Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1025/08.3TTPNF.8.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
PRÓTESE DE BANHO
Nº do Documento: RP201610101025/08.3TTPNF.8.P1
Data do Acordão: 10/10/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º 246, FLS.73-86)
Área Temática: .
Sumário: I - A recuperação do sinistrado para a vida ativa a que se reporta o art. 10º, al. a), da 100/97, de 13.09 não se restringe à sua vida ativa laboral, abrangendo também os aspetos ligados à sua condição e dignidade humanas, o que inclui todos os aspetos da vida pessoal e social que, aferida por padrões de normalidade, as pessoas levam a cabo na sua vivência, ainda que com caráter lúdico, também estes necessários a uma sã existência, física e psíquica.
II - As pernas têm como funcionalidade permitir, em equilíbrio, a locomoção e, bem assim, todos os atos que envolvam, em equilíbrio, a sustentação da pessoa, sendo que, como refere Carlos Alegre, in Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais, 2ª Edição, Almedina, p. 205, prótese é a adição artificial que tem por fim substituir um órgão de que se faz ablação ou amputação parcial ou total.
III - Tendo o sinistrado sofrido amputação parcial da perna esquerda pelo terço proximal e não podendo a prótese de que dispõe (destinada à deambulação) apanhar água sob pena de se estragar, tem direito, atentas as proposições anteriores, a que lhe seja também fornecida prótese de banho que lhe permite, em segurança e/ou sem necessidade de ajuda de terceira pessoa, a sua atividade básica de higiene diária (banho), bem como tomar banho em caso de ida à praia ou à piscina.
IV - O fator de bonificação de 1,5 previsto no n.º 5, alínea a), das Instruções Gerais da TNI é aplicável a situação em que o sinistrado se encontra afetado de IPATH.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 1025/08.3TTPNF.8.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 899)
Adjuntos: Des. António José Ramos
Des. Jerónimo Freitas

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório

Tendo corrido termos ação declarativa de condenação, com processo especial emergente de acidente de trabalho[1], em que é A, B…, patrocinado pelo Digno Magistrado do Ministério Público, e RR., C… – Companhia de Seguros, SA e D…, este entretanto declarado insolvente e transferida a sua responsabilidade pelo pagamento da pensão anual e vitalícia para o Fundo de Acidentes de Trabalho (cfr. despacho de fls. 582/583) foi, por sentença de 04.06.2010 (fls. 265 a 268), transitada em julgado, fixada ao A., por virtude acidente de trabalho ocorrido aos 27.06.2007, a IPP de 30,9% e os RR. condenados, na proporção das respetivas quota parte de responsabilidade (98% para a Ré Seguradora e 2% para o Réu empregador), a pagarem-lhe a pensão anual e vitalícia, com efeitos a partir 01.04.2009, de €1,821,38, posteriormente objeto das atualizações legais.

Na sequência de pedido de revisão formulado pelo sinistrado, veio-lhe, por decisão de 16.12.2011 (fls. 403/404), a ser fixada a IPP de 35,2% com IPATH e aumentada a pensão em conformidade (para €4.803,11 desde 09.09.2010 e posteriormente atualizada) e atribuído subsídio de elevada incapacidade.

Por requerimento do sinistrado de 18.01.2012 (fls. 406), veio o sinistrado requerer, pelas razões invocadas, a amputação da perna esquerda, ao nível do joelho, ao que a Ré Seguradora se opôs (fls. 418). Formulados quesitos e realizado exame por junta médica (fls. 427 a 430), aos 16.04.2012 foi proferida decisão a indeferir a requerida amputação (fls. 432/433).

Aos 12.08.2012, o A. formulou pedido de revisão, reiterando a sua pretensão de amputação da perna esquerda ao nível do joelho (fls. 461).
Pedidos pareceres da especialidade (ortopedia e cirurgia vascular de fls. 493/494 e 502/503), foi realizado exame médico singular, que emitiu parecer no sentido da referida amputação (fls. 508/509). Discordando, a Ré Seguradora requereu exame por junta médica e, realizada esta, aos 09.04.2013, emitiram os srs. Peritos médicos, por maioria (peritos do Tribunal e do sinistrado), laudo no sentido da referida amputação, do que discordou o perito da Ré Seguradora (fls. 514/515). E, aos 12.04.2013, foi proferida a decisão de fls. 516 a 519, deferindo o pedido do sinistrado e determinando a notificação da Ré Seguradora para diligenciar pela amputação da perna esquerda do sinistrado pelo terço proximal, seguida de correta adaptação de uma prótese.

Posteriormente o sinistrado requereu obras de readaptação da habitação, que foram aceites pela Ré Seguradora.

Por requerimento de 15.10.2014, de fls. 591, veio o sinistrado, para além do mais, requerer o fornecimento de uma prótese de banho, o que foi declinado pela Ré Seguradora alegando não ser da sua responsabilidade e invocando os arts. 10º d Lei 100/97 e 36º do DL 143/99 (fls. 600).

Aos 03.02.2015 o A. requereu exame de revisão (fls. 610). Realizados exame médico singular e, a requerimento da Ré Seguradora, exame por junta médica, que teve lugar aos 26.05.2015, emitiram os Srs. Peritos médicos que nesta intervieram laudo maioritário (peritos do Tribunal e do sinistrado) fixando a IPP de 62,77% com IPATH (fls. 638/639).

Aos 17.05.2015, reiterou o sinistrado o requerimento para fornecimento de prótese de banho (fls. 640), o que a Ré Seguradora declinou alegando não ser da sua responsabilidade e invocando os arts. 10º da Lei 100/97 e 36º do DL 143/99 (fls. 650).
A Ré Seguradora formulou quesitos relativos à questão do fornecimento da prótese de banho (fls. 653/654) e o A. apresentou o requerimento de fls. 656 justificando a necessidade da mesma, após o que a Mmª juiz determinou a continuação do exame por junta médica, formulando os quesitos de fls. 657.
Realizada esta e a pedido da mesma (fls. 659/660), foi solicitado parecer ao Centro de Reabilitação Profissional de Gaia, o qual emitiu o parecer de fls. 663/664, na sequência do que, aos 01.12.2015, foi realizado exame por junta médica, tendo os Srs. Peritos médicos, por unanimidade, respondido aos quesitos do modo constante de fls. 673/674.
Notificadas as partes, a Ré Seguradora pronunciou-se nos termos de fls. 677/675, no sentido do indeferimento da requerida prótese e da fixação da IPP em conformidade com o laudo da junta médica de 26.05.2015 e, o sinistrado, nos termos de fls. 681/682, no sentido do deferimento da sua pretensão relativa ao fornecimento da prótese de banho.

Por despacho de fls. 683 foi, em cumprimento do contraditório, determinada a notificação das partes para se pronunciarem sobre a questão da eventual aplicação, à IPP, do fator 1,5 a que se reporta o nº 5, al. a), das instruções gerais da TNI, ao que a Ré Seguradora respondeu considerando, em síntese, não ser de o aplicar e de dever a IPP ser fixada de acordo com o laudo da junta médica (fls. 685 a 688).

E, aos 23.02.2016, a fls. 691 a 695 foi proferida decisão, ora sob recurso, que, em síntese: deferiu a preensão do A. relativa ao fornecimento da prótese, condenando a Ré Seguradora a fornecer-lhe “a prótese de banho melhor identificada no orçamento de fls. 594 e fotografias de fls 641 e 642”; fixou a IPP em 62,72% com IPATH, mais aplicando o fator de 1,5 previsto no nº 5, al. a), das instruções gerais da TNI e, por consequência, fixou a IPP em 94,08% (62,72% x 1,5), condenando a Seguradora e o FAT, de acordo com as respetivas quotas parte de responsabilidade, a pagarem ao A., com efeitos a partir 03.02.2015, a pensão anual, vitalícia e atualizável de €5.794,72 e já atualizada, à data de 03.02.2015, para €6.355,02, a ser paga nos termos nela fixados e acrescida de juros de mora, à taxa de 4% ao ano, desde a data do vencimento de cada uma das prestações e até efetivo e integral pagamento [e, aos montantes em dívida, devendo serem deduzidas as pensões que a Seguradora e o FAT entretanto foram pagando ao A.].

Inconformada, veio a Ré Seguradora recorrer, tendo formulado, a final das suas alegações, as seguintes conclusões:
“1. A Recorrente não se conforma com a douta sentença proferida no presente incidente de revisão, quer no que respeita à pretensão do sinistrado de lhe ser facultada uma outra prótese, própria para o banho, para além daquela que a seguradora já lhe forneceu, quer no que respeita ao grau de incapacidade permanente agora fixado ao sinistrado.
2. A fls. 640 veio o sinistrado invocar que “encontra-se nesta data com impossibilidade prática de tomar banho seja em casa seja eventualmente em local público como seja na praia ou numa piscina, pelo que necessita com urgência de uma prótese para água ou de banho (…)”.
3. Realizado exame por junta médica e colhido parecer ao Centro de Reabilitação Profissional de Gaia, a meritíssima juiz a quo decidiu ser de deferir a pretensão do sinistrado, pelo que condenou a seguradora “a fornecer ao sinistrado a prótese de banho melhor identificada no orçamento de fls. 594 e fotografias de fls. 641 e 642.”
4. A seguradora não se conforma com tal decisão, porquanto a prótese pretendida pelo sinistrado e a cujo fornecimento a meritíssima juiz a quo condenou a seguradora, não é uma prestação necessária e adequada ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado e à sua recuperação para a vida ativa.
5. Do Parecer do Centro de Reabilitação Profissional em conjugação com as respostas da Junta Médica resulta que a prótese pretendida pelo sinistrado tem o fim único de ser usada para tomar banho, quer em casa, quer na praia, ou piscina, contudo a mesma não é adequada à deambulação, sendo menos segura/estável e mais desconfortável.
6. Ademais, como decidiram por unanimidade os senhores peritos que compuseram a Junta Médica de 01/12/2015, a dita prótese “… não potencia a capacidade de trabalho, não contribuindo para o desempenho da sua actividade profissional.”
7. O única benefício que os senhores peritos médicos nomeados pelo sinistrado e pelo tribunal atribuíram à prótese aquática foi o facto de que “… a mesma dispensa a necessidade de terceira pessoa, nomeadamente na sua higiene pessoal (tomar banho).”
8. Foi apenas esta a justificação que apresentaram.
9. Contudo, aos quesitos 2 e 3 de fls. 653, responderam, todos os peritos, por unanimidade, que o sinistrado, com a casa de banho adaptada, pode tomar banho sem prótese, de igual modo que na praia ou na piscina o sinistrado pode tomar banho sem estar a usar prótese.
10.E a seguradora, como já comprovou nos autos, já pagou ao sinistrado o custo das obras para adaptação da casa de banho.
11.Havendo ainda a considerar que o sinistrado, em face das sequelas resultantes do acidente e da amputação, não tem necessidade, nem conveniência, na realização de tratamentos de hidroterapia.
12.Ora não só não foi dada qualquer justificação, por qualquer dos peritos médicos, ou pelo Centro de Reabilitação Profissional, no sentido de a prótese aquática ser necessária e adequada, nem ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho do sinistrado, nem tão pouco à sua recuperação para a vida ativa, como, pelo contrário, na resposta ao quesito 4 de fls. 654, onde se perguntava se a prótese resistente à água é necessária para a reabilitação profissional do sinistrado, ou mesmo para a sua recuperação para a vida ativa, ao que os senhores peritos, por unanimidade, responderam: Não.
13.A prótese aquática não é, pois, in casu, uma das prestações em espécie consignadas no Artigo 10º a) da Lei nº 100/97, de 13/09, pelo que a seguradora não pode ser condenada ao seu fornecimento ao sinistrado.
Por outro lado,
14. Em nenhum dos exames médicos realizados no âmbito do Incidente de Revisão foi decidido atribuir ao sinistrado o fator de bonificação de 1.5 previsto no º 5 a) das Instruções Gerais da T.N.I., aprovada pelo Decreto-lei nº 352/2007, de 23/10.
15.Não obstante, a meritíssima juiz a quo decidiu aplicar ao grau de incapacidade permanente parcial fixado ao sinistrado em junta médica o fator de bonificação 1,5 previsto no ponto 5 a) das Instruções Gerais da TNI, para lá de, aí sim em conformidade com a junta médica, atribuir ao sinistrado uma IPATH em consequência do acidente dos autos, por entender que a não reconvertibilidade do sinistrado em relação ao posto de trabalho resulta da reconhecida, por unanimidade, incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, atentas as sequelas resultantes do acidente de trabalho que sofreu.
16.Ora a recorrente não pode conformar-se com tal entendimento perfilhado pela meritíssima juiz a quo, o qual redunda, no essencial, em que sempre que o sinistrado fique, em consequência de acidente de trabalho, portador de sequelas que lhe determinem IPATH verá então, sempre, o seu grau de incapacidade permanente parcial para o exercício de outra atividade bonificado com o fator 1,5 previsto na al. a) do nº 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais editada pelo Dec. Lei nº 352/2007, de 23/10, pois que, como parece evidente, sempre que o sinistrado fique portador de IPATH não será reconvertível em relação ao posto de trabalho que ocupava antes do acidente!
17.E no caso sub judicio tal entendimento é ainda mais insustentável!
18.É que, como responderam os peritos em Junta Médica, a incapacidade do sinistrado, e mais exatamente o grau dessa incapacidade, decorre da amputação pelo terço proximal da perna esquerda, amputação que foi querida pelo sinistrado e decidida pelo Tribunal com o fim de contribuir “para uma melhoria da sua qualidade de vida e do seu bem estar, sendo necessária ao seu restabelecimento e recuperação.”!
19.Ou seja, ao contrário do decidido pela meritíssima juiz a quo a verdade é que a atual incapacidade do sinistrado não decorre, propriamente, das sequelas de que ficou portador em consequência do acidente, mas sim de uma amputação que foi decidida em face de opiniões divergentes a esse propósito.
20.Tal como decidido, entre outros, no Ac. da Rel. de Lisboa de 08-02-2012 no processo 270/03.2TTVFX.L1-4 e no Ac. da Rel. do Porto de 05-12-2005 no processo 0513917, ambos disponíveis em www.dgsi.pt, «Existe uma diferença de grau (quantitativo e qualitativo) entre a situação prevista na alínea a) da 5ª Instrução Geral (Factor de Bonificação de 1,5) e a IPATH, não se podendo cumular uma e outra relativamente à mesma lesão do sinistrado.»
21.O fator de bonificação de 1.5 previsto na Instrução Geral da TNI só pode ser aplicado à incapacidade de que está afetado o sinistrado para a sua função específica e não à incapacidade restante, conexa com outras funções compatíveis, daí que se o sinistrado for incapaz a 100% para o exercício da sua função específica (se tiver IPATH) e se a IPP que lhe for atribuída nada tiver a ver com o exercício da sua profissão anterior ao acidente, não pode ser aplicável o fator de 1.5 à IPP residual, por esta não estar relacionada com o posto de trabalho, com a concreta função exercida pelo sinistrado.
22.Como se decidiu no aresto desta Relação de Lisboa já citado, a situação prevista na alínea a) do nº 5 das Instruções Gerais da TNI está absorvida ou consumida pela situação de IPATH, mais gravosa.
23.Daí que, caso ao sinistrado seja atribuída uma IPATH, não pode, cumulativamente, ser-lha atribuído o fator de bonificação de 1.5.
24.A meritíssima juíza a quo não poderia ter fixado a IPP de que padece o sinistrado em 94,08% com IPATH, mas apenas em 62,72% com a dita IPATH, tal como estabelecido pelos senhores peritos, quer no exame médico singular, quer na junta médica.
25.Em face do que a pensão anual que é devida ao sinistrado não é do montante de €5.794,72.
26.A douta sentença recorrida fez, pois, uma incorreta aplicação da lei aos factos, tendo violado o disposto, nomeadamente, nos artigos 10º a) da Lei nº 100/98, de 13/09 e na al. a) do nº 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais editada pelo Dec. Lei nº 352/2007, de 23/10, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que:
a) Indefira a pretensão do sinistrado de que lhe seja fornecida uma prótese aquática;
b) Fixe o grau de incapacidade permanente parcial do sinistrado em 62,72%, com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual;
c) Fixe o montante da pensão anual e vitalícia devida ao sinistrado em conformidade com o grau de I.P.P. de 62,72% com I.P.A.T.H.;”

O Ministério Público contra-alegou pugnando pelo não provimento do recurso.

O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto não emitiu parecer dado o sinistrado ser patrocinado pelo MP.

Por despacho de fls. 738 foi determinada a baixa dos autos à 1ª instância para fixação do valor do incidente de revisão, na sequência do que veio o mesmo a ser fixado em €83.835,42 (despacho da 1ª instância de fls. 741).

Colheram-se os vistos legais.
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II. Matéria de facto assente

1. Tem-se como assente o que consta do precedente relatório e ainda o seguinte:

2. O acidente de trabalho de que o A. foi vítima ocorreu aos 27.06.2007.

3. Na sequência da decisão de 12.04.2013 (de fls. 516 a 519), foi ao A. amputada a perna esquerda pelo terço proximal, havendo os Srs. Peritos médicos, por maioria (do Tribunal e do Sinistrado) considerado o A. afetado da IPP de 62,72% com IPATH conforme laudo de fls. 638/639.

4. O Centro de Reabilitação Profissional de Gaia, no parecer de fls. 663/664, pronunciou-se nos seguintes termos:
“As próteses de banho são construídas com materiais resistentes à água, tendo como finalidade principal promover autonomia, quer na atividades inerentes à higiene (banho), quer nas recreativas (piscina, praia). Têm habitualmente uma estrutura exosquelética, um sistema para reforçar a impermeabilização (manda de neoprene ou silicone) e incluem componentes mas “simples” e co menor potencial de marcha, do que os usados numa prótese destinada à ambulação no dia- a- dia.
Especificidades da prótese indicada no processo – a prótese é composta por uma estrutura exosesquelética, (…).
A prótese de banho é indicada para (i) permitir que a pesssoa consiga efetuar a sua higiene em segurança (entrar na banheira/poliban sem auxílio de terceira pessoa e tomar banho em bipedestação, co maior controlo do equilíbrio), e (ii) possa frequentar piscinas e praias, praticar natação ou em exercício em meio aquático. Desde que esteja bem adaptada ao utilizador, este dispositivo, por si só, não tem contra-indicações.
Durabilidade – (…)
Quanto às limitações, é necessário salientar que este tipo de prótese, pelos materiais e pelas características da sua construção, são em geral mais pesadas, menos confortáveis e co menor potencial em termos de deambulação, pelo que têm como objetivo facilitar as atividades já referidas e não substituir uma prótese destinada à marcha por maiores distâncias. Têm uma finalidade específica, sendo úteis apenas pra os propósitos que lhes estão associados.”

5. A junta médica de fls. 673 a 675 respondeu, por unanimidade, aos quesitos formulados pela Ré Seguradora (de fls. 653/654) e pelo Tribunal (fls. 657) nos seguintes termos:
- Quesitos do Tribunal (fls. 657):
1) A prótese que foi facultada ao sinistrado pode apanhar água ou não pode apanhar água sob pena de se estragar?
Não pode apanhar água sob pena de se estragar.
2) O sinistrado, para tomar banho, necessita de retirar a prótese que lhe foi facultada, deslocar-se com o auxílio de canadianas e apoiar o coto em banco ou estrutura similar com a mesma altura da prótese para manter o equilíbrio?
Sim.
3) O sinistrado só pode frequentar a piscina ou ir à praia com a utilização das canadianas, sem a prótese que lhe foi facultada, o que lhe retira autonomia e dificulta a deslocação?
Sim, caso pretenda ir à agua com a prótese actual.
4) Em face das sequelas resultantes do acidente e da amputação é conveniente e necessário que o sinistrado se submeta a tratamentos de hidroterapia?
Não.
5) Existe alguma prótese de material que permita o respectivo uso dentro e fora de água?
Não.
6) A utilização pelo sinistrado de prótese do tipo da que consta na fotografia de fls.641, adequada a ser utilizada sempre que necessite de tomar banho, desenvolver actividades que impliquem o contacto da perna com a água, quer sejam de natureza clínica ou lúdica, aumenta a sua autonomia, reforça a sua segurança, potencia a sua capacidade de trabalho e contribui para que possa manter-se activo na sua vida profissional?
A prótese requerida tem indicação para o banho, não sendo adequada à deambulação, sendo menos segura/estável e mais desconfortável, pelo que em nosso entender não potencia a capacidade de trabalho, não contribuindo para o desempenho da sua atividade profissional.
- Quesitos da Ré Seguradora:
1 – O sinistrado necessita agora de uma outra prótese, resistente à água e areias, para que possa tomar banho, quer seja em sua casa, quer seja na praia ou piscina?
Entendem os peritos do Tribunal e do sinistrado que o mesmo beneficiaria com o uso de prótese resistente à água, uma vez que a mesma dispensa a necessidade de ajuda de terceira pessoa, nomeadamente na sua higiene pessola (tomar banho). Pelo perito da Seguradora é referido que o sinistrado não necessita de uso de prótese de banho, uma vez que reúne condições para tomar banho, seja em casa, na praia ou piscina, sem qualquer prótese. Por maioria, entendem assim ser de atribuir prótese de banho ao sinistrado.
2 – O sinistrado, com a casa de banho adaptada, pode tomar banho sem prótese?
Sim
3 – O sinistrado pode tomar banho na praia ou na piscina, sem estar a usar prótese?
Sim
4 – A prótese resistente à água é necessária para a reabilitação profissional do sinistrado, ou mesmo para a sua recuperação para a vida ativa?
Não.

6. O sinistrado nasceu aos 25.01.1963.
***
III. Do Direito

1. Salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 7º, nº 1, da citada Lei e art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10).
Assim, são as seguintes as questões a apreciar:
- Se não deve ser fornecida ao A. a prótese de banho;
- Se a IPP fixada ao A. não deve ser bonificada com o fator 1,5 previsto no nº 5, al. a), das instruções gerais da TNI.

2. Se não deve ser fornecida ao A. a prótese de banho

Na sentença recorrida, a propósito desta questão, referiu-se o seguinte:
“Quanto à questão do fornecimento da prótese, cumpre desde já referir que o Tribunal considera ser de deferir a pretensão do sinistrado, atento o disposto no artigo 10º, alínea a) da Lei 100/97, de 13 de Setembro e na alínea g) do artigo 23º do Decreto-lei nº 143/99, de 30 de Abril.
Com efeito, conforme resulta dos autos, a prótese que a seguradora já forneceu ao sinistrado não pode ser utilizada na água e não existe actualmente uma única prótese que possa ser utilizada dentro e fora de água. Como decorre do parecer maioritária dos Srs. Peritos médicos que compuseram a junta de fls. 673 e 674, o sinistrado beneficiará com o uso de prótese resistente à água, uma vez que a mesma dispensa a necessidade de ajuda de terceira pessoa, nomeadamente na sua higiene pessoal. Ora, o que se pretende na reparação dos danos derivados dum acidente de trabalho é, não apenas compensar a perda da capacidade de ganho, mas tanto quanto possível recuperar o sinistrado para a vida activa – esta é a razão pela qual o Tribunal entende que o sinistrado tem direito à prótese de banho requerida e à sua renovação.
O conceito de vida activa não é colado ao conceito de vida activa laboral, mas tem esse alcance mais geral, mais próximo da reparação natural, que é a vida que o sinistrado tinha – ou podia ter – antes de ter sofrido as lesões que lhe resultaram do acidente.
Pelo exposto, defere-se a pretensão do sinistrado, condenando-se a C… – Companhia de Seguros, S.A. a fornecer ao sinistrado a prótese de banho melhor identificada no orçamento de fls. 594 e fotografias de fls. 641 e 642.”.
Do assim decidido discorda a Recorrente, alegando que: do parecer do Centro de Reabilitação Profissional e em conjugação com as respostas da junta médica, a prótese em questão tem como fim único ser usada para tomar banho, quer em casa, quer na praia ou na piscina, não sendo todavia adequada à deambulação; como considerado, por unanimidade, pela junta médica, a prótese não potencia a capacidade de trabalho e não contribui para o desempenho da atividade profissional, radicando a sua única utilidade no facto de dispensar a necessidade de terceira pessoa, nomeadamente na sua higiene pessoal (tomar banho); no entanto, como também disseram os peritos, o sinistrado, com casa de banho adaptada (havendo já a Recorrente pago os custos dessa readaptação), pode tomar banho sem prótese, assim como o pode na praia ou na piscina, para além de que o sinistrado não carece de tratamentos de hidroterapia; não foi dada, pelo mencionado Centro de Reabilitação Profissional, nem pelos peritos médicos, qualquer justificação no sentido da prótese ser necessária e adequada ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho, nem à sua recuperação para a vida ativa, antes pelo contrário atenta a resposta negativa ao quesito 4 de fls. 654; tal prótese não é, pois, uma das prestações em espécie consignadas no art. 10º, al. a), da Lei 100/97.

2.1. Desde já se dirá que se acompanha a decisão recorrida e sua fundamentação.
Ao caso, atenta a data do acidente de trabalho (27.06.2007), é aplicável a Lei 100/97, de 13.09 e o DL 143/99, de 30.04, que a regulamentou.
Dispõe o art. 10º , al. a), da citada Lei 100/97, que: “[o] direito à reparação, em espécie, abrange as prestações de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica, hospitalar e quaisquer outras, seja qual for a sua forma, desde que necessárias e adequadas ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado e à sua recuperação para a vida ativa.”
Por sua vez, os arts. 23º, nº 1, al. g), e 36º do DL 143/99, de 30.04, dispõem que:
Artigo 23º
(Modalidades das prestações)
1 As prestações em espécie previstas na alínea a) do artigo 10º da lei têm por modalidades:
(…)
g) Fornecimento de aparelhos de prótese, ortótese e ortopedia, sua renovação e reparação;
(…).
Artigo 36º
(Aparelhos de prótese, ortótese e ortopedia)
1. Os aparelhos de prótese, ortótese e ortopedia devem ser, em cada caso, os considerados adequados ao fim a que se destinam pelo médico assistente.
2. O direito aos aparelhos de prótese, ortótese e ortopedia abrange os destinados à correcção ou compensação visual, auditiva ou oura, bem como a prótese dentária.
3. Quando houver divergência sobre a natureza, qualidade ou adequação de aparelhos de prótese, ortótese e ortopedia ou sobre a obrigatoriedade ou necessidade da sua renovação ou reparação deve solicitar-se o parecer de serviços competentes em matéria de reabilitação profissional.

Do citado art. 10º decorre que a reparação em espécie não abrange, apenas, o restabelecimento da capacidade de trabalho do sinistrado, mas também do seu estado de saúde e, ainda, da sua recuperação para a vida ativa. E, esta, não se restringe à sua vida ativa laboral [se assim não fosse não faria sentido a distinção legal], mas, como diz Carlos Alegre, in Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais, 2ª Edição, Almedina, pág. 74, abrange também os aspetos ligados à sua condição humana. A vida ativa abrange todos os aspetos da vida pessoal e social que, aferida por padrões de normalidade, as pessoas levam a cabo na sua vivência, ainda que com caráter lúdico, também estes necessários a uma sã existência, física e psíquica.
Importa também referir que o órgão em causa no caso concreto – perna -, tem como funcionalidade permitir, em equilíbrio, a locomoção e, bem assim, todos os atos que envolvam, em equilíbrio, a sustentação da pessoa, sendo que, como refere Carlos Alegre, in ob. citada, p. 205, prótese é a adição artificial que tem por fim substituir um órgão de que se faz ablação ou amputação parcial ou total.
No caso, o que está em causa é uma prótese para banho, sendo que a que o sinistrado tem não permite apanhar água, sob pena de se estragar.
É certo que, como diz a Recorrente, a prótese agora pretendida pelo sinistrado não é adequada à deambulação, mas também não é esse o fim para que o sinistrado a requer e para que a pretende utilizar, pelo que tal argumento é irrelevante.
Assim como é irrelevante que essa prótese não se destine à recuperação do sinistrado para o exercício da sua atividade profissional (até porque padece de IPATH) e/ou para o exercício de outra atividade laboral, pois que o que está em causa é a recuperação da vida ativa do sinistrado o que, como se disse, está contemplado no art. 10º, nº 1, al. a), da Lei 100/97 e abrange a sua vida pessoal, social e a sua dignidade enquanto ser humano, havendo a necessidade da prótese que ser aferida por critérios de normalidade.
De acordo com as respostas dos Srs. Peritos médicos que intervieram na junta médica, o sinistrado, para tomar banho, necessita de retirar a prótese que lhe foi facultada, deslocar-se com o auxílio de canadianas e apoiar o coto em banco ou estrutura similar com a mesma altura da prótese para manter o equilíbrio, assim como para frequentar piscina ou ir á praia, caso pretenda ir à agua, só o pode fazer com a utilização das canadianas, sem a prótese que lhe foi facultada, o que lhe retira autonomia e dificulta a deslocação [e, diga-se, é manifesta a dificuldade e incomodidade, senão mesmo a perigosidade, na praia e, até, na piscina, da ida do sinistrado à agua com o auxílio de canadiana e/ou, sem o auxílio desta, apenas com o apoio de uma perna]. E, por maioria [peritos do Tribunal e do sinistrado], consideraram ainda que o sinistrado beneficiaria com o uso de prótese resistente à água, uma vez que a mesma dispensa a necessidade de ajuda de terceira pessoa, nomeadamente na sua higiene pessoal (tomar banho) e que entendem assim ser de atribuir prótese de banho ao sinistrado.
Também de acordo com o parecer do Centro de Reabilitação Profissional as “[a]s próteses de banho são construídas com materiais resistentes à água, tendo como finalidade principal promover autonomia, quer na atividades inerentes à higiene (banho), quer nas recreativas (piscina, praia). (…). A prótese de banho é indicada para (i) permitir que a pessoa consiga efetuar a sua higiene em segurança (entrar na banheira/poliban sem auxílio de terceira pessoa e tomar banho em bipedestação, com maior controlo do equilíbrio), e (ii) possa frequentar piscinas e praias, praticar natação ou em exercício em meio aquático. (…). Têm uma finalidade específica, sendo úteis apenas para os propósitos que lhes estão associados.”
A utilidade da prótese aquática, para os fins a que se destina, é pois manifesta, estando bem demonstrada, no parecer do referido Centro, bem como nas respostas da junta médica acima referidas.
E, por outro lado, os fins a que a sua utilização de destina afiguram-se-nos que se inserem na recuperação do sinistrado para a sua vida ativa, ainda que de natureza pessoal, lúdica e/ou social, e que naquela – vida ativa - também estão contemplados, aferidos, tais fins (pessoais, lúdicos e/ou sociais), por padrões de normalidade, perante o padrão de vida do homem médio.
A prótese em causa permite, desde logo e importantíssimo, maior autonomia e segurança do sinistrado na sua higiene diária – banho -, o que nem é tão pouco uma atividade lúdica ou social, mas um ato indispensável ao ser humano. E, diga-se, as obras de readaptação da habitação a que a Recorrente se reporta não suprem a falta do membro inferior.
Permite também maior autonomia e segurança na água nas idas à praia e piscina, atividades estas que se mostram, de acordo com o referido critério, dentro dos parâmetros da normalidade, atividade essa que, embora lúdica e recreativa, também se insere na recuperação da vida ativa do sinistrado.
Afigura-se-nos, pois, irrelevante que os srs. Peritos médicos tenham considerado que a prótese em apreço não potencie a sua capacidade ou desempenho profissional e que, à pergunta se a mesma era necessária para sua recuperação para a vida ativa, hajam respondido que não. Esta é, aliás, uma conclusão vaga e genérica, que não se encontra suportada em qualquer outro elemento e é contrariada pelas demais respostas e parecer do Centro de Reabilitação Profissional quanto às funções da prótese, à autonomia e segurança para o sinistrado que a sua utilização proporciona, à recuperação, tanto quanto possível, da sua dignidade mormente para tarefa básica da sua vida (higiene diária - banho), para além de que decorre das regras da experiência comum que a recuperação, tanto quanto possível e ainda que por meios artificiais (prótese) da funcionalidade do membro amputado, será útil ao bem estar físico e psíquico e à recuperação para a vida ativa.
Aliás, a prótese visa a substituição, tanto quanto possível, da funcionalidade do órgão amputado (no caso, a perna) e essa funcionalidade apenas será alcançada com a conjugação da prótese que lhe permite a deambulação e da que lhe permite o banho.
Assim sendo, e nesta parte, improcedem as conclusões do recurso.

3. Se a IPP fixada ao A. não deve ser bonificada com o fator 1,5 previsto no nº 5, al. a), das instruções gerais da TNI.

Tem esta questão por objeto saber se a IPP de que o A. ficou a padecer (para além da IPATH) deve ser, ou não, bonificada com o fator de 1,5 previsto no nº 5, al. a) das Instruções Gerais constantes do Anexo I da TNI aprovada pelo DL 352/2007, de 23.10.
A sentença recorrida atribuiu o referido fator, do que discorda a Recorrente alegando em síntese que que os Srs. Peritos médicos que intervieram na junta médica não a atribuíram e que o mesmo não é cumulável com uma situação de IPATH.

3.1. Conquanto o laudo pericial não seja vinculativo para o tribunal, tendo em conta os especiais conhecimentos técnico-científicos dos peritos médicos de que o juiz não dispõe, sempre poderá e deverá o Tribunal dele discordar se, com evidência e segurança, dele decorrer a sua desconformidade com a concreta situação factual e/ou com a legislação aplicável.
Por outro lado, concretamente no que se reporta à atribuição ou não do fator de bonificação de 1,5 previsto no nº 5, al. a) das Instruções Gerais constantes do Anexo I da TNI aprovada pelo DL 352/2007, de 23.10, é esta uma questão cuja decisão compete, essencialmente, ao tribunal se e quando demonstrados os pressupostos de que depende a sua aplicabilidade: i) se o sinistrado não for reconvertível no posto de trabalho; ii) ou se tiver 50 anos ou mais, conforme adiante melhor se dirá. E é uma questão meramente jurídica a de saber se a atribuição de tal fator é ou não cumulável com uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH).
E, assim sendo, improcede o primeiro dos argumentos invocados.

3.2. Dispõe a mencionada instrução que:
“Os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo factor 1,5, segundo a fórmula: IG + (IG x 0,5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor.”.
Sendo que, na correspondente instrução constante da anterior TNI (então aprovada pelo DL 341/93, de 30.09 e revogada pela acima mencionada), se dispunha que: “Sempre que se verifique perda ou diminuição de função inerente ou imprescindível ao desempenho do posto de trabalho que ocupava com carácter permanente, os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados com uma multiplicação pelo factor 1,5, se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais.”
Do referido facilmente se conclui que deixou de constituir requisito da atribuição do aludido fator de bonificação a perda ou diminuição de função inerente ou imprescindível ao desempenho do posto de trabalho, continuando todavia a exigir-se que ou o sinistrado não seja reconvertível em relação ao posto de trabalho ou que tenha 50 anos ou mais.

Diga-se que, no caso, se verificam os dois mencionados pressupostos previstos na instrução: o sinistrado encontra-se afetado de uma incapacidade permanente absoluta para o seu trabalho habitual (IPATH), do que manifestamente decorre que não é reconvertível no seu posto de trabalho; e, tendo por referência a data a partir da qual a incapacidade foi revista (03.02.2015) e a sua data de nascimento (25.01.1963), tinha mais de 50 anos.
A questão é, pois e tão só, a de saber se, pelo facto de ser portador de IPATH não deverá beneficiar da aplicação do referido fator.

3.3. A questão da possibilidade de cumulação da IPATH com a atribuição do fator de bonificação de 1,5 não é nova, sendo a jurisprudência do STJ uniforme e reiterada no sentido de que nada impede tal cumulação, acórdãos esses de que citamos, a título exemplificativo, os de 19.03.2009, Processo 08S3920, de 29.03.2012, proferido no Processo 307/09.1TTCTB.C1.S1, e de 05.03.2013, proferido no Processo 270/03.2TTVFX.1.L1.S1, todos consultáveis in www.dgsi.pt e que passaremos a transcrever:

3.3.1. Assim, no primeiro dos mencionados Acórdãos (19.03.2009), refere-se que:

“ 2. Importa, então, ajuizar se, ocorrendo incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, na determinação do valor final da incapacidade é aplicável uma bonificação, consistente na multiplicação pelo factor 1,5, conforme o estipulado na alínea a) do n.º 5 das «Instruções gerais» da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais (TNI), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 341/93, de 30 de Setembro.
No domínio de aplicação da sobredita TNI, este Supremo Tribunal teve a oportunidade de se pronunciar acerca da questão enunciada, no acórdão de 16 de Junho de 2004, Processo n.º 1144/04, da 4.ª Secção (Secção Social), cuja orientação foi reafirmada no acórdão de 2 de Fevereiro de 2005, Processo n.º 3039/04, da 4.ª Secção, que concluiu no sentido de que «[t]endo o sinistrado ficado afectado de uma IPP de 61% e incapaz para o exercício da profissão habitual, a tal grau de incapacidade deve ser aplicado, para efeitos do cálculo do valor da pensão, o factor de bonificação de 1,5 previsto no n.º 5, alínea a), das Instruções Gerais da TNI, não sendo este «incompatível com as disposições da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, nomeadamente com o preceituado no n.º 1, alínea b), do [seu] artigo 17.º»
(…)
Para que se verifique a falada bonificação, a par da perda ou diminuição de função inerente ou imprescindível ao desempenho do posto de trabalho que ocupava com carácter permanente, exige-se que a vítima não seja reconvertível em relação ao posto de trabalho ou que tenha 50 anos de idade ou mais.
No caso vertente, resulta da factualidade apurada nos autos que a sinistrada desempenhava as funções de trabalhadora rural e que, em consequência das lesões sofridas no acidente, apresentava «[r]igidez do ombro direito e sequelas de lesão do nervo circunflexo», sendo-lhe atribuída a «IPP de 31,8%, com incapacidade para a profissão habitual», pelo que, atentas as funções exercidas pela sinistrada, verifica-se perda de função inerente e imprescindível ao desempenho do seu posto trabalho.
Assim sendo, e porque a sinistrada nasceu em 7 de Abril de 1952, tendo, à data do acidente e da alta, mais de 50 anos, na fixação do grau de incapacidade permanente devia ter sido levado em conta o questionado factor 1,5 de bonificação.
Tal como pondera a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta, não se justifica «que se faça uma interpretação diferente quando estamos ou não estamos perante uma situação de IPATH. Na verdade, mal se compreende que se trate de modo diferente uma situação em que o sinistrado continue a desempenhar o seu trabalho habitual com mais esforço, e uma situação em que esteja impedido permanente e absolutamente de o realizar. É que, pelo menos, teoricamente, em qualquer dos casos, haverá sempre que ter em conta o esforço que é exigido ao trabalhador para o desempenho de outros trabalhos, quando o mesmo está afectado de uma IPATH, traduzido, como não pode deixar de ser, no esforço que terá de desenvolver para se adaptar a novas funções, quanto mais não seja, e é o caso, quando o trabalhador já ultrapassou uma determinada idade (mais de 50 anos), devendo tal esforço ser também […] compensado com a aplicação do factor de bonificação aqui em causa.» ».

3.3.2. No segundo dos Acórdãos citados (29.03.2012), diz-se que:
«(…)
Reapreciada a questão, sufraga-se inteiramente a fundamentação transcrita, que tem perfeito cabimento no caso em apreciação.
Na verdade, mal se compreenderia que se tratasse de modo diferente uma situação em que o sinistrado continuasse a desempenhar o seu trabalho habitual com mais esforço, e uma situação em que estivesse impedido permanente e absolutamente de o realizar. É que, em qualquer dos casos, haverá que ter em conta o esforço que é exigido ao trabalhador para desempenhar a sua actividade profissional, traduzido, quando o mesmo está afectado de uma IPATH, no esforço que terá de desenvolver para se adaptar a novas funções, devendo o mesmo ser também compensado com a aplicação do factor de bonificação em apreciação.
Acresce que não se desenha qualquer incompatibilidade entre a aplicação do assinalado factor de bonificação e o estipulado na alínea b) do n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, como pretende a seguradora recorrente, porquanto uma coisa é o cálculo da prestação por incapacidade devida ao sinistrado, operado nos termos da citada alínea, outra é a aplicação da questionada bonificação.
No caso, resulta da factualidade apurada que o sinistrado foi vítima de um acidente quando, como supervisor de construção, procedia à verificação/orientação dos trabalhos de colocação de laje de cimento em cima de um andaime e este partiu, tendo caído de cabeça no chão, o que lhe causou sequelas neurológicas graves, que lhe determinaram uma IPP de 53% (0,53), com IPATH.
Ora, a não reconvertibilidade do sinistrado em relação ao posto de trabalho resulta da reconhecida incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, atentas as sequelas resultantes do acidente de trabalho que sofreu.
Justifica-se, pois, a bonificação do valor final da incapacidade com base na multiplicação pelo factor 1,5 previsto na alínea a) do n.º 5 das «Instruções gerais» da Tabela Nacional de Incapacidades, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, pelo que improcedem as conclusões da alegação do recurso de revista.”. [sublinhado nosso]

3.3.3. E, no mesmo sentido, no terceiro dos Acórdãos mencionados (05.03.2013) refere-se o seguinte:
«“Não se sufragando a solução eleita no Acórdão sub judicio – como se adianta desde já – os conhecidos argumentos da recorrida, respeitáveis embora, não são seguramente razão bastante, susceptível de induzir-nos à reponderação/alteração do entendimento, há muito firmado e mantido, de modo reiterado e pacífico, neste Supremo Tribunal e Secção.
Com efeito – como ainda recentemente se proclamou no Acórdão de 24.10.2012, tirado na Revista n.º 380/10.4TTOAZ.P1.S1, em que interviemos e que, por óbvias razões, acompanhamos de muito perto –, não ocorre incompatibilidade entre o estatuído na alínea b) do n.º 1 do art. 17.º da LAT/Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, e na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da TNI, podendo cumular-se os benefícios nela estabelecidos.
Valendo aqui igualmente a fundamentação expendida (e oportunamente usada também no Acórdão desta Secção tirado na revista n.º 307/09.1TTCTB.C1.S1, de 29.3.2012, a que se alude no Aresto acima citado), transcrevemos dele o excerto seguinte:
(…)
Considerando apenas como relevante a verificação de um dos dois requisitos postulados – …sem embargo de, à data em que é reconhecida a diminuição decorrente da IPATH, o sinistrado já ter mais de 50 anos – diremos, como também se concluiu e aqui se não discute, que, atenta a natureza da actividade profissional por si desenvolvida e as lesões permanentes de que ficou afectado, a hipótese da reconversão profissional do sinistrado, relativamente ao seu posto de trabalho, não seria realmente equacionável, resultando aliás como corolário inevitável da reconhecida incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual.
A equânime compreensão da realidade subjacente a ambas as situações não consente outra leitura da falada Instrução da TNI, ou seja, não se vê justificação plausível para que se trate diversamente o caso em que o sinistrado continua a desempenhar o seu trabalho habitual, com mais esforço, e aquele em que o mesmo esteja impedido, permanente e absolutamente, de o realizar: em qualquer dos casos – usando as palavras certas do citado Acórdão de 24.10.2012 – haverá que ter em conta o esforço que é exigido ao trabalhador para desempenhar a sua actividade profissional, traduzido, quando o mesmo está afectado de IPATH, no acrescido sacrifício que terá de desenvolver para se adaptar a novas funções, devendo por isso o mesmo ser também compensado com a aplicação do factor de bonificação em apreciação.
Procedem, assim, as conclusões da motivação recursória, pelo que, sendo devida a bonificação do valor final da incapacidade, multiplicada, por isso, pelo factor 1,5, o ajuizado em contrário não pode subsistir, havendo que revogar o respectivo segmento decisório do Acórdão sob censura.». [realce a negrito nosso]

3.3.4. Por fim, mas não menos importante, o STJ, no seu Acórdão nº 10/2014, de 28.05.2014, in DR, I Série, de 30.06.2014, uniformizou jurisprudência no sentido de que «[a] expressão “se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho”, contida na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho ou Doenças Profissionais, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, refere-se às situações em que o sinistrado, por virtude das lesões sofridas, não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente.», referindo-se, a dado passo da sua fundamentação, que:
“ (…) aquele segmento normativo «não reconvertível em relação ao posto de trabalho», como pressuposto da bonificação prevista naquela alínea, refere-se às situações em que o sinistrado não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao posto de trabalho que desempenhava antes do acidente.
A reconversão em relação ao posto de trabalho prevista naquela norma materializa-se no regresso do sinistrado ao desempenho das funções que tinha quando ocorreu o acidente, apesar das limitações em termos de capacidade que trabalho que do mesmo decorreram.
Pode, assim, afirmar-se que um trabalhador que foi vítima de um acidente de trabalho é reconvertido em relação ao posto de trabalho que tinha antes do acidente quando o pode retomar, apesar das limitações funcionais de que seja portador em consequência do acidente sofrido.
Quando esse regresso não seja possível, quando essa retoma não seja possível, o trabalhador não é susceptível de reconversão nesse posto de trabalho.
(…)
Adite-se que na linha da jurisprudência definida nesta secção[…] os casos de IPATH são situações típicas de não reconvertibilidade do sinistrado em relação ao seu anterior posto de trabalho.
(…)”

3.4. Do transcrito decorre, pois, que não existe incompatibilidade entre a atribuição de IPATH e do fator de bonificação, sendo aquela uma das situações típicas em que, precisamente, deverá ser atribuído tal fator. Mais decorre que a irreconvertibilidade no posto de trabalho é a consequência ou corolário inevitável da incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual.
Com efeito, o requisito relativo à irreconvertibilidade no posto de trabalho reporta-se ao “posto de trabalho” do sinistrado, ou seja, ao conjunto de funções que integram a atividade profissional que o mesmo desempenhava, pelo que, se foi ao sinistrado atribuída uma IPATH, tal significa, necessariamente, que o mesmo está, de forma permanente e absoluta, incapacitado para desempenhar a sua atividade profissional habitual; e se assim é, não se vê como possa o mesmo ser reconvertível nessa mesma atividade/posto de trabalho.
Deste modo, e em conclusão, a existência de IPATH não é incompatível com a atribuição do fator 1,5 e, por outro lado, é irrelevante que os Srs. Peritos médicos não o tenham atribuído.
Deste modo, e também nesta parte, improcedem as conclusões do recurso.
***
IV. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.

Porto, 10.10.2016
Paula Leal de Carvalho
António José Ramos
Jerónimo Freitas
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[1] Cuja participação a juízo deu entrada aos 27.06.2008.