Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1717/20.9T8LOU-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO DUARTE TEIXEIRA
Descritores: DIREITO À PROVA
PERÍCIA SOBRE BEM PENHORADO
Nº do Documento: RP202402081717/20.9T8LOU-B.P1
Data do Acordão: 02/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O direito constitucional à prova está limitado pela sua efectiva necessidade e utilidade processual.
II - Se os executados pretendem sustar a penhora de um imóvel, alegando e requerendo, uma perícia sobre outras verbas já penhoradas, não faz parte do objecto desse incidente a determinação do valor de um imóvel cuja manutenção da penhora depende apenas do valor dos restantes bens.
III - Logo, a realização de uma perícia sobre o valor da mesma é impertinente porque nem sequer diz respeito aos factos do incidente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 1717/20.9T8LOU-B.P1

Sumário:

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Questão prévia:

O recurso destes autos foi interposto em relação a duas decisões “não se conformando com o teor do douto despacho saneador na parte em que (1) julgou improcedentes os embargos de executado e, em consequência, determinou o prosseguimento da execução e, bem assim, na parte em que (2) não admitiu a realização de prova pericial relativa à avaliação do imóvel penhorado nos autos (verba n.º 11), vêm interpor”.

Todavia o recurso foi admitido de forma unitária e determinado que se Autue em separado o recurso interposto com a certidão solicitada e ainda deste despacho”.

Ora, se da decisão de indeferimento da prova pericial estamos perante uma apelação autónoma, a subir dessa forma, já quanto à decisão final dos embargos estamos perante uma apelação que deveria ter sido tramitada nos próprios autos.

Por forma a colmatar esse lapso, determina-se, pois, que:

a) o objecto deste recurso seja restrito à apelação autónoma de realização da prova pericial.

b) que, depois, seja extraída certidão de todo este processado e criado um novo apenso (tendo em conta que no principal prossegue a tramitação de um incidente), o qual deverá ser, de novo submetido a distribuição por forma a ser averbado ao actual relator ou ao titular que proferiu a decisão sumária dos autos.

Sem custas.

1. Relatório

Por apenso á execução que A..., S.A. lhe moveu, entre outros, vieram os executados AA e B..., LDA.com os sinais nos autos, apresentar embargos de executado.

Essa execução foi intentada, com base em decisão judicial, que após recurso para o RP condenou “solidariamente os Réus AA e "B..., Ld.?" a pagarem à Autora/seguradora a quantia de 37.698,40 €, acrescida de juros de mora desde a citação até sua integral liquidação”.

Nesse requerimento, quanto ao objecto deste recurso, os apelantes pediram que seja “ordenar o cancelamento da penhora identificada sob a verba n. 0 11 do auto de penhora, incidente sobre o prédio urbano, destinado a habitação, casa de dois pisos, sito no lugar ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Águeda, sob o número .../TROFA, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., correspondente ao artigo ... urbano da extinta freguesia ... e registada sob a AP. ... de 2020/11/04 da 2.ª Conservatória do Registo Predial de Braga”.

Alegando para tal que “Só o valor dos quatro veículos automóveis já asseguraria, de forma mais do que suficiente o valor remanescente de 27.144,91 € (vinte e sete mil, cento e quarenta e quatro euros e noventa e um cêntimos)”.

Por causa disso requereram “Ao abrigo do disposto no art.? 467.º n.º 1 do C.P.C. e nos termos e para os efeitos previstos no disposto no art.v 784.º n.º 1 alínea a), 2.ª parte, do C.P.C., REQUER-SE a realização de perícia a qual deverá ter por objeto apurar o real valor das verbas identificadas sob os n.ºs 6, 7, 8, 9 e 11 do auto de penhora”.

Foi deferida a realização dessa perícia quanto ao valor dos automóveis e indeferida quanto ao valor do imóvel (verba n 11).

Inconformada vieram os apelantes interpor recurso dessa decisão (juntamente com a decisão final do procedimento), o qual foi unitariamente admitida como recurso de apelação a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.


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2.1 Alegações da apelante (restritas ao objecto deste recurso, mas cujo restante teor se dá por reproduzido).

1. Ao abrigo do disposto no art.º 813.º do Código Civil, a quantia exequenda deverá ser reduzida em função da mora da credora exequente, tornando inexigível dos executados/recorrentes as quantias por aquela peticionadas a título de iuros de mora e sanção pecunidria compulsória no período compreendido entre 25 de março de 2019 (data da última interpelação que endereçaram ao Ilustre Mandatário da exequente) e 26 de novembro de 2020 (data da citação dos executados), por naquele período de tempo, os executados se encontrarem a aguardar, de boa-fé, uma resposta da exequente à proposta de integral pagamento que lhe endereçaram.

2. É indiscutível ser inadmissível a penhora de bens desnecessários para pagamento da dívida exequenda mais despesas previsíveis segundo valor legalmente presumido - cfr. artº 735. º n.º 3 C.P.C.. Ou seja, este preceito legal traça os LIMITES da ação executiva.

4. A EXTENSÃO E DESPROPORCIONALIDADE COM QUE A PENHORA FOI REALIZADA NOS PRESENTES AUTOS É, ALÉM FLAGRANTE, GRITANTE!!!

5. No caso dos autos o LIMITE DA PENHORA fixa-se em 51.265,27 € (cinquenta e um mil, duzentos e sessenta e cinco euros e vinte e sete cêntimos) [48.815,25 € (quarenta e oito mil oitocentos e quinze euros e vinte e cinco cêntimos) a título de quantia exequenda e 2.449,77 € (dois mil, quatrocentos e quarenta e nove euros e setenta e sete cêntimos), atentas as despesas

prováveis de 5% desse valor.

6. Foram penhoradas 11 (onze verbas), num valor total estimado pelo Ilustre Agente de Execução de 79.956,18 € (setenta e nove mil, novecentos e cinquenta e seis euros e dezoito cêntimos) - VALOR ESSE QUE, SÓ POR SI, TÀ SE MOSTRARIA EXCESSIVO FACE À QUANTIA EXEOUENDA E DEMAIS ENCARGOS.

7. Foram penhorados (a) cinco depósitos bancários no valor total de 24.120,36 € (vinte e quatro mil, cento e vinte euros e trinta e seis cêntimos), (b) quatro veículos automóveis; (c) 565, 16 € (quinhentos e sessenta e cinco euros e dezasseis cêntimos) mensais, correspondente a parte do vencimento do executado e ainda (d) um prédio urbano, destinado a habitação, casa de dois pisos, sito no lugar ...; ... descrito na Conservatória do Registo Predial de Águeda, sob o número .../TROFA, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., correspondente ao artigo ... urbano da extinta freguesia ..., com o valor patrimonial tributário de 44.070,67 € (quarenta e quatro mil e setenta euros e sessenta e sete cêntimos).

8. O imóvel penhorado sob a verba n.0 11 tem um valor de mercado não inferior a 150.000,00 € (cento e cinquenta mil euros);

9. A penhora do imóvel identificado sob a verba n.º 11 do auto de penhora não teve outro propósito senão PREJUDICAR DESNECESSARIAMENTE o executado numa clara e gritante violação da lei que obviamente tem de merecer censura.

10. O que baliza os fins da oposição à penhora não é o pedido formulado pelos executados numa interpretação literal e isolada, mas sim os concretos fundamentos que lhe servem de base, no caso concreto a inadmissibilidade da extensão com que a penhora foi realizada - dr. art.º 784.º n.º 1 alínea a) do C.P.C..

11. Caso vingasse a tese vertida no despacho saneador, no sentido de apenas ser aferido mediante avaliação pericial o valor de determinadas verbas, isso seria esvaziar de sentido o disposto no art.? 784.º n.º 1 ai. a) "in fine" do C.P.C., uma vez que o excesso de penhora só pode aferir-se por uma avaliação CONJUNTA e GLOBAL de todas as verbas penhoradas.

12.Provando-se que o imóvel penhorado nos autos, só por si, tem um valor igual ou superior à quantia exequenda e demais encargos, isto é, superior a 51.265,27 € (cinquenta e um mil, duzentos e sessenta e cinco euros e vinte e sete cêntimos) [48 815,25 € (quarenta e oito mil oitocentos e quinze euros e vinte e cinco cêntimos) e atentas as despesas prováveis de 5% desse valor, ou seja, 2.449,77 € (dois mil, quatrocentos e quarenta e nove euros e setenta e sete cêntimos)], então isso, por si só, já tornaria desnecessária a penhora das demais 10 (dez) verbas, na medida em que já garantiria isoladamente o pagamento da quantia exequenda e demais encargos.

13.O que se pretende com a realização da requerida perícia é saber se o SOMATÓRIO do valor real dos bens penhorados sob as verbas n.ºs 1 a 11 é ou não excessivo, desadequado e desproporcional relativamente à quantia exequenda e demais encargos, o que só se consegue inferir através de uma avaliação CONJUNTA e GLOBAL das verbas n.ºs 6, 7, 8, 9 e 11, nos exatos moldes requeridos pelos executados.

14. Deixar de fora da avaliação pericial o imóvel (verba n.0 11) seria consentir na manutenção ilegal da penhora, por manifesto excesso e desproporcionalidade, pois esta verba, só por si é mais do que suficiente para garantir o pagamento da quantia exequenda e demais encargos na sua totalidade, podendo, por isso, impor, numa reação lógica, o levantamento da penhora que recaiu sobre as verbas 1 a 10.

15. O que importa aferir em sede de opos1çao à penhora, deduzida com fundamento no disposto no art.? 784.º n.º 1 ai. a) "in fine" do C.P.C., é se as verbas penhoradas sob os n.ºs 1 a 1 O se relevam suficientes para garantir o pagamento da quantia exequenda e demais encargos e com isso determinarem o levantamento (por excessiva e desproporcional) da penhora que incide sobre a verba n. 0 11, ou se pelo contrário, esta verba n. 0 11 se mostra, por si só, suficiente para garantir o pagamento da quantia exequenda e demais encargos, caso em que se impõe então e pelos mesmos motivos, o levantamento da penhora que incide sobre as verbas n.ºs 1 a 1O.

16. O despacho que indefere a realização da avaliação pericial quanto à verba n.º 11 denota uma visão estritamente formalista do incidente de oposição à penhora (ao sugerir até que não foi pedido o levantamento da penhora das verbas n.º 1 a 1O ... ) e afasta-se da realização dos princípios elementares da justiça material que devem nortear as ações judiciais em geral e a ação executiva em particular ao mesmo tempo que acaba por esmagar por completo o princípio da proporcionalidade de raiz constitucional (cfr. are. 62° da CRP) que torna excecional qualquer oneração ou perda forçada da propriedade privada.

17. Nos termos do disposto no art.º 388.º do Código Civil ''.4 prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial." Sendo que esses factos foram alegados pelos recorrentes, nomeadamente nos artigos 45.º, 50.º, 62.º, 65.º, 70.º e 72.º da oposição à penhora, ao mesmo tempo que constam do objeto com que foi requerida a realização da perícia.

18. O direito à prova é constitucionalmente reconhecido (cft. art.º 20 da CRP) e faculta às partes a possibilidade de utilizarem em seu benefício os meios de prova que considerarem mais adequados tanto para a prova dos factos principais da causa, como também para a prova dos factos instrumentais ou mesmo acessórios.

19.A perícia requerida está alicerçada em factos alegados pelos executados, é legalmente admissível, pertinente e não tem cariz dilatório.

20. Ao ter julgado improcedentes os embargos de executado e, em consequência, determinado o prosseguimento da execução e, bem assim, ao não ter admitido a realização de prova pericial quanto ao imóvel (verba n.º 11) penhorados nos autos, o tribunal a quo violou, entre outros, o disposto nos art.ºs 467.º n.º 1, 735.º n.º 3, 751.º, 752.º n.º 2, 784.º n.º 1 alínea a), 821 n.º 3, 822.º alínea c), 828.º n.º 7, 834.º n.º 2 e 835.º n.º 1 do C.P.C., art.ºs 388.º, 806.º n.º 1, 813.º e 829.º-A n.º 4 do Código Civil, art.ºs 111.º e 112.º n.º 1 alínea 6) do E.O.A., art.ºs 20.º e 62.º da C.R.P .


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2.2. Contra-alegações apresentadas pela apelada

1 . Salvo o devido respeito, entende a Recorrida que a matéria objeto de recurso, impunha a interposição de dois recursos distintos, porquanto, a improcedência dos embargos se traduz numa decisão sobre o mérito da causa (que implica um recurso da decisão final), e a rejeição de um meio probatório se traduz num recurso interlocutório, a subir de imediato e em separado, não sendo os mesmos cumuláveis entre si, pelo que não deverão ser admitidos.

2. Mas ainda que assim não se entenda, a verdade é que não subjazem quaisquer razões ou fundamentos à posição vertida pelos Recorrentes no recurso que merece as presentes contra-alegações. (…)

17. Noutro segmente do seu recurso, insurgem-se os Recorrentes contra a não admissão, pelo tribunal a quo, da realização de prova pericial relativa ao imóvel penhorado nos autos sob a verba n.º l l.

18. Neste particular, convirá, desde já dizer, que por mero dever de ofício se responde a este particular segmento, porquanto, em boa verdade, é notória, a motivação para a rejeição deste meio de prova: a da prejudicialidade do mesmo face à contabilização/cálculo das demais verbas e a consequente inutilidade da mesma.

19. Ora, no âmbito da oposição à penhora, a discordância dos Recorrentes quanto à penhora efetuada no contexto dos autos prendia-se, tão só, com a alegada desproporcionalidade entre a extensão da mesma e o valor da dívida exequenda.

20. Face ao valor da quantia exequenda e despesas prováveis com o processo, de € 53.696,78 (cinquenta e três mil, seiscentos e noventa e seis euros e setenta e oito cêntimos), a penhora dos depósitos bancários (os de mais fácil execução) no valor de€ 24.120,36 (correspondentes às verbas l a 5 do auto de penhora) -, não era suficiente para garantir a integral satisfação do crédito da Recorrida, justificando-se, como tal, a penhora de outros bens que permitissem(am) responder integralmente pela dívida exequenda, assegurando, no caso concreto, a garantia do valor remanescente de€ 29.576,42 (vinte e nove mil, quinhentos e setenta e seis euros e quarenta e dois cêntimos), o que veio a suceder com a penhora dos veículos automóveis (sob as verbas 6 a 9 e com um imóvel, identificado sob a verba l l ) .

21. Os Recorrentes discordaram do valor real dos bens penhorados nos autos, sob verbas 6 a 9 (às quais o Exmo. Sr Agente de Execução atribuiu um valor global de € 11.000,00, onze mil euros), entendendo que aquelas verbas estavam subavaliados, tornando-se excessiva e desnecessária a penhora do imóvel identificado sob a verba n.º 11, foi por aqueles requerida a realização de prova pericial para avaliação dos veículos, a qual veio a ser deferida no douto despacho recorrido.

22. Ora, sabendo-se já o valor dos depósitos bancários (verbas l a 5), o apuramento dos valores dos veículos automóveis (constantes das verbas 6, 7, 8 e 9) através da referida prova pericial é suficiente para apurar se a penhora do imóvel, é ou não excessiva para o cômputo dos valores penhorados necessários para assegurar o valor da quantia exequenda e despesas prováveis com o processo e agente de execução.

23. Com o resultado da perícia a realizar aos veículos identificados sob as verbas n.º 6, 7, 8 e 9, fica de imediato determinado se a penhora sobre o imóvel identificado sob a verba n.º 11 é, ou não, necessária. sto é, sabendo-se que as verbas 1 a 1 O são suficientes para garantir a quantia exequenda e demais encargos com o processo, mostra-se desnecessária, sem necessidade de apuramento do valor do imóvel, a própria penhora que incide sob o imóvel identificado sob a verba 11 do auto de penhora, pelo que a questão fica objetivamente prejudicada.

24. De igual modo, se aquelas verbas forem insuficientes, mostra-se totalmente justificada a penhora sobre aquele bem, sem que o apuramento do seu valor real tenha ou não qualquer influência em termos de penhora, porque o mesmo seria necessário para garantir o remanescente da dívida.

25. Devendo o tribunal emitir sobre a perícia, como relativamente a todas as provas, um juízo, não só de legalidade, mas também de pertinência sobre o objeto: (art.º 476.º do CPC) a prova dos factos que se propõe provar, fê-lo o Tribunal a quo, indeferindo, e bem, a perícia por ser a mesma inócua e desnecessária, porque o que se pretendia apurar com a mesma fica prejudicado em função do que se vier a apurar com a perícia realizada às verbas que se reportam aos veículos penhorados nos autos.

26. Desta forma, as razões apontadas pelo tribunal a quo, validamente, fundamentar a rejeição deste meio de prova, pois que, a pretensão dos Recorrentes (o levantamento/cancelamento da penhora sob o imóvel), para cuja apreciação (valoração) se reclama a diligência, poderá ser conseguido em função do que se vier a apurar das diligências probatórias deferidas no mesmo despacho que se recorre.

27. Assim, face ao estatuído no art.º 476.º n.º1 e 2 do CPC, o juiz pode indeferir o requerimento por a diligência ser impertinente ou dilatório e indeferir questões suscitadas pelas partes por desnecessárias, inadmissíveis ou irrelevantes, pelo que a decisão sob recurso não merece qualquer sindicância, não tendo, de modo algum sido vedado o direito à prova, pelo que se deve manter a decisão recorrida.


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3. Questões a decidir

1. da admissibilidade do recurso

2. Caso necessário da viabilidade jurídica do mesmo.


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4. Da admissibilidade do recurso

Os apelantes foram notificados na mesma data da decisão que indeferiu a produção da prova pericial e da decisão que julgou improcedentes os embargos.

No prazo legal interpuseram recurso unitário dessas duas decisões.

O Ac do TRP proferido analisou apenas a questão da improcedência dos embargos, tendo sido proferida decisão sumária que determinou o prosseguimento dos autos para julgamento.

A questão da legalidade do despacho que indeferiu a prova pericial não foi apreciada posteriormente.

Logo, a questão mantém autonomia e os embargantes demonstram ter interesse na sua apreciação.

Tanto basta, pois, para a admissibilidade do recurso, já que esta é aferida pelo momento da sua interposição e a decisão é recorrível (art. 644º, nº2, al d), do CPC).

Improcede, pois, a questão prévia suscitada.


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5. Motivação de facto
1. 1. Por apenso á execução que A..., S.A. lhe moveu, entre outros, vieram os executados AA e B..., LDA.com os sinais nos autos, apresentar os presentes embargos de executado.
2. Essa execução foi intentada, com base em decisão judicial, que após recurso para o RP condenou “solidariamente os Réus AA e "B..., Ld.?" a pagarem à Autora/seguradora a quantia de 37.698,40 €, acrescida de juros de mora desde a citação até sua integral liquidação”.
3. No decurso da execução foram penhorados (a) cinco depósitos bancários no valor total de 24.120,36 € (vinte e quatro mil, cento e vinte euros e trinta e seis cêntimos), (b) quatro veículos automóveis; (c) 565, 16 € (quinhentos e sessenta e cinco euros e dezasseis cêntimos) mensais, correspondente a parte do vencimento do executado e ainda (d) um prédio urbano, destinado a habitação, casa de dois pisos, sito no lugar ...; ... descrito na Conservatória do Registo Predial de Águeda, sob o número .../TROFA, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., correspondente ao artigo ... urbano da extinta freguesia ..., com o valor patrimonial tributário de 44.070,67 € (quarenta e quatro mil e setenta euros e sessenta e sete cêntimos).
4. No seu requerimento, quanto ao objecto deste recurso, os apelantes pediram que seja “ordenar o cancelamento da penhora identificada sob a verba n. 0 11 do auto de penhora, incidente sobre o prédio urbano, destinado a habitação, casa de dois pisos, sito no lugar ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Águeda, sob o número .../TROFA, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., correspondente ao artigo ... urbano da extinta freguesia ... e registada sob a AP. ... de 2020/11/04 da 2.ª Conservatória do Registo Predial de Braga”.
5. Alegando para tal que “Só o valor dos quatro veículos automóveis já asseguraria, de forma mais do que suficiente o valor remanescente de 27.144,91 € (vinte e sete mil, cento e quarenta e quatro euros e noventa e um cêntimos)”.
6. Foi deferida a realização dessa perícia quanto ao valor dos automóveis e indeferida quanto ao valor do imóvel (verba n 11) por despacho judicial.
7. O teor do despacho proferido é: “- Admito a realização de prova pericial para avaliação dos veículos identificados sob as verbas nº 6, 7, 8 e 9. Notifique o exequente nos termos do artº 476 nº 1 do Código de Processo Civil.
8. Uma vez que pedido no incidente de oposição à penhora é o cancelamento da penhora da verba nº 11 (imóvel) por as verbas nº 1 a 1O serem suficientes, indefere-se o pedido avaliação pericial da verba nº 11 por ser inócua e desnecessária.

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6. Motivação Jurídica

Está em causa a utilidade ou não de ser realizada uma perícia relativa ao valor do imóvel.

Decorre do art. 341 do Código Civil, que as provas “têm por função a demonstração da realidade dos factos”.

E, que nos termos do art. 388º, do mesmo diploma, a prova pericial é aquela que tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objeto de inspeção judicial”.

 Mas, a admissão da perícia está submetida a vários princípios entre os quais o da necessidade, utilidade e proporcionalidade.

            Isso é o que decorre, além do mais do art 476º, do CPC que dispõe: “Se entender que a diligência não é impertinente nem dilatória, o juiz ouve a parte contrária sobre o objeto proposto, facultando-lhe aderir a este ou propor a sua ampliação ou restrição”.

            Uma perícia tem utilidade quando pode influenciar decisão da causa ou neste caso a sua tramitação.

            O objecto do requerimento da parte é a redução do objecto da penhora, apenas ao montante já penhorado e veículos automóveis determinando-se o cancelamento da mesma quanto ao imóvel (verba nº 11).

           Logo, o valor de mercado desse imóvel é absolutamente irrelevante para a decisão dessa questão, a qual foi livremente fixada e limitada pela parte.

           Basta dizer que, caso o valor do mesmo seja fixado em 160 mil euros (como pretendido art 62º, do requerimento), mesmo assim a penhora teria de se manter, na medida em que é o valor dos veículos que irá determinar a necessidade, ou não de, serem penhorados outros bens.

           Questão diversa seria se a apelante tivesse suscitado a questão do excesso de penhora quanto às restantes verbas (veículos e salários), nos termos da qual já seria relevante apurar o valor aproximado do imóvel e a sua aptidão para satisfazer, total ou parcialmente o pagamento da quantia exequenda.

            No processo civil nacional ainda vigoram os principio do pedido, do dispositivo e da responsabilidade processual, (art. 3º, do CPC), nos termos do qual cabe à parte formular o que pretende e depois ser coerente e responsável com a essa sua conduta processual.

           Ora, in casu, o apelante confunde o seu real e concreto pedido formulado que, recorde-se condiciona a tramitação processual do incidente, com a admissão e tramitação de uma diligência probatória manifestamente inútil e por isso dilatória.

Acresce que o direito à prova constitucionalmente reconhecido (art. 20.º da CRP) permite às partes a possibilidade de utilizarem em seu benefício os meios de prova que considerarem mais adequados tanto para a prova dos factos principais da causa, como, também, para a prova dos factos instrumentais ou mesmo acessórios. Mas daí não resulta, que possam requerer toda e qualquer diligência, tendo por objecto, como neste caso, realidades que não fazem parte do concreto pedido formulado, e por isso são verdadeiramente impertinentes.

Já que a prova é “impertinente se não respeitar aos factos da causa e dilatória se, respeitando embora aos factos da causa, o seu apuramento não requerer o meio de prova pericial, por não exigir os conhecimentos especiais que esta pressupõe”.[1]

E, “uma diligência de prova, designadamente, a prova pericial, só pode considerar-se impertinente se não for idónea para provar o facto que com ela se pretende provar, se o facto se encontrar já provado por qualquer outro meio de prova ou se carecer de todo de relevância para a decisão da causa”[2].

Por isso, bem andou o despacho recorrido ao indeferir a realização da perícia sobre o valor de mercado da verba nº 11.

7. Deliberação

Pelo exposto, este tribunal colectivo julga a presente apelação não provida e, por via disso, mantém integralmente a decisão recorrida.


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Custas a cargo dos apelantes porque decaíram totalmente.

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Porto em 8.2.2024
Paulo Teixeira
João Venade
Ana Vieira
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[1] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª Edição, Almedina, pág 326.
[2] Ac da RG de 21.1.2021, nº 847/20.T8BCL-C.G1 (Jorge Teixeira).