Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2017/25.3T8VLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NUNO MARCELO DE NÓBREGA DOS SANTOS DE FREITAS ARÁUJO
Descritores: PROCEDIMENTO DE INJUNÇÃO
FALTA DE PAGAMENTO DE PRESTAÇÕES
Nº do Documento: RP202511242017/25.3T8VLG.P1
Data do Acordão: 11/24/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: É ajustada ao procedimento de injunção a pretensão do mutuante de obter, na falta de pagamento por parte do mutuário de valores a liquidar em prestações, o cumprimento integral e antecipado da obrigação da contraparte, constituída pela restituição do capital mutuado, ainda que acrescida dos juros previstos no contrato.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 2017/25.3T8VLG.P1

ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO (3.ª SECÇÃO CÍVEL):

Relator: Nuno Marcelo Nóbrega dos Santos de Freitas Araújo
1.º Adjunto: Manuel Fernandes
2.º Adjunto: Carlos Gil

RELATÓRIO.
O Banco 1..., S.A., com sede na Praça ..., no Porto, intentou execução sumária, para pagamento de quantia certa, contra AA, residente na Rua ..., em ..., com base em requerimento de injunção dotado de fórmula executória.
Indicou o valor da execução de € 6.288,79, sendo o capital de € 5.268,07, acrescido juros à taxa de 7,50%, juros compulsórios, à taxa de 5%, imposto de selo e € 153,00 de taxa de justiça.
Por sua vez, no requerimento de injunção, mencionou que, por Contrato nº ..., celebrado em 2022/05/30, o Banco mutuou à Requerida AA B.I. ... Contribuinte nº: ..., a quantia de 5757.07. O empréstimo deveria ser amortizado em 84 prestações mensais e sucessivas correspondentes a capital e juros, nos termos constantes do contrato. A taxa de juro aplicável é de 7.5%. A Requerida não efectuou o pagamento da prestação que se venceu em 2023/06/30. O não pagamento da prestação na data estipulada provocou o vencimento total da divida, nos termos dos art. 781º e 817º do Cód. Civil. À data do incumprimento, o capital em dívida ascendia a 5118.31. A este montante acrescem juros de mora, sobre o capital em dívida, contados à taxa de 7.5% ao ano, acrescida da sobre taxa legal de mora de 3%, nos termos estipulados no contrato, até efetivo e integral pagamento. É ainda devido o respectivo imposto de selo, calculado à taxa de 4% sobre os juros devidos, nos termos do nº17 da Tabela Geral do Imposto de Selo.
No entanto, conclusos os autos, foi proferida decisão de imediata rejeição da execução, abrigo dos arts. 726.º, n.º2, al. b), e 734.º, n.º1, do CPC.
E que, no essencial, fundamentou em que do requerimento de injunção dado à execução resulta que este foi intentado, não para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, a contrapartida pelo empréstimo concedido - a remuneração -, mas sim a efetivação das consequências decorrentes do seu incumprimento e vencimento antecipado das prestações, com a contabilização do capital, juros e sobretaxa sobre os mesmos a título de cláusula penal, ou seja, fazer valer direitos indemnizatórios concernentes à responsabilidade contratual inerente ao incumprimento do referido contrato. Não vem pedido no requerimento de injunção dado à execução o cumprimento de uma obrigação pecuniária stricto sensu reconduzindo-se a pretensão formulada ao exercício da responsabilidade civil contratual por incumprimento do plano de pagamento acordado entre as partes.
Temos, assim, que o procedimento de injunção requerido pela exequente é um expediente processual impróprio para obter a satisfação dos pedidos, “já que estes não são subsumíveis ao conceito de cumprimento de obrigações pecuniárias emergente de um contrato” – Ac. da RP de 15 de dezembro de 2021, relatado pelo Sr. Desembargador Rui Moreira e em cima citado.
Este uso indevido do procedimento de injunção, constitui uma exceção dilatória inominada que afeta “todo o procedimento de injunção, designadamente a aposição da fórmula executória, por não se mostrarem reunidos os pressuposto legalmente exigidos para a sua utilização (as condições de natureza substantiva que a lei impõe para que seja decretada a injunção) não permitindo o aludido vício qualquer adequação processual ou convite a um aperfeiçoamento, pois caso contrario, estava encontrado o meio para, com pensado propósito de, ilegitimamente, se tentar obter título executivo, se defraudar as exigências prescritas nas disposições legais que disciplinam o procedimento de injunção” – Ac. da RP de 8 de novembro de 2022, proferido no Proc. nº. 901/22.5T8VLG-.P1 (…).
E dessa decisão, inconformado, a exequente veio interpor o presente recurso, que integrou as seguintes conclusões:
A. Em 29/05/2025, o ora Recorrente deu à execução requerimento de injunção, pelo valor total de 6 288,79 €.
B. A 16/06/2025 foi o Recorrente notificado da Sentença que indeferiu liminarmente o requerimento executivo e absolveu o Executado da instância, e não poderá conformar-se com este entendimento.
C. A forma de processo escolhida pelo autor deve ser adequada à pretensão que deduz e deve determinar-se pelo pedido que é formulado e pela causa de pedir
D. O artigo 7º do anexo ao Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de setembro, dada pelo artigo 8º do Decreto-Lei nº 32/2003, de 12 de fevereiro, dá a noção de injunção, dispondo que “Considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei nº 32/2003, de 17 de fevereiro”.
E. Com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 32/2003, de 17 de fevereiro, diploma que transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva nº2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, alargou-se o âmbito de aplicação do procedimento de injunção, aplicando-se a todos os pagamentos efetuados como remuneração de transações comerciais (artigo 2º).
F. Para efeitos do citado diploma legal definiu-se “transação comercial” como “qualquer transação entre empresas ou entre empresas e entidades públicas, qualquer que seja a respetiva natureza, forma ou designação, que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra uma remuneração” (artigo 3º, al. a)), definindo-se “empresa” como “qualquer organização que desenvolva uma atividade económica ou profissional autónoma, mesmo que exercida por pessoa singular” (artigo 3º, al. b)).
G. Nos termos do disposto no artigo 7º, nº 1, do referido diploma legal “o atraso de pagamento em transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida”.
H. O artigo 1º do diploma preambular, na redação dada pelo artigo 6º do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de agosto, prevê os procedimentos especiais destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000,00, cujo o regime consta dos artigos 1º a 5º do anexo ao citado Decreto-Lei nº 269/98; ou, independentemente desse valor, de obrigações emergentes de transações comerciais que, que integrando os casos excecionados no nº 2 do artigo 2º do DL nº 32/2003, estivessem no âmbito da previsão dos artigos 2º, nº 1 e 3, al. a), desse diploma legal.
I. No caso vertente, o ora Recorrente peticionou a condenação do Executado no pagamento da quantia de € 5.286,07 referente ao capital e de € 413,79 de juros de mora, com fundamento no incumprimento de contrato de mútuo, nos termos do qual o Autor mutuou ao Réu a quantia de € 5.757,07, invocando o incumprimento por parte do Réu da prestação que se venceu a 30/06/2023, requerendo a sua condenação, no capital em dívida, acrescendo os juros de mora (com taxa de juro de 7,5%, conforme contratualizado), acrescido dos juros de mora de 3% nos termos estipulados no contrato, até efetivo e integral pagamento, sendo ainda devido o respetivo imposto de selo, calculado à taxa de 4% sobre os juros devidos.
J. Assim, do requerimento injuntivo, constata-se claramente que in casu trata-se de uma obrigação pecuniária (resultante do mútuo), ou seja, aquela que tendo por objeto uma prestação em dinheiro, e que visa proporcionar ao credor o valor que as respetivas espécies possuam como tais que se mostre emergente de contrato.
K. Atento o valor da quantia peticionada – montante previsto no artigo 1º do Decreto-Lei nº 269/98 – e ainda a causa de pedir (dívida invocada resulta de obrigação assumida no contrato celebrado - contrato de mútuo) entende o ora Autor que não está excluída a possibilidade de utilização do procedimento de injunção com este fundamento.
L. Conforme já decidido por douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Processo nº 58796/22.5YIPRT.C1, de 30-05-2023, ou por Acórdão do mesmo Tribunal, de 26-04-2022, no processo nº 51580/20.2YPRT.C1
M. Assim, atento o pedido e a causa de pedir, entende o Recorrente que o regime do procedimento de injunção é aplicável à situação peticionada, inexistindo qualquer exceção.
N. Assim sendo, deverá a sentença proferida ser substituída por outra, admitindo o título executivo e a execução, e decretando o prosseguimento dos autos.
Culminou com o pedido de que o recurso seja julgado procedente.
O executado não ofereceu resposta, apesar de citado nos termos do art. 641.º/7 do CPC.
O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo (cfr. despacho de 18/6/2025).
Nada obsta ao seu conhecimento, sendo certo que foi admitido na forma e com os efeitos legalmente previstos.
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OBJECTO DO RECURSO.
Sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões, as quais, assim, definem e delimitam o objecto da apelação (arts. 635.º/4 e 639.º/1 do CPC).
Assim sendo, importa unicamente apreciar se o requerimento de injunção que constitui o título executivo é ou não exequível em atenção às obrigações que nele estão integradas.
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FUNDAMENTAÇÃO.
Os factos relevantes a considerar são os que resultam do relatório, para o qual, nessa parte, se remete.
Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva (artigo 10º/5 do Código de Processo Civil).
É o título que oferece a segurança mínima reputada suficiente quanto à existência do direito, para que lhe possa ser reconhecida força executiva, sendo através dele que se definem, entre o mais, a finalidade da execução, a legitimidade das partes e os limites da obrigação exequenda (arts. 10.º/6, 53.º e 703.º do CPC).
E daí que o título executivo deva observar determinados requisitos que lhe conferem exequibilidade.
No elenco dos títulos executivos, taxativamente indicados no art. 703.º do CPC, não está contemplado, expressamente, o requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória.
Por isso, é discutível a questão da definição da sua natureza e, em especial, de saber se deve enquadrar-se como título judicial, ainda no âmbito da alínea a) daquele preceito legal, ou como documento a que, por força de disposição especial, a lei atribui força executiva, a que alude a alínea d) da mesma norma (neste sentido, cfr. Rui Pinto, A Ação Executiva, p. 218).
Certo é que, face ao disposto nos arts. 7.º e 14.º do Regime Aprovado pelo DL nº 269/98, de 1-9, ao requerimento de injunção, nessas circunstâncias, após validamente tramitado no Balcão Nacional de Injunções e com a aposição da fórmula executória, a lei reconhece exequibilidade.
E da conjugação destes elementos emerge como mais apropriada a atribuição da natureza de título judicial impróprio ao requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória (cfr. J. Lebre de Freitas, A Acção Executiva, Depois da reforma da reforma, 5.ª ed., p. 63).
Em qualquer caso, a questão deixou de assumir relevância prática, visto que, após intervenção do Tribunal Constitucional, mediante a declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade do anterior art. 729.º do CPC, quando interpretado no sentido de limitar a essa norma “os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória”, o Código de Processo Civil, alterado pela Lei nº117/19, de 13-9, passou a tratar de forma autónoma os fundamentos legais de oposição à execução baseada em semelhante título.
Editando para o efeito, embora um tanto estranhamente, quanto à sua inserção sistemática, a norma do seu art. 857.º, que agora dispõe:
1 - Se a execução se fundar em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, para além dos fundamentos previstos no artigo 729.º, aplicados com as devidas adaptações, podem invocar-se nos embargos os meios de defesa que não devam considerar-se precludidos, nos termos do artigo 14.º-A do regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na sua redação atual.
2 - Verificando-se justo impedimento à dedução de oposição ao requerimento de injunção, tempestivamente declarado perante a secretaria de injunção, nos termos previstos no artigo 140.º, podem ainda ser alegados os fundamentos previstos no artigo 731.º; nesse caso, o juiz receberá os embargos, se julgar verificado o impedimento e tempestiva a sua declaração.
3 - Independentemente de justo impedimento, o executado é ainda admitido a deduzir oposição à execução com fundamento:
a) Em questão de conhecimento oficioso que determine a improcedência, total ou parcial, do requerimento de injunção;
b) Na ocorrência, de forma evidente, no procedimento de injunção de exceções dilatórias de conhecimento oficioso.
Paralelamente, o art. 14.º-A/2, al. a), do DL n.º 269/98, de 01/09, dispõe que a preclusão resultante da falta de oposição ao procedimento de injunção não abrange a alegação do uso indevido do procedimento de injunção ou da ocorrência de outras exceções dilatórias de conhecimento oficioso.
Daqui resultando que, seja na fase liminar (art. 726.º do CPC), seja depois, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados (art. 734.º/1 do CPC), o tribunal pode rejeitar a execução, oficiosamente ou mediante requerimento do executado, se julgar verificada a excepção dilatória inominada do uso indevido do procedimento de injunção.
Vejamos, na sequência, se no caso dos autos existiu fundamento bastante para o efeito, como foi preconizado em primeira instância e diversamente do que entende o recorrente.
Dispõe o art. 7.º do DL n.º 269/98, de 01/09 que considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro.
São duas, pois, as modalidades de obrigações que o procedimento de injunção serve para reclamar da contraparte.
As primeiras, as obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000,00, nos termos do art. 1.º do DL n.º 269/98, de 01/09.
As segundas, as obrigações emergentes de qualquer transacção comercial entre empresas ou entre empresas e entidades públicas, qualquer que seja a respectiva natureza, forma ou designação, que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra uma remuneração, segundo o art. 3.º do DL n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro.
Naquela alternativa, subjacentes à opção legislativa, estiveram propósitos de simplificação e celeridade processual, a par do descongestionamento da acção dos tribunais, na tramitação de pretensões de reduzido valor e baseadas, geralmente, em fundamentos pouco complexos.
Na outra, o legislador transpôs a Directiva n.º 2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29/07, que visou mitigar os encargos das empresas perante frequentes incumprimentos de baixa intensidade e desincentivar os devedores de um eventual aproveitamento da tramitação mais morosa dos processos comuns, embora o diploma de 2003, entretanto, tenha sido substituído quase integralmente pelo DL n.º62/2013, de 10/5, que aprovou novas medidas contra os atrasos no pagamento de transações comerciais.
Em qualquer caso, porém, a injunção só serve obrigações directamente emergentes de contratos e, por isso, como assinala a doutrina, já “não tem a virtualidade de servir à exigência de obrigações pecuniárias resultantes, por exemplo, de responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, de enriquecimento sem causa ou de relações de condomínio” (cfr. Salvador da Costa, A Injunção e as Conexas Ação e Execução, 4.ª ed., p. 39).
Em sentido próximo, aponta-se a respeito do conceito de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, neste âmbito, que “são apenas aquelas que se baseiam em relações contratuais cujo objeto da prestação seja diretamente a referência numérica a uma determinada quantidade monetária (…) daqui resulta que só pode ser objeto do pedido de injunção o cumprimento de obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contrato, mas já não pode ser peticionado naquela forma processual obrigações com outra fonte, nomeadamente, derivada de responsabilidade civil. O pedido processualmente admissível será, assim, a prestação contratual estabelecida entre as partes cujo objeto seja em si mesmo uma soma de dinheiro e não um valor representado em dinheiro” (cfr. P. Duarte Teixeira, Os Pressupostos Objectivos e Subjectivos do Procedimento de Injunção, in Themis, VII, nº 13, pp. 184-185).
Sem prejuízo, naturalmente, de o corresponde procedimento servir ainda para obtenção de prestações acessórias, como os juros, a taxa de justiça paga pelo requerente e custos administrativos de cobrança, nos termos dos arts. 13.º/1, al. d), do DL n.º 269/98 e 7.º do DL n.º62/2013.
Segundo pensamos, em atenção aos referidos textos legais e orientações doutrinais, deve assentar-se, quanto às condições indispensáveis para garantir o legítimo recurso ao procedimento de injunção, desde logo, que ele tem como natural pressuposto o inadimplemento de uma obrigação contratual.
Por outro lado, que ele visa obter a prestação directamente estipulada pelas partes para o cumprimento do contrato.
Trata-se, assim, em sentido próprio, de uma acção creditória, mediante a qual o credor “procura garantir a realização coactiva da prestação através dos tribunais” e, assim, “pode exigir judicialmente o cumprimento da obrigação”, tendo por finalidade “obter sentença condenatória do devedor que lhe ordene o exacto cumprimento da prestação por si devida” (cfr. J. Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, pp. 137-8).
Por último, para o efeito de tornar lícito o recurso à injunção, a prestação pretendida obter pelo credor terá forçosamente de configurar uma obrigação pecuniária, que o Código Civil distingue entre obrigações de quantidade e de moeda específica (arts. 550.º e segs.).
E que é definida pela doutrina como “a obrigação que, tendo por objecto uma prestação em dinheiro, visa proporcionar ao credor o valor que as respectivas espécies possuam como tais (…) e utilizadas como meio geral de pagamento das dívidas” (cfr. J. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 8.ª ed., p. 862).
Ora, estas exigências tornam óbvia a resposta sobre a admissibilidade do recurso ao procedimento em situações a que elas facilmente se ajustam ou das quais claramente se apartam.
De modo que, ninguém duvidará da licitude dessa opção se o autor reclamar o pagamento do preço da venda que as partes fixaram em € 5.000,00, por exemplo, da mesma forma que a injunção já será inviável quando aquele pretenda, por hipótese, o dobro do sinal por incumprimento da promessa imputável ao promitente vendedor, a compensação por benfeitorias úteis ou, ainda mais, a indemnização emergente de danos não patrimoniais.
Todavia, outras situações existem nas quais tais requisitos são incapazes de fornecer uma resposta tão clara à referida questão e nessa sede os litígios referentes ao contrato de mútuo, como sucede no caso dos autos, configuram um dos mais expressivos exemplos.
Ao ponto de justificarem resultados manifestamente díspares no seio da jurisprudência.
Por um lado, mediante decisões no sentido de que, embora “não sendo o procedimento adotado pela parte o meio adequado, existe um obstáculo processual impeditivo do conhecimento de meritis, ocasionando exceção dilatória inominada”, concluem que “tal, porém, não é o caso se o procedimento/ação de cumprimento se reporta a um contrato de mútuo bancário, em que é pedida a restituição a que alude o art.º 1142.º do CCiv., com juros de mora, por os mutuários terem sido interpelados, de acordo com o convencionado, a pagar/restituir e não o fizeram” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20/5/2023, rel. Vítor Amaral, pr. 58796/22.5YIPRT.C1, disponível na base de dados da DGSI em linha e, em idêntico sentido, Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 26/4/2022, relator Luís Cravo, proc. 51580/20.2YPRT.C1, na mesma base de dados).
E outras que, bem diversamente, defendem que “o processo de injunção é inadequado para o exercício de direitos decorrentes de responsabilidade civil contratual subsequente ao incumprimento de um contrato de crédito, pelo mutuário, designadamente os correspondentes ao recebimento dos valores de todas as prestações não pagas e declaradas vencidas por via da resolução do contrato, e juros vencidos e vincendos” (cfr. Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 25/2/2025, relator Rui Moreira, proc. 3261/24.6T8VLG.P1, e de 15/12/2021, do mesmo relator, no processo 17463/20.0YIPRT.P1, ambos acessíveis na mesma base de dados).
Tendo presente as considerações antecedentes, e a regra essencial de que a adequação da pretensão deduzida ao meio processual é definida em função do pedido e da causa de pedir, no confronto com as exigências legais para cada espécie de procedimento, estamos agora em posição de responder à questão colocada no presente recurso.
Recorde-se que no requerimento de injunção em causa ficou expresso que, por Contrato nº ..., celebrado em 2022/05/30, o Banco mutuou à Requerida AA B.I. ... Contribuinte nº: ..., a quantia de 5757.07. O empréstimo deveria ser amortizado em 84 prestações mensais e sucessivas correspondentes a capital e juros, nos termos constantes do contrato. A taxa de juro aplicável é de 7.5%. A Requerida não efectuou o pagamento da prestação que se venceu em 2023/06/30. O não pagamento da prestação na data estipulada provocou o vencimento total da divida, nos termos dos art. 781º e 817º do Cód. Civil. À data do incumprimento, o capital em dívida ascendia a 5118.31. A este montante acrescem juros de mora, sobre o capital em dívida, contados à taxa de 7.5% ao ano, acrescida da sobre taxa legal de mora de 3%, nos termos estipulados no contrato, até efetivo e integral pagamento. É ainda devido o respectivo imposto de selo, calculado à taxa de 4% sobre os juros devidos, nos termos do nº17 da Tabela Geral do Imposto de Selo.
Não se olvide, por outro lado, que o mútuo é definido como o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra, dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade (art. 1142.º do CC).
Ora, em primeiro lugar, face a esta disposição legal, não acompanhamos a distinção feita na decisão recorrida entre a remuneração do mútuo, cuja obtenção já poderia ter lugar na injunção, e a restituição do capital mutuado.
Com efeito, ambas cabem na prestação que recai sobre o mutuário.
Em acréscimo, tome-se em consideração que, segundo os arts. 763.º/1 e 781.º do CC, ainda em fase de cumprimento das obrigações, prévia à opção da resolução contratual, impõe-se que a prestação seja realizada integralmente e não por partes, excepto se outro for o regime convencionado, e que, podendo ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas.
Pelo que, à luz destas disposições legais, discorda-se igualmente da ideia, manifestada em primeira instância, de que o requerente da injunção, nos nossos autos, pretendeu exercer direitos indemnizatórios referentes à responsabilidade contratual.
Saliente-se que o incumprimento do contrato, neste procedimento, está sempre presente, pois é para o prevenir e ultrapassar, como já se referiu, que ele foi consagrado e está à disposição dos credores.
Simplesmente, no caso dos autos, em reacção a esse inadimplemento, o que pretende o exequente é o cumprimento integral e antecipado do contrato e, assim, do direito creditório emergente do mútuo, de natureza pecuniária, ao qual acrescem apenas os juros fixados no contrato.
E sem que essa opção implique a transmutação da obrigação inicialmente estabelecida pelas partes para outra, como a compensação por equivalente ou a indemnização fundada na resolução do contrato.
A este propósito, aliás, a doutrina distingue quanto à admissibilidade na injunção consoante a autonomia da medida prevista para o incumprimento ou conforme tenha sido “convencionada a título indemnizatório, para o caso de incumprimento de um contrato, ou com escopo meramente compulsório”.
“Na primeira situação trata-se de indemnização por incumprimento contratual antecipadamente fixada e, consequentemente, não pode ser exigida neste tipo de acção ou de procedimento”.
Na segunda, porém, “em que se está perante uma sanção aplicável sempre que se verifique ou não um facto contratualmente previsto, parece que nada obsta a que o pedido do montante convencionado possa ser objecto da acção ou procedimento em causa”.
Para acrescentar, já na perspectiva teleológica sobre o instituto, que a injunção está “pensada essencialmente para os contratos de crédito ao consumo” (cfr. Salvador da Costa, Ob. cit., pp. 40-1).
Assim sendo, estamos em crer, face à forma como foi estruturada a causa de pedir e o pedido, que a pretensão do requerente enquadrou-se ainda no âmbito de uma acção creditória ou de cumprimento, destinada à cobrança da obrigação principal imposta ao mutuário e das demais prestações que, sem autonomia, ou acessórias, para ele foram previstas no contrato.
Acomodando-se, pois, quer na letra, quer na ratio da sua consagração, ao procedimento de injunção a que ele recorreu.
E donde resulta forçosamente a procedência do recurso.
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DECISÃO:
Pelo exposto, concede-se provimento à apelação, revoga-se a decisão recorrida e, em sua substituição, decide-se o prosseguimento da execução.
Custas do recurso pelo exequente, que dele tirou proveito sem oposição da contraparte (art. 527.º do CPC).
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SUMÁRIO
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(o texto desta decisão não segue o Novo Acordo Ortográfico)

Porto, d. s. (24/11/2025)
Nuno Marcelo de Nóbrega dos Santos de Freitas Araújo
Manuel Domingos Fernandes
Carlos Gil