Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3429/18.4T8STS-J.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FREITAS VIEIRA
Descritores: PRESCRIÇÃO
SUSPENSÃO DO PRAZO
NEGLIGÊNCIA DO TITULAR
NECESSIDADE DE PROTECÇÃO DE MENOR OU MAIOR ACOMPANHADO
ALIMENTOS DE MENOR
DIREITO EXERCIDO DEPOIS DA MAIORIDADE
Nº do Documento: RP202102113429/18.4T8STS-J.P1
Data do Acordão: 02/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A prescrição assente no simples decurso do tempo sem que o direito tenha sido exercido e conferindo ao beneficiário da prescrição a faculdade de recusar o cumprimento – nº 1 do artº 304º do CC – tem fundamento essencialmente na negligência do titular do direito em exercê-lo ainda que sejam de considerar razões de certeza e segurança jurídicas, e o interesse em proteger os devedores contra a dificuldade da prova inerente ao decurso do tempo.
II - Nos artigos 318º a 322º, do C. Civil o legislador prevê um conjunto de situações em relação às quais, por considerar certa forma justificada a inércia do titular do direito, prevê a suspensão do prazo de prescrição fixado, obstando dessa forma a que o prazo prescricional se inicie, como seria normal a partir do momento em que o direito possa ser exigido – artº 306º/1) do CC.
III - Concretamente a situação prevista no nº 1 do artº 320º do C. Civil, cuja aplicabilidade foi considera na decisão recorrida, tem subjacente a necessidade de proteger os menores ou maiores acompanhados – “suspensão a favor dos menores e dos maiores acompanhados” - das consequências que para si resultariam de, por não terem quem os represente, ou por inércia ou negligência do seu representante legal, o direito que lhes assiste não ter sido atempadamente exercido.
IV - Este fundamento ou razão de ser não se verifica quando o direito a alimentos de que era beneficiário o menor é exercido já depois da sua maioridade, pelo progenitor com quem vivia, e que sub-rogando-se aquele, se apresenta a reclamar do outro progenitor os alimentos vencidos e não pagos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO N.º 3429/18.4T8STS-J.P1

Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Família e Menores de Santo Tirso

ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

B…, deduziu contra C… incidente de incumprimento das responsabilidades parentais, pugnando pela condenação do requerido a pagar-lhe a comparticipação devida nas despesas de saúde e educação com a filha de ambos efetuadas no período compreendido entre os anos de 2004 e 2015 em que a menor esteve a residir com a requerente, e que ascenderam a um total de €17.985.66.
Peticiona assim a condenação do requerido a pagar-lhe metade daquele valor - €8.992.83 euros, acrescida dos juros legais de mora vencidos e vincendos, com as legais consequências.

O requerido pronunciou-se alegando além do mais, que em 26 de janeiro de 2016, no âmbito da conferência de pais realizada no apenso G (incidente de incumprimento intentado pela ora Requerente), a Requerente e o Requerido acordaram expressamente em reconhecer que o valor da dívida ascendia ao montante de 160,00€ e que esse montante foi integralmente pago.
Alegou ainda que nos termos do regime de regulação de responsabilidades parentais em vigor naquele período a parte variável da prestação de alimentos a cargo do requerido abrangia apenas as despesas de saúde, estando as despesas com a educação incluídas na parte fixa a pagar pelo requerido, e que era à data de €140,00 euros mensais.
Finalmente excecionou a prescrição do peticionado direito à comparticipação com relação aos montantes peticionados relativos ao período compreendido entre 2004 e 2014 por já terem decorrido mais de cinco anos.
Concluiu sustentado a improcedência do incidente e pugnando pela condenação da Requerente como litigante de má-fé, multa e em indemnização a liquidar.

Na impossibilidade de obter o acordo entre requerente e requerido os autos prosseguiram com as alegações de ambos, no seguimento do que veio a ser proferido o seguinte despacho:
“Invoca o requerido pai a prescrição da parte variável da obrigação de alimentos que fundamenta a pretensão da mãe, expressa em metade das despesas de saúde e educação suportadas a favor de D… e vencidas até 2014, pelo decurso de mais de cinco anos sem qualquer interpelação para pagamento.
Dispõe o art. 310.º, alínea f), do CC, que prescrevem no prazo de cinco anos as pensões alimentícias vencidas.
O art. 320.º, n.º 1, 2.ª parte, do CC estabelece no entanto uma moratória na completude do prazo de prescrição nesta obrigação a favor de menor, que dura todo o primeiro ano posterior à maioridade de D….
Esta moratória ainda não havia cessado no momento em que os presentes autos foram requeridos nem no momento da citação do requerido pai, uma vez que D… apenas atingiu a maioridade em 17 de Janeiro de 2019.
Improcede assim a invocada prescrição.
Pelo exposto decide-se julgar improcedente a exceção perentória de prescrição invocada pelo requerido pai.”
O requerido interpôs recurso desta decisão o qual, após provimento da reclamação apresentada pelo recorrente, viria a ser admitido, subindo em separado dos autos principais e com efeito meramente devolutivo.
Em síntese das alegações o recorrente formulou as seguintes CONCLUSÕES:
A) A Requerente mãe, suscitando o incidente de incumprimento das responsabilidades parentais pelo Requerido pai, peticiona o pagamento do montante de € 8.992,83 (½ de € 17.985,66) relativo, alegadamente, às despesas de saúde e educação suportadas, por si, com a menor e relativas ao período compreendido entre 2004 e 2015, altura em que a menor consigo residia.
B) Por acordo datado de 26 de janeiro de 2016 celebrado no âmbito do apenso F e homologado por douta sentença, a então menor, D…, passou a residir com o pai (requerido).
C) Ainda por acordo celebrado no apenso G, na mesma data, foi fixado que o valor em dívida ascendia a € 160,00, montante que o pai pagou.
D) Decorridos mais de três anos, a requerente mãe, em “retaliação” a um incidente proposto pelo recorrente, deu entrada do presente incidente de incumprimento, pelo qual reclama o pagamento de € 8.992,83.
E) O Requerido, ora Recorrente, além do mais, invocou a prescrição, nos termos do disposto na alínea f) do artigo 310º do C.C., dos montantes relativos ao período compreendido entre 2004 e 2014, porquanto, já haviam decorrido mais de 5 anos sobre o seu vencimento.
Sucede que,
F) O Tribunal a quo sustenta a aplicabilidade, no caso concreto, do art. 320º, nº1, 2ª parte do C.C., e, consequentemente, determina que, tendo a D… atingido a maioridade em 17 de Janeiro de 2019, o prazo de prescrição das prestações alimentícias apenas se completaria em 17 de janeiro de 2020, pelo que, no momento em que os presentes autos foram requeridos (29.07.2019) ou no momento da citação do Requerido pai (05.08.2019), a prescrição ainda não se havia completado, decidindo, assim, pela improcedência da exceção perentória de prescrição invocada.
G) O aqui recorrente não se conforma com tal decisão, tendo o tribunal a quo, salvo melhor opinião, feito errada interpretação e aplicação do citado artigo 320º nº 1 do CC.
Da aplicabilidade da norma, exclusivamente, a favor da menor:
H) Determina a alínea f) do artigo 310º do C.C. que o prazo de prescrição das pensões alimentícias vencidas é de 5 anos, no entanto, o artigo 320º, nº1, 2ª parte do C.C. impõe uma suspensão da prescrição a favor do menor, prescrevendo o seguinte: “ (...) ainda que o menor tenha representante legal ou quem administre os seus bens, a prescrição contra ele não se completa sem ter decorrido um ano a partir do termo da incapacidade.”
I) Este normativo determina uma causa de suspensão da prescrição das prestações de alimentos, impondo que, relativamente ao menor, o prazo de prescrição dos alimentos apenas se complete decorrido um ano sobre a sua maioridade.
J) No caso dúvidas não podem existir que, quando a requerente deu entrada do incidente em 29.07.2019, a D… já era maior, pois que, nasceu em 17 de janeiro de 2001.
K) Salvo melhor opinião, não pode a requerente beneficiar de uma causa de suspensão da prescrição que se destina exclusivamente à menor, pela simples razão de que a D… já não é menor.
Da inexistência de representação legal da D… pela Requerente
L) A 2ª parte do nº1 do artigo 320º do C.C. ressalva a possibilidade de a menor se encontrar representada por representante legal, situação em que a causa de suspensão mencionada teria, igualmente, aplicabilidade, no entanto, este não é, seguramente, o caso dos autos.
M) Conforme o já dito, a Requerente apresenta o incidente de incumprimento das responsabilidades parentais aos 29 de julho de 2019, ou seja, já após a maioridade da D…, pelo que, não atua enquanto representante legal da D…, mas antes ao abrigo da figura da sub-rogação legal, – instituto que confere legitimidade à Requerente nos presentes autos,
N) A Requerente atua, por si, e não como representante da D…, pelo que, nunca a 2ª parte, do nº1 do artigo 320º do C.C. tem aplicabilidade nos presentes autos.
Da ratio subjacente à suspensão da prescrição a favor da menor prevista na 2ª parte do nº1 do art.320º do C.C.
O) Conforme supramencionado, a Requerente, ao reclamar as prestações por via da sub-rogação, encontra-se na ação em nome próprio, a cobrar para ela própria e a agir no seu próprio interesse, ao abrigo de pagamentos que, alegadamente, fez em vez do Requerido, pelo que, fundando o seu direito na sub-rogação, adquire o mesmo direito que a credora, D… – vide art.593º, nº1 do C.C.
P) Significa isto que, o direito que invoca é o mesmo de que beneficiava a sua filha, no entanto, e salvo o devido respeito por opinião diversa, apesar do crédito do sub-rogado ser o mesmo que pertencia ao primitivo credor, e não um crédito novo, não se pode conceber que o prazo de prescrição seja o aplicável ao primitivo credor, pois que, não é essa a ratio da suspensão da prescrição a favor da menor prevista na 2ª parte do nº1 do art.320º do C.C.
Q) O instituto da prescrição extintiva tem subjacente razões de segurança jurídica, visando sancionar a inércia do credor.
R) Tendo isso presente, seria um contrassenso – diríamos mesmo, constituir abuso de direito – estabelecer a moratória de um ano na completude do prazo de prescrição (estabelecida legalmente a favor da menor) a favor da Requerente, apenas porque se encontra sub-rogada no lugar na credora,
S) Pois que, a Requerente tinha pleno conhecimento do alegado incumprimento, por parte do Requerido, desde, alegadamente, 2004, ou seja, a Requerente sabia que o Requerido incumpria (o que não se aceita) o pagamento das despesas de saúde e educação desde 2004 e, desde essa altura até janeiro de 2019, deliberadamente, optou por nada fazer para obter o pagamento.
T) Na verdade, beneficiar a Requerente da moratória de um ano prevista no referido normativo seria desvirtuar, por completo, a ratio subjacente ao instituto da prescrição.
U) Salvo o devido respeito, a referida moratória foi estabelecida, exclusivamente, a favor da menor credora, visando protelar o fim da suspensão da prescrição – o que apenas faz sentido quando analisado do ponto de vista da condição da menor que atinge a maioridade.
V) Trata-se de um período que é concedido ao menor (entretanto maior), um período de adaptação e ponderação, para que este se inteire do seu estado, analise a sua condição, permitindo-lhe, em consciência, a tomada de decisões.
W) Dito de outro modo, a norma em causa, ao suspender o prazo de prescrição visa a proteção do menor que atingiu a maioridade, que, a título de exemplo, poderia até ter sido objeto de uma representação deficiente por quem incumbia legalmente defender os seus direitos, e que, sem a proteção concedida pela 2ª parte do nº1 do art.320º C.C., se veria impossibilitado de agir na maioridade.
X) Concluindo, salvo o devido respeito, fez a tribunal a quo errada interpretação do disposto na 2ª parte do nº 1 do artigo 320º CC, que deve ser interpretado no sentido de que a moratória de um ano na completude do prazo de prescrição, não se aplica quando o Requerente, já após a maioridade do seu filho, sub-roga-se na posição deste.
Da contagem do prazo de prescrição aplicável à Requerente
Y) Tendo assente a intervenção da Requerente, nos presentes autos, ao abrigo do instituto da sub-rogação, a prescrição deverá começar com o cumprimento, isto é, o momento em que tomou conhecimento do incumprimento do Requerido e decidiu cumprir por ele.
Z) Dito de outro modo, a Requerente funda o seu direito, por via da sub-rogação, na satisfação das obrigações alimentares em causa ao longo do tempo por ter procedido ao cumprimento destas, pelo que, tinha total conhecimento da condição que determinava o seu cumprimento, isto é, a falta de pagamento que imputa ao Requerido.
AA) Significa isto que, desde o vencimento das obrigações que satisfez, a Requerente tinha que conhecer o direito que competia à filha menor e que lhe assegurou, pelo que, salvo o devido respeito, esse deverá ser o momento em que se inicia o prazo de prescrição, - isto é, o momento em que tomou conhecimento do alegado incumprimento do Requerido.
BB) Nos termos do artº 323º, nº1 C.C., “a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito (...) ”.
CC) O Requerido foi citado aos 16.09.2019, no entanto, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram 5 dias sobre a data em que a mesma é requerida, ou seja, aos 05.08.2019 – vide nº2 do artigo 323º do C.C.
DD) Atendendo ao prazo de prescrição de 5 anos (310º, alínea f) do C.C.) estabelecido para as pensões alimentícias vencidas, nessa data – 05.08.2019 – os montantes relativos ao período compreendido entre 2004 e 2014 já se encontravam prescritos, devendo, por isso, considerar-se verificada a exceção perentória de prescrição.
Termos em que o presente recurso deve ser julgado por provado e procedente e, em consequência, ser a douta decisão que julgou improcedente a exceção de prescrição revogada e substituída por outra que declare a prescrição do direito da requerente referente às prestações vencidas desde 2004 até 2014.
×
Não houve resposta às alegações.
×
A requerente, que instaurou os presentes autos como “Incidente de incumprimento das responsabilidades parentais” viria mais tarde, nas suas alegações, e em resposta à invocada prescrição do direito a exigir o pagamento das quantias peticionadas, a sustentar que afinal o valor peticionado como comparticipação nas despesas de educação da menor consubstanciava antes um crédito da Requerente sobre o Requerido, relativo a despesas efetuadas com a filha de ambos, e que não teria por isso aplicação o prazo prescricional próprio das obrigações alimentícias, mas o prazo prescricional geral.
No despacho recorrido considerou-se que o que estava a ser reclamado consubstanciavam a parte variável das prestações alimentares devidas pelo requerido, considerando aplicável o prazo prescricional de cinco anos. Mas por outro lado considerou-se que o referido prazo prescricional ainda não se havia completado, em face do disposto na parte final do nº 1 do artº 320º do CC, uma vez que à data em que a ação havia sido intentada, ainda não havia decorrido o prazo de um ano depois de a titular do direito a alimentos ter atingido a maioridade.
A afirmada natureza alimentar das prestações peticionadas a título de despesas coma educação não foi questionada – nomeadamente pela requerida, em ampliação do objeto do recurso (artº 636º/1) do CPC) - bem como o não foi a consequente aplicabilidade do prazo prescricional próprio das obrigações alimentícias.
E por isso o objeto do recurso, limitado sempre pelas conclusões das alegações de recurso, está circuunscrito à questão de saber se, nas medida em que é a requerente quem em sub-rogação da filha, exerce o direito a alimentos de que aquela era titular enquanto menor, não tem aplicação a moratória prevista na segunda parte do nº 1 do artº 320º do CC, estando como tal prescrito o direito ao pagamento dos valores peticionados.

A prescrição assenta no simples decurso do tempo sem que o direito tenha sido exercido e constitui facto impeditivo desse exercício na medida em que o beneficiário da prescrição pode recusar o cumprimento – nº 1 do artº 304º do CC.
A prescrição aproveita a todos os que possam dela tirar proveito – cfr. artº 301º do CC. Sendo estabelecida em favor do devedor ela pode assim ser invocada por este mas não apenas por este. Pode assim ser invocada por terceiros interessados na sua declaração
O fundamento deste instituto reside essencialmente na negligência do titular do direito em exercê-lo o que face à lei torna o credor menos merecedor da proteção jurídica. Mas tem igualmente relação com considerações de certeza e segurança jurídicas, e ao interesse em proteger os devedores contra a dificuldade da prova inerente ao decurso do tempo.
No caso das prestações renováveis o fundamento do prazo prescricional particularmente curto – 5 anos cfr. artº 310º do CC – tem-se em consideração a necessidade de proteger o devedor contra o acumular da dívida que resultaria de um excessivo retardamento da exigência das prestações que se vão vencendo.
Estão nessa situação os créditos respeitantes a prestações alimentares vencidas – alínea f) do referido artº 310º do CC. O que prescreve nos termos deste normativo não é o direito a alimentos, o qual, sendo indisponível não prescreve – artº 298º/1) e artº 2008º/1) do CC – mas apenas o direito a exigir o pagamento de prestações alimentares já vencidas.
Em qualquer destes casos o prazo de prescrição começaria normalmente a contar-se, segundo a regra constante do nº 1 do artº 306º do CC, a partir do momento em que o direito possa ser exigido. Consagrou-se assim a este respeito um sistema objetivo, em que o prazo prescricional começa a correr independentemente do conhecimento que o titular do direito tenha da possibilidade de o exercer. Este sistema e as injustiças que o mesmo necessariamente poderia implicar, são amenizados através de regras de suspensão da prescrição, tais como as que constam dos artigos 318º a 322º, do C. Civil.
Nestes normativos o legislador previu um conjunto de situações em relação às quais, por considerar certa forma justificada a inércia do titular do direito, prevê a suspensão do prazo de prescrição fixado, obstando dessa forma ao início normal do prazo prescricional.
Com particular interesse para a questão suscitada nos autos haverá de considerar o disposto na alínea b) do artº 318º do CC que dispõe que a prescrição não começa nem corre “Entre quem exerça o poder paternal e as pessoas a ele sujeitas, entre o tutor e o tutelado ou entre o curador e o curatelado”, e o disposto no nº 1 do artº 320º do mesmo diploma que dispõe que “A prescrição não começa nem corre contra menores enquanto não tiverem quem os represente ou administre seus bens, salvo se respeitar a atos para os quais o menor tenha capacidade; e, ainda que o menor tenha representante legal ou quem administre os seus bens, a prescrição contra ele não se completa sem ter decorrido um ano a partir do termo da incapacidade”.
Na situação prevista na alínea b) dos artº 318º do CC estamos perante uma causa bilateral de suspensão através da qual se procura proteger as relações familiares entre quem exerce o poder paternal e as pessoas a ele sujeitos do clima de conflituosidade que resultaria se este último tivesse que exercer o direito que lhe assista em relação ao primeiro. Porque só se refere apenas a quem exerce o poder paternal, esta previsão legal nunca teria – ao contrário do que começou por entender-se – aplicabilidade à situação em apreço, uma vez que o requerido, ora recorrente, não exercia o poder paternal.
Já situação prevista no nº 1 do artº 320º do mesmo diploma, cuja aplicabilidade foi considera na decisão recorrida contempla uma causa unilateral de suspensão, que tem subjacente a necessidade de proteger os menores ou maiores acompanhados – “suspensão a favor dos menores e dos maiores acompanhados” - das consequências que para si resultariam de, por não terem quem os represente, ou por inércia ou negligência do seu representante legal, o direito que lhes assiste não for atempadamente exercido.
A questão que o recurso colca reside em saber se – como pretende o recorrente – a referida finalidade que se viu estar subjacente ao referido normativo, não está presente quando o direito às prestações alimentares vencidas durante a menoridade do seu beneficiário é exercido pelo progenitor a quem estava confiada a guarda do mesmo, mas depois de atingida a sua maioridade.
A situação não está especificamente salvaguardada na norma em causa ou noutra qualquer que se lhe refira expressamente. Não sofre contestação a legitimidade do progenitor guardião para, em substituição processual do filho menor titular das prestações alimentares, e em sua representação, exigir do obrigado ao seu pagamento o seu cumprimento.
Legitimidade que em relação à exigência dessas prestações se mantém mesmo se entretanto o seu beneficiário atingir a maioridade, conforme se vem entendendo e devendo considerar-se a aplicabilidade do disposto no nº 2 do artº 989º do CPC na medida em que se refere ao prosseguimento de processo para fixação de alimentos devidos a menores. Nessas situação no entanto, considerando que o beneficiário das prestações adquiriu já capacidade jurídica e judiciária para demandar e exigir por si que jure próprio lhe são devidas pelo progenitor, a legitimidade do progenitor para continuar a intervir para exigir aquelas prestações só pode entender-se enquanto justificada em termos de sub-rogação deste – artº 592º, nº 1, do C. Civil - no direito que assiste ao titular dessas prestações, por ter tido que suprir as necessidades do mesmo durante a sua menoridade em substituição do devedor faltoso de tais prestações. É evidente que neste caso o progenitor intervém movido pelo interesse em ver-se compensado pelo que pagou a mais, tendo por isso um interesse próprio no cumprimento da dívida, como de resto é exigido par que possa falar-se em sub-rogação legal[1]. Consequentemente tem de concluir-se existir uma identidade entre o direito do menor ao pagamento das prestações devidas em atenção à sua menoridade, e o direito exercido em sub-rogação pelo progenitor guardião no confronto com o progenitor devedor. Identidade de direitos que se estende às garantias e outros acessórios do direito transmitido - cfr. artº 582º do C Civil ex vi artº 594º do mesmo diploma.
Argumenta o recorrente que apesar de o direito que invoca ser assim o mesmo direito de que beneficiava a sua filha, e não um crédito novo, não se poderá conceber que o prazo de prescrição seja o aplicável ao primitivo credor, pois que, não é essa a ratio da suspensão da prescrição a favor da menor prevista na 2ª parte do nº1 do art.320º do C.C.
E efetivamente assim é, já que como vimos, a razão de ser da suspensão do prazo prescricional prevista no nº 1 do artº 320º do CC, e mais concretamente na segunda parte desse preceito, prende-se com a menoridade do titular de alimentos, e da especial tratamento que em função disso o legislador entendeu dever prever em termos do exercício desse direito no que concerne ao prazo prescricional. Esta razão de ser não se verifica em relação ao progenitor com quem o menor vivia, já que em relação aquele nenhuns constrangimentos se verificavam que o impedissem de exercer em tempo útil o direito a exigir o cumprimento das prestações alimentares vencidas, seja durante a menoridade do titular dos alimentos, seja depois de este ter atingido a maioridade.
Acresce que a prescrição não diz respeito ao direito em si, mas ao seu exercício. O que prescreve ou não prescreve não é o direito – que apesar de prescrito não se extingue – mas o direito a exigir o seu cumprimento. Ora se o direito ao pagamento das prestações alimentares vencidas durante a menoridade do filho em que o progenitor guardião se encontra sub-rogado é o mesmo de que era titular o filho menor, ao exigir o cumprimento desse direito o progenitor guardião atua em nome próprio, pelo que se compreende que esteja sujeito às regras gerais que condicionam no tempo esse exercício.
Reitera-se que, como começou por se pôr em evidência, o que está em causa no recurso agora em apreciação é apenas a questão da aplicabilidade à situação em análise da moratória prevista na parte final do nº 1 do artº 320º do CC, uma vez que, não tendo a decisão recorrida sido impugnada nessa parte, tem-se como adquirida a natureza alimentar das quantias peticionadas e a consequente aplicabilidade do prazo prescricional previsto na alínea f) do artº 310º do CC.
E assim sendo, considerando que a requerente e ora recorrida, B…, vem peticionar o pagamento de prestações alimentícias vencidas durante a menoridade da titular das mesmas, a sua filha D…, entretanto já maior de idade, tem de concluir-se, no seguimento de quanto foi dito, que não pode ter-se como aplicável a previsão contida na parte final do nº 1 do referido artº 320º do CC.
E assim sendo, considerando que o prazo prescricional se inicia a partir do momento em que o direito possa ser exercido – artº 306º/1) do CC – e que se interrompe com a citação – artº 323º, nº 1 do CC - tem de concluir-se que quando em 19/9/2019 o requerido foi citado para o presente incidente, havia já decorrido o prazo prescricional de cinco anos previsto na referida alínea f) do artº 310º do CC em relação à peticionada comparticipação devida por despesas de saúde e educação com a filha de ambos efetuadas no período compreendido entre os anos de 2004 e 19-9-2014.

Termos em que acordam os juízes nesta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente a apelação e revogando a decisão recorrida declaram a prescrição do direito da recorrida a peticionar o pagamento das comparticipações referentes a despesas de saúde e educação com a filha efetuadas no período compreendido entre os anos de 2004 e 19-9-2014.
Em conclusão (artº 663º/7) do CPC:
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Custas por recorrente e recorrida a final e na proporção do decaimento

Porto, 11 de fevereiro de 2021
Freitas Vieira
Carlos Portela
Joaquim Correia Gomes
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[1] A. Varela – Das Obrigações em Geral, Vol. II, 2ª edição, págs. 303/304