Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2037/14.3T8VNG-E.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ CARVALHO
Descritores: INSOLVÊNCIA
PARECER
QUALIFICAÇÃO DA INSOLVÊNCIA
NATUREZA DO PRAZO
APRESENTAÇÃO
PARECER DO ADMINISTRADOR
Nº do Documento: RP201703142037/14.3T8VNG-E.P1
Data do Acordão: 03/14/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º758, FLS.209-214)
Área Temática: .
Sumário: O prazo para o AI apresentar o parecer sobre a qualificação da insolvência não é peremptório.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 2037/14.3T8VNG-E.P1
Comarca do Porto
S. Tirso- Inst. Central-1.ª sec. comércio- J1
Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

Por sentença de 15-12-2014 foi decretada a insolvência da sociedade “B…, Lda.” Na sentença não foi declarado aberto o incidente de qualificação da insolvência. Foi dispensada a realização da assembleia de credores, ordenando-se o prosseguimento dos autos para a fase de liquidação dos bens.
Por requerimento de 05 de Maio de 2015 a Sr.ª administradora da insolvência, alegando que encontrou indícios dos quais se pode retirar que a situação em que a insolvente se encontra foi criada ou agravada em consequência de actuação culposa ou com culpa grave do devedor, devido à insolvente ter feito desaparecer, em parte considerável, o seu património, em beneficio da mesma e/ou de pessoas/entidades especialmente relacionadas com a insolvente e em prejuízo para os demais credores, veio requerer a abertura do incidente de qualificação de insolvência e apresentar o parecer a que alude o nº 1 do art. 188º do CIRE – diploma a que pertencerão as normas adiante citadas sem diferente indicação de origem – concluindo que a insolvência deve qualificar-se como culposa, devendo ser afectados por essa qualificação a sócia gerente C… e o sócio ex-gerente D….
Em seguida foi proferido o seguinte despacho:
Atento o teor do requerimento que antecede e o disposto no artigo 188º/1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, declaro aberto o incidente de qualificação da insolvência com carácter pleno.”
O Ministério Público manifestou concordância com o parecer junto pela Sr.ª administradora da insolvência.
A insolvente, invocando que o requerimento apresentado pela sr.ª administradora da insolvência era extemporâneo, por não ter sido apresentado dentro do prazo de 15 dias, previsto no nº 1 do art. 188º do CIRE, requereu o seu desentranhamento e o arquivamento dos autos.
Foi em seguida proferido despacho que indeferiu o requerido pela insolvente, ordenando a notificação desta e a citação da sócia gerente e do ex gerente acima identificados, para efeitos do disposto no nº 6 do art. 188º do CIRE.
A insolvente recorreu daquele despacho, pugnando pela sus revogação e substituição por outro que não admita o requerimento/parecer da A.I., declarando-se a extemporaneidade do mesmo e ordenando-se o arquivamento dos autos.
Por acórdão desta Relação, de 07-04-2016 (fls.97/105) foi a apelação julgada improcedente e confirmada a decisão recorrida.
Por requerimento de 25-05-2016, D… e C… deduziram oposição à qualificação da insolvência como culposa, invocando a extemporaneidade do parecer da Sr.ª administradora da insolvência, por não ter sido apresentado dentro do prazo de 15 dias, previsto no nº 1 do art. 188º do CIRE. Concluíam pela não admissão desse parecer, por extemporâneo, e pelo seu desentranhamento dos autos; e que não podendo ser declarado aberto o incidente de qualificação da insolvência, deviam os requerentes ser absolvidos. E que a declarar-se aberto o incidente devem ser absolvidos.
Cumprido o disposto no nº 7 do art. 188º o Ministério Público respondeu, concluindo pela irrelevância do alegado pelos requerentes e pela natureza culposa da insolvência.
A Sr.ª administradora da insolvência também respondeu, reiterando o que já ti há vertido nos autos quanto à caracterização da insolvência.
Conclusos os autos, foi em 11-11-2016 proferido despacho saneador, no qual, além do mais, se decidiu (fls.92):
Na oposição deduzida pelos requeridos pessoas singulares vieram os mesmos alegar a extemporaneidade do parecer emitido pela Sra. Administradora de Insolvência.
Tal questão já foi apreciada por decisão proferida nos presentes autos, confirmada por decisão do Tribunal da Relação do Porto, transitada em julgado.
Está, assim, a mesma definitivamente decidida.”
Em seguida, foi dispensada a audiência prévia e identificado o objecto do litígio, fixados os factos assentes e enunciados os temas de prova.
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Inconformados com o teor do transcrito segmento do despacho, dele interpuseram recurso D… e C…, rematando as alegações com as seguintes conclusões:
1- Decidiu a Mma. Juiz do Tribunal a quo no despacho saneador não conhecer da oposição deduzida pelos recorrentes, enquanto pessoas singulares, alegando para o efeito que tal oposição incidia sobre a extemporaneidade do parecer emitido peia Exma. Senhora Administradora de Insolvência (A.I.) sendo que tal questão já havia sido apreciada por decisão proferida nos presentes autos, confirmada por decisão do tribunal da Relação do Porto, transitada em julgado.
2- Considerou o tribunal a quo que tal questão estará definitivamente decidida no processo.
3- Tal decisão padece de erro notório na apreciação da matéria de facto e direito subjacente à oposição apresentada pelos recorrentes, senão vejamos.
4- Foram os recorrentes citados, a 10 de maio de 2016, relativamente aos presentes autos e atenta a qualificação da insolvência como culposa para, no prazo de 15 dias, se oporem, querendo, àquela classificação, nos termos do disposto no número 6 do artigo 188.º do CIRE, podendo com a oposição oferecer todos os meios de prova de que dispusessem, ficando ainda obrigados a apresentar a prova testemunhal nos termos do número 1 do artigo 511º do CPC.
5- Os recorrentes foram citados e chamados pela primeira vez, naquela data, enquanto pessoas singulares, para o incidente de qualificação de insolvência nos presentes autos.
6- Somente àquela data os recorrentes tomaram conhecimento da abertura do incidente de qualificação, do teor e conteúdo do parecer da A.I. e dos documentos que a instruíram.
7- Também somente àquela data tomaram os recorrentes conhecimento que o A.I. no indicado parecer pugnou pela abertura do incidente de qualificação como culposo, devendo ser afectada por essa qualificação os ora recorrentes, enquanto pessoas singulares.
8 - Atenta a abertura do incidente de qualificação da insolvência como culposa, o meio processual legal de reacção dos ora recorrentes à abertura do indicado incidente instruído com o parecer da A.I. e respectiva prova documental, sempre seria a oposição, nos termos do artigo 188.º, número 6, do CIRE, como se verificou nos autos.
9 - Na oposição, oportunamente apresentada nos autos, os recorrentes alegaram que o tribunal a quo nunca poderia ter recebido o requerimento/parecer da A.I., por o mesmo ser extemporâneo, requerendo a sua não admissão e o seu desentranhamento dos autos.
10- Porque não poderia ser declarado aberto o incidente de qualificação da insolvência, nos termos do artigo 188.º número 1 do CIRE, deveriam os ora recorrentes, D… e C… serem absolvidos.
11- O tribunal a quo não deveria ter decidido como decidiu quanto a esta matéria, salvo melhor opinião, alegando que tal questão já havia sido apreciada por decisão proferida nos presentes autos, confirmada por decisão do tribunal da relação do Porto, transitada em julgado.
12- Mais decidiu que tal questão - extemporaneidade do parecer da A.I. - está definitivamente decidida nos autos.
13- Não poderá o tribunal a quo vincular os recorrentes, pessoas singulares, a uma decisão proferida quanto à sociedade insolvente, decisão essa que os recorrentes nunca conheceram, nunca lhes foi notificada e nunca se pronunciaram.
14- A decisão do tribunal a quo de não conhecer da extemporaneidade do parecer do A.I. alegada na oposição, impede os recorrentes de exercer o cabal direito do contraditório e da ampla defesa, violando um direito fundamental.
15- A violação do disposto no número 3 do CPC pelo tribunal a quo consubstancia a violação do princípio do contraditório e é susceptível de consubstanciar a prática de uma nulidade processual, nulidade que expressamente se arguiu com todas as consequências legais, porquanto a mesma se mostra capaz de influir no exame ou na decisão da causa.
16-0trânsito em julgado, conforme decorre claramente do artigo 628.º do CPC, ocorre quando uma decisão é já insusceptível de impugnação por meio de reclamação ou através de recurso ordinário.
17- Verificada tal insusceptibilidade, forma-se caso julgado, que se traduz, portanto, na impossibilidade da decisão proferida ser substituída ou modificada por qualquer tribunal, incluindo aquele que a proferiu.
18- A decisão proferida pelo tribunal da relação do Porto não encerra a possibilidade de pronúncia quanto à matéria em causa nos autos (extemporaneidade do parecer).
19- A decisão proferida pelo tribunal da relação do Porto quanto à extemporaneidade do parecer da A.I. carece de força obrigatória quanto aos recorrentes, e não os pode vincular.
20- Não ocorre a excepção de caso julgado quanto aos recorrentes, como decidiu o tribunal a quo, porquanto não há identidade das partes.
21- A verificação do caso julgado depende do preenchimento da tríplice identidade a que alude o artigo 581.2 do CPC.
22- O caso julgado pressupõe a repetição de uma causa já decidida por sentença transitada em julgado, cujos pressupostos cumulativos são a identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, o que não verifica in casu.
23- Os limites do caso julgado são traçados pelos elementos identificadores da relação ou situação jurídica substancial definida pela sentença: os sujeitos, o objecto e a fonte ou título constitutivo.
24- Os recorrentes, até à data em que foram citados (10-05-2016), não foram intervenientes nos autos, nem tiveram qualquer possibilidade de exercício do contraditório face à questão da extemporaneidade do parecer da A.I.
25- Quantos aos não intervenientes na acção, tem-se entendido que a sentença transitada se impõe aos chamados terceiros juridicamente indiferentes, todos aqueles a quem a sentença não causa qualquer prejuízo jurídico, porque deixa intacta a consistência jurídica do seu direito, embora lhes possa causar prejuízo económico, por ser afectada a solvabilidade do devedor.
26- Mas já não se impõe aos chamados terceiros juridicamente interessados, ou seja, todos aqueles a quem a sentença causa um prejuízo jurídico, invalidando a existência ou reduzindo o conteúdo do seu direito, e não apenas destruindo ou abalando a sua consistência prática ou económica.
27- Considerando que a decisão do tribunal a quo a entender que a questão da oportunidade de apresentação do parecer da A.I. está definitivamente julgada, o que não se concebe pois que não existe identidade de sujeitos, tal causa um prejuízo jurídico sério aos recorrentes, e lhes invalidam a possibilidade do exercício de um direito fundamental, nomeadamente o exercício do contraditório, e bem assim, a possibilidade de recurso até esgotar todas as instâncias jurisdicionais.
28- Os recorrentes, até à citação nos autos, não poderão considerar-se intervenientes na acção, sendo que toda a discussão relativa à oportunidade do parecer foi decidida à revelia dos recorrentes.
29- A decisão transitada em julgado relativa à oportunidade do parecer apresentado peia A.I. só poderia eventualmente ser considerada definitiva se tivesse intervindo na acção os recorrentes e a sociedade insolvente.
30- Não se encontra impedida a possibilidade do tribunal a quo conhecer da extemporaneidade do parecer da A.I. alegada pelos recorrentes, porquanto não se encontra impedida a renovação do pedido quando este é julgado improcedente, com fundamento em que a parte só ter o direito que pretende fazer valer em juízo quando acompanhada de todos os interessados, independentemente da sua legitimidade processual.
31- Comprovando-se que não há identidade dos sujeitos da oposição apresentada pelos recorrentes e a da oposição apresentada pela insolvente, esta já decidida, não ocorre excepção de caso julgado.
32- Ao decidir como decidiu o tribunal a quo sempre se deverá considerar, salvo melhor opinião, que se está cercear aos recorrentes o exercício de um direito fundamental, pois que invalida a existência ou reduz o conteúdo do direito dos recorrentes.
33- Os recorrentes, pessoas singulares que podem ser afectadas quanto ao incidente de qualificação da insolvência culposa, e citados em 10 de Maio de 2016 para virem ao processo oporem-se à qualificação, teriam obrigatoriamente que indicar os fundamentos e oferecer todas as provas com a oposição, o que ocorreu, designadamente quanto à alegada extemporaneidade do parecer da A.I.
34- Nesta matéria não se aplicam as normas subsidiárias da lei processual civil comum, no que respeita ao modo e ao momento do oferecimento das provas, o incidente de qualificação segue somente os termos previstos no CIRE.
35- Ao não ser admitido a apreciação desta questão pelo tribunal ao quo com fundamento em que a mesma questão foi apreciada anteriormente quando alegada pela sociedade insolvente, impede os recorrentes de ver esta questão quanto a si - sujeitos diferentes - de ser apreciada e, consequentemente, é-lhes vedado o direito ao recurso a instâncias superiores, incluindo esta instância jurisdicional e a do Supremo Tribunal de Justiça.
36- Deve ordenar-se ao tribunal ao quo que conheça integralmente da oposição apresentada pelos recorrentes, incluindo a questão relativa à extemporaneidade do parecer, devendo proferir decisão.
SEM PRESCINDIR,
37- Por sentença datada de 15-12-2014, foi declarada a insolvência da sociedade B…, LDA., sendo que nela não foi declarado aberto o incidente de qualificação de insolvência.
38- Decidiu o tribunal a quo que "os elementos constantes dos autos não evidenciam qualquer dos factos previstos no art. 186º/l/2 e 3, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, motivo pelo qual não se justifica, por ora, declarar aberto o incidente de qualificação da insolvência (cfr. art. 36º/1 e art. 188º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas) ".
39-0tribunal a quo dispensou a realização da assembleia de credores, ordenando o prosseguimento dos autos de insolvência para a fase de liquidação dos bens.
40- Nos casos em que não é designado dia para a realização da assembleia de apreciação do relatório, por aplicação do disposto no artigo 36.º, número 4, do CIRE, os aí prazos consagrados, contados por referência à data da sua realização "contam-se por referência ao 45.º dia subsequente à data da prolação da sentença de declaração da insolvência".
41- Por requerimento datado de 05 de Maio de 2015, veio a A.I. requerer a abertura do incidente de qualificação de insolvência e apresentar o seu parecer no sentido de a insolvência ser qualificada como culposa.
42- No caso sub judice, ultrapassado o prazo de quinze dias a que alude o artigo 188.º, número 1, do CIRE, o tribunal quo admitiu o requerimento/parecer de qualificação da insolvência presentado pela A.I. e proferiu despacho declarando aberto o incidente de qualificação de insolvência.
43- Ao contrário do que acontecia antes da alteração legislativa introduzida no CIRE pela Lei nº 16/2012 de 20 de Abril, não é obrigatório que o incidente de qualificação da insolvência seja declarado aberto na sentença que declara a insolvência e, não sendo aberto nesse momento., só poderá vir a sê-lo se o administrador ou algum interessado vierem a apresentar alegações em conformidade com o disposto no artigo 188º, número 1, e dentro do prazo aí assinalado.
44- O parecer do administrador não é obrigatório pelo que deixou de ser sustentável o entendimento de que esse prazo não é peremptório. 8 - De acordo com regime legal do incidente de qualificação da insolvência, entretanto alterado pela citada Lei 16/2012 e, ao contrário do que sucedia antes, o incidente de qualificação da insolvência passou a ter carácter não obrigatório.
45- Conclui-se, portanto, que o referido incidente deixou de ter carácter obrigatório, sendo que a lei apenas prevê a sua abertura em duas situações, ou seja, na sentença que declara a insolvência, em que é aberto oficiosamente pelo juiz, caso disponha, nesse momento, de elementos que o justifiquem; ou num momento posterior, se o juiz o considerar oportuno em face das alegações que, a propósito dessa matéria, sejam apresentadas pelo administrador da insolvência ou por qualquer interessado nos 15 dias subsequentes à realização da assembleia de apreciação do relatório.
46- Nos presentes autos, por sentença datada de 15-12-2014 veio a juiz a quo dispensar a realização da referida assembleia.
47- In casu, a Sra. Administradora de Insolvência apresentou o parecer decorrido cerca de 05 meses após a prolação da sentença de declaração de insolvência e, por isso, em clara violação ao disposto no artigo 188º, número 1, do CIRE.
48 - Decorrido o prazo de 15 dias fixado no número 1 do artigo 188º do CIRE sem que o administrador tenha apresentado quaisquer alegações referentes à qualificação da insolvência, o juiz apenas poderá concluir que o mesmo não teve conhecimento de quaisquer factos relevantes para esse efeito e por isso não tomou qualquer iniciativa.
49Oparecer junto ao autos pela Sra. Administradora de Insolvência "in casu" veio muito para além do prazo legalmente fixado para o efeito. Admitindo-se que a iniciativa por parte do administrador, consagrada no número 1, do artigo 188º do CIRE, radica nas suas funções, a verdade é que o seu conteúdo não diverge do direito que assiste a qualquer interessado de tomar tal iniciativa.
50 - Foi essa aliás a opção do legislador, porquanto entendeu limitar essa possibilidade aos momentos temporais legalmente consagrados, daí resultando, inequivocamente - sob pena de ser totalmente inútil a previsão legal - que, fora dos momentos e circunstâncias definidas na lei, não será possível declarar aberto o incidente.
51- Ao contrário do que acontece com o prazo fixado no número 3 do artigo 188- para a apresentação do parecer, o prazo fixado no número 1 da citada norma não é um prazo meramente regulador ou ordenador.
52- O prazo fixado no número 3, do artigo 188º, do CIRE, é uma iniciativa processual – que pode ser exercida pelo administrador ou por qualquer interessado - no sentido de desencadear a possível abertura do incidente de qualificação da insolvência e que apenas poderá ser admitida se for apresentada dentro do prazo que está fixado na lei.
AINDA SEM PRESCINDIR,
53- Ainda que se admitisse, nos termos gerais que estão definidos na lei processual civil, a possibilidade de o acto ser praticado para além do prazo fixado na lei, sempre se impunha, no mínimo, que aquando da sua prática fosse invocado o justo impedimento ou a superveniência dos factos que fundamentam a insolvência culposa.
54- Na verdade, a Sra. Administradora de Insolvência não o fez, sendo que, quando apresentou o parecer não invocou expressamente essa situação e nem sequer alegou a data concreta em que os factos haviam chegado ao seu conhecimento, importando notar que o acto em questão foi praticado em 05-05-2015 quando já haviam decorrido mais de quatro meses sobre o termo do prazo fixado na lei.
55- Não obstante verificar-se alguma tendência para desformalizar a tramitação de incidente, não pode o Tribunal a quo deixar de lado regras básicas de processamento do mesmo, como sejam os prazos peremptórios fixados, assim como a sequência natural, e legalmente fixada, da respectiva tramitação.
56 - Igualmente, não pode o Tribunal a quo admitir o referido requerimento/alegações porquanto tal determina uma clara e clamorosa violação dos princípios da legalidade, e bem assim dos princípios da segurança e certeza jurídica, e da protecção da confiança dos cidadãos, princípios classificadores do Estado de Direito.
57 - A decidir como decidiu o tribunal a quo violou, na sua interpretação e aplicação, o disposto aos artigos 36.°, número 1, alínea i) e número 4; artigo 188º, números 1 e 6, todos do CIRE. O artigo 3.º, número 3; artigo 581.º e 628.º todos do CPC. E ainda o artigo 20.º da CRP.
TERMOS EM QUE, e nos melhores de direito, sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, na procedência do recurso, deve o douto despacho ser revogado e substituído por outro que aprecie na íntegra a oposição apresentada pelos recorrentes.
SEM PRESCINDIR,
Na procedência do recurso, deve o douto despacho ser revogado e substituído por outro que decida a não admissão do requerimento/parecer da Administradora da insolvência, declarando-se a extemporaneidade do parecer e, consequentemente, ordenando-se o arquivamento dos autos.
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Dos autos não consta que tenham sido apresentadas contra alegações.
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Os factos
Os factos relevantes para a apreciação do recurso são os acima enunciados.
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O direito
A questão principal consiste em apurar a natureza do prazo previsto no nº 1 do artigo 188º - se se trata de um prazo peremptório ou se é um prazo meramente indicativo.
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O nº 1 do artigo 188º dispõe:
“1 - Até 15 dias após a realização da assembleia de apreciação do relatório, o administrador da insolvência ou qualquer interessado pode alegar, fundamentadamente, por escrito, em requerimento autuado por apenso, o que tiver por conveniente para efeito da qualificação da insolvência como culposa e indicar as pessoas que devem ser afetadas por tal qualificação, cabendo ao juiz conhecer dos factos alegados e, se o considerar oportuno, declarar aberto o incidente de qualificação da insolvência, nos 10 dias subsequentes.”
No caso, foi dispensada a realização da assembleia de credores, ordenando-se a prossecução dos autos para a fase de liquidação, pelo que o prazo de 15 dias, acima referido, se conta com referência ao 45º dia subsequente à data da sentença (art. 36º, nº 4).
O requerimento em que a Sr.ª administradora da insolvência se pronunciou pela qualificação da insolvência como culposa, alegando factos nesse sentido, foi apresentado quando o prazo previsto no nº 1 do artigo 188º já tinha expirado há sensivelmente 90 dias.
Para Carvalho Fernandes e João Labareda, o parecer do administrador da insolvência constitui um elemento relevante na decisão do incidente de qualificação da insolvência e na sua própria tramitação, pelo que não pode deixar de ser apresentado, sob pena de incorrer em violação dos seus deveres funcionais. E “na omissão da lei, não pode ser atribuído valor ao silêncio, cabendo ao juiz, se for o caso, providenciar para que, mesmo tardio, o parecer seja emitido” (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Anotado, 2ª ed., 2013, p. 728).
No acórdão da Relação de Coimbra, de 23-01-2008, decidiu-se que "não estando legalmente estabelecida qualquer sanção para o incumprimento do prazo fixado para o administrador dar o seu parecer quanto à qualificação da insolvência, só há que concluir que a estipulação de tal prazo se destina a disciplinar a tramitação procedimental, pelo que assume natureza meramente ordenadora ou disciplinadora"; e que o parecer do administrador da insolvência "não pode ser equiparado aos articulados das partes, não sendo de aplicar, pois, à falta da sua junção no prazo fixado no art. 188º nº 2, o efeito preclusivo que a lei estabelece como consequência do decurso dos prazos de apresentação daqueles" (CJ, ano XXXIII, t. I, págs. 15 e 16).
Na mesma linha se situa o acórdão desta Relação, de 29.10.2009 (Proc. 10/07.7TYVNG-B.P1), onde se lê: "O administrador da insolvência é um colaborador do tribunal; não é uma parte no processo. Como tal, a emissão do parecer não é um direito dele, mas um dever funcional. Não está na disponibilidade do administrador emitir ou não emitir o parecer com formulação de uma proposta para qualificação da insolvência. Deve fazê-lo, sob pena de ser considerado relapso no cumprimento das suas competências (…).
Por conseguinte, impondo-se ao administrador da insolvência emitir o parecer no exercício de um dever ou competência, jamais se poderá qualificar o prazo em causa como sendo de caducidade ou de prescrição. É um prazo regulador, ordenacional ou de organização processual, sem cominatório e cuja ultrapassagem pode gerar responsabilidade do administrador no âmbito do processo, mas não a caducidade de qualquer direito que o administrador não tem e não exerce".
Apesar de os citados arestos terem sido proferidos antes das alterações introduzidas no CIRE pelo DL nº 16/2012, de 20-04 – e o artigo 188º foi um dos alterados por este diploma – a questão apreciada era a mesma suscitada na presente apelação: a natureza do prazo para o administrador da insolvência alegar o que entender conveniente quanto à qualificação da insolvência. Não se tratando de um prazo peremptório cujo decurso extinga o direito de praticar o acto, e constituindo dever da administradora da insolvência a emissão de parecer quanto à qualificação da insolvência, a emissão de tal parecer decorrido o prazo previsto no nº 1 do artigo 188º não se apresenta extemporânea; e não tinha que ser invocado justo impedimento ou a superveniência dos factos que fundamentam a insolvência culposa para que pudesse ser atendido.
Este entendimento quanto à natureza do prazo – meramente ordenador – foi seguido no acórdão de 07-04-2016 que se pronunciou, no recurso interposto pela insolvente, sobre a questão da extemporaneidade do parecer da Sr.ª administradora.
Alegam os ora apelantes que como não tiveram intervenção no recurso em cujo âmbito foi proferido aquele acórdão, este não os pode vincular, inexistindo caso julgado por falta do requisito identidade de partes.
O despacho recorrido, quanto à questão da extemporaneidade do parecer emitido pela Srª administradora da insolvência, aderiu à fundamentação do acórdão prolatado na apelação interposta pela insolvente. Os ora apelantes não tiveram qualquer intervenção processual no âmbito do recurso em que foi proferido aquele acórdão. Mas a questão essencial suscitada é a mesma em ambos os casos: a alegada extemporaneidade do parecer da Srª administradora da insolvência. Alegam os apelantes que não conheceram o decidido no acórdão de 07-04-2016 (conclusão 13ª). Tal decisão não lhes foi notificada – nem tinha que ser, porquanto não eram partes no recurso onde foi proferido aquele acórdão. Mas pelo menos a partir da notificação do despacho saneador – em cujo âmbito foi proferido o segmento ora impugnado – se não tiveram conhecimento do teor do acórdão foi porque não quiseram, uma vez que bastava para tanto consultar o processo.
Não se descortinando motivos para divergir do decidido no mencionado acórdão de 07-04-2016, remeteu-se para a respectiva fundamentação.
Alegam os apelantes que a decisão recorrida não conheceu da extemporaneidade do parecer emitido pela Sr.ª administradora da insolvência (conclusão 1.ª). No despacho recorrido foi abordada tal questão, remetendo-se para o decidido no acórdão desta Relação, de 07-04-2016, onde tal assunto tinha sido tratado. A decisão impugnada conheceu da aludida questão, remetendo para os fundamentos exarados no acórdão para o qual remete.
A decisão recorrida não viola o princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 20º da Constituição da República; nem viola o princípio do contraditório. A decisão de julgar improcedente a invocada extemporaneidade da apresentação do parecer emitido pela Sr.ª administradora da insolvência não afecta quaisquer direitos dos apelantes a pronunciarem-se quanto ao alegado naquele parecer, a apresentarem meios de prova e a intervirem em todo o desenrolar do incidente. Os ora apelantes deduziram oposição à qualificação da insolvência como culposa e interpuseram recurso. E em parte alguma do despacho recorrido se nega aos apelantes o direito a intervir no processo.
Em resumo: o prazo previsto no nº 1 do artigo 188º para a srª administradora da insolvência apresentar o seu parecer sobre a qualificação da insolvência não é um prazo peremptório, pelo que tal parecer deve ser apreciado.
***
Decisão
Pelos fundamentos expostos, julga-se a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelos apelantes.

Porto, 14.03.2017
José Carvalho
Rodrigues Pires
Márcia Portela