resulta duma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexata dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados”. E conclui depois que, “[n]o nosso sistema processual, os recursos são (…) meios de impugnação destinados à eliminação ou correção das decisões judiciais inválidas, erradas ou injustas por devolução do seu julgamento ao órgão jurisdicional hierarquicamente superior, no caso dos recursos ordinários”. Também António Abrantes Geraldes [in «Recursos em Processo Civil», 7ª ed. atualiz., 2022, Almedina, pg. 30] refere que os recursos ordinários [ou seja, o recurso de apelação] destinam-se “a permitir que o tribunal hierarquicamente superior proceda à reponderação das decisões recorridas, objetivo que se reflete na delimitação das pretensões que lhe podem ser dirigidas e no leque de competências suscetíveis de serem assumidas”, pelo que, por um lado, “as partes e o Tribunal Superior devem partir do pressuposto que a questão já foi objeto de decisão, tratando-se apenas de apreciar a sua manutenção, anulação, alteração ou revogação” e, por outro, “a demanda no Tribunal Superior está, em regra, circunscrita às questões [de facto e de direito] que já foram submetidas ao tribunal de categoria inferior, com exceção da possibilidade de serem suscitadas ou apreciadas questões de conhecimento oficioso”. No caso, o recorrente recorre do despacho que, ditado para a ata da conferência de interessados [de 09.10.2024], decidiu indeferir o erro por ele invocado, considerando que o mesmo se enquadra «no erro da declaração previsto no artº 247º do C.C.» e que «tal erro não está demonstrado, tanto mais se atendermos à circunstância de o cabeça de casal estar devidamente representado por mandatário». No requerimento que determinou a prolação deste despacho, o cabeça de casal e ora recorrente limitou-se a alegar que, relativamente à licitação das verbas nºs 89 e 90, «por manifesto erro de análise e enquadramento técnico, confundiu o valor do bem a que corresponde cada uma das descritas verbas pelo qual foi atribuindo sucessivos valores, com o valor de tornas ou compensação a atribuir à requerente» e que, por via disso, «confundiu a expressão "licitação" com o valor da compensação atribuída a cada uma das verbas”, tendo concluído que «[e]sse erro manifesto configura nos termos do Código Civil um erro na transmissão da declaração e correspondente vício de vontade», que torna «anulável a declaração transmitida com as legais consequências, nomeadamente, o início da fase de licitações para cada uma das verbas». Apresenta-se, assim, evidente que, além de ter omitido a alegação de factualidade essencial para preenchimento das figuras jurídicas previstas nos arts. 247º e 250º do CCiv. – questão que adiante apreciaremos –, o ora recorrente não indicou quaisquer meios de prova com o objetivo de demonstrar a verificação do erro que invocou. Por isso, não foi produzida prova sobre o circunstancialismo fáctico alegado no dito requerimento. Mas, em vez de atacar, no recurso, o facto de o tribunal a quo não o ter convidado, como devia [ao abrigo dos princípios do inquisitório e da cooperação, previstos nos arts. 6º e 7º do CPC], a apresentar os meios de prova omitidos, assenta-o em factualidade que não só não foi dada como provada no despacho recorrido, como nem sequer foi objeto de prova que nele pudesse ser considerada. Radica, assim, a fundamentação do recurso em matéria de facto que não se encontra dada como provada. Se tivesse sido produzida prova na 1ª instância, ainda que incorretamente apreciada/valorada ou mesmo com omissão ou desconsideração de algum(ns) meio(s) de prova oferecido(s), o recorrente poderia impugná-la perante este tribunal de 2ª instância, para que a mesma fosse aqui dada como provada, desde que observasse o que estabelece o art. 640º nºs 1 als. a) a c) e 2 al. a) do CPC, que consagra diversos ónus – uns primários [os das alíneas do nº 1] e outros secundários [o da al. a) do nº 2] – de impugnação da decisão de facto. Como não foi isso que fez – nem podia tê-lo feito, por inexistir matéria de facto provada ou não provada no despacho recorrido e por o requerente não ter arrolado prova quando devia [nem ter atempadamente reagido contra a omissão de convite para apresentação de meios de prova] para que este Tribunal da Relação pudesse agora reapreciá-la –, apresenta-se evidente que a materialidade que relata nas alegações e suas conclusões não pode ser aqui considerada. Este, pois, um primeiro impedimento, de natureza processual, ao [eventual] deferimento da pretensão recursória do recorrente. Mas a improcedência do recurso impõe-se, ainda, por outro motivo, este de natureza substantiva, como passamos a explicar. O ato que o recorrente atacou no requerimento que formulou na ata da conferência de interessados foi a licitação das verbas 89 e 90. O art. 1113º nº 3 do CPC limita-se a referir que «[a] licitação tem a estrutura de uma arrematação, sendo apenas admitidos a licitar os interessados diretos na partilha, salvo nos casos em que, nos termos da lei, também devam ser admitidos os donatários e os legatário». Tal ato consiste “na oferta por cada um dos interessados diretos na partilha (salvo quando nos termos da lei também sejam admitidos a licitar os donatários e legatários), de valores pelos bens, sucessivamente mais elevados, sendo os mesmos adjudicados pelo interessado que apresentar o maior valor pelo referido bem”, assumindo-se “como uma arrematação” em que cada interessado atribui um valor pelo qual pretende que o bem lhe seja adjudicado, “que finda quando não houver nenhum interessado a apresentar valor superior ao anteriormente oferecido” [Carla Câmara, in «O Processo de Inventário Judicial e o Processo de Inventário Notarial», reimpr., 2024, Almedina, 95; idem, Augusto Lopes Cardoso, in «Partilhas Judiciais», 2º vol., 1980, pgs. 234 e segs.]. Por ter a estrutura de uma arrematação, são aplicáveis à licitação, com as necessárias adaptações, as normas do CPC que regulam as causas de invalidade da venda executiva. Estas causas de invalidade da venda executiva constam dos arts. 838º e 839º do CPC. Não obstante aquela remissão geral, é manifesto, como salienta a doutrina e a jurisprudência, que algumas destas causa não são aplicáveis à licitação, como é o caso da invalidade da venda executiva resultante da anulação ou da revogação da sentença que serviu de título executivo ou da procedência da oposição à execução ou da anulação de toda a execução por falta ou nulidade da citação do executado [als. a) e b) nº 1 do art. 839º], bem como a invalidade resultante do facto de a coisa alienada não pertencer ao executado e ter sido reivindicada pelo dono [al. d) do nº 1 do mesmo artigo], na medida em que para a partilha de bens não pertencentes ao património objeto dessa mesma partilha é disponibilizado, pela lei substantiva, um regime específico, consagrado no art. 2123º nºs 1 e 2 do CCiv.. Mas são aplicáveis à licitação as causas de invalidade resultantes da anulação do ato da venda, seja pela prática de um ato que a lei não admita ou pela omissão de um ato ou de uma formalidade imposta pela lei [art. 839º nº 1 al. c) do CPC], bem como todas as causas de invalidade substancial da venda executiva, respeitantes a aspetos relacionados com a vontade de adquirir o bem, contando-se entre estas causas as que estão enunciadas no nº 1 do art. 838º - existência de ónus ou limitações sobre os bens que não tenham sido tomados em consideração no ato da venda e excedam os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria [situações que correspondem a erro sobre o objeto jurídico]; e existência de erro sobre a coisa transmitida [erro sobre o objeto material], por falta de conformidade com o que foi anunciado [cfr. acórdão da Relação de Coimbra de 17.04.2012, proc. 188/2001.C1, disponível in www.dgsi.pt/jtrc; idem, acórdãos da Relação de Guimarães de 09.05.2024, proc. 4851/20.1T8GMR.G1, disponível in www.dgsi.pt/jtrg, da Relação do Porto de 07.05.2015, proc. 1457/10.7TBOAZ-A.P1, disponível in www.dgsi.pt/jtrp e da Relação de Évora de 08.07.2008, proc. 1511/08-2, disponível in www.dgsi.pt/jtre]. Olhando para o que o ora recorrente alegou no requerimento que consta da ata da conferência de interessados, facilmente se constata que não está em questão nenhuma causa de invalidade/anulabilidade que se reconduza à previsão do nº 1 do art. 838º ou da al. c) do nº 1 do art. 839º citados, já que ali não foi invocada a existência de ónus ou limitações sobre as verbas licitadas [verbas 89 e 90] que fossem desconhecidos no momento da licitação, nem a prática de algum ato que a lei não admita ou a omissão de ato ou formalidade imposta pela lei, nem tão-pouco a existência de erro objetivo sobre as mesmas verbas – sendo certo que, neste último caso, face à redação da 2ª parte do nº 1 do art. 838º, se dispensa a alegação e prova de que o declaratário conhecia ou não podia ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro, exigida, por ex., nos arts. 247º, 250º nº 1, 251º e 252º nº 1 do CCiv., já que se basta com a alegação e prova da falta de conformidade da coisa com o que estava anunciado antes daquele ato [além do acórdão da Relação de Coimbra de 17.04.2012, atrás citado, cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, obr. e vol. cit., pgs. 262-263, anotação 1]. Não se pense, contudo, que em função desta constatação está a questão em análise resolvida [no sentido da improcedência do recurso, por inexistência de causa de anulabilidade da licitação]. É que, além das causas de invalidade específicas da venda executiva [devidamente adaptadas, como se disse], também são invocáveis na licitação – tal como na venda executiva –, além de outras, as causas de anulabilidade gerais por divergência entre a vontade real e a vontade declarada, designadamente as previstas nos arts. 247º e 250º do CCiv. – erro na declaração e erro na transmissão da declaração [cfr., quanto à venda executiva, Rui Pinto, in «A Ação Executiva», reimpr., 2023, AAFDL Editora, pg. 919; idem, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, obr. e vol. cit., pg. 263, anotação 3, Fernando Amâncio Ferreira, in «Curso de Processo de Execução», 11ª ed., 2009, Almedina, pgs. 407-415, Augusto Lopes Cardoso, obr. e vol. cit., pgs. 298-302 e Acórdão da Relação de Coimbra de 14.05.2013, também já mencionado]. E nestes casos de erro na declaração ou de erro na transmissão da declaração já vale a regra geral de que quem invoca o erro tem de alegar e provar que o declaratário conhecia ou não podia ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro. Ora, foi um destes erros – mais concretamente o erro na transmissão da declaração – que o aqui recorrente invocou no requerimento que se mostra exarado na ata da conferência de interessados, pelo que, como resulta do que acabámos de afirmar, face ao que estabelece o art. 250º [que remete para o art. 247º] do CCiv., tinha que, desde logo, alegar ali que a interessada AA tinha conhecimento que ele, recorrente, pretendia licitar as referidas verbas e que a adjudicação das mesmas a este último era essencial para que ele pudesse prosseguir a sua atividade comercial. Só que o recorrente, no aludido requerimento, nada alegou a este respeito [só o fez agora, tardiamente, nas alegações e respetivas conclusões do presente recurso], apesar de se tratar de factualidade essencial/nuclear integradora daquele erro-vício [bem como do erro na declaração, do art. 247º]. E tratando-se, como se trata, de matéria de facto essencial/nuclear da causa de pedir em que o recorrente, no dito requerimento, estribou a sua pretensão, não podia o tribunal a quo tê-lo convidado, como não convidou, a aperfeiçoar o requerimento com o aditamento da factologia em falta acabada de mencionar [no sentido de que os factos essenciais/nucleares têm de ser alegados pelo demandante na sua totalidade, sem possibilidade de serem objeto de convite ao aperfeiçoamento por parte do tribunal, decidiu, i. a., o acórdão do STJ de 07.06.2022, proc. 3786/16.7T8BRG.L1.S3, disponível in www.dgsi.pt/jstj]. Significa isto que, não contendo o referido requerimento a alegação de todos os factos essenciais integradores da figura do erro-vício invocado, não podia o pedido nele formulado pelo ora recorrente ser atendido pelo tribunal recorrido. Consequentemente, o despacho de indeferimento/rejeição em crise [exarado na mesma ata] não merece censura ao ter concluído que «tal erro não está demonstrado». Indo, ainda, um pouco mais além, importa dizer que, verdadeiramente, o que o recorrente alega com vista à demonstração do que apelida de erro na transmissão da declaração [o mesmo vale caso o tivesse chamado de erro na declaração] não configura nenhum erro juridicamente relevante, tratando-se apenas [caso tenha efetivamente ocorrido] de mera confusão no seu pensamento que não foi exteriorizada, já que se manteve em silêncio, sem licitar, durante o ato da licitação das mencionadas verbas. E não tendo sido emitida qualquer declaração durante este ato, não podia ter havido erro na declaração nem erro na transmissão da [inexistente] declaração. Apenas terá havido confusão devida a falta de diligência e de adequada preparação da sua parte para o ato de licitação – apesar de nele ter estado acompanhado pelo seu mandatário. No fundo, por se tratar de caso com bastante similitude ao que foi decidido no acórdão da Relação de Coimbra de 07.11.2006 [proc. 986-A/2001.C, disponível no sítio da dgsi já indicado], invocado pela recorrida nas contra-alegações, deixa-se aqui transcrito parte do que nele se exarou, a saber: “(…) a Requerente pede a anulação da licitação da verba n.º 25, alegando que não cobriu o lanço oferecido pelo ex-marido, no valor de € 33.000,00 porque estava convencida que esse valor lhe cabia como quota da dita verba, ou seja metade, pelo que o valor global da verba corresponderia ao dobro. A nosso ver, mesmo que se provasse tal convicção, em nada seria afetada a validade da licitação que regularmente se iniciou pelo valor atribuído na relação de bens (€ 25.000,00), porque inexistiu reclamação sobre esse valor, e findou sem que fosse coberto o lanço mais elevado de € 33.000,00. A posição jurídica do licitante em nada pode ser afetada por essa alegada errónea convicção da Requerente que deveria saber que os lanços reportavam ao valor da verba em licitação, tanto mais que até era acompanhada por Ilustre Mandatária. Qualquer interessado no inventário deve saber que através da licitação se oferece pelo bem um valor superior ao da avaliação a fim de tal bem lhe ser imputado no quinhão. Como não ficaria afetada a validade da licitação, alegando o interessado que não licitou porque estava equivocado sobre o valor do bem que, afinal, era mais elevado. A licitação não corresponde a qualquer negócio entre os interessados no inventário, mas antes a um ato judicial que permite a escolha de bens e a atualização de valores quando não há acordo sobre o preenchimento dos quinhões. Se a Requerente não cobriu o lanço mais elevado, julgando que o valor oferecido pelo licitante correspondia apenas ao valor da sua quota no património comum, e o valor do bem seria, no caso, o dobro, só de si pode queixar-se. Como é de todo irrelevante a alegação de ser do conhecimento do licitante a confusão da Requerente, no ato da licitação, e que ele sabia estar a Requerente na disposição de cobrir o lanço oferecido pelo licitante.”. Em conclusão, por todos os motivos que se deixam expostos, o recurso tem que improceder. Pelo decaimento, as custas do recurso ficam a cargo do recorrente - arts. 527º nºs 1 e 2, 607º nº 6 e 663º nº 2, todos do CPC. * Síntese conclusiva:* ……………………………… ……………………………… ……………………………… * V. Decisão:* Nesta conformidade, os Juízes desta secção cível do tribunal da Relação do Porto acordam em: 1º. Julgar o recurso improcedente, com a consequente confirmação da decisão recorrida. 2º. Condenar o recorrente nas custas devidas pelo decaimento. Porto, 26.11.2025 Pinto dos Santos Rodrigues Pires Maria Eiró |