Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
184/18.1YRPRT
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA PAULA AMORIM
Descritores: REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RP20181218184/18.1YRPRT
Data do Acordão: 12/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
Decisão: ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 686-A, FLS.100-106)
Área Temática: .
Sumário: Quando a forma de processo empregue - revisão de sentença estrangeira – não se mostra apropriada ao tipo de pretensão deduzida – reconhecimento da união de facto nos termos e para os efeitos da Lei 7/2001 e da Lei 37/81 -, ocorre o vício processual de erro na forma de processo, por se verificar uma total inadequação da petição à forma processual a seguir, que determina a absolvição da instância.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: RSE-Erro-184/18.1YRPRT
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Juiz Desembargador Relator: Ana Paula Amorim
Juízes Desembargadores Adjuntos: Manuel Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
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Acordam neste Tribunal da Relação do Porto[1]
(5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)
I. Relatório
B…, portadora do cartão de cidadão número ……… ….., emitido pela Republica Portuguesa, válido até 13.08.2022 e NIF ……….. e ainda portadora da identidade brasileira nº …….. - ., expedido pelo IFP-RJ em 28.09.2007 e do CIC nº …………. - .. e C…, de nacionalidade brasileira, portador da carteira de identidade nº …….. - ., expedida pelo IFP/RJ em 05.08.81 e inscrito no CPF/MF sob o nº ……....... - .., ambos residentes quando em Portugal na rua …, nº .., Apartamento …, …. - … e quando no Brasil na rua …, nº …, apartamento …, bairro …, Rio de Janeiro vieram interpor e requerer junto deste tribunal da Relação do Porto ação especial de revisão e confirmação de sentença estrangeira, formulando o seguinte pedido:
-“[n]estes termos e nos melhores de direito aplicáveis e sempre com o mui douto suprimento de V. Exª deve a presente ação ser julgada procedente por provada, com o reconhecimento da união de facto dos requerentes à data de Novembro de 2009 – data em que iniciaram coabitação, partilha de mesa e leito – nos termos e para os fins da Lei 7/2001 e da Lei 37/8”.
Alegaram para o efeito que mantêm entre si a condição de conviventes de facto, análoga à dos cônjuges desde Novembro de 2009, descrevendo os factos que consubstanciam a convivência de facto.
Mais referem que a união mostra-se consagrada documentalmente, conforme “escrituras declaratórias” juntas aos autos, correspondente à obrigação legal da legislação brasileira, pelo que se acham no direito de requerer o reconhecimento judicial da situação de união de facto Lei 7/2001 de 11 de maio e bem assim, conforme exigido pelo art. 3º/3 da Lei 37/81 e pelo art. 14º/2 do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, DL 71/2017 de 21 de junho.
Terminam por considerar que a decisão em causa consta de documento sobre cuja autenticidade e inteligência não deve haver dúvidas e que está devidamente legalizado, reconhecido e apostilhado. Provém de entidade administrativa competente, conservatória registo civil, não versando sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses e não contém decisão contrária aos princípios de ordem pública internacional do Estado Português.
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Cumpriu-se o art. 982º CPC.
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O Exmo Procurador-Geral Ajunto deu o seu parecer no sentido de não existir obstáculo à revisão e confirmação das decisões que constam dos documentos nº1 e nº2, com data de 13 de fevereiro de 2009 e 26 de março de 2010.
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Os requerentes nas suas alegações concluem por pedir “o reconhecimento da união de facto que dá razão aos autos, à data de novembro de 2009 – data em que iniciaram coabitação, partilha de mesa e leito – nos termos e para os fins da Lei 7/2001 e da Lei 37/81”.
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Proferiu-se despacho que convidou as partes a pronunciarem-se sobre o erro na forma de processo e a proposta de absolvição da instância.
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Os requerentes vieram pronunciar-se sobre a proposta nos termos que se passam a transcrever:
“1. Os requerentes acima identificados, vieram interpor e requerer junto deste douto tribunal uma Ação Especial de Revisão e Confirmação de Sentença Estrangeira, com o desígnio de obter o reconhecimento da União de Facto à data de Novembro de 2009, data em que iniciaram coabitação, partilha de mesa e leito, nos termos e para os fins da Lei 7/2001 e da Lei 37/8;
2. Alegaram para o efeito que mantêm entre si a condição de conviventes de facto, análoga à dos cônjuges desde Novembro de 2009, descrevendo os factos que consubstanciam a convivência de facto;
3. Mais referem que a união mostra-se consagrada documentalmente, conforme "escrituras declaratórias" juntas aos autos, correspondente à obrigação legal da legislação brasileira, achando-se assim no direito de requerer o reconhecimento judicial da situação de união de facto Lei 7/2001 de 11 de maio, e bem assim, conforme exigido pelo art. º 3º/3 da Lei 37/81 e pelo art.s 14º/2 do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, DL 71/2017 de 21 de Junho,
4. Sucede porém, que este douto Tribunal, pretende considerar que a forma do processo empregue, revisão de sentença estrangeira, não se mostra apropriada ao tipo de pretensão deduzida, isto é, ao reconhecimento da união de facto.
5. De facto, é verdade que a lei, nomeadamente a conjugação do art.3º Lei 37/2001 com o art.º.14º do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, atribui competência ao tribunal de 1ª instância, jurisdição cível, para a instrução e julgamento da ação de reconhecimento da situação de união de facto;
6. Pese embora, e recuando na linha temporal, a requerente aqui em juízo, B…, interpôs neste douto tribunal a 15 de Janeiro de 2018, uma Ação Especial de Revisão e Confirmação de Sentença Estrangeira referente ao processo 8/18.0YRPRT para obter o reconhecimento da sentença que decretou o divórcio referente ao vínculo matrimonial que mantinha com o Sr. D…, com o propósito de o mesmo produzir os seus efeitos legais em Portugal;
7. Na referida ação interposta pelos Requerentes foi citado o seguinte:
- (...) Por sentença de 14 de Outubro de 1987/ proferida pelo Meritíssimo Juiz de Direito da 2ª Vara de Família do Estado do Rio de Janeiro, com os autos 413614/ já transitada em julgado, foi dissolvido o casamento entre ambos por separação;
- Separação esta devidamente averbada no 8º Registo Civil de Pessoas Naturais (RCPN) do Estado do Rio de Janeiro, ordenada por despacho do Meritíssimo Juiz de Direito da 4ª Zona do Registo Civil em 21 de Junho de 2006;
- Tendo os aqui Autores, o propósito de por fim ao vínculo matrimonial existente, foi a separação referida no número anterior deste libelo convertida em divórcio, por escritura pública lavrada no 7º RCPN-RJ em 19 de Julho de 2017( ... )"
- Cujo averbamento no correspondente assento se concretizou em 10 de Agosto de 2017 ( … )”.
8. Após a interposição da respetiva ação, o Tribunal da Relação do Porto no dia 19 de Março de 2018 proferiu decisão, na qual suscitou a problemática inerente à aplicação do disposto no nº 1 do art. 978 do Código de Processo Civil o qual se reporta de forma expressa «á decisão sobre direitos privados, proferida por tribunal estrangeiro», questionando-se se o mesmo se aplica igualmente quando o ato jurídico cuja revisão se pretende, resulta não só, mas também, de uma decisão de um tribunal mas ainda de uma escritura pública celebrada pelos próprios interessados perante o oficial público competente - o notário.
9. Ora tal decisão, fundamentou-se não só, mas também, no entendimento sufragado pelo Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de 22.05.2013, in www.dgsi.pt: l" O que interessa para a ordem jurídica portuguesa e mais o conteúdo do ato administrativo, ou seja, o modo como regula os ditos interesses privados; " Do ponto de vista formal apenas releva que o ato administrativo provenha efetivamente duma autoridade administrativa"; " Se não ofende a ordem pública portuguesa, quanto á maneiro como regulou esses interesses privados e provém duma autoridade administrativa, estão preenchidos os requisitos para a confirmação do seu conteúdo"; " Não releva portanto o modo ou a via como se chegou à produção desse ato, ou seja, se através duma emissão formal da vontade da entidade administrativa responsável pelo ato, ainda que de carácter meramente homologatório, ou se de maneira mais "contratual" apenas através das declarações dos outorgantes. Por outras palavras, basta que se trate de um ato caucionado administrativamente pela ordem jurídica em que foi produzido (cfr. Artigo 1º da Convenção de Haia Sobre o Reconhecimento dos Divórcios e Separação de Pessoas, de 1.06.1970''1- bem como os Acórdãos da Relação do Porto de 12.07.1983, in CJ, Tomo IV, pág. 221 da Relação de Lisboa de 10-07.1984, in BMJ 346, pág.304, de 3.06.1993, ln BMJ 428, páh.671, de 28.01.1999 in CJ, Tomo I, pág. 99; a decisão singular da Relação de Lisboa no processo nº344 09.6YRLSB 7, in www.dqsi.pt;e o Acórdão da Relação de Guimarães de 11.05.2010, processo nº45 10.2YRGMR, www.dgsi.pt).
10. Pelo descrito, este douto tribunal julgou a ação procedente confirmando a sentença que decretou a separação dos autores e a conversão da separação em divórcio por escritura pública.
11. Assim sendo, se a ação interposta pelos aqui Requerentes com vista à confirmação da sentença proferida que decretou a separação e a conversão desta última em divórcio por escritura pública foi julgada procedente, sempre se questiona, se não se deverá considerar que a escritura pública que declara a existência de uma União de Facto tenha o mesmo escrutínio?
12.Se este douto tribunal quanto à ação de reconhecimento do divórcio com título idêntico, proferiu decisão com base no acórdão de 22.05.2013, in www.dgsi.pt proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça o qual refere expressamente, passo a citar: "( ... O que interessa para a ordem jurídica portuguesa é mais o conteúdo do ato administrativo, ou seja, o modo como regula os ditos interesses privados; ".' Não releva portanto o modo ou a via como se chegou à produção desse ato, ou seja, se através duma emissão formal da vontade da entidade administrativa responsável pelo ato, ainda que de carácter meramente homologatório, ou se de maneira mais "contratual" apenas através das declarações dos outorgante. (. . .).
13. neste caso, fazendo a analogia deveria igualmente, julgar a ação de reconhecimento da união de facto procedente, uma vez que à semelhança da separação, que foi convertida em divórcio por escritura pública lavrada no RCPN-RJ, também esta união foi consagrada por escritura pública (declaratória) no RCPN-RJ, correspondente à obrigação legal da legislação Brasileira.
14. Face ao exposto, e uma vez que a decisão em causa consta de documento sobre cuja autenticidade e inteligência não deve haver dúvidas e que está devidamente legalizado, reconhecido e apostilhado, provém de entidade administrativa competente, conservatória de registo civil, não versando sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses e não contém decisão contrária aos princípios de ordem pública internacional do Estado Português, cumpre-se o disposto no art. 982º CPC”.
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Dispensaram-se os vistos legais.
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Cumpre apreciar e decidir.
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II. Fundamentação
1. Delimitação do objeto do ação
O objeto da ação é delimitado pelo pedido formulado em confronto com os fundamentos, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – art. 639º ex vi do art. 982º/2 CPC.
A questão a decidir consiste em saber se ocorre erro na forma de processo.
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2. Os factos
Com relevância para a apreciação da questão colocada cumpre ter presente a petição apresentada:
- Fundamentos -
1.º Os Requerentes mantêm entre si a condição de conviventes de facto, análoga à dos cônjuges desde Novembro de 2009, - cfr. Doe. n.º 1.
2.º Nutrem uma relação familiar, social, afetiva, leito e sexual, residindo na mesma casa desde então,
3.º Partilham refeições, tiram férias em simultâneo e em conjunto, fazem viagens e contribuem ambos para o sustento do lar,
4.º Sendo convicção dos seus vizinhos, familiares e amigos, que os mesmos são, na realidade, um casal - marido e mulher.
Na verdade,
5º. desde Março de 2006 que os Requerentes são vistos juntos em eventos sociais, partilham uma relação afetuosa e marital publicamente - cfr. Doe. n.2 2
Porém,
6º. por força das relações anteriores malogradas, na constância dos Seus casamentos, entretanto dissolvidos, entenderam apenas assumir a presente relação de "união estável" _ União de facto - a partir de Novembro de 2009; - cfr. Doe. n.2 1.
7.º Com esta união, a Requerente mulher adotou o apelido do Seu marido "C…";
8º. Ambos contribuem para a economia do casal, mediante mútuo auxílio em relacionamento tipicamente de marido e mulher,
9º. As decisões dos Requerentes são tomadas em comum acordo, no supremo interesse da família,
10º. Nestes últimos 12 anos de convivência comum, adquiriram diversos bens, móveis e imóveis, partilhando-os nos seus dia-a-dia;
11º.Esta união mostra-se consagrada documentalmente, conforme os ora juntos sob os n.2s 1 e 2, correspondente à obrigação legal da legislação Brasileira,
12º.Pelo que se acham no direito de requerer o reconhecimento judicial da situação de união de facto Lei 7/2001 de 11 de maio, e bem assim, conforme exigido pelo artigo 3.2, n.2 3, da Lei n.º 37/81 e pelo artigo 14.2, n.2 2, do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, Decreto-Lei n2 71/2017, de 21 de Junho.
13º.A decisão em causa consta de documento sobre cuja autenticidade e inteligência não deve haver dúvidas e que está devidamente legalizado, reconhecido e apostilhado.
14º. Provém de entidade administrativa competente, conservatória registo civil, não versando sobre matéria da exclusiva competência dos Tribunais portugueses; aliás,
15º. Não contém decisão contrária aos princípios de ordem pública internacional do Estado Português.
- Pedido -
Nestes termos e nos melhores de direito aplicáveis e sempre com o mui douto suprimento de V. Exa., deve a presente ação ser julgada procedente por provada, com o reconhecimento da união de facto dos Requerentes à data de Novembro de 2009 - data em que iniciaram coabitação, partilha de mesa e leito - nos termos e para os fins da Lei n.º 7/2001 e da Lei n.º37/81.
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3. O direito
Os requerentes vieram instaurar um processo de revisão de sentença estrangeira.
No processo de revisão de sentença estrangeira o tribunal vai pronunciar-se sobre a revisão e confirmação da sentença, porque nenhuma decisão sobre direitos privados, proferida por tribunal estrangeiro, tem eficácia em Portugal, seja qual for a nacionalidade das partes, sem estar revista e confirmada, como determina o art. 978º CPC.
O processo destina-se a verificar se a decisão está em condições de poder ser executada em território nacional, determinando o art. 980º CPC os requisitos necessários para a sua confirmação.
A expressão decisão, utilizada, no art. 978º CPC, permite abranger as decisões, ainda que não provindas de tribunal, quando no país estrangeiro seja outra a entidade a quem compete essas decisões, sendo esta a interpretação que se mostra conforme com a previsão do art. 20º/1 da Constituição da Republica Portuguesa, no sentido de garantir a tutela jurisdicional efetiva dos direitos dos particulares.
O julgamento da revisão de sentença estrangeira ou de decisões não provindas de tribunal[2] faz-se segundo as regras próprias da apelação (art. 982º, n.º 2 do CPC).
Neste contexto concorda-se com a posição defendida pelos requerentes e com a jurisprudência citada, quando afirmam: “[o] que interessa para a ordem jurídica portuguesa e mais o conteúdo do ato administrativo, ou seja, o modo como regula os ditos interesses privados; " Do ponto de vista formal apenas releva que o ato administrativo provenha efetivamente duma autoridade administrativa"; " Se não ofende a ordem pública portuguesa, quanto á maneiro como regulou esses interesses privados e provém duma autoridade administrativa, estão preenchidos os requisitos para a confirmação do seu conteúdo"; " Não releva portanto o modo ou a via como se chegou à produção desse ato, ou seja, se através duma emissão formal da vontade da entidade administrativa responsável pelo ato, ainda que de carácter meramente homologatório, ou se de maneira mais "contratual" apenas através das declarações dos outorgantes. Por outras palavras, basta que se trate de um ato caucionado administrativamente pela ordem jurídica em que foi produzido”.
Porém, a questão suscitada oficiosamente e que motivou a audição dos requerentes, prende-se com a adequação do processo para satisfação da pretensão dos requerentes, atento o pedido formulado. Não se questiona que as escrituras públicas celebradas, juntas com a petição, nas quais se reconhece a situação de união de facto, possam ser objeto de revisão, mas tão só da adequação da forma de processo face ao pedido formulado.
Os requerentes na petição não formulam o pedido de revisão das decisões formalizadas nas “escrituras declaratórias” (documentos juntos a fls. 5 e fls. 8). Peticionam o reconhecimento da união de facto, nos termos e para os fins da Lei 7/2001 e da Lei 37/2001.
A Lei 37/2001 de 03 de outubro no seu art. 3ª sob a epígrafe ”Aquisição em caso de casamento ou união de facto” prevê:
1 - O estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração feita na constância do matrimónio.
2 - A declaração de nulidade ou anulação do casamento não prejudica a nacionalidade adquirida pelo cônjuge que o contraiu de boa-fé.
3 - O estrangeiro que, à data da declaração, viva em união de facto há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa, após ação de reconhecimento dessa situação a interpor no tribunal cível.
O Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, sob o art. 14º, com a epígrafe “Aquisição em caso de casamento ou união de facto mediante declaração de vontade” prevê:
1 - O estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português, se, na constância do matrimónio, quiser adquirir a nacionalidade, deve declará-lo.
2 - O estrangeiro que coabite com nacional português em condições análogas às dos cônjuges há mais de três anos, se quiser adquirir a nacionalidade deve igualmente declará-lo, desde que tenha previamente obtido o reconhecimento judicial da situação de união de facto.
3 - A declaração prevista no n.º 1 é instruída com certidão do assento de casamento e com certidão do assento de nascimento do cônjuge português, sem prejuízo da dispensa da sua apresentação pelo interessado nos termos do artigo 37.
4 - No caso previsto no n.º 2, a declaração é instruída com certidão da sentença judicial, com certidão do assento de nascimento do nacional português, sem prejuízo da dispensa da sua apresentação pelo interessado nos termos do artigo 37.º, e com declaração deste, prestada há menos de três meses, que confirme a manutenção da união de facto.
5 - A declaração prevista na parte final do número anterior pode ser reduzida a auto perante funcionário de um dos serviços com competência para a receção do pedido ou constar de documento assinado pelo membro da união de facto que seja nacional português, contendo a indicação do número, data e entidade emitente do respetivo bilhete de identidade.
Da conjugação destes preceitos decorre que a lei atribui competência ao tribunal de 1ª instância, jurisdição cível, para a instrução e julgamento da ação de reconhecimento da situação de união de facto, cuja sentença deve instruir o pedido de atribuição de nacionalidade portuguesa.
O processo segue a forma de processo declarativo comum.
O processo de revisão de sentença estrangeira não constitui o procedimento próprio para obter o reconhecimento da situação de união, conforme pedido formulado pelos requerentes.
Verifica-se, assim, que a pretensão formulada pelos requerentes não está conforme com a forma de processo, o que configura erro na forma de processo.
Na análise do erro na forma de processo a doutrina[3] e a jurisprudência[4] destacam habitualmente três aspetos nucleares:
- a forma de processo utilizada deve ser a adequada para fazer valer uma pretensão;
- o erro na forma de processo é avaliado em função do pedido formulado; e
- a forma de processo é aferível em função do tipo de pretensão formulada pelo autor e não em referência à pretensão que devia ser por ele deduzida.
O erro na forma de processo consiste na utilização de uma forma processual inadequada para fazer valer determinada pretensão, inadequação essa avaliada em função do pedido formulado em conexão com a causa de pedir.
Correspondendo, em princípio, a todo o direito uma ação adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a sua violação ou a realizá-lo coercivamente (artigo 2º nº 2 do CPC ), bem se percebe que a instauração de uma ação judicial tenha que obedecer à prévia indagação de qual o meio processual adequado, tendo em vista, sobretudo a observância no procedimento das regras definidas para o exercício do direito de ação e de defesa.
Se a forma de processo empregue não for apropriada ao tipo da pretensão deduzida, ocorre o vício processual de erro na forma de processo; se a forma de processo seguida se adequar à pretensão formulada, mas esta não for conforme aos fundamentos invocados, estaremos, quando muito, perante uma questão de mérito conducente à improcedência da ação.
O erro na forma de processo, previsto no art. 193º/1 CPC, importa unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida na lei.
Contudo, nos termos do art. 193º/2 CPC, não devem, porém, aproveitar-se os atos já praticados, se do facto resultar uma diminuição de garantias do réu.
Nesta medida, o erro na forma do processo só importará anulação de todo o processo, como exceção dilatória determinativa de absolvição do réu da instância, nos casos em que a própria petição inicial não possa ser aproveitada para a forma de processo adequada, nos termos conjugados dos artºs. 193º, nº 1; 278º, nº 1, al. b); 576º, nº 2, e 577º, al. b), todos do Cód. Proc. Civil.
Neste contexto, uma vez que a forma de processo empregue - revisão de sentença estrangeira – não se mostra apropriada ao tipo de pretensão deduzida – reconhecimento da união de facto nos termos e para os efeitos da Lei 7/2001 e da Lei 37/81 -, ocorre o vício processual de erro na forma de processo. Verifica-se uma total inadequação da petição à forma processual a seguir, o que determina a anulação de todo o processado, com absolvição da instância.
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Nos termos do art. 527º CPC as custas são suportadas pelos requerentes.
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III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação, em anular todo o processado, com fundamento em erro na forma de processo, absolvendo-se da instância (art. 193º/1 e art. 278º/1 b) CPC).
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Custas a cargo dos requerentes.
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Porto, 18 de dezembro 2018
(processei e revi – art.131º/5 CPC)
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
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[1] Texto escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico
[2] Cfr. Ac. Rel. Porto 12.07.1983, CJ III, IV, 221
[3] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. I, 2ª ed. revista e ampliada, Almedina, Coimbra, 1999, pag. 280; ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 3ª ed. Reimpressão, Coimbra Editora Limitada, Coimbra, 1981, pag. 288-289; ALBERTO DOS REIS Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. II, Coimbra Editora Limitada, Coimbra, 1945, pag. 472.
[4] Ac. STJ Ac. 12 de fevereiro de 2012, Proc. 319937/10.3YIPRT.L1.S1 ( acessível em www.dgsi.pt ); Ac. Rel. Lisboa 01 de julho de 2010, Proc. 408/07.0YXLSB.L1-6; Ac. Rel. Porto 28 de maio de 2012, Proc. 356872/10.7YIPRT.P1, ambos em www.dgsi.pt.