Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
16097/15.6T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA CECÍLIA AGANTE
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
DEVERES DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RP2019021216097/15.6T8PRT.P1
Data do Acordão: 02/12/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º872, FLS.152-167)
Área Temática: .
Sumário: I - A relação de confiança Banco/cliente desenrola-se, por regra, numa relação complexa e duradoura, que se desdobra em recíprocos deveres, como sejam i) deveres de proteção; ii) deveres de informação; iii) deveres de lealdade.
II - E estes deveres são tanto mais intensos e extensos quanto mais inexperiente e não qualificada for a contraparte, por forma a compensar o desnível de informação.
III - Não há, contudo, violação de qualquer desses deveres por parte do intermediário financeiro que não avisou o cliente que, em junho de 2013, investiu em obrigações subordinadas do Grupo E…, sem a prova de que aquele conhecia o risco de insolvência do E….
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º16097/15.6T8PRT.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
(Juízo Central Cível do Porto - Juiz 7)
Acórdão
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório
B…, casado, residente em Rua …, …, …. - …, Castro Daire, e C…, viúva, residente na Rua …, …, …. - … Castro Daire instauraram a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra Banco D…, SA, … com sede …, no ..., …. - … Porto, pedindo a sua condenação no pagamento:
- ao Autor da quantia de €413.603,59 (quatrocentos e treze mil seiscentos e três euros e cinquenta e nove cêntimos), acrescida de juros contados à taxa legal desde a sua citação até integral pagamento;
- à Autora da quantia de €103.319,21 (cento e três mil e trezentos e dezanove euros e vinte e um cêntimos) acrescida de juros contados à taxa legal desde a sua citação até integral pagamento.
Alegaram, para tanto, que tais quantias correspondem ao prejuízo decorrente da perda total do investimento que efetuaram junto do demandado, em virtude dele ter incumprido os deveres de informação a que estava vinculado enquanto intermediário financeiro da operação de aquisição de obrigações subordinadas do E1…, quer na fase pré-contratual, quer na fase de execução do contrato de intermediação. O Autor é titular da conta de depósitos à ordem com o no ……. e a Autora é cliente do Banco Réu, sendo titular juntamente com o aqui Autor, seu filho, da conta de depósitos ordem com o no ……….., ambas domiciliadas no balcão do Réu, F…, sito na Avenida …, no …, em Viseu. O Autor é cliente “F1…”, tendo, em função dessa qualidade, um atendimento personalizado, nomeadamente no aconselhamento bancário em instrumentos financeiros. Em junho de 2013, contactou telefonicamente o seu gestor de conta, o Sr. G…, funcionário do Réu, pedindo-lhe aconselhamento, para a compra de dívida sénior do Banco E… e, em vez dos títulos pretendidos do grupo “Banco E…”, foram-lhe oferecidos outros produtos que, embora tivessem uma cotação mais alta (cerca de 98% em vez de 93%), a diferença seria compensada com o rendimento que seria não de 5%, como os primeiros, mas de 6,875%, sem nunca lhe ter informado que iria comprar obrigações subordinadas. Ordenou, então, a venda de obrigações do D… para reinvestir em produto fidedigno e a ordem de compra da pretendida dívida sénior. O seu gestor de conta enviou-lhe, por fax, para a Suíça, a ordem de venda e de compra – para ser assinado e devolvido pelo mesmo meio, o que foi feito, e igual procedimento foi usado com a Autora. No total foram descontados da conta do Autor o valor de €413.603,59, e da conta da Autora o valor de €103.319,21, valores que incluem as despesas com a operação. Em meados de junho de 2014, o Autor solicitou ao seu gestor de conta que vendesse €200.000,00 dos títulos adquiridos e ele propôs-lhe fazer um crédito pessoal no valor de €125.000,00, com juros máximos de 5%, para concluir uma edificação. Mais uma vez confiou no seu gestor de conta e nas informações bancárias e aceitou a proposta, subscrevendo-a. No Verão de 2014, com o colapso financeiro do Banco E… e a falência do E1… foi remetida ao Autor uma comunicação de que tinha sido suspensa em bolsa a cotação e a negociação de títulos, altura em que tomou conhecimento que as obrigações eram subordinadas, ou seja, eram títulos de dívida júnior e não sénior. Tais obrigações subordinadas estão suspensas de comercialização e o capital investido está totalmente perdido. Ao Réu, como intermediário financeiro, incumbia o dever de informação dos riscos da operação, pelo que, não o tendo feito, incorreu em responsabilidade civil, conforme previsão do artigo 304o-A do CVM.
O Réu contestou, aceitando que o seu funcionário remeteu aos Autores os documentos de venda e de compra dos títulos e opondo que o investimento realizado se adequava ao perfil do Autor, habituado a investir em títulos complexos de risco mais elevado, e essa a razão pela qual fez aplicação idêntica no Banco H…. Mais alegou que o seu funcionário não aconselhou o investimento em quaisquer títulos, nem nas obrigações subordinadas E1…. Limitou-se a dar indicação da sua existência e possibilidade de aquisição no mercado, deixando ao Autor a total liberdade de fazer o que entendesse, sem qualquer sugestão ou aconselhamento. De todo o modo, ignora-se se as Obrigações Sénior, hoje no N…, vão ou não sofrer perdas e, na afirmativa, em que montante. Concluiu na defesa da improcedência da ação.
Feita a instrução do processo, realizou-se a audiência de julgamento com observância do legal formalismo e foi proferida sentença que julgou a ação improcedente.
Inconformados, os Autores apelaram da sentença, concluindo a sua alegação do seguinte modo:
“1. Existem nos autos todos os elementos de prova que permitiriam à Meritíssima Juiz a quo, responder diferentemente a determinados pontos da matéria factual e, incorreu em erro na apreciação das provas.
2. No entender dos AA., ora Recorrentes, deviam ter sido considerados provados osfactos constantes dos artigos 10o, 12o e 34o da petição inicial.
3. Diversamente, deviam ter sido considerados não provados os factos constantes dos pontos 30 e 41 da matéria de facto provada.
4. Entendem, pois, os Recorrentes não existir um fio condutor de raciocínio lógico do julgador, pois os factos julgados como não provados, colidem inconciliavelmente com os factos dados como provados, ocorrendo assim, vício de contradição insanável entre a fundamentação probatória da matéria de facto. Assim,
5. O facto no 7 resultou provado em consequência do acordo manifestado pelo banco Réu que não impugnou tais factos. E assim sendo, nunca o Tribunal a quo podia ter dado como não provado que “O Autor questionou se os títulos de dívida do “E1…” sugeridos ofereciam as mesmas garantias que os títulos que o seu irmão havia adquirido e de que lhe falara, tendo obtido como resposta a garantia de que o produto era idêntico ao pretendido, isento de risco e que a única diferença era a de que os títulos tinham sido emitidos no Luxemburgo.”
6. Por outro lado, ao dar como provado o facto n.o 8, carece de qualquer sentido lógico dar como não provado que “O Sr. G… comunicou ao Autor que o Departamento de Mercados Acionistas do D… teria aconselhado a este a compra de outros produtos que, embora tivessem uma cotação mais alta (cerca de 98% e vez de 93%), a diferença seria compensada com o rendimento que seria não de 5%, mas de 6,875%”.
7. Pois que, além de não ter sido alvo de impugnação por parte do Réu o facto constante do artigo 10o da petição inicial, a prova de tal facto resulta da prova documental, designadamente dos e-mail’s que foram assumidamente enviados pelo gestor de conta ao A. e que constam de fls. 134 dos autos.
8. Efetivamente, a testemunha G… reconheceu ter remetido ao A. o e-mail com destaque para as obrigações do E1… (doravante E1…) e de onde constavam essas informações, que haviam sido por si pedidas ao departamento de mercados. Além de que, o facto de a referida testemunha ter conferido particular destaque àquele produto (colocando-o a bold, conforme resulta do e-mail que remeteu ao A./Recorrente), significa, exatamente, que entendia ser o adequado para o cliente.
9. Já quanto à circunstância de o Tribunal não ter dado como provado o facto alegado no artigo 13o da petição inicial, entendem os AA/Recorrentes que também neste ponto, incorreu o Tribunal em erro de apreciação da prova, desde logo, por entrar em contradição com o que considerou provado no facto 20.
10. Isto porque, se o Douto Tribunal a quo dá como provado que por parte do gestor de conta dos AA, não foi explicado que estariam a adquirir obrigações subordinadas, então, e seguindo um raciocínio lógico, está também a considerar que as opções dadas ao A. no e-mail de 06.06.2013 foram pedidas sem ter em conta a análise prévia ao tipo de produto pretendido, o que, em consequência, faz crer que o gestor de conta, ao apresentar as soluções ao A., as «publicitasse» como sendo iguais ou pelo menos idênticas ao produto pretendido.
11. Resulta pois, com evidência, ter sido garantido ao A. a fiabilidade daquele produto (Obrigações E1…) como sendo de baixo risco, como o são os títulos de dívida sénior que pretendia adquirir.
12. Do mesmo modo, não devia ter sido dado como não provado o artigo 34o da petição inicial, porquanto se o gestor de conta dos AA./Recorrentes soubesse e tivesse conhecimento alargado em produtos financeiros, nunca teria tido a necessidade de pedir a informação pretendida junto do Departamento de Mercados e, mesmo, reforçar esse pedido (também como resulta do e-mail de 06.06.2013 – fls. 134 dos autos).
13. Aliás, aquele gestor, quando questionado pela mandatária dos AA. sobre se conhecia exatamente as características de cada um dos produtos constantes do e-mail quando os propôs ao cliente, respondeu que “Não. As características deste produto são exatamente estas que estão enunciadas: a taxa, maturidade e por aí fora....” [Extrato do depoimento de G… 00:18:02], aqui evidenciando evidente falta de informação nos produtos aconselhados através do referido correio eletrónico.
14. Faz-se notar também, qua na fundamentação referente ao facto provado n.o 20, ter a Mma. Juiz a quo valorado o depoimento da testemunha Dr. J… que referiu que a banca de retalho não tinha, na altura, formação adequada para saber a diferença entre obrigações subordinadas e obrigações seniores.
15. Ou seja, dá-se por assente a efectiva falta de formação dos funcionários em exercício de funções na banca a retalho, pelo que, tal evidência, por si só, era bastante para dar como provado o artigo 34o alegado pelos AA. na petição inicial.
16. Já quanto à matéria de facto considerada provada no ponto 41 da Douta Sentença, entendem os Recorrentes que o mesmo colide frontalmente, com o facto não provado “- O Autor efetuou no banco Réu, em data anterior a junho de 2013, os seguintes investimentos: a) Em 18 de fevereiro de 2009, comprou 4460 CERTIFICADOS …/… (03/2012); b) Em 19 de março e 3 de abril de 2009, respetivamente, comprou 1700 e 2121 CERTIFICADOS …; c)Em 26 de junho de 2009, comprou 50 obrigações F…. VALOR CAPITAL 2009.
17. Além do mais, a prova do facto 41, carecia da apresentação do respectivo documento que o comprovasse, designadamente, que discriminasse os títulos aqui mencionados, documento esse que tendo merecido impugnação por parte dos AA. carecia da necessária prova em julgamento. E também na audiência, pretendeu o Réu juntá-lo, tendo merecido indeferimento por parte da Mma. Juiz a quo.
18. Ora, inexistindo prova documental, única, parece-nos, que podia levar à prova do facto 41, conduz a que o mesmo tenha de considerar-se como não provado.
19. Diga-se também, que a circunstância de o gestor de conta dos AA. ter apenas iniciado essas funções no início do ano de 2013, sendo que os factos se reportam a junho de 2013 [Extracto do depoimento da testemunha G… 00:21:32], faz crer que aquele, à data dos factos, não conhecesse assim tão bem assim o perfil de investidor do A. e, principalmente a alegada apetência pela «aposta» em produtos financeiros de risco.
20. Sendo que o perfil de investidor dos AA. resultou provado nestes autos, como sendo, e efetivamente é, um perfil conservador, de alguém que não está disponível para correr o risco de perda das suas economias.
21. E o facto de tratar com o cliente, ora Recorrente e A. à distância, portanto, grande parte das vezes, por telefone ou mail, vem reforçar ainda mais esta convicção.
22. Já quanto ao facto n.o 30 dado como provado na douta sentença a quo, também entendem os Recorrentes ter sido este incorretamente apreciado.
23. Isto porque, das declarações da testemunha K…, funcionário do Banco Réu em funções no Departamento de Mercados Bolsistas, resulta com evidência, o conhecimento por parte do Banco especificamente e, ao que parece, de todo o universo bancário, que desde 2012 que o grupo E… já vinha apresentando algumas dificuldades, tendo, aliás, comentado com o G… isso mesmo.
24. Atente-se, neste jaez, aos extractos do depoimento da testemunha K… 00:04:39, 00:35:56 e 00:36:34.
25. Portanto, na sequência do contato telefónico ocorrido entre os funcionários do Banco réu G… e K…, este último informava o colega da situação instável que o E… vivia.
26. E daí que, contrariamente ao decidido pelo douto Tribunal a quo, o banco Réu tinha evidente conhecimento da situação financeira do grupo E… e da possibilidade iminente de risco de perda do investimento, se não todo, pelo menos em parte, nas obrigações E1….
27. Ora, tratando-se o produto sugerido ao cliente de obrigações subordinadas júniores, e atenta a já conhecida situação instável do E…, era mais do que provável o risco de perda do investimento.
28. Resulta assim, que devia o Digníssimo Tribunal a quo ter dado como provado o facto de o investimento aconselhado ter os evidentes riscos inerentes à situação de instabilidade financeira do grupo E…, facto que o gestor de conta dos AA. omitiu totalmente.
29. E, portanto, provando-se o conhecimento do R. relativamente à situação de instabilidade financeira do grupo E…, do mau aconselhamento, da evidente falta de informação prestada ao cliente, sendo que foi exactamente este mau aconselhamento que viria a causar os danos irreparáveis aos AA., o Tribunal tinha, necessariamente, de dar por verificado o nexo de causalidade entre a omissão da aludida informação relativa às características das obrigações do E1…, em caso de insolvência, e o dano sofrido pelos Autores.
30. Com efeito, não podem resultar dúvidas quanto ao produto pretendido pelo A., pois é a própria testemunha, gestor de conta, que refere no seu depoimento que “...o senhor B… pretendia mesmo esse tipo de investimento. E houve realmente uma altura em que ele esteve no balcão....já não me recordo se foi presencialmente se foi ao telefone, mas muito provavelmente ao telefone, porque grande parte dessas coisas eram feitas por contatos telefónicos. Portanto, ele perguntou se nós tínhamos então, a obrigação que o irmão também, pelos vistos, possuía, que era uma obrigação do E… e se nós conseguíamos adquirir essa mesma obrigação.” [Extrato do depoimento da testemunha G… 00:02:59].
31. E também a testemunha K… confirma isso mesmo: “(...) O colega de Viseu telefonou e disse que tinha um cliente de Viseu que pretendia comprar umas obrigações do E…, mas essas obrigações do E… só eram comercializadas e só são comercializadas pelo Banco E…, e nós, obviamente, dissemos que não detínhamos esse tipo de obrigações e ainda para mais porque já na altura se falava que o E… podia não estar muito bem, e para estar a dar essas taxas já estávamos com taxas negativas e, portanto, achámos logo muito estranho e dissemos que não.” (vide transcrição supra do extrato do depoimento da testemunha G… 00:04:39).
32.Na fundamentação da douta sentença a quo, o digníssimo Tribunal entendeu não aceitar as declarações de parte do A. na parte em que este referiu que o seu gestor de conta lhe referiu que as obrigações em causa, emitidas no Luxemburgo eram um produto sem risco.
33. Contudo, é a própria testemunha G… que refere no seu depoimento, que este investimento (em obrigações E1…) “que nós podemos dizer com menos risco do que um investimento...do que outros tipos de investimento como...vamos ver...é um investimento com risco, sem dúvida, mas teoricamente menos risco do que por exemplo ações.” [Extrato do depoimento da testemunha G… 00:05:33]
34. Portanto, também neste ponto, incorre o Tribunal a quo em incorreta apreciação da prova.
35. Além do mais, e sem prescindir, entende-se que o Tribunal recorrido fez também errada aplicação do direito aos factos constantes dos autos.
36. Com efeito, o douto Tribunal a quo ao dar como preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil, designadamente a falta de cumprimento ou incumprimento da obrigação de contratar segundo os ditames da boa-fé, a ilicitude, violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua atividade, entre outros, dos deveres de informação, a culpa ou imputação do facto ao lesante, aferindo-se a conduta do intermediário financeiro por um elevado padrão de diligência, lealdade e transparência, e o dano, teria forçosamente de considerar preenchido o pressuposto necessário e gerador da obrigação de indemnizar, ou seja, o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
37. Ora, a fundamentação para considerar que tal pressuposto não se encontra preenchido vem plasmada na douta sentença, na parte em que o Tribunal a quo conclui que “...perante a factualidade provada, da qual resulta que não era, à data, previsível o risco de insolvência do banco E…, não se afigura possível concluir com toda a segurança, que a ter sido prestada ao Autor uma informação completa por parte do gestor de conta, no que concerne às caraterísticas das obrigações em causa, seguramente ou muito provavelmente, não teriam os Autores, na posse de tal informação, adquirido as obrigações “E1…”, o que teria impedido a consumação do dano.
38. Esta interpretação é totalmente incorreta, e apenas fazia sentido, se tivesse ficado provado o perfil conhecedor dos AA. em instrumentos financeiros e a sua propensão para o risco.
39. Contudo, da prova gravada e documental, resultou exactamente o contrário: não ter sido feita prova da consciência do A. para o grau de risco relativamente ao produto aconselhado, tão pouco do tipo de obrigações que estava a adquirir e que implicavam, em caso de falência, a perda total do investimento.
40. Além do mais, se tivesse sido prestada ao A./Recorrente a informação sobre a instabilidade do grupo E…, era mais do evidente que não se arriscaria a perder quantias tão elevadas com as que aqui peticiona.
41. Conclui-se assim, que a prova produzida em sede de audiência de julgamento, impunha que o Tribunal a quo desse como provado o nexo de causalidade entre o facto e o dano, ou seja, que o dano sofrido pelos AA., investidores não qualificados, decorreu da prestação de informação falsa.
42. É que, efetivamente houve incumprimento por parte do Banco Réu, na pessoa do seu funcionário, dos deveres inerentes à atividade de intermediação financeira, o que basta, de per si, para sustentar a constituição da obrigação de indemnização correspondente reembolso ao capital investido.
43. Os AA., aqui Recorrentes só aceitaram negociar com o banco Réu a compra das obrigações do E1…, porque lhes foi comunicado que estariam a adquirir um produto idêntico ao que pretendiam, com as mesmas caraterísticas e com risco reduzido. Pois que, se tivesse sido disponibilizado aos AA/Recorrentes, produto igual ou semelhante ao pretendido e por si pedido ao gestor de conta, sempre tinham sido obrigações seniores cujo capital estaria garantido em caso de eventual falência do grupo E….
44. Ora, uma vez que a instabilidade financeira do grupo E… já era do conhecimento do setor bancário de um modo geral, tinha o réu a obrigação de não propor aos AA. a aquisição de um produto financeiro que não só não correspondia às características do produto por si pretendido, como apresentava elevado grau de risco, que acabaria por culminar na perda total do investimento.
45. Portanto, esta falta de informação sobre os riscos que corria com a aquisição de obrigações do E1… dada como provada pelo Digníssimo Tribunal, conduziu à decisão dos AA. em fazer a operação de compra, ao que o A. nunca teria anuído se o banco lhe tivesse explicado que poderia perder a totalidade ou, ao menos, grande parte do dinheiro investido.
46.No entanto, e aderindo à fundamentação vertida no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo 20742/16.8T8SNT.L1-6, de 22.02.2018, in www.dgsi.pt, “...presumindo-se a culpa nos termos do art. 799o do CC., e também por força do disposto no arto 304o-A, do CVM e, porque a norma do CC referida contém uma dupla presunção de ilicitude e de culpa, então, e quando na presença de um acordo entre o banqueiro e o seu cliente [caso em que a «falta do resultado normativamente prefigurado implica presunções de culpa, de ilicitude e de causalidade»] a mera falta de informação do beneficiário responsabiliza, automaticamente, o obrigado, apenas logrando este último obstar à sua responsabilização se lograr provar que, afinal, prestou a informação ou se beneficiou de alguma causa de justificação ou de excusa.” Sendo que, no caso dos presentes autos, a mera circunstância de se alegar que à data dos factos, a situação de insolvência do E… não era previsível, não deve ser levado em linha de conta, tendo em conta que o Réu já desde 2012, que conhecia a situação instável do grupo (conforme depoimento do funcionário K…).
47. Decidiu também, nos mesmos termos, o Tribunal Judicial da Comarca de Braga, conforme notícia veiculada nos meios de comunicação social, em 27.01.2017.
48. É assim que a douta sentença padece de erro na apreciação e julgamento da matéria de facto e, como tal, resultando inevitavelmente, e salvo o devido respeito que é muito, em erro de julgamento por parte do Tribunal.
49. Tal se reflete, salvo o maior e devido respeito pelo Digníssimo Tribunal, em decisão injusta, a qual colide, ostensivamente, com os mais elementares princípios da livre apreciação da prova e do direito, violando assim o disposto no art. 615 no 1 alíneas b), c) e d) do CPC.
TERMOS EM QUE:
E face às considerações expostas na fundamentação, devem as presentes conclusões proceder e por via delas deve ser revogada a decisão recorrida nos termos supra referidos, devendo a ação ser julgada totalmente procedente”.

O Réu respondeu, concluindo, em síntese, que o recurso tem de improceder, desde logo, porque o Tribunal da Relação só deve alterar a matéria de facto nos casos de manifesta e clamorosa desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando prevalência ao princípio da oralidade, da livre apreciação da prova e da imediação. A matéria de facto dada por provada não pode, pois, ser alterada e, não o sendo, a decisão de direito tem forçosamente de ser confirmada por corresponder, em correta hermenêutica, à exata aplicação da lei aos factos dados por provados.
II. Objeto recursivo
São as conclusões da alegação do recorrente que delimitam o objeto do recurso [artigos 635º/4 e 639º/1 do Código de Processo Civil, doravante designado (CPC)]. Cabe, pois, apreciar as seguintes questões:
1. Nulidades da sentença;
2. Rejeição da impugnação da matéria de facto;
3. Impugnação da matéria de facto;
4. Intermediação financeira e responsabilidade civil do intermediário financeiro.
III. Fundamentação
1. Nulidades da sentença
Os Recorrentes imputam à decisão recorrida a sua nulidade, nos termos do disposto no artigo 615º/ 1, alíneas b), c) e d) do CPC, alegando a existência de erro na apreciação de facto e na interpretação e aplicação do direito.
As nulidades apontadas reportam-se à falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, à oposição entre os fundamentos e a decisão ou alguma ambiguidade ou obscuridade que a torne ininteligível e à falta de pronúncia sobre questões que devesse apreciar ou conhecimento de outras de que não podia tomar conhecimento. Patentemente, limita-se o Recorrente a ajuizar no sentido referenciado sem concretizar qualquer dos vícios que aponta à sentença, designadamente aqueles que estão especificados pelas normas que convoca. Ao invés, de toda a sua alegação emerge uma discordância com a convicção do juiz acerca da prova produzida, explanada de forma bem clara segundo a análise crítica exposta na motivação da decisão de facto, bem como o dissentimentos com a interpretação e aplicação do direito. Posicionamento que não enquadra qualquer vício formal da sentença e que antes se reconduz ao erro de julgamento, quer na decisão de facto quer na decisão jurídica. Ora, o erro de julgamento será corrigido, se for caso disso, na pedida reapreciação da matéria de facto e na subsunção jurídica dos factos que esta Relação vier a dar por demonstrados. Assim, enjeitamos as sinalizadas nulidades, apreciando, em sede própria, o aludido erro de julgamento.
2. Rejeição da impugnação da matéria de facto
Entende o recorrido que este Tribunal da Relação só pode alterar a matéria de facto nos casos de manifesta e clamorosa desconformidade dos factos assentes com os meios de prova, dando prevalência ao princípio da oralidade, da livre apreciação da prova e da imediação.
Sabemos que A Relação “deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos com assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa” (artigo 662º/1 do CPC), a significar que o tribunal de segunda instância faz um novo julgamento da matéria de facto, procurando a sua própria convicção, assim assegurando às partes um efetivo duplo grau de jurisdição em relação à matéria de facto. Já não está em causa uma mera atividade de controlo por parte da Relação para deteção e correção de pontuais e excecionais erros de julgamento ou para ponderação da razoabilidade da convicção expressa pelo tribunal a quo com suporte nos elementos existentes nos autos. Ao invés, “por se encontrar na posse dos mesmos elementos de prova que a 1ª instância, a Relação, se entender, dentro do princípio da livre apreciação da prova, que aqueles elementos impõem uma decisão diferente sobre o ponto impugnado da matéria de facto, alterará a decisão que sobre ele incidiu. Também aqui a reapreciação da prova pela Relação coincide em amplitude com a 1ª instância”[1].
O Tribunal da Relação deve, pois, exercer um verdadeiro e efetivo segundo grau de jurisdição da matéria de facto, sindicando os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou de gravação nele realizada, que imponham diversa decisão sobre os pontos impugnados diversa da recorrida. Destarte, sendo apodítico que a apreciação da prova está submetida ao princípio da livre apreciação da prova (artigo 607º/5 do CPC), coadjuvado pelos princípios das imediação e da oralidade, a verdade é que cabe a este Tribunal valorar toda a prova produzida e aferir, à luz da sua própria convicção, se a prova produzida sustenta a factualidade provada ou, ao contrário, se justifica a formulada modificação.
Não assiste razão ao recorrido, pelo que se impõe a este Tribunal a reapreciação de toda a prova produzida.
3. Impugnação da matéria de facto
No entender dos Recorrentes devem considerar-se provados os factos constantes dos artigos 10º, 12º e 34º da petição inicial. Diversamente, devem dar-se por não provados os factos constantes dos pontos 30º e 41º da matéria de facto provada. Em sua opinião, os factos não provados colidem com os factos provados. Mais defendem que o facto nº 7 foi aceito pelo banco e, portanto, não pode dar-se por não provado que “O Autor questionou se os títulos de dívida do “E1…” sugeridos ofereciam as mesmas garantias que os títulos que o seu irmão havia adquirido e de que lhe falara, tendo obtido como resposta a garantia de que o produto era idêntico ao pretendido, isento de risco e que a única diferença era a de que os títulos tinham sido emitido no Luxemburgo.” Aduzem, ainda, que face ao facto dado por provado sob o n.o 8 carece de sentido dar como não provado que “O Sr. G… comunicou ao Autor que o Departamento de Mercados Acionistas do D… teria aconselhado a este a compra de outros produtos que, embora tivessem uma cotação mais alta (cerca de 98% e vez de 93%), a diferença seria compensada com o rendimento que seria não de 5%, mas de 6,875%”. Facto que resulta também dos e-mail’s que enviados ao A. pelo gestor de conta. Identicamente, pugnam que a falta de prova do facto alegado no artigo 13o da petição inicial está em contradição com o provado sob o facto 20º.
Mais entendem que o facto 41 carece de prova documental e, tendo sido impugnado o documento apresentado, necessita de prova em julgamento, que não foi feita. Quanto à defendida falta de prova do facto n.o 30 entendem que o depoimento da testemunha K…, funcionário do Banco Réu em funções no Departamento de Mercados Bolsistas, demonstra que o Réu tinha conhecimento que o grupo E… já vinha apresentando algumas dificuldades, facto também do conhecimento do G…, gestor de conta do Autor.
Vejamos o que revelou a prova testemunhal produzida.
G…, funcionário do D… desde 1989, disse que tratou com o Autor B… desde janeiro de 2013, passando a ser o seu gestor de conta, quando ele já tinha em carteira obrigações do D…. Ele vinha dizendo que queria encontrar um instrumento semelhante porque a aplicação estava a terminar e queria reinvestir. Foram feitas várias auscultações ao mercado. Houve uma altura em que veio ao balcão e perguntou se tínhamos uma obrigação do E…, um título de dívida do E…, falando num investimento do irmão: “O Sr. B… só investia em produtos com risco”. Este investimento tem risco, mas com menos risco que as ações, porque o risco da obrigação é a falência do emitente e as ações variam todos os dias em função da cotação. Estas obrigações adquiridas pelo Autor podem ser adquiridas ao balcão ou no portal do banco. “Inicialmente… falou-se em vários tipos de investimentos e ele falou que o irmão tinha em carteira obrigações do E… Se tinha em carteira dessas obrigações e disse que não, a não ser ao balcão do E…” (...) O cliente pediu que lhe indicássemos algumas obrigações que ele pudesse adquirir… neste caso, obrigações”. O cliente continuou com o objetivo de resgatar antecipadamente e pesquisou outros produtos de obrigações, pois, à data, não havia tanta sensibilidade à natureza das obrigações, a não ser o emitente. Na altura, esse produto era classificado como um produto simples. Na sequência, foram facultadas ao cliente um conjunto de obrigações que podiam ser adquiridas. Confrontada a testemunha com os documentos juntos em 29/04/2016 - e-mail - confirmou a sua troca e teor, designadamente o de fls. 399, com a apresentação de três propostas, cujas características são as que estavam exibidas. “Falou-se somente em obrigações, não se foi ao pormenor do tipo de obrigações é que seria”. A questão das obrigações subordinadas não gerava, na altura, qualquer perplexidade e, portanto, a questão não foi falada com o Autor. Sendo um cliente já com investimentos em títulos não houve qualquer explicação a tal respeito. O cliente sabe que atrás de uma taxa atrativa está sempre um risco mais elevado. O Autor era um homem que investia muito, em investimentos concentrados na banca e chegou a conversar com ele do risco inerente à circunstância de não diversificar muito e de concentrar o investimento demasiado na banca. O cliente tinha já em carteira investimentos complexos, mais arriscados do que este. Como o cliente reside no estrangeiro, por regra, tratavam dos assuntos por mail ou por telefone, o que sucedeu neste concreto investimento. Disse que o Autor tinha uma relação de confiança com o E…, com os funcionários da agência da Suíça, que lhe terão dado o mesmo tipo de informações acerca do produto. Instado se depois da aquisição, o Autor manifestou intenção de se desfazer deste produto, respondeu que o cliente queria fazer um investimento numa construção em curso e ele colocou a hipótese de vender outro tipo de investimentos e acabou por vender um conjunto de certificados de mercadorias, que são conjuntos de índices bolsistas, integrados num produto financeiro. O cliente resgatou alguns desses investimentos em carteira e nunca colocou a hipótese de resgatar o produto do E…. Em termos comerciais o Banco não retira qualquer benefício destes produtos em carteira. O dinheiro investido não serve para o Banco emprestar. O cliente fez, então, um crédito, porque tinha necessidade de liquidez, mas a questão da venda das obrigações não se colocou: “Eu posso até eu próprio sugerido, mas não me recordo… nunca houve uma intenção clara do cliente; não havia uma razão lógica para recusar esse pedido do cliente”. Lembrou que, aquando do investimento, depois da proposta o cliente colocou-lhe algumas questões, designadamente se a taxa era líquida. Como era o Grupo E… que pagava a taxa, mais alta do que a proposta para a operação de crédito, ele aceitou o empréstimo do D…. Disse: “Recordo de, a certa altura, ter dito ao cliente que o investimento estava desvalorizado. A emissão adquirida pelo cliente, um mês antes do colapso, estava cotada a 100%, mas em julho/agosto, no fim do verão, começou a descer muito rapidamente. Recordo-me de ter telefonado para o cliente, ele percebeu que não estava a correr bem, mas nem ele nem eu pensámos no que veio a suceder”. (…) “Quando o cliente pede determinado investimento, não presto qualquer informação, porque parto do princípio que ele já as tem”. Explicou que o boletim de subscrição referencia que são obrigações, mas não especifica que são subordinadas. A ficha sobre o perfil do investidor existe por ordem de uma diretiva comunitária e os clientes foram automaticamente classificados em função dos produtos que tinham em carteira. Este cliente foi classificado como conhecedor de produtos financeiros simples – classificação que tinham as obrigações -, mas mais tarde, em 2009, subscreveu outros produtos e, nessa altura, o cliente assinou um documento. Hoje as obrigações são tidas como produtos financeiros complexos, porque o regulador decidiu qualificá-los como complexos. Perguntado sobre as perdas dos produtos adquiridos pelo irmão do Autor e dos adquiridos por este, disse que cinco emissões de obrigações sénior passaram para o banco bom, mas penso que não foram das obrigações que o irmão adquiriu. Referiu que a circunstância do mail ter um produto a bold não tem o significado de o Banco pretender sugerir àquele produto. O Autor possuía uma carteira muito alargada de títulos. Explicou: Limitou-se a remeter ao Autor a informação que obteve junto do E… “e ele informou-o que estava interessado naquele produto financeiro (a opção 3.º, a que está a bold) e nós despoletámos o processo de compra”. Referiu que o investimento em obrigações do Grupo E… foi em 2013 e a operação de crédito foi em 2014 e deu como garantia essas obrigações. Explicou que o cliente lhe perguntou qual era o regime fiscal do produto indicado em 3.ª opção no e-mail e, depois dessa informação, comunicou-lhe estar interessado nesse mesmo produto. É que olhando para aqueles produtos, o escolhido pelo cliente era o que tinha a taxa mais alta e se a empresa se tivesse mantido, atingida a maturidade, o cliente receberia todo o capital investido. Confirmou que a ordem de compra (doc. fls. 555) foi preenchida por si e mandada para o cliente por e-mail, que assinou e devolveu. O e-mail é de 06/06/2013 e a remessa da compra e venda é de 11/06/2013, que corresponde à nota de lançamento, mas a data do movimento é de 06/06/2013.
K…, funcionário do Banco D… desde 02/02/1998, explicou que, ao telefone, lhe foi solicitado pelo Dr. G…, acerca de obrigações para venda e foi, nessa sequência, que indicou no mail aqueles títulos, mas não deu quaisquer explicações sobre isso; ao Banco não interessa a venda desses produtos. Limitam-se a dizer o que há no mercado e, nesse âmbito, enviou os dados sobre aquelas obrigações, maturidade, taxas, valor mínimo de compra, cotação no mercado secundário. Perguntado sobre a razão pela qual a 3.ª opção está a bold, disse não saber, mas não representa uma sugestão do Banco. Nem quer que os clientes saibam o que são obrigações e que existem, por isso não fazem aconselhamento dos clientes. Situação que, no seu departamento, se verifica desde 2009. O que o Dr. G… pediu foi a indicação de taxas e maturidade de determinadas obrigações e só a isso respondeu. Nunca falou com o cliente. Geralmente mandam em anexo os folhetos da net, no caso não sabe. O colega voltou a pedir-lhe atualização e informação sobre dívida pública. E dívida pública são Obrigações do Tesouro. Há milhares, milhões de obrigações. Em sua opinião, desde fins de 2012 se percebia que o E… andava com dificuldades e o Banco de Portugal deixou-o livremente a vender produtos. Instado se terá possibilidade de recuperar o investimento, disse que é quase certo que será próximo do zero.
J…, funcionário do L…, mas foi funcionário do D… até agosto de 2009. Disse conhecer o Autor por ter sido gerente do balcão do … e era costume ele falar consigo. Em termos de negócio disse que costumava sugerir-lhe alguns investimentos, ele costumava obter as filhas técnicas das aplicações e só depois de analisar é que se decidia. Não decidia logo no próprio dia. Tinha algum cuidado, mas “hoje não podemos aconselhar os clientes”. No passado sugeríamos alguns produtos interessantes, os prós e os contras. O Banco sugeria determinados produtos e “nós contactávamos os clientes que tinham disponibilidade nas contas à ordem”. O Sr. B… “era uma pessoa que procurava informar-se, fazia muitas perguntas, várias vezes passávamos horas ao telefone… Ele connosco tinha depósitos a prazo”, ações, fundos de investimento, certificados indexados a índices de bolsa. Perguntado se o cliente sabia o que eram obrigações subordinadas disse que nem os funcionários do Banco tinham noção disso. Só depois da queda do E…. Disse que vendeu ao Autor 50.000,00€ em obrigações e informavam que o Banco reembolsava o capital, mas o Banco, ao fim de 5 anos, converteu-as em ações e que, em alguns casos, vendiam os produtos em função da taxa de rentabilidade. Referiu que tentou que ele aumentasse o valor da subscrição e ele não quis. Teve sempre o cuidado de diversificar e nunca em montantes muito elevados. Aquele montante foi o mais elevado, de resto eram sempre valores inferiores. Perguntado se será possível recuperar o investimento, disse que “será muito difícil, tirando o papel comercial...”. Esclareceu que o Sr. B… só dava a ordem de compra depois de colher as informações. “Na altura, sabendo que o Sr. B… tinha umas obrigações do D… que se iam vencer… obrigações de caixa (…) e ele disse-me que lhe sugeriram umas obrigações do Grupo E…”
Declarações de parte do Autor B… disse que, por telefone e por e-mail, contactou o D…, depois do irmão lhe ter dito que tinha adquirido uma dívida no E…, ele não sabia bem o que era, mas que tinha o retorno de capital garantido. Perguntou ao Dr. G… por esse produto e, no mesmo dia, dia 06/06/2013, disse-lhe que esse produto só era vendido no balcão do E…, mas tinham outros produtos que lhe podiam propor com rendimentos mais ou menos idênticos. E mandou-lhe três opções e perguntou-lhe qual é que lhe aconselhava, e ele disse-lhe que o mais parecido eram as obrigações do E… e também o mais parecido com o do irmão. Ele adquiriu, então, essas obrigações como alternativa ao investimento que “estava a chegar ao fim”. “Hoje tenho alguns conhecimentos na matéria” (…), “na altura o que eu conhecia era ações e obrigações”, não as subordinadas ou outras. Na altura não sabia o que eram obrigações seniores ou subordinadas. Disse que interpretou o bold como sendo o mais parecido com o que pretendia, por ser do mesmo Grupo, facto que lhe confirmou ao telefone. A ordem do movimento pensa que foi no dia 06/06/2013 e depois confirmou a venda por fax quatro ou cinco dias depois. “Mais tarde percebi que ele também não tinha informação sobre o produto”. Explicou que tem feito investimentos em fundos, quantias mais pequenas, mas dizem-lhe que são de risco moderado. O gestor costumava telefonar-lhe a sugerir produtos e “fazia confiança” nele. Confirmou o balcão do E… – escritório de representação – no mesmo local onde tem o seu escritório na Suíças, mas “limitam-se a abrir contas aos emigrantes. Não costumava dar-lhes a conhecer a minha vida. Aliás, também tinha ações do E… e estavam também no F…”. Este investimento foi aquele em que aplicou mais dinheiro, por fazer confiança na informação. Disse nunca ter reparado na informação do impresso de compra acerca da sua tipologia de investidor. “Uns meses antes da derrocada do E…, ia haver um aumento de capital do D… e ele aconselhou-me a ir ao aumento de capital e eu disse não ter dinheiro. Propus vender metade das obrigações que tinha em carteira – 200.000€ – assinei a venda. Não concretizei porque passado meia hora o Dr. G… telefonou-me a dizer que tinha uma operação mais interessante e propuseram emprestar o capital para comprar as ações e o Sr. fica com as obrigações em carteira que rendem mais dinheiro” (...) “Eles cativaram-nas até que eu reembolsasse o empréstimo; ou não conheciam o risco das obrigações que me venderam ou não sabiam que o E… estava em dificuldades”. Referiu que só depois do colapso do E… é que soube que o código isin é que identificava o produto e deu-lho o código na altura. “Foi à internet e imprimiu-me então a ficha técnica”. Confirmou as suas várias aplicações em fundos de investimento, em ações, em certificados de mercados emergentes, em certificados utilities, etc., ao todo 15 aplicações financeiras.
A matéria de facto não provada, ínsita aos artigos 10º e 12º da petição inicial, colide, segundo alegação dos Recorrentes, com os factos n.º 6, 7, 8, 10, 11 e 20 dados como provados pela sentença. Nestes factos está demonstrado que “7- O interesse do Autor neste produto surgiu em conversa com o irmão, uma vez que este teria investido em ações do “Banco E…” com rendimento de 5%, o que concretizou através do seu banco, o Banco E…”; 8- O gestor de conta do Autor comunicou-lhe que iria obter informação sobre o produto junto do departamento de mercados Acionistas do F…, sector composto de especialistas em investimento financeiro e que o contactaria mais tarde (...); 10- O referido gestor de conta enviou ao Autor o email datado de 06/06/2013, junto a fls. 134, com três propostas de títulos para compra, entre eles, os títulos de dívida do ‘E1…’, com um rendimento de 6,875%; 11- Estes contactos foram sempre estabelecidos por via telefónica ou por mensagem eletrónica, tendo sido por mensagem eletrónica que o funcionário do Banco deu a conhecer ao Autor os títulos referidos no ponto anterior (...); 20- Por parte do gestor de conta dos Autores, não foi explicado que estariam a adquirir obrigações subordinadas.”
Os identificados artigos da petição inicial exibem o seguinte teor: “10.º O Sr. G… comunicou ao Autor que o Departamento de Mercados Acionistas do D… teria aconselhado a este a compra de outros produtos que, embora tivessem uma cotação mais alta (cerca de 98% e vez de 93%), a diferença seria compensada com o rendimento que seria não de 5%, mas de 6,875; 12.º O Autor questionou se os títulos de dívida do ‘E1…’ sugeridos ofereciam as mesmas garantias que os títulos que o seu irmão havia adquirido e de que lhe falara, tendo obtido como resposta a garantia de que o produto era idêntico ao pretendido, isento de risco e que a única diferença era a de que os títulos tinham sido emitidos no Luxemburgo; 13.º Foi garantido ao Autor que iria adquirir dívida sénior”.
Feito o cotejo dos destacados factos não provados com os provados acima descritos, não intuímos qualquer contradição, desde logo, porque do facto não provado não emerge a prova do contrário, apenas significando que o tribunal não logrou convencer-se da sua ocorrência. Questão diversa, e essa é aquela que, na realidade, os Recorrentes quiseram aportar, é a de saber se a prova produzida permite sustentar a demonstração de tais factos. Para tanto, assume particular importância o depoimento da testemunha G…, funcionário do D…, que foi gestor de conta do Autor B… desde janeiro de 2013 e que depôs sem suscitar dúvidas sérias acerca da sua idoneidade e da veracidade do narrado. Explicou que, nessa altura, o Autor já tinha em carteira obrigações, mas tinha uma aplicação a terminar e queria reinvestir, perguntando-lhe por umas obrigações do E…, em que o irmão teria investido. Como o D… não comercializava esse produto, propôs-se fazer uma consulta ao mercado de obrigações e, como está comprovado a fls. 134 do processo físico, mandou-lhe um e-mail com a proposta de três produtos, dentre as quais se conta as obrigações E1… com uma cotação de cerca de 98% e um rendimento de 6,875. E foi este último produto aquele que foi subscrito pelos Autores. Embora não haja prova de que o gestor de conta tenha aconselhado o Autor a investir nesse produto antes parece ter sido o Autor a suscitar o investimento em produtos daquela natureza , a testemunha confirmou ter enviado aquele e-mail com aquelas propostas, o que já consta, na sua quase integralidade, do item 10. dos factos provados. Contudo, para melhor especificação, damos como apurado, sob o n.º 43: “Através do e-mail referido em 10, o Sr. G… remeteu ao Autor a proposta de compra de três produtos financeiros, dentre os quais as obrigações E1… com uma cotação de cerca de 98% e um rendimento de 6,875”.
Já quanto à matéria alegada sob os artigos 12.º e 13º do petitório, não confirmou o gestor de conta que o Autor fosse aconselhado na aquisição daquele concreto produto nem que lhe fossem dadas garantias de estar em causa produto sem risco, embora tenha dito ao tribunal que, na sua ótica, as obrigações tinham menor risco do que as ações. Referiu que não foi falada a natureza das obrigações adquiridas pelo Autor, porquanto ele próprio não tinha noção dessa diversidade. Antes do colapso do E… não havia conhecimento sobre tal diferenciação, posição que nos parece razoável, porque, em verdade, foi a situação do E… e a Resolução do Banco de Portugal que trouxeram a lume estas matérias, não fazendo parte do léxico de então – nem mesmo para os funcionários bancários – as obrigações subordinadas, seniores e juniores. Donde nos pareça que, atento o seu desconhecimento, não poderia o gestor de conta garantir ao Autor que estava a comprar dívida sénior, o que nos leva a manter a falta de prova de tal factualidade, o que, aliás, já consta do n.º 20 dos factos provados: “Por parte do gestor de conta dos Autores não foi explicado que estariam a adquirir obrigações subordinadas”.
Similarmente, pugnam os Recorrentes pela prova da matéria factual articulada sob o artigo 34.º da petição inicial, que exibe este conteúdo: “Mais informou que a falta de formação sobre este tipo de produtos conduz a que os funcionários dos balcões solicitem no referido Departamento as melhores condições para propor/apresentar ao cliente, limitando-se a pedir desculpas pelo facto.”
Pelas razões acima referidas, essa alegação não antagoniza com os identificados factos provados, mas é certo ter a testemunha afirmado que necessitou de consultar o departamento de mercados para indicar ao Autor os produtos que lhe interessavam e foi com base nessa informação que lhe remeteu o citado e-mail, mas isso não significa, necessariamente, que derivasse da falta de formação do gestor de conta. Sabemos que o mercado oferece um lato número de produtos financeiros, com as mais diversificadas características e, por isso, é aceitável que essas informações fossem por ele solicitadas ao departamento competente. Cremos, no entanto, que, no rigor da apreciação da prova, podemos dar como apurado (sob o n.º 42): “O gestor de conta informou o Autor que iria solicitar ao departamento de mercados obrigações para lhe propor”.
Sustentam ainda os Recorrentes que deve ser dado por não provado o facto exarado sob o n.º 41, a saber: “O Autor detinha, no banco Réu, em data anterior a junho de 2013, certificados de mercados emergentes, certificados do índice bolsista Don Jones, certificados em recursos básicos, certificados de empresas prestadoras de serviços utilitários e obrigações do Grupo D…”. E argumentam que, sendo necessária prova documental, foi a mesma impugnada. É certo que a generalidade dos negócios jurídicos relativos a instrumentos financeiros deve ser formalizada por escrito, mas não estamos no domínio do debate da aquisição de um concreto produto financeiro; apenas está em causa o apuramento da experiência do investidor em produtos dessa natureza. Aliás, o artigo 4º do CdVM[2] alivia essa imposição ao estatuir que a exigência ou a previsão de forma escrita, de documento escrito ou de redução a escrito, feita nesse Código em relação a qualquer ato jurídico praticado no âmbito da autonomia negocial ou do procedimento administrativo, se considera cumprida ou verificada ainda que o suporte em papel ou a assinatura sejam substituídos por outro suporte ou por outro meio de identificação que assegurem níveis equivalentes de inteligibilidade, de durabilidade e de autenticidade.
Ora, nesse âmbito, para além de outra prova produzida, foi o próprio Autor que, nas suas declarações de parte, referiu os vários produtos financeiros em que investiu em data anterior a junho de 2013. Embora esse facto não pareça colidir com os não provados acerca de outros especificados investimentos (CERTIFICADOS …/…, CERTIFICADOS … e obrigações F… VALOR CAPITAL), como ignoramos as características destes produtos e a sua eventual inclusão em alguns daqueles que generalizadamente estão identificados sob aquele 41.º, conferimos-lhe esta redação: “Em data anterior a junho de 2013, o Autor tinha investido junto do banco réu em diversos produtos financeiros, nomeadamente em certificados de mercados emergentes, certificados do índice bolsista Don Jones, certificados em recursos básicos, certificados de empresas prestadoras de serviços utilitários e obrigações do Grupo D…”.
No tocante ao conhecimento que o gestor de conta tinha do produto financeiro adquirido pelo Autor, é seguro que não conhecia as suas exatas características, designadamente a sua natureza de obrigações subordinadas, desde logo porque, no seu depoimento, ele próprio o declarou, explicando que só depois do colapso do E… ficaram atentos a essa qualidade das obrigações e dizendo que “as características deste produto são exatamente estas que estão enunciadas: a taxa, maturidade e por aí fora…”. Mais referiu que fez um contacto com o departamento do banco que geria tais assuntos: Inicialmente… falou-se em vários tipos de investimentos e ele falou que o irmão tinha em carteira obrigações do E… Se tinha em carteira dessas obrigações e disse que não, a não ser ao balcão do E…” (...) O cliente pediu que lhe indicássemos algumas obrigações que ele pudesse adquirir… neste caso, obrigações”. O cliente continuou com o objetivo de resgatar antecipadamente e pesquisou outros produtos de obrigações, pois, à data, não havia tanta sensibilidade à natureza das obrigações, a não ser o emitente. Na altura, esse produto era classificado como um produto simples. Na sequência, foram facultadas ao cliente um conjunto de obrigações que podiam ser adquiridas. Confrontada a testemunha com os documentos juntos em 29/04/2016 – e-mail – confirmou a sua troca e teor, designadamente o de fls. 399, com a apresentação de três propostas, cujas características são as que estavam exibidas. “Falou-se somente em obrigações, não se foi ao pormenor do tipo de obrigações é que seria”.
Discordam também os Recorrentes da prova dos factos ínsitos ao n.o 30 da sentença, assim consignado: “À data existia no Mercado a convicção de que o investimento em títulos do Grupo E… se revelava, na sua consistência prática, um investimento isento de riscos”. É certo que a testemunha K…, funcionário do réu, no departamento de mercados bolsistas, confirmou ter sido abordado pela testemunha G…, gestor de conta do Autor, acerca da pretendida aquisição de obrigações do E…4 e de o ter informado que tais obrigações só eram comercializadas pelo próprio E…. Todavia, acrescentou que “já na altura se falava que o E… podia não estar muito bem, e para estar a dar essas taxas… já estávamos com taxas negativas, e, portanto, achámos logo muito estranho e dissemos que não”. A verdade é que foi essa mesma testemunha que deu ao gestor de conta a informação dos produtos financeiros a comunicar ao Autor. E foi essa mesma informação que o gestor de conta transmitiu ao Autor, o que nos leva a descredibilizar o agora invocado conhecimento da situação do E… e a enjeitar a veracidade da sua declaração quanto a ter respondido negativamente às obrigações do E… por essa razão. Aliás, a sua resposta não podia deixar de ser negativa, porque as pretendidas obrigações só eram comercializadas pelo E…. Donde tenha indicado um produto do mesmo grupo, mas comercializado pelo D…. À luz das regras da experiência e da vida, só faria sentido a veracidade da sua afirmação se não tivesse indicado qualquer produto do grupo E…. Ainda assim, foi a testemunha G… que referiu estar em causa um investimento isento de risco, por, à época, ser esse o sentir do mercado quando, ela mesma asseverou não estar a par daquele tipo de produtos e precisar de consultar o colega do departamento de mercado, o que nos leva a retirar credibilidade a tal afirmação. Restam-nos dúvidas fundadas sobre essa matéria, pelo que modificamos a resposta que lhe foi dada pelo tribunal a quo e consideramo-la não provada.
Na procedência parcial da impugnação da matéria de facto, exaramos os factos provados em conformidade.
4. Factos provados
1. O Autor é cliente do banco Réu desde 19 de setembro de 1985, sendo titular da conta de depósitos à ordem com o n.o ……..
2. A Autora é cliente do banco Réu, sendo titular juntamente com o aqui Autor, seu filho, da conta de depósitos à ordem com o n.o …………..
3. Ambas as contas estão domiciliadas no balcão do banco Réu, F…, sito na Avenida …, n.o …, na cidade de Viseu.
4. O Autor é cliente “F1…” tendo, em função dessa qualidade, um atendimento personalizado, nomeadamente no aconselhamento bancário em instrumentos financeiros.
5. O banco Réu é uma instituição de crédito e intermediário financeiro em instrumentos financeiros.
6. Em junho de 2013, o Autor contactou telefonicamente o seu gestor de conta, o Sr. G…, funcionário do banco Réu, pois estava interessado na compra de dívida sénior do Banco E….
7. O interesse do Autor neste produto surgiu em conversa com o irmão, uma vez que este teria investido em ações do Banco E…, com rendimento de 5%, o que concretizou através do seu banco, o Banco E….
8. O gestor de conta do Autor comunicou-lhe que iria obter informação sobre o produto junto do Departamento de Mercados Acionistas do F…, setor composto de especialistas em investimento financeiro e que o contactaria mais tarde.
9. Nesse mesmo dia, o Autor foi contatado pelo Sr. G…, tendo este comunicado que não dispunham do produto pretendido, uma vez que só era comercializado junto dos balcões comerciais do Banco E….
10. O referido gestor de conta enviou ao Autor o e-mail datado de 06/06/2013, junto a fls. 134, com três propostas de títulos para compra, entre eles, os títulos de dívida do “E1…”, com um rendimento de 6,875%.
11. Estes contactos foram sempre estabelecidos por via telefónica ou por mensagem eletrónica, tendo sido por mensagem eletrónica que o funcionário do Banco deu a conhecer ao Autor os títulos referidos no ponto anterior.
12. O funcionário do Banco foi depois abordado pelo Autor, que lhe deu indicação de querer adquirir obrigações E1…, para o que deu ordem de alienação de ativos que tinha em carteira e instruções para preencher os documentos respetivos para sua assinatura.
13. O Autor ordenou a venda de obrigações do D… que já haviam atingido a maturidade e avançou com a ordem de compra dos títulos de dívida do “E1…”.
14. Para a concretização da mesma, o seu gestor de conta enviou por fax, para a Suíça, o respetivo documento – ordem de venda e de compra – para ser assinado pelo Autor e devolvido pelo mesmo meio (fax).
15. Igual procedimento adotou o Autor relativamente à sua mãe, aqui Autora, de cuja conta é titular.
16. O documento que foi enviado por fax para o Autor assinar não foi acompanhado de qualquer ficha técnica.
17. As obrigações “E1…” não tinham no mercado distribuído qualquer prospeto ou ficha técnica.
18.- O único documento que existe, estando as obrigações já emitidas e no mercado, é o denominado “…” que, constituindo como que o “bilhete de identidade” do título, só está acessível através da Internet.
19. As obrigações adquiridas pelo Autor são obrigações juniores, títulos de dívida subordinada.
20. Por parte do gestor de conta dos Autores não foi explicado que estariam a adquirir obrigações subordinadas.
21. Do documento que titula a aplicação financeira em causa (ordem de compra), consta apenas a natureza do título designado simplesmente de “obrigações”, a designação da emissão “E1…”, a taxa de rentabilidade, o prazo de vencimento, o código de emissão e o preço.
22. O Autor assinou ambos os documentos que lhe foram remetidos via fax, através dos quais ordenou, respetivamente a venda de títulos do D…/2009 – 04/14, com o código de emissão …….. e a compra de títulos do “E1…” 6,875 (10/2019), com o código de emissão …….., ao preço fixo de €98.50, e a venda de títulos da M… 2013, com o código de emissão ………, ao preço fixo de €99.25 e a compra de títulos do “E1…” 6,875 (10/2019), com o código de emissão ………, ao preço fixo de €98.40.
23. Nos dois documentos que corporizaram as duas ordens de compra, o Autor apôs a sua assinatura por baixo dos seguintes dizeres impressos: “Declaro que conheço e autorizo as condições da operação, as comissões e custos diferidos pela realização da mesma. Compreendo os riscos envolvidos e possuo todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada”.
24. O banco Réu fez o lançamento na conta dos Autores do valor necessário para a compra dos títulos e despesas inerentes.
25. O Autor investiu nesta compra dos títulos de dívida do “E1…”, €400.000,00 (quatrocentos mil euros), valor este que lhe foi descontado da sua conta de depósitos à ordem com o n.o ……., e investiu também, no mesmo produto, o valor €100.000,00 (cem mil euros) depositados na conta titulada por si e pela Autora, sua mãe.
26. No total foram descontados da conta do Autor o valor de €413.603,59 e da conta da Autora o valor de €103.319,21, valores que já incluem as despesas tidas com a operação.
27. À data da compra das obrigações E1…, o Autor tinha em carteira obrigações D…/2009 e obrigações M…, umas e outras de capital não garantido.
28. O Autor deu ordem de resgate sobre estas aplicações para poder fazer, como fez, a compra das obrigações E1….
29. O Autor tinha, em junho de 2013, cinquenta e seis anos de idade.
30.- Facto dado por não provado pela Relação.
31. Em meados de junho de 2014, o Autor, interessado em realizar capital para concluir uma edificação, solicitou ao seu gestor de conta que vendesse €200.000,00 dos títulos entretanto adquiridos.
32. O seu gestor de conta propôs-lhe, em alternativa à venda das obrigações, fazer um crédito pessoal no valor de €125.000,00, com juros máximos de 5%.
33. Para tanto, o Autor teria apenas de oferecer de garantia os €200.000,00 de obrigações, sem perda da rentabilidade destes, ou seja, os 6,875%.
34. O Autor aceitou a proposta, subscrevendo-a.
35. No Verão de 2014 deu-se o colapso financeiro do Banco E… e, por inerência, a falência do “E1…” que detinha uma participação de 20,5% no Banco E….
36. Datada de 10/07/2014, foi remetida pelo banco Réu ao Autor uma comunicação endereçada pela “…,” dando nota de que tinha sido suspensa em bolsa a cotação e a negociação de títulos, de entre outros, do “E1…”.
37. Só com a comunicação do banco Réu de 10/07/2014 é que o Autor tomou conhecimento de que as obrigações que subscreveu eram obrigações subordinadas, ou seja, eram títulos de dívida júnior e não sénior.
38. Nesta altura, a “E1…” está em processo de falência conforme informação que foi prestada ao Autor.
39. A solução encontrada pelo Banco de Portugal para recapitalizar o Banco E… passou pela divisão do Banco em duas instituições, sendo que, no N… ficaram as obrigações seniores, e no banco N1…, todas as outras.
40. O E1… tinha sede no Luxemburgo e o E… tinha sede em Portugal e só para este foi criado um regime jurídico, que inexistia em junho de 2013, que permitiu levar a um denominado banco bom (o Banco N…) os investimentos não tóxicos que constituíam ativo do E….
41. Em data anterior a junho de 2013, o Autor tinha investido junto do banco réu em diversos produtos financeiros, nomeadamente em certificados de mercados emergentes, certificados do índice bolsista Don Jones, certificados em recursos básicos, certificados de empresas prestadoras de serviços utilitários e obrigações do Grupo D… (alterado pela Relação).
42. O gestor de conta informou o Autor que iria solicitar ao departamento de mercado obrigações para lhe propor (aditado pela Relação).
43. Através do e-mail referido em 10., o Sr. G… remeteu ao Autor a proposta de compra de três produtos financeiros, dentre os quais as obrigações E1… com uma cotação de cerca de 98% e um rendimento de 6,875 (aditado pela Relação).
5. Enquadramento jurídico
Como está profusamente definido na sentença recorrida, entre o Autores e o Réu foi estabelecido um contrato de mediação financeira, outorgado em junho de 2013, mediante redução a escrito e, por isso, dele adveio para ambas as partes recíprocas obrigações. É nesse campo que os Autores atribuem ao Réu a violação de algumas dessas suas obrigações, designadamente o dever de informação e de aconselhamento que recai sobre o intermediário financeiro.
Os Bancos estão legitimados ao exercício da atividade de intermediação financeira [artigos 293º/1, al. a) do Código dos Valores Mobiliários (CdVM) e 3º, al. a) do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras[3] e foi, no âmbito dessa atividade, que o D… propôs aos Autores a subscrição do produto financeiro E1…. Estabeleceram entre si uma relação contratual que provinha de 1985, data da abertura de conta, o que enforma uma relação bancária duradoura em que a execução da prestação se prolongou no tempo.
No âmbito dessa relação contratual, o Autor foi investindo em diversos produtos financeiros e, em junho de 2013, comunicou ao D… – na pessoa do seu funcionário G… a sua pretensão de comprar dívida sénior do Banco E…. Interesse que lhe adveio do facto do seu irmão ter investido em ações do “Banco E…”, numa operação concretizada através do Banco E…. Aquele funcionário, seu gestor de conta, comunicou-lhe que iria obter informação sobre o produto junto do Departamento de Mercados Acionistas do F… e, nesse mesmo dia, comunicou ao Autor que o produto pretendido só era comercializado aos balcões comerciais do Banco E…, mas enviou/lhe um e-mail, datado de 06/06/2013, com três propostas de títulos para compra, entre eles, os títulos de dívida do “E1…”, com uma cotação de cerca de 98% e com um rendimento de 6,875% (n.os 6 a 10 e 43 dos fundamentos de facto).
O Autor tinha já feito outros investimentos em diversificados produtos financeiros, nomeadamente em certificados de mercados emergentes, certificados do índice bolsista Don Jones, certificados em recursos básicos, certificados de empresas prestadoras de serviços utilitários e obrigações do Grupo D… (n.º 41 dos factos provados), medida em que, à luz da boa fé, nos parece razoável que o funcionário do Réu não tenha tido particulares preocupações em pormenorizar as características do produto, designadamente a sua natureza de obrigações subordinadas. É que, em boa verdade, o risco daquelas obrigações não adveio do produto em si, porque apesar de concretizada a insolvência do E… e das empresas do Grupo, sempre os Autores estariam protegidos pelas regrais gerais da insolvência, como processo de execução universal que é. O risco derivou da Resolução do Banco de Portugal (BdP), cujos termos foram absolutamente inesperados para os investidores em geral, desde logo porque, pouco antes do colapso E… (o colapso foi em agosto de 2014 e já nesse verão), os mais altos dignitários do País vieram a público assegurar a sua solidez financeira, facto a que todos os meios de comunicação social deram grande notoriedade.
Aceitamos que a relação de confiança Banco/cliente que, por regra, se desenrola numa relação complexa e duradoura, se desdobra em recíprocos deveres relativos a diversificadas práticas bancárias, comummente decorrente do ato nuclear que é a abertura de conta. Esses deveres são, por regra, elencados em três grupos: i) deveres de proteção que, nos preliminares contratuais, vinculam as partes a abster-se de atitudes que provoquem danos nos hemisférios pessoais ou patrimoniais umas das outras; ii) deveres de informação que as obrigam mutuamente a prestarem as informações e os esclarecimentos necessários à plena adesão ao contrato, os quais são mais intensos a cargo da parte mais forte e em favor da mais débil; iii) deveres de lealdade para desenvolver, nos preliminares e no consenso negocial, condutas reciprocamente corretas e honestas[4]. Vale por dizer que todo o relacionamento pré-contratual e contratual entre o Banco e o cliente se deve orientar pela boa fé, sendo ilegítimos todos os comportamentos que, desviando-se da honesta procura do consenso negocial, venham a causar danos à contraparte.
E se a boa fé impera no domínio civilista em geral, ela é particularmente relevante no setor bancário, impondo-se a prevenção do erro, nomeadamente sobre aspetos conexos com a essência negocial e implicações jurídicas conhecidas por uma das partes, em especial pelo proponente. Com efeito, “a boa fé surge como um critério norteador de comportamentos, impondo às partes um conduta de que possa valorar-se honesta, correcta e leal. Pretende com tal fórmula exprimir-se a ideia de que todos devem guardar fidelidade à palavra dada e não defraudar ou abusar daquela confiança que constitui a base imprescindível das relações humanas, tornando-se, pois, necessário que procedam tal como deve esperar-se que o faça qualquer pessoa que participe correctamente no tráfico jurídic”»[5]. E estes deveres são tanto mais intensos e extensos quanto mais inexperiente e não qualificada for a contraparte, exigência destinada a “compensar o desnível de informação”[6].
Reconhecemos que esta operação levada a cabo pelos Autores se inscreveu no relacionamento de confiança existente entre eles e o demandado, pelo que ao Banco eram exigíveis especiais deveres de cuidado na informação, mas nada nos diz que o risco de insolvência do E… era já conhecido do mundo financeiro em geral e que, nessa medida, o D… devesse conhecê-lo e comunicá-lo aos demandantes. Aliás, os Autores parecem colocar o enfoque do seu risco na circunstância de não terem investido em dívida sénior, como desejavam, mas em dívida júnior, mas a diversidade de tratamento dos dois produtos não pode ser imputada ao Réu, porque ela resultou da Resolução do Banco de Portugal, que conferiu diverso e inigualitário tratamento aos produtos financeiros em jogo. E só por isso as obrigações juniores integraram os ativos tóxicos do E… e foram deferidas ao “Banco N1…, ao passo que as obrigações seniores foram transferidas para o N…, continuando a gozar da correspondente tutela bancária. Apesar disso, já depois daquela Resolução, o Banco de Portugal transferiu algumas obrigações seniores para o “Banco N1…”. Isso mesmo deriva a Deliberação do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014, que logo previu a possibilidade de o BdP, após a transferência inicial, transferir ou retransmitir, entre o E… e o N…, S.A. a todo o tempo, ativos, passivos, elementos patrimoniais e ativos sob gestão.
Os Recorrente focalizam também a sua pretensão no facto de o Autor ter manifestado a sua intenção de investir em produto financeiro que havia sido adquirido por seu irmão e, embora tenha concretizado esse investimento em obrigações seniores do E…, está comprovado que “[O] interesse do Autor neste produto surgiu em conversa com o irmão, uma vez que este teria investido em ações do Banco E…, com rendimento de 5%, o que concretizou através do seu banco, o Banco E…” (n.º 7 dos fundamentos de facto). E os investimentos em ações também se perderam por força da Resolução do BdP.
Tudo a demonstrar a falibilidade do sistema financeiro, ditada pelo BdP, a ponto de em 11-08-2014, nova Deliberação do BdP ajustar o “perímetro” do N…, S.A. e do E…, introduzindo alterações e retificações ao texto da Deliberação inicial, e excluiu da transferência para o N…, além do mais, «(ii) Obrigações contraídas perante entidades que integrem o Grupo E… e que constituam créditos subordinados nos termos dos artigos 48.º e 49.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, com exceção das entidades integradas no Grupo E2… cujas responsabilidades perante o E… foram transferidas para o N…, sem prejuízo, quanto a estas entidades, da exclusão prevista na subalínea (v).
Em suma, salvaguardando o muito respeito devido pela posição dos Recorrentes que, lamentavelmente, foram prejudicados pela Resolução do BdP, cremos não haver quadro factual bastante para responsabilizar civilmente o Réu pela intermediação financeira, por forma a compensá-los dos danos advenientes daquele facto. Logo, não vemos qualquer censura a dirigir à sentença recorrida, que confirmamos na íntegra.
Regime de custas: As custas da apelação são suportadas pelos Autores (artigo 527º/1 do CPC).
IV. Dispositivo
Ante o relatado, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação e, por conseguinte, em confirmar a sentença apelada.
Custas a cargo dos Apelantes.
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Porto, 12 de fevereiro de 2019.
Maria Cecília Agante
José Carvalho
Rodrigues Pires
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[1] Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 7ª ed., pág. 228.
[2] Aprovado pelo decreto-lei n.º 486/99, de 13 de novembro, na redação dada pelos sucessivos diplomas de alteração, incluindo a introduzida pelo decreto-lei n.º 219/2006, de 02 de novembro, aplicável à situação dos autos.
[3] Aprovado pelo decreto-lei nº 298/1992, de 31 de dezembro, com as sucessivas alterações, incluindo a introduzida pelo decreto-lei nº 1/2008, de 3 de janeiro.
[4] António Menezes Cordeiro, ibidem, pág. 349.
[5] Almeno de Sá, Direito Bancário, Coimbra Editora, 2008, págs. 65 e 68.
[6] Almeno de Sá, ibidem, pág. 72.