Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
8977/16.8T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RUI MOREIRA
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
BENFEITORIAS
JUNÇÃO DE DOCUMENTOS COM O RECURSO
Nº do Documento: RP201809118977/16.8T8PRT.P1
Data do Acordão: 09/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 843, FLS 188-201)
Área Temática: ,
Sumário: I – Em sede de recurso, não é admissível o oferecimento de documentos que apenas se justifique pela necessidade de suprir uma insuficiência instrutória anterior, revelada pela própria decisão da primeira instância.
II – Em sede de recurso, tão pouco é admissível o oferecimento de um documento tendente a demonstrar um facto ele próprio ulterior ao encerramento da discussão em primeira instância e que, por isso mesmo, não podia ter sido discutido e apreciado na sentença recorrida.
III – Não pode ser pretendido por qualquer das partes que o tribunal, de per si e sem sujeição a qualquer tipo de contraditório, realize pesquisas na internet para motivar a sua convicção sobre factos controvertidos na causa. Tal actividade instrutória, oficiosa e à revelia das partes, não poderia ser admitida.
IV – Não constituem obras de conservação exigidas pela actividade desenvolvida por um inquilino no imóvel arrendado, como previsto no contrato, aquelas que correspondem à reposição de chapas de cobertura no telhado, caleiras e tubos de queda, para evitar a infiltração de água no local, bem como a reparação das paredes afectadas por infiltrações anteriores. Tais obras constituem benfeitorias necessárias e a responsabilidade pela sua realização, num arrendamento para fins não habitacionais, cabe ao senhorio, se nada for, quanto a elas, disposto em sentido diferente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROC. N.º 8977/16.8T8PRT.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Central Cível do Porto - Juiz 3

REL. N.º 523
Relator: Rui Moreira
Adjuntos: João Diogo Rodrigues
Anabela Tenreiro
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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

1. RELATÓRIO

B... intentou acção declarativa de condenação, sob processo comum, contra C..., SA, com fundamento num contrato de arrendamento entre ambas celebrado e entretanto cessado, pedindo a condenação desta a pagar-lhe as seguintes quantias:
-€60.579,04 e respectivos juros moratórios a contar desde a citação, correspondentes ao custo das obras que teve de realizar no locado, quando este lhe foi restituído;
-€36.000,00 e respectivos juros moratórios a contar desde a citação, a título de indemnização pelo prejuízo constituído pelas rendas que poderia ter recebido pelo arrendamento do locado e não recebeu em virtude da realização das obras acima referidas.
Alegou, para o efeito, ter mantido arrendado um imóvel seu, à ré, até Janeiro de 2014, ocasião em que foi resolvido o contrato e devolvidas as respectivas chaves. Tendo-se deslocado ao locado, em inícios de Fevereiro, afirma ter deparado com o imóvel em estado de abandono, exigindo obras de reparação para poder ser arrendado de novo. Concluiu que a Ré não cuidou do locado, não o conservou durante o arrendamento, não o entregou como o recebera, incumprindo deveres de cautela, diligência e cuidado, pelo que deve ser condenada ao pagamento daquelas quantias.
A Ré contestou, alegando que já havia comunicado que o imóvel estava desocupado e pronto para ser entregue logo em Agosto de 2013, mas que a Autora só em 18 de Dezembro de 2013 a informou de que dava como terminado o arrendamento, com efeitos no final de Dezembro de 2013. Acrescentou que a Autora foi ver o imóvel antes de ocorrer a cessação do contrato, não tendo posto qualquer reserva ou condição e admitindo que o imóvel estava em condições de ser aceite.
Mais alegou que os problemas e necessidades de conservação e manutenção permanente do imóvel são crónicos, que já se registavam antes de a Ré assumir a posição de arrendatária, em 1995, nunca tendo sido atendidos pela Autora, apesar de a arrendatária ter solicitado a realização de obras. Em Dezembro de 2000 e Janeiro de 2001 os problemas agravaram-se em face de um inverno mais rigoroso, do que resultou a destruição parcial do telhado do imóvel, ficando a cobertura parcialmente danificada. Foram, então, de urgência, realizadas obras na cobertura, cujo custo ascendeu a €2.444,30. Posteriormente foram realizadas obras de reparação impostas pela CMP à autora, tendo sido a Ré quem as acabou por pagar, gastando €15.827,00.
Afirmando que tais obras constituem benfeitorias úteis e que a autora as deve pagar, deduziu contra esta um pedido reconvencional, pretendendo a respectiva condenação a pagar-lhe o montante de €18.271,30, sem prejuízo de compensação com qualquer quantia que agora venha a ser condenada a pagar-lhe, se for caso disso.
A Autora respondeu à matéria da reconvenção, alegando que constava do contrato de arrendamento que todas as obras ficavam a cargo da arrendatária, concluindo como na PI, pelo que nenhuma condenação lhe deve ser imposta.
Dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador, no qual foi fixado o objecto do litígio, os factos assentes e os temas de prova, que sofreram reclamação, oportunamente decidida.
Após julgamento foi proferida sentença que julgou parcialmente procedentes a acção e a reconvenção, condenado a Ré a pagar à Autora a importância de €19.505,62; e a autora/reconvinda, a pagar à Ré/Reconvinte a importância de €15.827,00. Declarando a compensação parcial entre os referidos créditos de Autora e Ré, ficou a ré condenada a pagar à Autora a importância de €3.678,62, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até efectivo pagamento.
É desta decisão, que a A. vem interpor recurso, pretendendo a revogação da sentença e a sua substituição por outra que determine a procedência total do seu pedido e a improcedência total do pedido reconvencional da Ré;
A A. terminou o seu recurso formulando as seguintes conclusões, onde condensam os respectivos fundamentos:
1) A douta sentença recorrida deve ser parcialmente revogada, por manifesta desconformidade legal.
2) Com o devido respeito, a sentença do tribunal a quo negou, erradamente, provimento parcial ao pedido apresentado pela ora Recorrente;
3) Tendo ainda considerado como parcialmente procedente o pedido reconvencional da Ré;
4) A douta sentença, e salvo o devido respeito que lhe é devido, fez uma incorrecta apreciação dos factos e da prova carreada e realizada nos Autos, bem como efectuou uma desajustada aplicação do direito;
5) Com base nessa errónea avaliação da matéria factual e de direito, em causa nos Autos, tomou uma decisão errada;
6) Não podendo a Recorrente concordar com tal decisão, motivo pelo qual apresenta o presente Recurso;
7) A Recorrente considera que o seu pedido deveria ter sido julgado totalmente procedente, e o pedido reconvencional totalmente improcedente;
8) Quanto aos pontos concretos da matéria de facto, a Recorrente julga incorrectamente apreciados os seguintes factos, que foram dados como provados e não o deveriam ter sido, a saber:
- 19. Na sequência da entrega das chaves do locado aqui em apreço, a Autora, em inícios de Fevereiro, deslocou-se ao local para se inteirar do seu estado, por forma a colocá-lo novamente para arrendamento;
- 31. Os problemas e necessidades de conservação e manutenção permanente do imóvel são crónicos e já se registavam antes da Ré assumir a posição de arrendatária em virtude da incorporação por fusão da sociedade D..., Lda.;
- 42. O inverno (Dezembro, Janeiro e Fevereiro) 2013-2014 em Portugal Continental foi caracterizado por valores médios da quantidade de precipitação muito superiores ao normal;
- 43. O valor médio da quantidade de precipitação no trimestre Dezembro-Fevereiro no Continente, 505.3mm, foi cerca de uma vez e meia superior ao valor normal, classificando-se este inverno como muito chuvoso. Valores superiores aos registados no inverno 2013/14 ocorreram apenas em cerca de 20 % dos anos.
9) Bem como não se conforma por não ter sido dada como provada a seguinte:
- 2. A Ré deixou o locado ao abandono;
- 3. Considerando a região, a dimensão e a localização do locado, o mesmo poderá facilmente (e nunca por valor inferior) ser arrendado pelo valor de 3.000,00 € (três mil euros mensais);
10) Apenas se entendendo a decisão sub juditio na medida em que tenha ocorrido erro na apreciação da prova carreada para os Autos; Vejamos,
11) A Autora realizou em 1989 um contrato de arrendamento;
12) Da qual a Ré se tornou arrendatária por vários trespasses ocorridos;
13) Após um atraso na renda, a Autora interpelou a Ré disso em 19/07/2013;
14) Em resposta, em 02/08/2013, a Ré informou que já não exercia actividade no locado há mais de ano e que o mesmo estava desocupado;
15) Nada mais entretanto a Ré disse ou fez;
16) Até que, em Dezembro, após decurso do prazo de aviso prévio, a Autora reencaminhou email à Ré, através do qual a advertia disso mesmo e requeria a entrega das chaves;
17) Da prova realizada nos Autos resultou que as chaves do locado foram entregues em Dezembro;
18) Tendo a Autora nos dias seguintes se deslocado ao imóvel, a fim de verificar o seu estado;
19) Ela e as demais testemunhas todas fizeram, de forma mais ou menos concreta, referência a uma deslocação ao imóvel em Janeiro de 2014;
20) O que foi desconsiderado pelo Tribunal a quo na medida em que as Testemunhas não tinham motivo para saber a data, e pelo facto da Autora na Petição Inicial ter dito que se deslocou ao imóvel em inícios de Fevereiro;
21) Mas não há-de olvidar também o Insigne Tribunal a quo que, na Petição Inicial, a Autora também fez referência ao fim do contrato de arrendamento em Dezembro e à entrega das chaves em Janeiro;
22) E que, foi confrontada com um documento junto à contestação, referente a e-mail da empresa que fazia a gestão desses assuntos, acima referido em 16), e que dele retirou portanto que a entrega tenha ocorrido pois em Dezembro;
23) Mas isso não retira efeito ao anteriormente dito, pois a sequência dos factos é a mesma: a Autora, independente de datas concretas, foi ao locado dias depois da entrega das chaves;
24) Nunca depois de decorridos mais de 15 dias, máximo dos máximos, como livre e coerentemente depôs;
25) Tendo a Autora ficado manifestamente incomodada com a conduta que lhe foi atribuída pelo Tribunal de Instância Inferior;
26) Atribuindo-lhe parte da culpa pelos danos ocorridos no imóvel;
27) Ora, a Autora, como séria e diligente que é, não pode conformar-se jamais com isso;
28) A Autora, recebidas as chaves, pediu que fossem com ela ao imóvel e verificou o seu estado;
29) Se é certo que nada fez após saber que o imóvel estava desocupado e sem actividade, certo é que a Ré também não tomou qualquer atitude;
30) Aliás, foi a Autora que insistiu na entrega após o decurso do aviso prévio;
31) Até aí, a Ré manteve-se no imóvel a pagar a renda;
32) Mas mesmo que a Autora tivesse demorado mais de um mês a deslocar-se ao locado, o estado em que o mesmo estava não poderia ter ocorrido nesse espaço de tempo, como demonstraram testemunhas e fotografias;
33) Mais, como bem disseram naquele local nada se passava há muito tempo;
34) O locado estava abandonado;
35) E nem que o Inverno tivesse sido extremamente severo, como pretendia a Ré, o imóvel teria ficado naquele estado;
36) Os danos são antigos e a Ré não terá procedido à realização de obras, como era da sua obrigação por contrato, o que culminou no estado final do mesmo;
37) A Ré manteve no imóvel por mais de 10 anos, porquanto sabia das suas condições e sabia dos termos do contrato celebrado;
38) E, por esta via, as alegadas benfeitorias realizadas pela Ré no imóvel não podem ser reclamadas pela Ré, 1.º por serem da sua responsabilidade todas as obras de conservação (interiores e exteriores) e 2.º porque as benfeitorias não removíveis são parte integrante do imóvel, sem lugar a indemnização pelas mesmas – vide clausulas 7.ª e 8.ª do contrato de arrendamento;
39) Pelo que deveria ter improcedido a reconvenção aduzida pela ré, não havendo lugar a qualquer compensação;
40) Por fim, o Tribunal a quo negou ainda parcialmente o pedido da Autora quanto a indemnização pela privação do uso do imóvel durante as obras que decorreram em oito meses;
41) Tendo a Autora requerido uma compensação calculada atendendo ao valor da renda actual e ao período das obras;
42) Requerendo assim 3.000,00 €
43) Todavia, a Autora referiu que estava a pedir pelo locado 2.950,00 €, e que os anúncios estavam em imobiliárias e também a título pessoal;
44) Todavia, por lapso, a filha da Autora, testemunha nos Autos referiu que o valor seriam 1.950,00 €;
45) Pelo que, foi atendido pelo Tribunal o valor das rendas que eram pagas pela Ré, cerca de 1.100,00 €, obviamente desactualizada atenta a antiguidade do contrato;
46) Todavia, o Tribunal tinha forma de confirmar o valor, bastando uma simples pesquisa na internet, sendo tal facto do conhecimento do conhecimento público;
47) Mas, além disso, a Autora já celebrou entretanto contrato de arrendamento, que agora a Autora requer a junção aos Autos, nos termos do disposto no artigo 651.º e 425.º do CPC, a fim de comprovar o valor actual da renda;
48) Sem prejuízo requer ainda a junção aos Autos dos anúncios que ainda constam da internet, não obstante o imóvel já não se encontrar disponível para arrendamento;
49) Termos em que, deve ser revogada a sentença nas partes acima melhor identificadas;
50) E, em consequência, seja a sentença substituída por uma outra que determine a procedência total do pedido da Recorrente e a improcedência total do pedido reconvencional da Ré;
51) Dando-se pois como procedente o presente Recurso;
52) Atento que é apodíctico é que a sentença recorrida violou, entre outros, os seguintes preceitos legais: 341.º e ss do Código Civil e 607.º n.º 4 do CPC, pelo que deve ser reformulada, o que se requer.
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A R. respondeu a tal recurso, pronunciando-se pela respectiva improcedência
O recurso foi admitido, como de apelação, com subida nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Foi depois recebido nesta Relação, considerando-se devidamente admitido, no efeito legalmente previsto.
Antes de se passar à apreciação do objecto da apelação, importa decidir do oferecimento dos documentos juntos pela A. ao seu articulado recursivo.
Os documentos em questão são constituídos por um exemplar de um contrato de arrendamento do imóvel a que os autos se referem, aparentemente celebrado pela autora em 5 de Março de 2018 (documento nº 1), bem como impressões de anúncios de tal negócio, publicados na internet (documentos 2, 3 e 4). Com a respectiva junção, requerida à luz do disposto nos arts. 425º e 651º do CPC, pretende a apelante a demonstração do valor locativo do imóvel, que afirma ser superior àquele que o tribunal recorrido deu por provado.
A ré, apelada, pronunciou-se pela inadmissibilidade da junção de tais documentos nesta fase, desde logo por não ter sido justificada a sua apresentação tardia.
Sobre esta matéria, dispõe o art. 651º do CPC no seu nº 1: “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.”
Por sua vez, aquele art. 425º dispõe: “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.”
Na interpretação deste regime deve atentar-se em que a necessidade da junção de um documento que pode derivar do julgamento em primeira instância não corresponde à necessidade de suprir uma insuficiência instrutória anterior, revelada pela própria decisão da primeira instância.
Pelo contrário, identificar-se-á uma tal necessidade quando o tribunal, oficiosamente, lance mão de um facto novo cognoscível, mas em desrespeito para com o princípio do contraditório.
De igual forma, não pode considerar-se documento cuja junção tenha sido impossível até ao encerramento da discussão aquele que é formado posteriormente e demonstre um facto não alegado e, ele próprio, de ocorrência posterior, como explica Lebre de Freitas (CPC Anot, vol II, 3ª ed, pg. 243), citando ac. do STJ de 13/1/2005.
Em qualquer caso, sempre carece o apresentante de justificar a necessidade ou a impossibilidade da junção do documento que pretende oferecer, incluindo quanto á sua superveniência.
No caso em apreço, os documentos oferecidos dividem-se em dois grupos: o primeiro corresponde ao contrato de arrendamento que a autora alegadamente celebrou em data ulterior à do encerramento da discussão em primeira instância; o segundo é constituído por um grupo de anúncios do imóvel para arrendar.
No tocante á justificação para o oferecimento de quaisquer desses documentos nesta fase, nenhuma explicação é proposta, nem quanto à respectiva necessidade – que, como se disse, jamais poderia coincidir com o insucesso da actividade instrutória anterior – nem quanto á impossibilidade da sua junção em momento anterior.
Quanto a esta impossibilidade, no que respeita aos referidos anúncios, nada justifica – nem a autora o alega – que só depois do julgamento venha oferecê-los como prova, quando o podia ter feito anteriormente, designadamente quando o facto a cuja demonstração se destinam, estava a ser discutido entre as partes, perante o tribunal recorrido.
No que respeita ao contrato de arrendamento, a sua superveniência em relação à data do encerramento da discussão da causa em 1ª instância torna óbvio que não poderia ter sido junto antes. No entanto, certo é que o próprio facto que pretende demonstrar, sendo instrumental em relação à questão em discussão – o valor locativo do imóvel – é ele próprio ulterior àquele momento.
O valor de renda alegadamente contratado pela autora com um hipotético inquilino, em Março de 2018, não foi – como não podia ser – utilizado pelo tribunal para vir a decidir sobre o valor locativo do imóvel no momento passado, em que tal discussão foi estabelecida entre as partes. Daí que nem a autora, no seu requerimento, tenha descortinado uma possível fundamentação jurídica para assentar o juízo de necessidade de produção de tal meio de prova, apenas nesta fase.
Por outro lado, à inadmissibilidade da produção de tal meio de prova, sempre acresceria a sua irrelevância probatória. Consistindo o referido contrato um documento particular, perante a respectiva impugnação pela ré, as declarações dele constantes só poderiam servir de prova contra os respectivos subscritores, na medida em que fossem contrárias aos seus interesses (cfr. arts. 363º e 372º do C. Civil). Tal utilidade sempre seria, pois, alheia ao caso dos autos. Daí que dificilmente se compreenda esta iniciativa instrutória da apelante, pressupondo o reconhecimento de qualquer valor probatório a um documento puramente particular, desacompanhado de qualquer outro meio de prova tendente a sustentar a sua credibilidade, produzido em momento ulterior ao do encerramento da discussão da causa, à revelia da parte contrária, para a demonstração de um facto que só a esta seria desfavorável.
Pelo exposto, em face do regime legal citado, não pode admitir-se a junção, a estes autos, nesta fase de recurso, dos documentos agora oferecidos.
Rejeita-se, pois, o oferecimento de tais documentos como prova, nesta instância de recurso.
Custas do incidente pela apelante, com 1,5 Uc de taxa de justiça.
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Importa, agora, passar à apreciação das demais questões colocadas pela apelante.

2- FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso.
Identificam-se, no caso, as seguintes questões a resolver:
1 – se deve ser admitido o recurso da decisão sobre a matéria de facto;
2 – em caso de resposta positiva, se deve ou devem ser alterados alguns segmentos dessa parte da sentença, dando-se por não provados os factos ajuizados positivamente sob os itens 19, 31, 42 e 43; dando-se por provados os factos ajuizados negativamente sob os itens 2 e 3;
3 – se, em função da alteração da matéria de facto a considerar, se pode concluir que o locado foi deixado ao abandono, o que potenciou danos no mesmo, bem como ser maior o seu valor locativo, alterando-se a decisão em consonância com isso.
4 – se o contrato impunha à ré o pagamento de quaisquer obras, sem direito a qualquer compensação.
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A apreciação do objecto do recurso importa que se considerem os elementos factuais tidos por provados pelo tribunal a quo. Esses factos são os seguintes:
1. A Autora é proprietária de um prédio urbano, correspondente a armazém, sito na Rua ..., n.º .../..., ....-... ... - Porto;
2. Prédio esse descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto, sob o número 1803 e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo número 3302 da União das Freguesias ... (com origem no artigo 3019 da extinta freguesia ... (Docs. juntos a fls. 19 a 21, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
3. Por contrato de arrendamento celebrado, iniciado na data de 01-09-1986, a Autora arrendou o prédio acima melhor identificado;
4. Desse contrato era arrendatária a empresa E..., Lda;
5. Tendo sido celebrado entre a Autora e a sociedade F..., Lda, pessoa colectiva nº ........., sediada na Rua ..., nº ..., ....-... ..., Porto, contrato de arrendamento com data de 26/1/1989 (Doc. junto a fls. 146 a 153, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
6. Por escritura datada de 11 de Outubro de 1989, celebrada no 5.º Cartório Notarial do Porto, foi efectuado trespasse do estabelecimento comercial entre a empresa F..., LDA e a D..., LDA, pessoa colectiva n.º ........., com sede na Rua ..., .../..., Porto (Doc. junto a fls. 22 a 26, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
7. Desse trespasse, resultou a transmissão do contrato de arrendamento acima referido, tendo passado a figurar na qualidade de arrendatária a empresa D..., LDA, a qual realizou a comunicação prevista no artigo 1038.º alínea g) do CC, na data de 18 de Outubro de 1989 (Doc. junto a fls. 27, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
8. Por escritura na datada de 28 de Setembro de 2001, a sociedade arrendatária D..., LDA, entre outras, foi alvo de incorporação, por fusão, na sociedade C..., SA, aqui Ré (Doc. junto a fls. 28 a 37, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
9. Dessa fusão resultou a transferência global dos patrimónios das sociedades incorporadas, tendo sido extintas as sociedades incorporadas;
10. Por esse motivo passou a sociedade C..., SA a ser a nova a arrendatária do locado em questão, a qual passou pois a emitir anualmente as respectivas declarações de rendimentos (categoria F), nos termos fiscais, atestando qual o valor dos rendimentos auferidos pela Autora e as importâncias de imposto retidas;
11. Após um atraso no pagamento das rendas, a sociedade G..., Lda, em representação da Autora, por carta registada com aviso de recepção, datada de 19/07/2013, interpelou a Ré para proceder ao pagamento da renda vencida, acrescida da penalidade de 50 % (Doc. junto a fls. 92, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
12. Em jeito de resposta, por carta datada de 02 de Agosto de 2013, veio a Ré solicitar o perdão da penalidade dos 50 %, e informar que pagou a renda vencida, acrescentando que o imóvel se encontrava desocupado, não estando a ser desenvolvida nele qualquer actividade desde há sensivelmente um ano atrás e que transmitissem à Autora o pedido de cessação do arrendamento por mútuo acordo, procedendo a Ré à entrega das respectivas chaves e disponibilização imediata do local à senhoria livre de pessoas e bens. (Doc. junto a fls. 38, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
13. Através de email enviado à Ré em 18 de Dezembro de 2013, aquela mesma sociedade G..., Lda, informou a Ré que “ na sequência da v/ carta de 2 de Agosto de 2013, onde manifestam a intenção de cessar o contrato de arrendamento, e uma vez cumprido o período de pré-aviso, vimos informar que deverão entregar as chaves do referido armazém nos n/ escritórios. Agradecemos ainda nos informem por esta via ou telefonicamente a data em que o vão fazer.”(Doc. junto a fls. 93, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
14. A Autora, em 2002/12/04 foi notificada pela CMP para realização de obras de reparação no referido imóvel, conforme doc. de fls. 113, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
15. A Autora enviou à Ré a carta de 7 de Janeiro de 2003 referente a obras urgentes no locado, conforme doc. de fls. 153 a 156, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
16. A Ré enviou à Autora a carta de 20 de Fevereiro de 2003 em que lhe comunica que irá proceder à realização das obras em causa, conforme doc. de fls. 114, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
17. A Autora enviou à CMP a comunicação junta a fls. 157, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
18. A Ré procedeu à entrega das chaves do imóvel nos finais de Dezembro de 2013;
19. Na sequência da entrega das chaves do locado aqui em apreço, a Autora, em inícios de Fevereiro, deslocou-se ao local para se inteirar do seu estado, por forma a colocá-lo novamente para arrendamento;
20. Deparou-se com as chapas do telhado parcialmente arrancadas, as paredes e muros parcialmente destruídos, o locado repleto de lixo (incluindo materiais tóxicos e altamente inflamáveis), as fechaduras arrancadas, as portas retiradas, os vidros das janelas partidos, infiltrações, danos na instalação eléctrica, na canalização, remoção de tudo o que era metal e cobre, nomeadamente candeeiros, corrimões e grades, manchas de óleo, louças sanitárias destruídas;
21. A Ré deixou de exercer qualquer tipo de actividade no locado, tendo-o deixado com, as chapas do telhado parcialmente arrancadas, infiltrações, paredes por pintar e com bastante lixo;
22. A Autora deparou-se com vestígios de que marginais, sem-abrigo e toxicodependentes, usavam as instalações para passar as horas livres e/ou pernoitar;
23. A Autora viu-se obrigada a efectuar obras de reparação do locado, por forma a voltar a arrendá-lo, uma vez que, no estado em que se encontrava, jamais iria encontrar qualquer interessado que fosse, por mais baixa que a renda ficasse;
24. As obras tiveram de ser efectuadas pela Autora a suas expensas;
25. Por conta das obras realizadas, a Autora já despendeu a quantia de 60.579,04 € (sessenta mil, quinhentos e setenta e nove euros e quatro cêntimos;
26. Após as obras levadas a cabo, a saber: limpeza do armazém, paredes, esgotos e canalização; instalação eléctrica, de águas, de esgotos; colocação de louças sanitárias, iluminação, portas e janelas; reparação do telhado e portões, pintura exterior e interior, etc, o locado ficou novamente apto para arrendamento;
27. Por conta das obras realizadas, a Autora viu-se impedida de arrendar o locado;
28. As obras que foram efectuadas demoraram cerca de 8 meses a ser concluídas;
29. Não obstante ter sido informada expressamente, através dos seus representantes, de que o imóvel estava desocupado e pronto para ser entregue logo em Agosto de 2013, a Autora apenas respondeu à Ré, no dia 18 de Dezembro de 2013, através de e-mail enviado à Ré, por aquela mesma sociedade G..., Lda., em que informou que dava como terminado o arrendamento e que a entrega das chaves deveria ser feita nas instalações daquela empresa;
30. A Ré manteve sempre os portões de acesso ao imóvel fechados;
31. Os problemas e necessidades de conservação e manutenção permanente do imóvel são crónicos e já se registavam antes da Ré assumir a posição de arrendatária em virtude da incorporação por fusão da sociedade D..., Lda.;
32. D..., Lda., efectuou pedido de vistoria que dirigiu à Câmara Municipal do Porto (doravante, “CMP”), a 21 de Março de 2000, invocando que se registavam “infiltrações através das coberturas, cujo revestimento se encontra corroído através dos algerozes que estão igualmente corroídos, inclusive os tubos de queda não se encontram em condições de conduzir as águas”;
33. Neste requerimento, a D..., Lda. alegou que “Estas infiltrações para além de impedirem o normal funcionamento da nossa actividade, contribuem para a degradação acelerada dos nossos equipamentos, não deixa conferir conforto e qualidade à prestação de serviços aos nossos clientes e constitui um perigo permanente de incêndio através de curto circuito nas instalações eléctricas”;
34. Como não obteve resposta da CMP, mas os problemas se mantiveram, a D..., Lda. insistiu por requerimento apresentado na CMP em 20 de agosto de 2000, no qual, às razões já adiantadas no anterior requerimento, alegando que havia “risco iminente de desabamentos do telhado e deflagração de incêndios derivados de curtos-circuitos resultantes das infiltrações”;
35. Entre Dezembro de 2000 e Janeiro de 2001, os problemas acima descritos agravaram-se em face de um Inverno mais rigoroso, tendo ficado a cobertura parcialmente destelhada;
36. Desta circunstância deu conta a C..., Lda. à Autora e à CMP, através de requerimento que deu entrada na CMP a 3 de Janeiro de 2001, onde além do mais, aquela sociedade informou que “dada a recusa da proprietária das referidas instalações na realização das obras necessárias, outra solução não se vislumbra que não a imediata realização por esta sociedade das obras necessárias à reparação do referido telhado, em manifesto estado de necessidade”;
37. No dia 13 de Fevereiro de 2001, a CMP realizou a requerida vistoria, documentada num auto notificado à D..., Lda. a 4 de Dezembro de 2012, na qual verificaram os peritos indicados pela CMP que o imóvel oferecia perigo para “trabalhadores e terceiros, dadas as infiltrações existentes no espaço em causa”, necessitando de obras de reparação, nomeadamente, “substituição da cobertura em chapas zincadas, bem como os calões e tubos de queda” e “reparação das paredes afectadas pelas infiltrações incluindo respectivas pinturas”;
38. Na sequência de despacho proferido no dia 12 de Novembro de 2001, a Autora foi notificada para dar início à execução das obras impostas pelos Senhores Peritos ─ cfr. notificação da CMP dirigida à autora no dia 4 de Dezembro de 2002;
39. Tais obras foram, logo em Fevereiro de 2003, assumidas pela Ré (que entretanto havia sucedido na posição de arrendatária) que as realizou a suas expensas, dando nota à Autora do seu início e conclusão;
40. Tais obras foram realizadas pela sociedade H... que cobrou à Autora € 13.300 + IVA (19%), ou seja, um total de € 15.827,00;
41. A Autora está há muito tempo ciente de que o imóvel necessita de manutenção recorrente ao nível da cobertura e pinturas da parede, que a Ré efetuou mais do que uma vez, sempre a expensas suas;
42. O inverno (Dezembro, Janeiro e Fevereiro) 2013-2014 em Portugal Continental foi caracterizado por valores médios da quantidade de precipitação muito superiores ao normal;
43. O valor médio da quantidade de precipitação no trimestre Dezembro/Fevereiro no Continente, 505.3mm, foi cerca de uma vez e meia superior ao valor normal, classificando-se este inverno como muito chuvoso. Valores superiores aos registados no inverno 2013/14 ocorreram apenas em cerca de 20 % dos anos.
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Factos considerados não provados:
1. Tendo sido resolvido o contrato em Janeiro de 2014, data até à qual a Ré se manteve arrendatária daquele locado, com entrega das respectivas chaves do imóvel;
2. (A Ré deixou o locado ao abandono) – matéria excluída deste segmento da sentença, como infra decidido.
3. Considerando a região, a dimensão e a localização do locado, o mesmo poderá facilmente (e nunca por valor inferior) ser arrendado pelo valor de 3.000,00 € (três mil euros mensais);
4. As obras que foram efectuadas demoraram cerca de um ano a ser concluídas;
5. A Ré manteve os portões de acesso ao imóvel fechados com um cadeado;
6. Os problemas ao nível da cobertura do imóvel (telhado principal) e as necessidades de pintura geral, interior e exterior do imóvel, terão sido detetados pela primeira vez já em 1995, nunca adequadamente atendidos pela Autora, apesar da então arrendatária ter chamado a atenção da Autora para os mesmos, solicitando a realização de obras no imóvel;
7. Entre Dezembro de 2000 e Janeiro de 2001, os problemas acima descritos agravaram-se em particular devido a uma forte tempestade que se verificou na cidade do Porto e que resultou em destruição parcial do telhado do imóvel;
8. Tendo em conta a urgência daquela situação, a D..., Lda. realizou obras na cobertura do imóvel, para reposição de telhas e caleiras, pelas quais pagou à empresa H... um montante de € 2.444,30 (já com IVA incluído);
9. Quando a Ré tomou posse do imóvel, o mesmo encontrava-se num estado de degradação que obrigou a reparações urgentes, efetuadas a expensas da Ré com o conhecimento da Autora;
10. A Ré suportou ainda os custos com diversas outras obras nas instalações, como, por exemplo, a colocação, conservação e substituição dos sanitários, instalação elétrica, pinturas anuais das paredes interiores, entre outras;*
Pretendo a A., ora apelante, impugnar a decisão sobre a matéria de facto, impõe-se-lhe o cumprimento do regime processual específico para esse efeito: nos termos dos nºs 1 e 2 do art. 640º do CPC, deve especificar os concretos pontos de facto em relação aos quais pretende ver alterada a decisão, bem como a decisão alternativa que propõe; mais deve individualizar os meios de prova a reanalisar e, estando eles gravados, não podem deixar de especificar os segmentos do discurso em que se baseiam. Por outro lado, tal matéria, maxime no que respeita à especificação da factualidade impugnada, deve ser levada às conclusões do recurso, pois apesar de ser descrita ao longo das alegações, sendo abandonada em sede das conclusões do recurso, poderá induzir a conclusão por uma restrição tácita do objecto inicial do recurso. É o que resulta do nº 4 do art. 635º do CPC.
A apelante satisfaz perfeitamente tais requisitos processuais, enunciando com clareza a sua pretensão de inversão do juízo probatório quanto aos factos descritos sob os itens 19, 31, 42 e 43 dos factos provados e sob os itens 2 e 3 dos não provados.
Por outro lado, aponta os meios de prova a considerar (o que se afirma sem prejuízo da rejeição supra decretada quanto ao oferecimento de documentos novos com o recurso), designadamente as suas próprias declarações de parte, o depoimento de parte do legal representante da ré, os depoimentos testemunhais de I..., J..., K..., concretizando os passos dos respectivos discursos em que cumpre atentar.
Deve, por isso, apreciar-se o recurso também nessa parte.
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A primeira crítica da apelante à decisão sobre a matéria de facto dirige-se à matéria do item 19º, onde se deu por provado que a autora, após o termo do contrato, foi verificar o estado do imóvel anteriormente arrendado à ré, em “inícios de Fevereiro”. Pretende que se dê por provado que fez tal visita em inícios de Janeiro ou, em alternativa, até um máximo de quinze dias depois da data de entrega das chaves, o que ocorreu incontestadamente em finais de Dezembro (cfr. item 18º).
Acontece que foi a própria autora que, expressamente, alegou na p.i. que foi em inícios de Fevereiro que se deslocou ao imóvel – art. 15º da p.i – o que logo estabelece uma data de referência. Para além disso, e mesmo atentando em que essa alegação não deixava de enunciar imprecisamente que a primeira visita ocorreu dias depois do recebimento das chaves, após o termo do contrato, certo é que a autora, nas suas próprias declarações de parte, não foi minimamente esclarecedora sobre a data em que terá ido verificar o estado do imóvel. Ora diz que foi nos primeiros dias de Janeiro, ora diz que foi não imediatamente, mas dias depois do recebimento das chaves, dizendo que tais dias foram, quatro, cinco, oito, ou dez, ou quinze, no máximo. Por sua vez, sobre a questão, o depoimento de L..., empreiteiro que faz obras para a autora, não foi minimamente convincente, não demonstrando um conhecimento preciso ou fiável sobre tal data, o mesmo acontecendo com o depoimento da filha da autora, I.... Esta também afirma que a primeira visita da autora ao local ocorreu em Janeiro, mas, não sabendo a respectiva data, apenas afirma que foi lá num momento seguinte, na primeira, ou na segunda, ou na terceira semana de Janeiro. Foi fazer esta visita a pedido da sua mãe, para fotografar o estado do imóvel. Tal depoimento é absolutamente impreciso, desprovido de um mínimo de segurança sobre o momento em que isso se passou, admitindo com alguma displicência que isso possa ter acontecida em qualquer das referidas semanas.
Neste quadro, e admitindo-se que a idade da autora torna compreensível a sua falta de recordação precisa sobre a data em questão certo é que nenhum meio de prova permite sustentar, com um grau de segurança mínimo, a convicção do tribunal quanto a que tal visita possa ter ocorrido num momento anterior ao alegado pela própria autora, na p.i.
Por isso mesmo, não é passível de crítica o juízo do tribunal recorrido, que, pelo menos, deu por provada a alegação da própria autora, quanto a tal matéria.
Improcede, por isso, nesta parte, a apelação.
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De seguida, a autora insurge-se contra a decisão de comprovação do facto descrito sob o item 31º, no qual releva o seguinte excerto. “Os problemas e necessidades de conservação e manutenção permanente do imóvel são crónicos e já se registavam antes da Ré assumir a posição de arrendatária (…)”.
O tribunal recorrido sustentou a sua convicção, sobre tal facto, na análise dos documentos juntos a fls. 94 a 97, em conjugação com “o depoimento das testemunhas M... e N..., que foram funcionários da Ré e que relataram de forma consistente e que se afigurou isenta, os problemas recorrentes do imóvel designadamente ao nível da cobertura e as obras de reparação que foram sendo assumidas pela Ré e pela antecessora, tendo a primeira das mencionadas testemunhas, confirmado ser dele a assinatura aposta no documento de fls. 97, um dos quais onde são relatados problemas com o telhado.”
Daqueles documentos resulta que, ao longo do ano 2000, o estado da cobertura do edifício motivou pedidos de intervenção do inquilino, à Câmara Municipal, em face de uma ali afirmada recusa da senhoria em executar obras necessárias para evitar entrada de água. Em Janeiro de 2001, face ao agravamento da situação, o inquilino anunciou que ele próprio iria fazer as obras necessárias.
Por sua vez, M..., antigo funcionário da ré, depois de salientar a necessidade de o espaço de actividade de um concessionário do comércio de automóveis se apresentar em boas condições e com boa apresentação, referiu que houve sucessivos problemas com o telhado que, sendo de chapa, exigia sucessivas reparações, até porque o local é particularmente exposto a ventos que ali se desenvolvem em fortes correntes. Por isso, as chapas ora levantavam, ora permitiam infiltrações, exigindo recorrentes intervenções cuja realização a senhoria nunca assumia. Especificou uma concreta intervenção, em finais dos anos 90 ou 2000, que implicou substituição de tais chapas.
N..., igualmente ex funcionário da ré, também descreveu os diversos problemas que o imóvel ia apresentando na cobertura, sucessivos a temporais. Além de referir uma situação grave, de levantamento de chapas do telhado, narrou a ocorrência de diversas outras em que o telhado permitia infiltrações.
Tais depoimentos foram completamente desinteressados e isentos e revelam que os problemas de infiltrações e as necessidades de intervenção e correcção de anomalias no telhado, claramente conexas com a vulnerabilidade própria da correspondente solução construtiva (chapas de metal num edifício com uma dimensão como o que está em causa), não foram episódicos, mas sim recorrentes. De resto, a apelante afirma a sua convicção de sinal contrário, mas nem sequer exclui a valia desses meios de prova ou aponta outros que sustentem uma conclusão diversa.
Por tais fundamentos, conclui-se pela ausência de justificação para alterar o segmento da decisão em questão.
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De seguida, a autora insurge-se contra a enunciação, como provada, da factualidade descrita nos itens 42 e 43, que se refere às condições meteorológicas verificadas no Inverno de 2013 e 2014, designadamente no respeitante aos valores médios de precipitação, que se reconheceram como superiores, em 50%, aos que seriam normais.
O tribunal deu tal matéria por provada em atenção ao documento emanado do IPMA, relativo a esse período, constante de fls. 125 a 128 dos autos.
Tal documento, designado “Boletim Climatológico Sazonal”, refere, em resumo, a descrição enunciada pelo tribunal, que mais não fez do que a correspondente transcrição.
Alega a apelante que tal documento não é apto à demonstração da matéria correspondente e de forma relevante para a imputação do estado do imóvel a tais condições climatéricas, quer em razão da sua abrangência temporal, quer por não evidenciar que tais condições se tenham verificado também no local onde se situa o imóvel.
Basta, no entanto, analisar esse documento no seu todo, para se verificar que a zona onde maior pluviosidade se verificou constitui uma área do território onde se integra o concelho do Porto (fls 126); bem como que a repartição dessas condições pelos meses se verifica após 19/Dezembro e pelos meses seguintes.
Não tem, pois, qualquer razão a apelante, ao pretender a exclusão destes factos de entre a matéria provada. Diferente será, se for caso disso, discutir a relevância desses factos para a decisão, mas essa questão – que verdadeiramente nos parece ser a que suscita a reacção da apelante – não se confunde com a da afirmação positiva dos factos em causa.
Improcede, pois, também nesta parte, a apelação.
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Atentando na factualidade dada por não provada, defende a apelante que, pelo contrário, deverá ser dado por provado que “A Ré deixou o locado ao abandono”.
A este propósito, concluiu o tribunal dever assinalar isso como um facto não provado, por entender não ter sido “feita prova cabal e segura de que a Ré tenha deixado o locado ao abandono, pois nenhuma testemunha conhecia o estado do locado enquanto a Ré o ocupou, nem quando entregou as chaves.”
Consideramos, porém, que tal afirmação deve ser excluída do elenco de factos, quer provados, quer não provados, por ter uma natureza absolutamente conclusiva e desprovida de conteúdo substantivo que, de per si, evidencie uma qualquer realidade material.
Com efeito, a materialidade que poderá estar subjacente a uma tal conclusão mostra-se descrita em diversos itens da matéria provada, designadamente:
- no item 12, onde consta que a ré, em Agosto de 2013, comunicou à autora que o imóvel se encontrava desocupado, não estando a ser desenvolvida nele qualquer actividade desde há sensivelmente um ano atrás;
- no item 18, de onde resulta a entrega das chaves do locado, simbolizando a sua devolução à senhoria, em finais de Dezembro de 2013;
- nos itens 19 e 20, de onde resulta que, não mais de um mês depois, o imóvel se encontrava com chapas do telhado parcialmente arrancadas, as paredes e muros parcialmente destruídos, repleto de lixo, com fechaduras arrancadas, portas retiradas, vidros das janelas partidos, infiltrações, danos na instalação eléctrica, na canalização, desprovido de tudo o que era metal e cobre, nomeadamente candeeiros, corrimões e grades, com manchas de óleo e louças sanitárias destruídas;
- no item 21, onde se esclarece que a Ré deixou o imóvel com as chapas do telhado parcialmente arrancadas, infiltrações, paredes por pintar e com bastante lixo.
- no item 30, onde se afirma que a Ré manteve sempre os portões de acesso ao imóvel fechados.
Na ausência de qualquer outra matéria factual que tenha sido alegada e apurada e que se poderia ainda reconduzir à conclusão de “deixar um imóvel abandonado”, serão os factos descritos que servirão para qualificar a actuação contratual da ré, por referência às obrigações que lhe advêm do contrato de arrendamento que é causa de pedir na acção. Nestas circunstâncias, a enunciação de uma tal conclusão como se de um puro facto se tratasse, quer em ordem à sua classificação como provado (como pretende a ré), quer como não provado (como ocorreu na sentença), é de prevenir, por a mesma se mostrar desprovida de um conteúdo fáctico autónomo e útil á decisão da causa. Esta terá de assentar, isso sim, naqueles concretos factos referidos, sendo impertinente, em sede de concretização do substrato factual da decisão, a sua análise para eventual subsunção à afirmação conclusiva da hipótese conceptual de abandono do imóvel pela locatária.
Por conseguinte, nesta parte, cumpre deferir parcialmente a pretensão recursiva da autora, removendo-se a afirmação constante do item 2º do elenco dos factos não provados, mas sem que isso determine a sua inclusão no elenco dos factos provados.
Disto mesmo se dará conta no local próprio, e de forma graficamente assinalada.
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Pretende também a apelante que se dê por provado que “Considerando a região, a dimensão e a localização do locado, o mesmo poderá facilmente (e nunca por valor inferior) ser arrendado pelo valor de 3.000,00 € mensais”.
A decisão positiva sobre tal alegação haveria de funcionar como alternativa ao valor locativo considerado na sentença recorrida, que foi o da renda prevista no próprio contrato em causa, de 1.100,00€ mensais, em face da não demonstração de um valor locativo superior.
A este propósito, é útil recordar a decisão anterior sobre a inadmissibilidade de uma nova oportunidade para produção de prova, tal como pretendido pela apelante, através da junção de documentos com o presente recurso.
Por outro lado, deve atentar-se na afirmação da apelante segundo a qual o tribunal, de per si, através de uma consulta oficiosa de informação on line, poderia ter verificado o valor locativo do imóvel, maxime o valor da renda pedida em anúncios publicados para o efeito, sem prejuízo de se dever considerar o pressuposto de que a renda em vigor era baixa, por ser antiga, e desadequada ao valor do imóvel, em função de factores como localização, área e condições do prédio.
Acontece que uma tal actividade instrutória oficiosa, sem sujeição à audiência das partes e sem qualquer contraditório, como pressuposto na sugestão da apelante, jamais poderia ser admitida, por ofensa aos princípios do contraditório e da audiência contraditória, consagrados no art. 3º, nº 3 e no art. 415º, nº 1 do CPC, respectivamente.
Por outro lado, ainda, a alegada desactualização da renda em vigor ao tempo da cessação do contrato, em função das diversas características do locado, não constituem factos notórios, dispensados de prova, em termos que pudessem facultar ao tribunal a utilização desses dados, por serem do conhecimento da generalidade das pessoas.
Por isso, sobre a matéria em análise, só pode atentar-se na prova produzida e reponderar a respectiva avaliação pelo tribunal recorrido.
A este propósito, a própria apelante não faz mais do que invocar as declarações da própria parte, parciais por definição, e as da testemunha I.... Porém, estas nem sequer coincidem: aquela aponta aquele valor locativo como sendo de 2.950,00€, por ser esse o que estava a pedir; aquela aponta apenas o valor de 1.950,00€. Alega a ora apelante que esta afirmação procedeu de erro. Porém, isso só vem enunciado no próprio recurso. A ter sido uma declaração enunciado por engano, logo na própria audiência em que foi proferida haveria de ter sido desfeito um tal engano.
Ao que acresce que, como a própria sentença apontou, o facto de a autora estar a “pedir” 2.950,00€ mensais pela renda não poderia significar ser esse o valor passível de ser gerado mensalmente por um desejado contrato de arrendamento, que ao tempo não se mostrava celebrado, propiciando a possibilidade de se ter esse valor como sustentado.
Nestas circunstâncias, na ausência de qualquer outro meio de prova validamente produzido, que a apelante nem sequer invoca, afigura-se-nos ser impossível divergir da decisão do tribunal recorrido, quanto à não comprovação daquele valor, ou de qualquer outro que, ainda que inferior, sempre resultaria de pura e injustificada especulação.
Pelo exposto, também nesta parte resta confirmar a decisão sob recurso.
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Fixada a matéria de facto a considerar, importa sindicar a decisão constante da sentença recorrida quanto à conclusão de que os danos verificados no imóvel, aquando da sua entrega à autora, não procederam só do seu “abandono” pela ré, devendo ser parcialmente imputados à conduta da própria autora que, por um lado, não actuou diligentemente na verificação e salvaguarda do imóvel após a sua restituição e, por outro lado, não logrou demonstrar que a totalidade dos danos tivessem decorrido de qualquer acção ou omissão da própria ré.
Não se revestem de qualquer controvérsia os segmentos decisórios da sentença referentes à classificação do contrato em causa como um típico contrato de arrendamento, quanto à data do termo do contrato, fixada no final de Dezembro de 2013, ou quanto à imputação, à ré, da obrigação de restituir o prédio arrendado nas condições em que o recebera, sem prejuízo das deteriorações que possam considerar-se resultantes de um uso prudente.
Como refere a sentença em crise, é isso que dispõe o art. 1043º nº 1 do C.Civil, pelo que as deteriorações do imóvel que não possam ter-se como resultado de um tal uso prudente geram uma obrigação de ressarcimento a cargo do inquilino, nos termos do art. 1044º do mesmo código. A indemnização haverá de ocorrer nos termos descritos no art. 562º e ss, devendo acolher-se a solução pretendida pela A. e adoptada pelo tribunal, quanto à sua identificação com os custos de reposição das condições do imóvel de forma a que o mesmo possa de novo ser colocado no mercado de arrendamento.
Cumprirá, assim, verificar entre os danos que o imóvel apresentava à data da recuperação do seu domínio pela autora, quais os que que podem ser tidos como representativos de violação da obrigação de entrega do arrendado no estado em que fora recebido, sem prejuízo da irrelevância dos que resultarem de uma utilização prudente do arrendado, excepção esta que, no entanto, não é pertinente nesta análise, por não estar em discussão qualquer deterioração desse género.
Recorde-se que, a este respeito, a sentença recorrida identificou um grupo de danos que considerou corresponderem à violação daquela obrigação de restituição do arrendado no estado devido, pela ré: o estado do telhado, cuja reparação ascendeu a 5.000,00€ mais IVA; o estado das paredes interiores, carecido de pintura, com um custo de €11.500,00 mais IVA, e a remoção do lixo deixado, com custo fixado equitativamente em 50% dos 3750,00 gastos a esse título, mais IVA, tudo num total de €24.907,50.
Pelo contrário, relativamente a outro grupo de danos, considerou não ter ficado provado que estes tenham sido o resultado da violação de qualquer obrigação contratual da ré. Aí se incluem os danos correspondentes a janelas partidas, portas arrancadas, fechaduras, danos na instalação eléctrica, na canalização, para remoção de tudo o que era metal e cobre, nomeadamente candeeiros, corrimões e grades, bem como louças sanitárias destruídas.
Na apreciação desta solução decretada pelo tribunal recorrido há que levar em conta a factualidade apurada, designadamente a referente à (des)ocupação do imóvel pela ré, ainda antes da sua restituição, e a referente à data da verificação do estado do imóvel, apresentando todos aqueles danos, que se apurou ter sido cerca de um mês depois da sua entrega pela inquilina. Para além disso, a título instrumental nessa análise, terá de se atentar em que, nos termos do art. 342º do C.Civil, à autora cumpre demonstrar, para além dos danos, que estes procederam – no quadro de uma relação de causalidade adequada – de uma conduta ilícita da ré. No caso, impondo-se à ré uma obrigação de vigilância e manutenção das condições do imóvel, também para o poder restituir no estado em que o tinha recebido (cfr. art. 1043º, nº 1 já cit), caberá à autora demonstrar que foi o correspondente incumprimento que motivou os danos, designadamente por ter propiciado condições para que terceiros os perpetrassem.
Da matéria provada resulta que a ré, já em 2013, mantinha o local desocupado, tendo deixado de exercer ali qualquer actividade (item 12). Mas também que manteve sempre fechados os portões de acesso (item 30), tendo entregue as chaves do imóvel em finais de Dezembro de 2013 (item 18).
Depois, quando a autora ali se deslocou, em inícios de Fevereiro, além dos danos resultantes da falta de cobertura, na pintura das paredes, e do lixo ali deixado pela ré - cuja responsabilidade a sentença recorrida lhe imputa em termos que não são já controvertidos – outros danos se identificaram: as fechaduras arrancadas, as portas retiradas, os vidros das janelas partidos, danos na instalação eléctrica, na canalização, remoção de tudo o que era metal e cobre, nomeadamente candeeiros, corrimões e grades, louças sanitárias destruídas.
Perante tais factos, poderá enunciar-se a conclusão de que a ré deixou o local ao abandono? E que, dessa forma, permitiu que durante o tempo por que perdurou esse abandono permitiu que o local fosse acedido por “marginais, sem-abrigo e toxicodependentes, (que) usavam as instalações para passar as horas livres e/ou pernoitar” (item 22), frequência esta que será naturalmente a que está na origem dos referidos danos?
Quanto à primeira questão, a resposta só pode ser negativa: o facto de se ter deixado de exercer qualquer actividade num local não coincide com a conclusão de que o mesmo foi abandonado. Pode ter sido mantido sob vigilância, regularmente visitado para se salvaguardar o mesmo do acesso de estranhos ou de deteriorações ocorridas por qualquer causa. De resto, como se viu, a ré sempre manteve os portões fechados, o que traduz, pelo menos, essa intenção de guarda do espaço. A par disso, o que se constata é que nada mais se provou quanto a qualquer tipo de factos que pudessem contribuir para o preenchimento daquele conceito de “abandono”, designadamente no período que decorreu até ao momento da entrega das chaves. Daí a necessária resposta negativa também àquela segunda questão.
E isso ainda porque, sendo certo que a autora não tratou de verificar, no próprio acto da devolução do imóvel, qual o seu estado (como é recorrente fazer-se em situações congéneres, muitas vezes com a elaboração de autos de recepção ou documentação fotográfica no próprio acto), de forma alguma se pode excluir que aquele segundo grupo de danos pudesse ter ocorrido só depois de a ré ter restituído o imóvel.
Com efeito, como se referiu, a desocupação do imóvel, pela ré, não acarreta necessariamente que o mesmo tenha sido deixado sem vigilância e acessível em termos que possam ter facultado o acesso de quem possa ter provocado os danos nas instalações, a remoção dos metais e a sua eventual utilização pontual. Era à autora que cabia produzir a correspondente prova. Isso teria sido passível de concretizar ou pela demonstração de que todos aqueles factos ocorreram durante o período de vigência do contrato, através de prova testemunhal ou documental referente a esse período, ou, o que redundaria no mesmo, pela demonstração de que já se verificavam no momento da restituição do imóvel, ou – no limite – de que não poderiam ter ocorrido apenas depois.
Porém, cumpre reconhecer, a autora não logrou produzir tal prova, como resulta da análise da factualidade, a final, apurada.
Nestes termos, em função dessa mesma factualidade, resta reconhecer nenhum fundamento existir para se alterar a decisão do tribunal recorrido no que respeita à identificação dos danos cuja reparação deve ser imputada á ré, nem quanto ao critério usado para a fixação da correspondente indemnização, incluindo no tocante á proporção estabelecida para os custos da remoção de lixo.
Improcederá, pois, também nesta parte, a apelação.
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Sucessivamente, pretendia a apelante a alteração da decisão quanto ao valor indemnizatório pelo prejuízo que lhe adveio de não ter podido arrendar o imóvel durante o período em que decorreram as obras necessárias à reposição das respectivas condições de utilização, período esse fixado em oito meses.
O acolhimento dessa pretensão dependia, como bem sustentou, da comprovação de que o valor locativo do imóvel era superior ao considerado pelo tribunal recorrido.
Como supra se decidiu, foi inviável dar como adquirida qualquer factualidade alternativa nesse sentido. Não se apurou que aquele valor fosse de 3.000,00€ ou de 2.950,00€ mensais, como pretendia a apelante, ou qualquer outro diferente.
Por conseguinte, ainda nesta parte, a apelação não pode deixar de improceder, desde logo por não ter havido qualquer alteração no substrato factual correspondente.
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Por fim, alega a apelante que, nos termos do contrato de arrendamento em causa, cabia à ré realizar todas as obras de conservação do imóvel, interiores e exteriores, além de que quaisquer benfeitorias ali realizadas sempre ficariam a fazer parte do mesmo, sem direito a qualquer indemnização pelo respectivo valor. Por conseguinte, conclui que a sentença errou ao fixar uma indemnização, a esse título, a favor da ré, e ao operar a compensação desse valor naquele que se concluiu ser devido à própria autora.
A este propósito, com efeito, o tribunal recorrido concluiu “(…) tendo as obras realizadas pela Ré sido autorizadas no contrato, assumindo até a natureza de urgentes e impostas pela CMP e, constituindo benfeitorias necessárias porque tiveram por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa benfeitorizada, tem a Ré sempre direito a ser delas indemnizada pela Autora.
Pelo exposto, deverá a Autora, findo que se mostra o contrato de arrendamento, compensar a Ré pela realização das referidas obras de conservação e reparação urgente do locado, impostas pela CMP e autorizadas pelo contrato, pelo valor de €15.827,00.”
A ora apelante não põe em causa a realização das obras em questão pela ré, nem o seu valor, nem tão pouco a sua qualificação como “benfeitorias necessárias”. Afirma, isso sim, que, segundo o contrato de arrendamento em questão, não cabe á ré o direito a obter da autora a indemnização pelo valor dessas obras.
Ora, foi a esse respeito que o tribunal enunciou diferente conclusão, ao afirmar “No contrato de arrendamento em apreço não se faz qualquer referência a que não seja devida essa indemnização pelas benfeitorias necessárias que ficaram a cargo da locatária, pelo que, ela é devida, por força dos referidos preceitos legais.” Os preceitos legais pressupostos nessa afirmação são o art. 29º do NRAU e os arts. 1074º, 1111º e 1273º do Código Civil.
As obras em questão mostram-se descritas nos itens 32 a 37 e, dada a sua natureza, não oferece dúvida a sua já referida qualificação como benfeitorias necessárias: foram imprescindíveis para prevenir a deterioração do imóvel e a perda da sua utilidade para o fim a que se destinava. Por isso, tal como resulta do disposto no art. 216º do C. Civil, tais benfeitorias assumem a qualidade de necessárias.
Sem prejuízo, afirma a apelante que ficou contratualmente estabelecido que caberia à própria ré suportar os custos correspondentes.
No contrato em causa, a esse propósito, constam as seguintes cláusulas:
“QUARTO: a primeira outorgante, autoriza a representada do segundo outorgante a realizar as obras necessárias à montagem de toda a maquinaria, nomeadamente construção de divisórias, montagem de máquinas de lavar automáticas e bombas de combustíveis dentro ou no logradouro do prédio, a colocação de reclames na fachada, de abrir montras, substituir os portões de ferro existentes por outros de vidro e ainda substituir as chapas do telhado por plásticas caneladas e todas as que se tornarem necessária ao exercício do fim do arrendamento.
SÉTIMO: Todas as benfeitorias feitas pela locatária no locado, ficar-lhe-ão a pertencer, nele se incorporando, a não ser aqueles que a locatária possa levantar sem prejuízo para o locado, não existindo qualquer dever de indemnização pelas que, pela sua natureza, não possam ser levantadas sem prejuízo das mesmas serem tomadas em consideração a favor do inquilino, em caso de trespasse.
OITAVO: Todas as obras de conservação que o locado necessite, quer interiores, quer exteriores, serão da responsabilidade do locatário, exceptuando-se aquelas que resultem de forças estranhas e externas aos elementos e funcionamento da actividade desenvolvida no locado pela representada da segunda outorgante, tais como as deteriorações provocadas por raios, ciclones, tempestades, abalos sísmicos, ou outras forças da natureza.”
Tal como resulta do disposto no art. 1111º do C. Civil e como bem se explica na decisão recorrida, o regime legal sobre a responsabilidade pela realização de obras num imóvel arrendado para fins não habitacionais tem natureza supletiva. Consequentemente, inquilino e senhorio podem convencionar a quem cumpre assegurar a realização e suportar os custos de quaisquer tipos de obras no arrendado.
No caso em apreço, o que as partes convencionaram a este respeito consta das cláusulas transcritas supra.
Nestas, a cláusula 4ª dispõe sobre as obras que a inquilina, ora recorrida, entendesse dever levar a cabo para desenvolver ali a sua actividade. Todas elas ficariam a seu cargo, incluindo as alterações que entendesse fazer na cobertura, sabendo-se que as chapas plástica ali referidas têm óbvios fins de aumentar a luminosidade interior. Na cláusula 7ª salvaguardou a senhoria, ora apelante, que nenhuma compensação receberia a inquilina por tais benfeitorias, que ficariam integradas no imóvel, quando viesse a findar o contrato, sem prejuízo de poder levantar as que, removidas, não prejudicassem o próprio imóvel.
Tais cláusulas não são, pois, úteis para a definição da responsabilidade pelo pagamento dos custos das obras em questão, que se destinaram a evitar a destruição do locado e a sua inutilização para o fim do próprio contrato.
Por sua vez, a cláusula 8ª dispõe sobre obras de conservação que o locado pudesse necessitar, diferenciando a solução para obras exigidas em função da utilização do imóvel – cuja responsabilidade se estabeleceu para o inquilino - daquelas que resultem de fenómenos estranhos à actividade do inquilino, designadamente as deteriorações provocadas pela natureza, cujo custo permaneceu a cargo do locador.
Neste contexto, o que se verifica é que, dada a natureza das obras em questão, as mesmas não são subsumíveis àquelas que, nos termos desta cláusula 8ª haveriam de ser suportadas pelo inquilino. Tais obras foram impostas pela CMP e motivadas pelo facto de o imóvel oferecer perigo para “trabalhadores e terceiros, dadas as infiltrações existentes no espaço em causa”, e constituídas por intervenções de reparação, designadamente, “substituição da cobertura em chapas zincadas, bem como os calões e tubos de queda” e “reparação das paredes afectadas pelas infiltrações incluindo respectivas pinturas” (item 37 dos factos provados). Assim não podem ter-se como impostas, i. é, tornadas necessárias, pelo uso que a inquilina, no desenvolvimento da sua actividade, foi dando ao imóvel, antes resultando da exposição deste aos elementos da natureza, com a sua inerente degradação, em especial após a perda do seu isolamento, por levantamento da cobertura, tornando-o susceptível a infiltrações exteriores.
Consequentemente, tal como decidido na sentença recorrida, não derivando do contrato – à luz de qualquer das cláusulas analisadas - a obrigação da inquilina responder pelo pagamento do custo dessas mesmas obras, cabe à senhoria, isto é, à ora apelante, o respectivo pagamento, nos termos dos arts. 1074º, nºs 1 e 5 e 1111º do Código Civil.
Nada cumpre, pois, censurar, também nesta matéria, na decisão recorrida, que, pelo contrário, também esta questão apreciou com acerto.
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Pelo exposto, e na ausência de outras questões a resolver, incluindo no tocante à solução de compensação dos dois créditos aqui reconhecidos a cada uma das partes, cumpre confirmar a decisão recorrida, na improcedência da presente apelação.
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Sumariando (art. 663º, nº 7 do CPC):
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3 – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar improcedente o recurso de apelação deduzido pela A, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Reg e not.

Porto, 11 de Setembro de 2018
Rui Moreira
João Diogo Rodrigues
Anabela Tenreiro