Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4169/19.2T8OAZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: MOTORISTA
FOLHAS DE REGISTO
TACÓGRAFO
CAUSA DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE
RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR
Nº do Documento: RP202101184169/19.2T8OAZ.P1
Data do Acordão: 01/18/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE, CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Integra a prática da contra-ordenação prevista nas disposições conjugadas constantes dos arts. 36º, nºs 1 e 2 do Regulamento (UE) nº 165/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho de 04.02.2014, e 25º n.º 1, al. b) da Lei n.º 27/2010, de 30/08, a não apresentação, pelo motorista, das folhas do registo tacógrafo relativas ao período dos 28 dias anteriores solicitadas pela autoridade encarregue da fiscalização, sendo este o elemento constitutivo do tipo da contraordenação.
II - A apresentação, no ato de fiscalização em estrada, de declaração/formulário justificativa do não cumprimento da referida obrigação de apresentação dos registos mais não constitui do que documento comprovativo da existência de causa de exclusão da ilicitude.
III - Nos termos do nº 1 do art. 13º da Lei 27/2010, de 30.08, recai sobre o empregador a responsabilidade pela mesma, a menos que este faça a prova da exclusão da sua responsabilidade nos termos previstos no nº 2 desse art. 13º.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 4169/19.2T8OAZ.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1194)
Adjunto: Des. Rui Penha
Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório
A Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) condenou a arguida, B…, Lda, no pagamento da coima de 28 UC [€2.856,00], bem como na sanção acessória de publicidade, considerando como responsável solidário pelo pagamento da referida coima os gerentes C… e D…, pela prática, imputada a título de negligência e como reincidente, de uma contra-ordenação muito grave, prevista e punida pelos artigos 36.º, n.º 1, do Regulamento [EU] n.º 165/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Fevereiro de 2014 e 25.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 27/2010, de 30 de Agosto.
Impugnada judicialmente tal decisão e realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a mencionada impugnação improcedente, mantendo integralmente a decisão impugnada.
Inconformada, veio a arguida recorrer, tendo formulado, a final da sua motivação, as seguintes conclusões:
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Nestes termos e nos melhores de Direito deve o presente recurso vir a ser julgado procedente por provado e a douta sentença revogada, decidindo-se que: É nula a sentença proferida pelo douto Tribunal a quo, por erro notório na apreciação da matéria de facto, por falta de fundamentação, não enuncia os motivos de facto e de direito que suportam a sua decisão, não realiza um exame crítico a todas as provas que serviram para fundamentar a sua decisão, apenas as indicando. Os vícios enumerados no artº 410º/2 do CPP representam anomalias decisórias ao nível da elaboração da sentença, circunscritas à matéria de facto, devendo ser apreensíveis pelo seu simples texto, sem recurso a quaisquer outros elementos a ela estranhos, designadamente depoimentos exarados no processo ou documentos juntos ao mesmo, impeditivos de bem se decidir tanto ao nível da matéria de facto como de direito. Há que averiguar se o tribunal, cingido ao objeto do processo delimitado pela decisão da autoridade administrativa, mas vinculado ao dever da descoberta da verdade material (artº 340º do CPP), deveria ter decido como o fez.
Perante a inexistente fundamentação, dúvidas existem na efetiva prática da contraordenação por que vem imputada, sendo que deverá ser a ora arguida absolvida, nos termos do artigo 32.º, n.º 2 da CRP.
Se assim não se entender, deverá considerar-se sempre o instituto do erro sobre a ilicitude patente no artigo 17.º do Código Penal, que levará à exclusão do dolo, e, consecutivamente afasta a culpa e a censurabilidade da mesma, levando à absolvição da arguida.
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NESTES TERMOS, e nos melhores de Direito que V. Exas. Doutamente suprirão, deverá a douta sentença ser revogada e substituída por outra que se coadune com a pretensão exposta, (…)”.

O Ministério Público não apresentou resposta ao recurso.

A Exmª Srª Procuradora Geral Adjunta junto desta Relação emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso, parecer sobre o qual a Recorrente, notificada, não se pronunciou.

Tendo o recurso sido, pela 1ª instância, admitido com efeito suspensivo, tal efeito foi, por despacho de 13.10.2020 proferido pela ora relatora, alterado para o efeito devolutivo.
Colheram-se os vistos legais.
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II. Decisão da matéria de facto proferida na 1ª instância
A. É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:
“1. Factos provados:
a) A arguida é a empresa B…, Lda., pessoa coletiva n.º ………., com sede na Rua…, s/n, …, em Coimbra;
b) A arguida é legalmente representada pelos gerentes C…, contribuinte fiscal ……… e D…, contribuinte fiscal n.º ………, ambos com domicílio na seda da empresa arguida;
c) No dia 16 de maio de 2019, pelas 09h15, a arguida fez circular na via pública, mais exatamente na EN…, Km .., em …, Oliveira de Azeméis a viatura pesada de mercadorias com matrícula ..-..-.., conduzida por E…;
d) Nesse dia, hora e local, viatura e condutor foram sujeitos a ação de fiscalização da GNR;
e) No ato de fiscalização, o condutor conduzia veículo equipado com tacógrafo digital e no cartão não havia de registo de trabalho nos dias 18, 22 e 26 de abril de 2019;
f) Questionado o condutor o mesmo declarou que não trabalhou nos referidos dias;
g) O condutor não apresentou qualquer disco tacográfico ou declaração de atividade para justificação dos períodos sem registo;
h) A empresa dedica-se ao transporte rodoviário de mercadorias;
i) O condutor foi trabalhador da arguida, admitido em abril de 2018, com a categoria de motorista de pesados;
j) A empresa arguida tem antecedentes laborais registados, nomeadamente, no processo 161501159, que correu termos na ACT, a arguida foi condenada pela violação, em 26/08/2015, do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 19º da Lei 27/2010, o que constituiu contraordenação muito grave, tendo-lhe sido aplicada uma coima de €2040,00 por decisão que se tornou irrecorrível em 21/03/2016.
2. Factos não provados:
Inexiste factualidade relevante que cumpra considerar como não provada.”
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B. É a seguinte a motivação da referida decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:
3. Motivação fáctica:
Embora da impugnação apresentada pela recorrente pareça resultar a admissão de que a empresa não entrega aos motoristas as declarações de atividade, a verdade é que do depoimento da testemunha, o motorista E…, resulta que era normal entregarem as declarações e, no caso, esteve uns dias sem trabalhar, tendo depois sido considerado como tempo de férias e quando regressou não levava as declarações. Acrescentou que a empresa tinha um sistema para entrega das declarações que passava por proceder à sua recolha numas bombas de gasolina e, por algum motivo, não as foi buscar ou estas não lhe foram entregues e estava sem as declarações. Uma coisa é certa, as declarações não foram apresentadas à entidade fiscalizadora.”
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III. Fundamentação
1. No requerimento de interposição de recurso a arguida refere que o “o presente recurso que versará sobre matéria de facto e de direito com a seguinte motivação:
A) Erro notório na apreciação da matéria de facto;
B) Condenação manifestamente exagerada.”
No ponto I da motivação do recurso, refere que:
“I. Do Objeto e Delimitação do Recurso
No presente caso as questões que se suscitam pela recorrente traduzem-se em saber se, existe erro notório na apreciação da matéria de facto, e, consequentemente, violação do princípio in dubio pro reo, nos termos do artigo 32.º, n.º 2 da CRP, e, por insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, dando lugar à absolvição da arguida.
Acresce ainda o facto de a coima, se considerar excessiva, existindo violação do princípio da proporcionalidade aquando a condenação pelo Tribunal a quo.”
E em síntese das conclusões do recurso [diga-se que prolixas e algo confusas], alega a Recorrente em síntese [de acordo com a ordem seguida pela mesma]:
i) Que o trabalhador se encontrava em gozo de férias, pelo que não poderia ter consigo os registos de condução, o que é comprovado pelos recibos de vencimento e, bem assim, que emitiu e cedeu ao trabalhador as declarações de actividade, desconhecendo os motivos pelos quais o trabalhador não se fez acompanhar das mesmas;
ii) A não apresentação do formulário a que se reporta a Decisão da Comissão de 12.04.2007 não integra a contra-ordenação prevista no art. 25º, nº 1, al. b), da Lei 27/2019, de 30.08, sendo a lei omissa quanto às consequências da sua falta de apresentação; a obrigação de o motorista se fazer acompanhar de tal formulário ou declaração não foi transposta para a ordem jurídica nacional.
iii) Não ficou demonstrado que o condutor teria conduzido nos dias respeitantes à falta dos registos tacógrafos;
iv) Princípio do in dúbio pro reo;
v) Erro notório na apreciação da prova (art. 410º, nº 2, do CPP);
vi) Erro sobre a ilicitude e sua não censurabilidade;
vii) Da inexistência de negligência - a arguida estava ciente da inexistência da infracção;
viii) Da não redução, para metade, dos limites mínimo e máximo da coima e da condenação em excesso.
E, “concluindo” as “conclusões”, diz que deverá decidir-se no sentido da nulidade da “sentença proferida pelo douto Tribunal a quo, por erro notório na apreciação da matéria de facto, por falta de fundamentação, não enuncia os motivos de facto e de direito que suportam a sua decisão, não realiza um exame crítico a todas as provas que serviram para fundamentar a sua decisão, apenas as indicando. (…)”.
2. Da nulidade da sentença recorrida
Como referido, a Recorrente, “concluindo” as “conclusões” do recurso, diz que deverá decidir-se no sentido da nulidade da “sentença proferida pelo douto Tribunal a quo, por erro notório na apreciação da matéria de facto, por falta de fundamentação, não enuncia os motivos de facto e de direito que suportam a sua decisão, não realiza um exame crítico a todas as provas que serviram para fundamentar a sua decisão, apenas as indicando. (…)”.

Os requisitos da sentença encontram-se definidos no art. 374º do CPP, aplicável subsidiariamente à sentença em processo contra-ordenacional, dispondo o seu nº 2 que “2 - Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.”, dispondo o art. 379º, nº 1, do mesmo que: “1 – É nula a sentença: a) que não contiver as menções referidas no nº 2 e na al. b) do nº 3 do artigo 374º. (…).
A sentença recorrida decidiu dos factos que teve como provados, assim como dos factos que teve como não provados, considerando como tal todos os que não constam dos factos dados como provados, mormente, como decorre da motivação da decisão da matéria de facto, o relativo à não condução/gozo de férias nos dias 18, 22 e 26 de abril de 2019 e à emissão e entrega pela arguida ao trabalhador/condutor da declaração comprovativa da não condução nesses dias. Diga-se, até, que a arguida, na impugnação judicial, apenas havia alegado que o trabalhador não conduziu nos dias em causa, nada tendo alegado quanto à emissão e entrega da mencionada declaração.
Quanto à motivação da decisão da matéria de facto, dela decorre, ainda que de modo sucinto, mas suficiente, a motivação da decisão no que toca à decisão da matéria de facto não provada, indicando o meio de prova que teve lugar na audiência de julgamento e o resultado do mesmo. A recorrente pode discordar de tal decisão, o que se prende, todavia, com eventual erro de julgamento, mas não com a omissão de fundamentação.
No que toca à matéria de facto dada como provada, da motivação aduzida pelo Mmº Juiz não consta, efectivamente, a indicação dos correspondentes meios de prova. Todavia, a extensão e abrangência da necessidade da motivação é balizada pelo que, sendo controvertido, esteja em causa. No caso, a arguida, na impugnação judicial da decisão administrativa, não colocou em causa qualquer um dos factos que haviam sido dados como provados em tal decisão, designadamente que o condutor, aquando da acção de fiscalização, conduzia o veículo indicado, que não havia registos de trabalho relativos aos dias 18, 22 e 26 de abril de 2019 e que o condutor não apresentou qualquer disco tacógrafo ou declaração para justificação dos períodos sem registo. Assim como, no recurso, não pôs em causa os factos dados como provados na sentença recorrida, limitando-se a dizer que o tribunal a quo valorou o depoimento do Sr. Agente autuante “como se de perito se tratasse, o que não se concebe, nem se aceita” e que o auto de notícia não é meio de prova suficiente.
Todavia, sempre se dirá que auto de notícia é, no caso, meio de prova suficiente, sendo que os factos constantes das als. c), d), e), f) e g) dele constam. Dispõe o art. 13º, nºs 2 e 3 da Lei 107/2009, que “2 - Sem prejuízo do disposto em legislação especial, há lugar a auto de notícia quando, no exercício das suas funções o inspector do trabalho ou da segurança social, verificar ou comprovar, pessoal e directamente, ainda que por forma não imediata, qualquer infracção a normas sujeitas à fiscalização da respectiva autoridade administrativa sancionada com coima. 3 - Consideram-se provados os factos materiais constantes do auto de notícia levantado nos termos do número anterior enquanto a autenticidade do documento ou a veracidade do seu conteúdo não forem fundadamente postas em causa.”.
No caso, os mencionados factos constantes do auto de notícia, levantado pelo agente de fiscalização rodoviária (GNR), foram directamente por este constatados, sendo que a autenticidade do documento ou a veracidade do seu conteúdo não foram fundadamente postas em causa pela arguida, não havendo razão alguma para que, com base nele, não pudessem ou não devessem os mencionados factos serem dados como provados. Aliás, bem pelo contrário. Não tendo sido posta em causa a veracidade ou autenticidade do auto de notícia e tendo os factos nele descritos sido presenciados pelo agente autuante, deveriam tais factos, como foram, serem dados como provados. Como e, bem, se diz na proposta da decisão administrativa, o nº 2 do citado art. 13º “segue o defendido no Assento de 3 de maio de 1985, publicado no DR, 1ª Série, nº 147, de 29-06-85, no qual se afirmava que para um auto fazer fé em juízo bastava que os factos tivessem sido pessoal e diretamente presenciados pelo autuante, ainda que de forma não mediata”.
E a al. j) assenta no Registo Nacional de Infractores a que se reporta o art. 565º do CT junto e que, como se diz na proposta da decisão administrativa, foi notificado à arguida, não tendo o documento nem o seu teor merecido contestação por parte da mesma.
No que toca à fundamentação de direito, a sentença recorrida fundamenta a decisão tomada, indicando as normas jurídicas violadas, fazendo o enquadramento jurídico e tecendo as considerações que tem por pertinentes e que permite à arguida saber perfeitamente a razão de ser do decidido, fundamentação essa constatável pela transcrição que adiante se fará.
Assim sendo, julgam-se improcedentes as invocadas nulidades da sentença.
3. Do erro na decisão da matéria de facto e do erro notório na apreciação da prova
Alega a Recorrente que: “IV. Ora, tal como afirmado em sede de defesa o trabalhador em causa não desempenhou funções para a empresa, aqui, Recorrente, uma vez que se encontrava a gozar de férias. E, por ser verdade, não poderia ter consigo quaisquer registos de condução. Sendo tal devidamente comprovado pelo recibo de vencimento junto aos autos. Sucede ainda que, em sede de defesa escrita, bem como de impugnação judicial, de acordo com os documentos juntos, a empresa agiu de forma responsável emitindo e cedendo ao trabalhador as devidas declarações de atividade, sendo que desconhece os motivos pelos quais o mesmo não se fez acompanhar daquelas no momento da fiscalização. (…) XIV. O erro notório na apreciação da prova (artº 410º/2/c do CPP) verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efetuou uma apreciação manifestamente incorreta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis. (…). XVII. Ora, e, como se alcança dos factos que constam supra, deve ser dado como provado que o motorista não conduziu naqueles dia e bem assim que a entidade patronal lhe disponibilizou as devidas declarações de atividade, XXIX. Assim, não foram valoradas devidamente as provas juntas aos autos. XXX. Formando a sua convicção apenas no auto de notícia e pouco mais, o que não se concebe, nem se aceita. XXXI. A recorrente sempre pugnou pelo cumprimento das diretivas e lei, em vigor, no que diz respeito ao transporte rodoviário de mercadorias, sempre zelando para com a segurança tanto do condutor, como da mercadoria, e, também da segurança rodoviária em geral. XXXII. Foi referido, tanto nas defesas escritas, suporte documental e como pela testemunha, que o motorista não havia conduzido se não naquele dia, e que por tal teriam sido disponibilizadas declarações, apesar de considerar que não era obrigado a fazer-se acompanhar das mesmas, afastando de todo a responsabilidade da ora arguida, quer a título de dolo, como negligência, pois nem sequer se concebe aqui a omissão do dever de cuidado.”.
A Recorrente discorda da decisão da matéria de facto, não propriamente da matéria de facto dada como provada, mas da que foi dada como não provada: i) o trabalhador/condutor do veículo, nos dias em causa - 18, 22 e 26 de abril de 2019 – encontrava-se de férias [pelo que não poderia ter consigo quaisquer registos de condução]; ii) emitiu e cedeu, a arguida, ao trabalhador/condutor as “declarações de actividade” [assim desconhecendo os motivos pelos quais o mesmo não se fez acompanhar daquelas no momento da fiscalização].
Sem prejuízo do disposto no art. 410º, nº 2, do CPP e do art. 51º, nº 2, al. b), da Lei 107/2009, de 14.09, a Relação, em matéria contra-ordenacional, apenas conhece de direito, e não já em matéria de facto [nº 1 do citado art. 51º], pelo que não é possível nesta instância recursiva conhecer do eventual erro de julgamento ao não ter sido dada como provada a factualidade acima mencionada [nos pontos i) e ii)].
E se a Relação, ainda que conheça apenas de direito, pode, como efectivamente pode, conhecer do vício previsto no art. 410º, nº 2, al. c), do CPP – erro notório na apreciação da prova – o certo é que, no caso, não se verifica tal situação.
Com efeito, dispõe o citado preceito que: “2. Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamento, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: (…) c) Erro notório na apreciação da prova.”.
Ora, no caso, a prova dos factos referidos [encontrar-se o motorista de férias nos dias 18, 22 e 26 de abril de 2019 e ter a arguida emitido e entregue as “declarações de actividade”] não decorre, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, da sentença recorrida. Decorrerá, ou não, dos meios de prova, documental e/ou testemunhal que hajam sido produzidos, o que extravasa os poderes cognitivos, em sede de reapreciação da decisão da matéria de facto, conferidos pelo art. 410º, nº 2, al. c), do CPP. É, ainda, de esclarecer que não pode a Relação recorrer ao que possa constar da motivação da decisão da matéria de facto. Esta não consubstancia qualquer meio de prova, mas sim e apenas o resultado da interpretação feita pela 1ª instância quanto à prova que foi produzida.
Acresce aqui deixar uma breve nota relativamente à alegação da Recorrente, no corpo da motivação, de que o tribunal a quo “valorou o depoimento do Sr. agente autuante, militar da GNR, que procedeu à fiscalização como se de perito se tratasse, o que não se concebe, nem se aceita”. Para além de que não se entende tal alegação, designadamente por que razão se diz que a 1ª instância valorou tal depoimento “como se perito se tratasse” e qual a concreta razão que leva a Recorrente a não aceitar essa valoração, não se vê qualquer motivo para que o Tribunal a quo não pudesse valorar tal depoimento, para além do que já se referiu no ponto III. 2. do presente acórdão no que toca ao valor do auto de notícia, para onde se remete.
Acresce dizer que não se verifica nenhum dos demais vícios previstos no art. citado 410º, nº 2, mormente na sua al a) – “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”-, sendo que, conforme melhor resultará do que adiante se dirá, a matéria de facto dada como provada é suficiente no sentido da conclusão retirada na sentença quanto ao preenchimento do tipo legal da contra-ordenação em causa e à responsabilidade da Recorrente pela sua prática.
Assim, e nesta parte, improcedem as conclusões do recurso.
4. Do elemento objectivo da contra-ordenação
Na sentença recorrida referiu-se o seguinte:
“1.1 À recorrente está imputada a prática de uma contraordenação muito grave pela violação do artigo 25.º, n.º 1, da Lei n.º 27/2010, de 30 de agosto, em conjugação com o artigo 36.º, n.º 1, do Regulamento [UE] n.º 165/2014 do Parlamento e do Conselho de 4 de fevereiro de 2014.
Nos termos o artigo 25.º, n.º 1, da Lei n.º 27/2010, de 30 de Agosto, «constitui contraordenação muito grave a não apresentação, quando solicitada por agente encarregado da fiscalização: a) De folhas de registo e impressões, bem como de dados descarregados do cartão do condutor; b) De cartão de condutor, das folhas de registo utilizadas e de qualquer registo manual e impressão efetuados, que o condutor esteja obrigado a apresentar; c) De escala de serviço com o conteúdo e pela forma previstos na regulamentação comunitária aplicável».
O artigo 36.º, n.º 1, do referido Regulamento, reza o seguinte:
«Se conduzirem um veículo equipado com tacógrafo analógico, os condutores devem apresentar, quando os agentes de controlo autorizados o solicitem: i) As folhas de registo do dia em curso e as utilizadas pelo condutor nos 28 dias anteriores; ii) O cartão de condutor, se o possuir; e iii) Qualquer registo manual e impressão efetuados durante o dia em curso e nos 28 dias anteriores, tal como previsto no presente regulamento e no Regulamento (CE) n.º 561/2006».
A Decisão da Comissão de 14 de dezembro de 2009 estabelece que no seu n.º 1 que «Os registos efetuados no tacógrafo são a primeira fonte de informação nos controlos na estrada. A ausência de registos apenas se pode justificar quando, por razões objetivas, não tenha sido possível realizar registos no tacógrafo, incluindo entradas efetuadas manualmente. Em tais casos, deve ser emitida a declaração que confirme tais razões» e no n.º 4 que «O formulário de declaração apenas deve ser utilizado se, por razões técnicas objetivas, os registos do tacógrafo não conseguirem demonstrar o cumprimento das disposições do Regulamento (CE) n.º 561/2006».
Em nosso entendimento, consideramos que o motorista está obrigado a apresentar esta declaração ou uma declaração similar, ainda que formalmente diversa, que contenha o mesmo tipo de informação e a não apresentação constitui contraordenação muito-grave na medida em que a declaração é um “registo manual” que deve acompanhar o motorista para permitir a fiscalização e sem a qual não é possível fiscalizar, com o mínimo de segurança, a existência ou não de uma violação.
Neste sentido, o acórdão da Relação de Guimarães de 20 de Outubro de 2016 – Processo n.º 1154/15.7T8BCL.G1 –, bem como muita outra jurisprudência posterior, pronunciou-se nos seguintes termos resumidos: «I – A denominada «Declaração de Actividade», prevista na Decisão da Comissão n.º 2009/959/EU, com referência ao art. 11.º, n.º 3 da Directiva n.º 2006/22/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, não é obrigatória no Estado Português, na medida em que a Lei n.º 27/2010, de 30 de Agosto, que transpôs para o direito interno tal Directiva, é omissa no que se lhe refere. II – As contra-ordenações ao disposto no art. 15.º, n.º 7, als. a) e b) do Regulamento (CEE) n.º 3821/85, de 20 de Dezembro, com a redacção que lhe foi dada pelo Regulamento (CE) 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, mostram-se praticadas se o trabalhador condutor do veículo não apresentar as folhas de registo do dia em curso e dos 28 dias anteriores, sendo necessário, para excluir a ilicitude da conduta, que o mesmo exiba documento comprovativo que permita justificar o incumprimento, nos termos da al. c) do citado art. 15.º, n.º 7, seja a «Declaração de Actividade», seja outro qualquer, sendo certo que, por facilidade, a generalidade das empresas portuguesas vem optando por fazê-lo através daquele formulário».
A razão técnica objetiva que justifica o registo manual é precisamente a circunstância do motorista ter estado no exercício de outras funções na empresa ou em empresa diversa, não ter conduzido no período mensal anterior, ter conduzido outro tipo de veículo não sujeito a tacógrafo ou qualquer outra justificação e, por isso, não ter sido possível, tecnicamente, proceder a um registo não manual, sendo que a expressão “sempre que conduzem, a partir do momento em que tomem o veículo a seu cargo” deve ser entendida como o momento em que os motorista se devem fazer acompanhar de todos os elementos, manuais ou não, que permitam o controlo pela autoridade dos tempos de trabalho e descanso, sob pena de ficar quebrada a finalidade sistemática do regime de controlo.
Em suma, consideramos que o motorista está obrigado a apresentar à autoridade aquela declaração manual e a omissão constitui contraordenação muito grave na medida em que a referida declaração integra o conceito de registo manual, sendo certo que o artigo 36.º, n.º 1, do Regulamento, fala especificamente em registo manual e a omissão da conduta está prevista como infração no artigo 25.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 27/2010, de 30 de Agosto.
Sucede, no entanto, que se pode defender que o artigo 35.º, n.º 3, do Regulamento, estabelece que «Os Estados Membros não impõem aos condutores que atestem as suas atividades quando estão afastados do veículo» e que daí resulta que a declaração já não é exigível.
No entanto, em nosso entendimento, não se pode fazer essa interpretação pois, em primeiro lugar, consideramos que se trata de uma norma que visa estabelecer uma harmonia jurídica na União Europeia quanto às declarações a apresentar, ou seja, visa-se evitar que os diferentes Estados Membros exijam documentos diferentes de natureza laboral para a demonstração de que os trabalhadores estavam em “disponibilidade” [férias, folgas, faltas, outros trabalhos na empresa ou em outras empresas etc], multiplicando as exigências para as empresas que fazem transporte internacional pois o próprio Regulamento n.º 561/2006 já estabelece em anexo qual é o formulário que deve ser utilizado e, por isso, os Estados Membros não podem estabelecer formulários diversos, o que não significa que o formulário constante do referido Regulamento não seja obrigatório e, em segundo lugar, caso assim não se entendesse, se o motorista não utilizasse todos os dias um veículo equipado com tacógrafo digital, passaria a ser impossível fiscalizar o cumprimento dos tempos de condução e descanso, reparando-se que o Regulamento n.º 165/2014 não revogou o Regulamento n.º 561/2006, onde a declaração consta em anexo, mandando mesmo na norma acima citada apresentar os registos manuais nos termos ali definidos. Daqui resulta que a apresentação desta declaração, ou de outra substancialmente similar, continua a ser obrigatória.
Sucede que, nos termos das normas referidas, essa contraordenação verifica-se com a mera não apresentação dos registos ou das declarações substitutivas, não tendo que haver qualquer prova no sentido de que o condutor esteve ou não esteve a conduzir nos 28 dias anteriores, pelo contrário, é a recorrente, através do condutor, quem tem que, no momento da fiscalização, apresentar as declarações de atividade onde se menciona que o trabalhador não esteve a conduzir, ora por estar ausente, de férias ou de baixa médica, ora por estar a desempenhar outros trabalhos, ou por outros motivos lá previstos, pelo que não o fazendo, existe contraordenação, sendo por isso irrelevante se o trabalhador exerce habitualmente a função de motorista ou se apenas o faz quando necessário pois se não conduz habitualmente tem que estar munido dos registos manuais [declarações de atividade] donde resultem imediatamente que esteve a efetuar outras atividades profissionais nos dias anteriores. A questão é que o regulamento referido não faz depender a sua aplicação da categoria profissional do condutor, não falando nunca em motorista, mas em condutor, definindo-o como «qualquer pessoa que conduza o veículo, mesmo durante um curto período, ou que, no contexto da atividade que exerce, esteja a bordo de um veículo para poder eventualmente conduzir» - artigo 3.º, alínea c).
No caso, uma vez que a própria recorrente admitiu que as declarações não foram apresentadas, consideramos que não podemos concluir pela procedência deste fundamento da impugnação.”

Do assim decidido discorda a Recorrente alegando, em suma, que:
-A não apresentação do formulário a que se reporta a Decisão da Comissão de 12.04.2007 não integra a contra-ordenação prevista no art. 25º, nº 1, al. b), da Lei 27/2019, de 30.08, sendo a lei omissa quanto às consequências da sua falta de apresentação;
- A obrigação de o motorista se fazer acompanhar de tal formulário ou “declaração de actividade” não foi transposta para a ordem jurídica nacional, mais referindo [no corpo da motivação] que “O Regulamento (UE) n.º 165/2014 dispõe, no seu artigo 34.º, n.º 3, que os Estados- Membros não imporão aos condutores a apresentação de formulários que atestem as suas atividades quando estão afastados do veículo.
O condutor não era obrigado a fazer-se acompanhar de declaração de atividade no seu trabalho a bordo do veículo, uma vez que tal obrigatoriedade não está prevista na lei, nem o Estado podia impor essa obrigatoriedade, sob pena de violação do Regulamento (UE) n.º 165/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Fevereiro.”.
- O trabalhador encontrava-se em gozo de férias, pelo que não poderia ter consigo os registos de condução dos dias em causa;
- Não ficou demonstrado que o condutor teria conduzido nos dias respeitantes à falta dos registos tacógrafos;
- Mais invoca o princípio do in dúbio pro reo.

4.1. Os factos ocorreram no dia 16.05.2019 pelo que é aplicável o Regulamento (UE) nº 165/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho de 04.02.2014, o qual, no seu art. 36º, dispõe que:
«1. Se conduzirem um veículo equipado com tacógrafo analógico, os condutores devem apresentar, quando os agentes de controlo autorizados o solicitem:
i) As folhas de registo do dia em curso e as utilizadas pelo condutor nos 28 dias anteriores;
ii) O cartão de condutor, se o possuir;
iii) Qualquer registo manual e impressão efetuados durante o dia em curso e nos 28 dias anteriores, tal como previsto no presente regulamento e no Regulamento (CE) n.º 561/2006.
2. Se conduzirem um veículo equipado com tacógrafo digital, os condutores devem apresentar, quando os agentes de controlo autorizados o solicitem:
i) O seu cartão de condutor;
ii) Qualquer registo manual e impressão efetuados durante o dia em curso e nos 28 dias anteriores, nos termos do presente regulamento e no Regulamento (CE) n.º 561/2006;
iii) As folhas de registo correspondentes ao período referido na alínea ii), no caso de terem conduzido um veículo equipado com tacógrafo analógico.
3. Os agentes autorizados de controle podem verificar o cumprimento do Regulamento (CE) nº 561º/2006 através da análise das folhas de registo ou dos dados, visualizados, impressos ou descarregados registados pelo tacógrafo ou pelo cartão de condutor ou, na falta destes meios, da análise de qualquer outro documento comprovativo que permita justificar o incumprimento de quaisquer disposições, como as do artigo 29º, nº 2, e do artigo 37º, nº 2, do presente regulamento”.
Diga-se que o referido preceito é, no essencial, idêntico ao que se dispunha no art. 15º, nº 7, do Regulamento (CEE) nº 3821/85, do Conselho, de 20.12.1985, na redacção dada pelo art. 26º do Regulamento (CE) nº 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março de 2006 [Regulamento aquele revogado pelo Regulamento (UE) nº 165/2014], sendo que em tal Regulamento também se previa a apresentação, pelos condutores aos agentes de controlo, dos mesmos documentos, mormente, no que toca aos veículo equipados com tacógrafo analógico ou digital, das folhas de registo do dia em curso e as utilizadas pelo condutor nos 28 dias anteriores.
E vigora também a Diretiva 2006/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15.03.2006, com as alterações introduzidas pelas Directivas 2009/4/CE da Comissão, de 23.01.2009 e 2009/5/CE, da Comissão, de 30.01.2009 transpostas para o direito nacional nos termos do art. 1º da Lei 27/2010, de 20.08, sendo ainda relevante a Decisão da Comissão de 14.12.2009.
Tal Directiva prevê a existência de controlos na estrada (art. 4º e Parte A do Anexo I) e controlos nas instalações da empresa (art. 6º e Parte B do Anexo I), sendo que:
- Relativamente aos controlos na estrada, na Parte A do Anexo I refere-se que “Os controlos na estrada incidirão, em geral, sobre os seguintes elementos:
1. Tempos de condução (...); igualmente, folhas de registo dos dias precedentes, que têm de ser conservadas a bordo do veículo por força do nº 7 do artigo 15º do Regulamento /CEE) nº 3821/85, (...);
(...)”.
- Relativamente aos controlos em instalações de Empresas, a Parte B do referido Anexo I refere que:
“Para além dos elementos referidos na parte A, os controlos nas instalações de empresas incidirão sobre os seguintes elementos:
1. Periodos semanais de descanso e tempos de condução entre esses períodos de descanso;
2. Limitação bissemanal dos tempos de condução;
3. Folhas de registo, dados da unidade-veículo e do cartão de condutos e respectivas folhas impressas.
(...)”.
Por sua vez, do Anexo III da referida Directiva 2006/22/CE , na redacção dada pela Directiva 2009/5/CE da Comissão, de 30.01.2009, consta um quadro que “contém orientações sobre uma gama comum de infracções aos Regulamentos (CE) nº 561/2006 e (CEE) nº 3821/85, divididas por categorias segundo a respectiva gravidade”, quadro esse que, relativamente ao então art. 15º, nº 7 do Regulamento (CEE) nº 3821/85 prevê, como tipo de infracção, a “incapacidade de apresentar registos do dia em curso” e “incapacidade de apresentar registos dos 28 dias anteriores”.
Finalmente, a Lei 27/2010, de 30.08, que veio estabelecer o “regime sancionatório aplicável à violação das normas respeitantes aos tempos de condução, pausas e tempos de repouso e ao controlo de utilização de tacógrafos, na actividade de transporte rodoviário, transpondo a Directiva nº 2006/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, alterada pelas Directivas 2009/04/CE da Comissão, de 23 de Janeiro e 2009/5/CE da Comissão, de 30 de Janeiro”, dispõe no seu art. 25º que:
“1 Constitui contra-ordenação muito grave a não apresentação, quando solicitada por agente encarregado da fiscalização:
a) De folhas de registo e impressões, bem como de dados descarregados do cartão do condutor;
b) De cartão de condutor, das folhas de registo utilizadas e de qualquer registo manual e impressão efectuados, que o condutor esteja obrigado a apresentar;
c) De escala de serviço com o conteúdo e pela forma previstos na regulamentação comunitária aplicável.
2. (...)”.
Ora, do referido decorre, indubitavelmente, que o legislador não pretendeu assegurar, apenas, a existência dos registos em questão, mas sim e também a sua imediata apresentação às autoridades competentes quando tal lhes seja solicitado no controlo em estrada.
É o que decorre da letra da lei, ao referir-se no art. 36º, nºs 1 e 2, que os condutores “devem apresentar, quando os agentes de controlo autorizados o solicitem” [sublinhado nosso], da obrigação de conservar a bordo as folhas de registo dos dias precedentes a que se reporta esse art. 36, e do facto de o controlo dever ser feito em estrada (por contraposição ao controlo nas instalações da empresa). A lei dispõe, pois, sobre o momento da apresentação dos mesmos, na medida em que deverão estar a bordo por forma a poderem ser apresentados às autoridades que procedem à fiscalização em estrada.
Considerando o disposto no citado art. Art. 25º da Lei 27/2010, conjugado com o art. 36º, nºs 1 e 2 do Regulamento 165/2014 a contraordenação consuma-se com a não apresentação das folhas de registo dos 28 dias anteriores (e com a do dia em curso, não estando esta, todavia, em causa nos autos), sendo essa não apresentação o único facto constitutivo do tipo legal da contra-ordenação.

No que toca às “declarações de actividade” /declarações justificativas do não cumprimento das obrigações impostas pelo art. 36º, nºs 1 e 2 do Regulamento (UE) 165/2014:
O art. 11º, nº 3, da Diretiva 2006/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de Março de 2006 dispõe que “3.Nos termos do º 2 do artigo 12º, a Comissão elaborará formulários electrónicos, que possam ser imprimidos, destinados a ser utilizados quando o condutor tiver estado em situação de baixa por doença ou de gozo de férias anuais, ou quando tiver conduzido outro veículo, isento da aplicação do Regulamento (CEE) nº 3820/85, durante o período previsto no primeiro travessão do primeiro parágrafo do nº 7 do artigo 15º do Regulamento (CEE) nº 3821/85.”.
E a Decisão da Comissão de 14.12.2009 [que veio alterar o formulário da declaração a que se reporta o citado art. 11º, nº 3, por este se ter mostrado insufciente por não abranger todos os casos em que é tecnicamente impossível registar as atividade do condutor no aparelho de controlo] veio aprovar o formulário que consta do seu anexo, no qual deverá ser referido, para além do mais, o início e termo (dia, mês, ano e hora) da situação e assinalado um dos campos que dele constam: baixa por doença, férias, “gozava de baixa ou de um período de repouso”, condução de veículo não abrangido pelo Regulamento 561/2006, realização de outras atividades profissionais distintas da condução e “estava disponível”, mais se dizendo nos “considerandos” que :
“1) Os registos efectuados no tacógrafo são a primeira fonte de informação nos controlos na estrada. A ausência de registos apenas se pode justificar quando, por razões objectivas, não tenha sido possível realizar registos no tacógrafo, incluindo entradas efectuadas manualmente. Em tais casos, deve ser emitida a declaração que confirme tais razões.
(…)”
O já mencionado art. 36º do Regulamento 165/2014 [tal como o anterior art. 15º, nº 7, do Regulamento 3821/85, na redacção do Regulamento561/2006] impõe a apresentação das folhas de registo relativamente aos 28 dias anteriores à condução, sendo a violação desta obrigação, como já referido, o elemento constitutivo do tipo da contra-ordenação, que se verifica apenas pela não apresentação dos registos relativos a esse período.
O que as mencionadas Directiva e Decisão vêm fazer é, tendo em conta que nesse período de tempo poderão existir dia(s) em que o trabalhador não exerça a actividade/tarefas de condução (sujeitas ao registo imposto), permitir que, no acto de fiscalização em estrada, essa não apresentação seja justificada, para o que e, por uma questão de harmonização ou padronização dessa justificação, criou o dito formulário. Estas declarações não fazem parte do tipo da contra-ordenação, não constituem o seu elemento objectivo; consubstanciam, antes, uma justificação para o não cumprimento da obrigação de apresentação das folhas de registo no ato da fiscalização cuja comprovação, por via dessa apresentação, o legislador comunitário teve como aceitável. Ou seja, consubstanciam tão só o meio de prova da existência de causa justificativa da não apresentação dos registos ou, dito de outro modo, consubstanciam documento comprovativo da existência de causa de exclusão da ilicitude. A justificação para a não apresentação dos tacógrafos pode não ser apresentada, na certeza porém de que, se assim for, verificar-se-á a prática da contra-ordenação prevista no art. 25º, nº 1, da Lei 27/2010.
É pois irrelevante que, como hipótese de raciocínio, em Portugal pudesse não ter sido estatuída a obrigação da apresentação do referido “formulário” e/ou que a justificação para a não apresentação das folhas de registo deva obedecer aos moldes de tal formulário, pois que, seja este de modelo idêntico, seja outro documento, tal apresentação mostra-se necessária com vista, não à integração do tipo legal da contra-ordenação, mas sim, tal como previsto no nº 3 do art. 36º do Regulamento 165/2014, norma esta de carácter meramente exemplificativo, como causa de justificação dessa não apresentação e, por consequência, como causa de exclusão da ilicitude.
Com efeito, o referido art. 36º, nº 3, prevê a existência, para além dos registos de tacógrafo previstos nos seus nºs 1 e 2, de outro documento comprovativo que permita justificar o incumprimento da obrigação em causa e a sua apresentação e controlo pelos aos agentes de fiscalização a isso autorizados.
No sentido apontado veja-se o Acórdão da Relação de Guimarães de 20.10.2016, Processo 1154/15.7T8BCL-G1, no qual se refere que “Com efeito, as condutas ilícitas tipificadas como contra-ordenações são as que contrariem o disposto nas alíneas a) ou b) do n.º 7 do art. 15.º do Regulamento (CEE) n.º 3821/85 (no caso a falta de apresentação das folhas de registo dos dias (…), limitando-se a alínea c) do mesmo preceito a prever a exclusão da ilicitude das mesmas condutas através da exibição de documento que justifique a impossibilidade de apresentação dos documentos indicados nas alíneas anteriores, pelo facto de o condutor ter estado de baixa por doença, de férias, de folga, em formação, a realizar outras actividades distintas da condução, etc..”
Ou seja, a apresentação de qualquer outro documento que não as folhas do registo tacógrafo mais não visa do que justificar o incumprimento da obrigação de proceder à apresentação, em fiscalização efectuada em estrada, das folhas de registo.
E neste mesmo sentido nos pronunciámos no Acórdão de 24.04.2017, proferido pela ora relatora no Processo 2716/16.OT8OAZ.P1[1], de cujo sumário consta o seguinte: “I. Tendo os factos ocorrido aos 02.05.2015, é aplicável o art. 15º, nº 7, do Regulamento (CEE) nº 3821/85, do Conselho, de 20.12.1985, na redação dada pelo art. 26º do Regulamento (CE) nº 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março de 2006 e não o art. 36º do Regulamento (UE) nº 165/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 04.02.2014 (preceitos que são, todavia e no essencial, similares). II. Integra a prática da contraordenação prevista nas disposições conjugadas constantes dos arts. 15° n.º 7, al. a), e als. i) e iii) do Regulamento CEE n.º 3821, do Conselho, de 20/12/1985, na redação que lhe foi dada pelo Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15/03/2006, 14º n.ºs 1 e 4, al. a) e 25º n.º 1, al. b) da Lei n.º 27/2010, de 30/08, a não apresentação, pelo motorista, das folhas do registo tacógrafo relativas ao período dos 28 dias anteriores solicitadas pela autoridade encarregue da fiscalização, sendo este o elemento constitutivo do tipo da contraordenação. III. A apresentação, no ato de fiscalização em estrada, de declaração/formulário justificativa do não cumprimento da referida obrigação de apresentação dos registos mais não constitui do que documento comprovativo da existência de causa de exclusão da ilicitude. IV. Nos termos do nº 1 do art. 13º da Lei 27/2010, de 30.08, recai sobre o empregador a responsabilidade pela mesma, a menos que este faça a prova da exclusão da sua responsabilidade nos termos previstos no nº 2 desse art. 13º.”
Cfr. ainda, no essencial e em sentido similar, Acórdãos da Relação de Évora de 01.10.2015 (Proc. 77/15.4T8STC.E1), de 15.11.2018 (Proc. 2648/17.5T8STR.E1), de 27.06.2019 (Proc. 2276/18.8T8EVR.E1) e, ainda, de 17.01.2019 (Proc. 742/16.9T8BJA.E2); da Relação de Lisboa de 16.03.2016 (Proc. 196/15.7T8BRR.L1-4); da Relação de Guimarães, de 17.12.2019, Proc. 1677/19.9T8BRG.G1; desta Relação do Porto de 19.03.2018, Proc. 2204/17.8T8MTS.P1, todos in www.dgsi.pt.
É pois irrelevante, para o caso em apreço, que a obrigatoriedade de utilização do “formulário” – “Declaração de Actividade” - como (único) documento idóneo de justificação da não apresentação dos registos pudesse, o que se admite como mera hipótese de raciocínio, não ser aplicável em Portugal. Dessa não obrigatoriedade apenas resultaria que deveria ser aceite, por Portugal, designadamente pelas autoridades fiscalizadoras, a apresentação de qualquer outro documento idóneo à justificação, ainda que não com o modelo do “formulário”. Ora, na situação dos autos não está em causa que a autoridade fiscalizadora tivesse rejeitado a apresentação, pelo condutor, de outro documento por não se tratar do modelo do dito “formulário”.
No entanto, face à invocação pela arguida do art. 34º, nº 3, do Regulamento (UE) n.º 165/2014 e à revogação, por este Regulamento, do Regulamento (CEE). N.º 3821/85, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20.12 [diz a Recorrente, no corpo da motivação do recurso, que: “O Regulamento (UE) n.º 165/2014 dispõe, no seu artigo 34.º, n.º 3, que os Estados-Membros não imporão aos condutores a apresentação de formulários que atestem as suas atividades quando estão afastados do veículo”; “O condutor não era obrigado a fazer-se acompanhar de declaração de atividade no seu trabalho a bordo do veículo, uma vez que tal obrigatoriedade não está prevista na lei, nem o Estado podia impor essa obrigatoriedade, sob pena de violação do Regulamento (UE) n.º 165/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Fevereiro.”], dir-se-á o seguinte:
O segundo parágrafo do nº 2 do art. 15º do então Regulamento 3821/85 (redação do Regulamento 561/2006) dispunha que:
“2. Os condutores devem utilizar as folhas de registo sempre que conduzem, a partir do momento que tomes o veículo a seu cargo. A folha de registo não pode ser retirada antes do fim do período de trabalho diário, a menos que esta operação seja autorizada de outra forma. Nenhuma folha de registo pode ser utilizada por um período mais longo do que aquele para o qual foi destinada.
Quando em virtude do seu afastamento do veículo, os condutores não possam utilizar os elementos do aparelho instalado no veículo, os períodos de tempo referidos nas alíneas b), c) e d) do sgundo travessão do nº 3 devem:
a) Ser inscritos na folha de registo por inscrição manual, registo automático ou qualquer outro processo, de forma legível e sem sujar a folha, se o veículo estiver equipado com um aparelho de controlo em conformidade com o anexo I;
ou
b) ser inscrito no cartão de condutor, utilizando a possibilidade de introdução manual oferecida pelo aparelo de controlo, se o veículo stiver equipado com um aparelho de controlo em conformidade com o Anexo 1B.
E o art. 34º, nº 3, do Regulamento 165/2014 (que a Recorrente invoca) dispõe que:
“1. Os condutores utilizam as folhas de registo ou os cartões de condutor sempre que conduzirem, a partir do momento que tomem o veículo a seu cargo. A folha de registo ou o cartão de condutor não podem ser retirados antes do fim do período de trabalho diário, a menos que esta operação seja autorizada de outra forma. Nenhuma folha de registo ou cartão de condutor pode ser utilizado por um período mais longo do que aquele para o qual foi destinado.
2. (...)
3. Quando, em virtude do seu afastamento do veículo, o condutor não possa utilizar o tacógrafo nele instalado, os períodos de tempo referidos no nº 5, alinea b), subalíneas ii), iii) e iv) devem:
a) Ser inscritos na folha de registo manualmente, por registo automático ou qualquer outro processo, de forma legível e sem sujar as folhas de registo, se o veículo estiver equipado com um tacógrafo analógico;
ou
b) ser inscritos no cartão de condutor, utilizando a possibilidade de introdução manual oferecida pelo aparelho tacógrafo, se o veículo estiver equipado com um tacógrafo digital”.
Ou seja, não há, nos dois Regulamentos e ainda que a norma transcrita do Reg. 3281/85 haja sido revogada pelo Regulamento 165/2014, qualquer novidade essencial, sendo a aplicabilidade do segundo em detrimento do primeiro absolutamente irrelevante. Se o atual Regulamento se reporta ao “afastamento do veículo”, já o anterior se reportava a esse “afastamento” em moldes similares, não tendo este art. 34º trazido nada de novo, ao contrário do que parece pretender a Recorrente para sustentar a sua tese.
E, por outro lado, seja num ou noutro Regulamento a situação de “afastamento do veículo” nada tem a ver com a justificação da não apresentação dos registos no ato da fiscalização, como bem decorre da expressão utilizada (“afastamento”), da sua inserção sistemática e de tudo o demais previsto na Diretiva 2006/22/CE e Decisao da Comissão de 14.12.2009. O condutor, como decorre de ambos os Regulamentos, tem que inserir as folhas de registo ou os cartões quando tomam o veículo a seu cargo, que não podem ser retiradas antes do termo do periodo de trabalho, sendo que eventuais interrupões ou “afastamento” do veículo nesse período de trabalho devem ser registados accionando os dispositivos de comutação se tal for possível ou, não o sendo, nos termos referidos no nº 3 desse art. 34º (anterior 2º § do nº 2 do art. 15º do Regulamento 3821/85). Nada tem que ver com dias de não condução e/ou com a falta das folhas de registo no período dos 28 dias antecedentes.

4.2. No caso, o motorista da arguida, na fiscalização em estrada, não apresentou a folha de registo relativa aos dias 18, 22 e 26 de abril de 2019, estes compreendidos nos 28 dias anteriores ao dia da condução e à acção de fiscalização, com o que foi cometida a contra-ordenação imputada (art. 25º, nº 1, da Lei 27/2010). E ao não ser apresentado, no acto dessa fiscalização, documento justificativo dessa não apresentação não foi feita prova da existência de (eventual) causa de exclusão dessa ilicitude.
Assim sendo, como é, ao caso é irrelevante a prova de que o motorista haja, ou não, conduzido nos mencionados dias, que nele estivesse de férias e/ou que, no que toca ao elemento objectivo da contra-ordenação, a arguida lhe haja entregue as designadas “declarações de actividade”, rectius, declaração comprovativa da justificação para o incumprimento, nos dias 18, 22 e 26 de abril de 2019, da apresentação dos registos a que se reporta o art. 36º do Regulamento (UE) 165/2014. Quer o motorista não haja conduzido, quer a declaração comprovativa da justificação para o incumprimento lhe haja sido entregue pela arguida, sempre a contra-ordenação foi cometida uma vez que não foram, no acto de fiscalização, apresentados os registos de condução relativos a três dias compreendidos no período de 28 dias anteriores à condução.
Mostra-se pois irrelevante, para o preenchimento do tipo legal da contra-ordenação, a prova de que o trabalhador conduziu nos dias em causa pelo que não se verifica o vício da insuficiência da matéria de facto previsto no art. 410º, nº 2, al. a), do CPP.
E, pelo referido, não há também que chamar à colação o princípio do in dúbio pro reo. No caso, não há qualquer dúvida quanto à prática dos factos integradores do elemento objectivo da infracção que imponha o recurso a tal princípio.
Assim sendo, improcedem, nesta parte, as conclusões do recurso.
5. Do elemento subjectivo da contra-ordenação
Invoca a Recorrente a existência de erro sobre a ilicitude e sua não censurabilidade, bem como a inexistência de negligência, referindo estar ciente da inexistência da infracção.

Quanto ao erro sobre a ilicitude, dispõe o art. 9º do DL 433/82, de 27.010, alterado, entre outros, pelo DL 244/95, de 14.09, subsidiariamente aplicável às contra-ordeanações laborais [cfr. Art. 60º da Lei 107/2009, de 14.09] que “1. Age sem culpa quem actua sem consicência da ilicitude do facto, se o erro não lhe for censuravel. 2. Se o erro lhe for censurável, a coima pode ser especialmente atenuada.”.
No que toca à negligência, nas contra-ordenações laborais ela é sempre punível – art. 550º do CT/2009, encontrando-se ela prevista no art. 15º do Cód. Penal.
Temos entendido[2] que a negligência supõe o poder/dever de o responsável, embora não pretendendo cometer a infracção, actuar de modo diferente por forma a impedir que ela se verifique. Assim, para que haja negligência basta que o agente omita ou se demita do exercício dos seus deveres/prerrogativas de, designadamente, se assegurar no sentido do cumprimento das disposições legais aplicáveis, cabendo-lhe adoptar as medidas adequadas ao cumprimento da lei.
O direito contraordenacional laboral consubstancia-se num vasto conjunto de normas que impõem, particularmente ao empregador, deveres ou obrigações de conduta em que é razoável supor que o agente os conheça ou deva conhecer (João Soares Ribeiro, Contra-Ordenações Laborais, Regime Jurídico, 2011, 3ª Edição, em anotação ao art. 548º e mesmo autor e Contra-Ordenações Laborais – Regime Jurídico Anotado contido no CT (2003), 2ª Ed, págs. 80 a 84.).
Ora, é no âmbito da referida omissão do empregador do poder/dever de actuar de modo diferente, designadamente em confronto com os deveres que lhe estavam cometidos, que se há-de aferir da negligência, a qual poderá decorrer ou ser evidenciada da própria factualidade objectiva e/ou deduzida da conduta omissiva, designadamente por recurso às regras da experiência e/ou da presunção natural ou judicial - cfr. acórdãos da RP de 03.03.08 e da RL de 23.02.2010 e de 08.02.12[3].
Releva também o art. 13º, nº 1, da citada Lei 27/2010 que veio dispor que “1. A empresa é responsável por qualquer infracção cometida pelo condutor”, sem prejuízo da possibilidade da exclusão dessa responsabilidade no caso do nº2 desse preceito, de harmonia com o qual “2. A responsabilidade da empresa é excluída se esta demonstrar que organizou o trabalho de modo a que o condutor possa cumprir o disposto no Regulamento (CEE) nº 3821/85, (…), e no capítulo II do Regulamento (CE) nº 561/2006 (…)”, caso este em que essa responsabilidade é do trabalhador, como se diz no seu nº 3, nos termos do qual “3. O condutor é responsável pela infracção na situação a que se refere o número anterior ou quando esteja em causa a violação do disposto no artigo 22º.”.
O Tribunal Constitucional no seu do Acórdão nº 45/2014, publicado no DR, II Série, de 11.02.2014, pronunciou-se sobre o referido preceito, mormente quanto à compatibilização dos seus nºs 1 e 2 [na medida em que consagrariam uma presunção de culpa] com o princípio da inocência e com a concepção subjectivista do direito contra-ordenacional [assente na culpa e que excluiriam a existência da responsabilidade objectiva e da presunção de culpa], no qual se decidiu no sentido da constitucionalidade de tais normas, nele se tendo referido, para além do mais, o seguinte:
“ (…) Neste preceito consagra-se uma presunção iuris tantum de imputação da violação de um dever de comportamento à entidade patronal dos condutores de transporte rodoviário. Entende-se que, se um condutor não observar algum dos deveres estabelecidos na presente lei, sendo essa inobservância tipificada como contra-ordenação, há uma presunção que a respectiva infracção se deve à circunstância da entidade patronal não ter adoptado as medidas necessárias que impedissem a ocorrência do evento contra-ordenacional. O estabelecimento dessa presunção dispensa a alegação e prova dos factos materiais donde se pudesse extrair a responsabilidade do empregador pelos actos do condutor que é seu trabalhador, mas não deixa de permitir que aquele possa demonstrar que organizou o serviço de transporte rodoviário de modo a que o condutor ao seu serviço pudesse ter cumprido a norma que inobservou, excluindo assim a sua responsabilidade. Ora, conforme já tem referido este Tribunal, no âmbito das contra-ordenações, a imputação de um facto a um agente tem por referente legal e dogmático um conceito extensivo de autoria de matriz causal, conceito este segundo o qual é considerado autor de uma contra-ordenação todo o agente que tiver contribuído causal ou cocausalmente para a realização do tipo, ou seja, que haja dado origem a uma causa para a sua realização ou que haja promovido, com a sua acção ou omissão, o facto ilícito, podendo isso ocorrer de qualquer forma (…). O relevo da opção legal por um conceito extensivo de autor no âmbito da responsabilidade contra-ordenacional, por oposição ao conceito restritivo de autoria que vigora, em regra, no domínio do direito penal, é especialmente perceptível nas hipóteses em que, como na presente situação, os factos cometidos envolvem a estrutura orgânica e funcional de uma empresa (…). Impendendo sobre a entidade patronal, o dever legal de garantir o cumprimento das regras respeitantes aos tempos de condução, pausas e tempos de repouso e ao controlo da utilização dos tacógrafos, na actividade de transporte rodoviário, ela é contra-ordenacionalmente responsabilizável, nos termos previstos no diploma em análise, não apenas nas hipóteses em que, por acção sua, tiver originado directamente o resultado antijurídico, mas ainda no contexto de uma contribuição omissiva, causal ou cocausalmente promotora do resultado típico presumida, quando a infracção é cometida pelo condutor que se encontra ao seu serviço. Competindo-lhe enquanto entidade patronal organizar o transporte rodoviário de modo a que o condutor ao seu serviço cumpra as normas que regulamentam essa actividade, designadamente as regras laborais, não se revela arbitrária, nem injustificada a presunção de que a inobservância dessas regras por parte do condutor tem a sua causa na deficiente organização daquela actividade, estando nós perante o funcionamento de uma mera presunção relativa a factos. Se uma construção deste tipo pode ser problemática no domínio do direito penal, já em sede de direito de mera ordenação social em que apenas está em jogo a aplicação de coimas, não suscita qualquer reserva, tanto mais que, neste caso, se permite que a entidade patronal afaste a sua responsabilidade contra-ordenacional, demonstrando que organizou o serviço de transporte rodoviário de modo a que o condutor pudesse ter cumprido a norma que inobservou, ilidindo assim aquela presunção (…)”.
E concluiu-se em tal acórdão que a solução contida no nº1 e no nº2 do artigo 13º da Lei nº27/2010 não é “violadora do princípio penal da culpa, nem de qualquer outro parâmetro constitucional”.
Sufraga-se tal juízo e sua fundamentação, de resto já adoptado também por esta Relação no seu Acórdão de 03.011.2014, proferido no Processo 861/12.0TTMAI.P1[4].

Revertendo ao caso em apreço, a arguida, na impugnação judicial da decisão administrativa, não invocou o erro sobre a ilicitude, tendo-se limitado à alegação, no que toca à matéria de facto, de que o motorista não conduziu nos dias em causa e que não foi feita prova dessa condução e, no que toca à matéria de direito, à defesa do entendimento jurídico de que a obrigação de o motorista se fazer acompanhar de declaração justificativa da impossibilidade do cumprimento dos nºs 1 e 2 do art. 36º do Regulamento não foi transposta para o direito nacional e, bem assim, que a sua não apresentação às entidades fiscalizadoras não está prevista nem nesse preceito nem na contra-ordenação tipificada no art. 25º, nº 1, da Lei 27/2010.
Ainda que se tivesse provado que o condutor não havia conduzido nos dias em causa, tal mostrar-se-ia insuficiente para concluir no sentido do, apenas agora invocado, erro sobre a ilicitude, não bastando, para tanto, a defesa, em sede judicial, de uma posição jurídica diferente ou contrária sobre a interpretação de determinada norma ou regime jurídico. Acrescente-se que, ainda que apenas no recurso, a Recorrente alega ter emitido e entregue ao condutor declaração comprovativa da não condução nos dias 18, 22 e 26 de abril de 2019, o que não abona no sentido da falta de consciência da ilicitude quanto à necessidade da mesma.
No que toca à responsabilidade da arguida e à alegada inexistência de negligência, esta decorre, como já acima referido e para onde se remete, do art. 13º, nº 1, da Lei 27/2010, materializando-se ou deduzindo-se a negligência do próprio comportamento omissivo consubstanciado na não apresentação dos registos tacógrafos relativos aos 28 dias anteriores.
Poderia todavia a responsabilidade da arguida ser excluída caso se verificasse a situação prevista no nº 2 do citado preceito, sendo que, embora sem prejuízo dos poderes investigatórios por parte do tribunal de 1ª instância, é à arguida que compete em primeira linha a alegação e prova da causa de exclusão da sua responsabilidade. E, para tanto, compete-lhe, na impugnação judicial, alegar a factualidade pertinente ao efeito, não sendo o recurso o momento e local apropriados, sendo certo que é em sede de 1ª instância que deverá ser alegada e produzida a prova sobre a factualidade que a arguida tenha ou pudesse ter como pertinente à sua defesa, mormente a eventual causa de exclusão da sua responsabilidade. E impendendo, como impende, sobre a arguida a prova do circunstancialismo previsto no art. 13º, nº 2, da Lei 27/2010 suscetível de afastar a sua responsabilidade, a falta de prova desse circunstancialismo não permite, nem conduz, à absolvição da contraordenação por aplicabilidade do principio do in dubio pro reo. De tal princípio decorre que, em caso de dúvida sobre a prática, pelo arguido, do ilícito penal ou contraordenacional deverá o mesmo ser absolvido; não decorre porém que, em caso de falta de prova de causa de exclusão da sua responsabilidade, deva o mesmo ser absolvido porque, embora sem prejuízo dos poderes investigatórios por parte do tribunal de 1ª instância, não foi feita prova da verificação dessa causa de exclusão. Se assim não fosse, estava aberta a porta à possibilidade de alegação de uma qualquer causa de exclusão da responsabilidade e à absolivção do arguido decorrente da sua própria inactividade na prova, que em primeira linha lhe competia, da verificação dessa mesma causa de exclusão da sua responsabilidade [inatividade essa que seria do seu próprio interesse na medida em que, não oferecendo ou não fazendo qualquer prova, sempre seria absolvida, por via da alegada aplicação do mencionado princípio, por virtude de uma invocada mas não provada causa de exclusão] .
No caso, e como referido no ponto III.4.1. e 4.2. do presente acórdão, está provado que a contra-ordenação foi cometida e, como também como já referido, na impugnação judicial a arguida nada alegou, o que também não se provou, no sentido de ter emitido e entregue ao condutor qualquer declaração comprovativa que premitisse justificar o incuprimento da obrigação de apresentação das folhas de registo dos dias 18, 22 e 26 de abril de 2019 prevista no art. 36º do Regulamento (UE) 165/2014, designadamente de que o condutor, nesses dias, não teria conduzido a viatura em causa, assim como nada alegou, nem se provou, quanto à forma como organizava e organizou a entrega dessa declaração e de que como fiscalizava/fiscalizou e eventualmente sancionava/sancionou o não cumprimento, pelo trabalhador, da obrigação de se fazer acompanhar da mesma de modo a que se pudesse concluir, nos termos do art. 13º, nº 2, no sentido da exclusão da sua responsabilidade, alegação essa que, por se tratar, repete-se, de causa de exclusão da sua responsabilidade, sobre ela impendia.
De todo o modo, ainda que não alegada, foi discutida no julgamento a questão da entrega, ou não, ao trabalhador/condutor dessa declaração, como decorre da motivação da decisão da matéria de facto e foi, tal factualidade, dada como não provada.
Assim sendo, improcedem, nesta parte, as conclusões do recurso.
5. Da não redução, para metade, dos limites mínimo e máximo da coima e da condenação em excesso
Alega a Recorrente que “XLIX. Reforça-se de novo o facto de o douto Tribunal considerar a prática da infração a título de negligência, e, que nos termos do artigo 22.º, n.º 2 do Decreto-Lei 257/2007, de 16-07, em que os limites mínimos e máximos relativos à coima são reduzidos para metade, e o douto Tribunal não apresentou qualquer justificação para que não tenha reduzido o valor da coima.
A sentença recorrida não se pronunciou, nem tinha que se pronunciar, sobre a redução para metade, nos termos do art. 22º, nº 2, do DL 257/2007, dos limites mínimos e máximos da coima. E não tinha uma vez que tal diploma não é aplicável à contra-ordenação em apreço nos autos, não tendo ele por objecto a matéria regulada pelo Regulamento (UE) 165/2014, pelo Regulamento (CE) 561/2006 e pela Lei 27/2010 e, muito menos, tendo por objecto a obrigação prevista no art. 36º, nºs 1 e 2, do Regulamento 165/2014 e a contra-ordenação tipificada no art. 25º da Lei 27/2010, que é o que está em causa nos autos e que nada tem a ver com aquele [o citado DL tem, no essencial, por objecto o regime e requisitos de acesso e exercício da actividade do transporte rodoviário de mercadorias, sendo as contra-ordenações nele previstas totalmente diferentes das que estão em causa nos Regulamentos 165/2014 e 561/2006 e na Lei 27/2010].
Entende ainda a Recorrente que a coima é excessiva, alegando, em síntese, que é primária, que atravessa uma grave crise económico-financeira e que é cumpridora dos seus deveres e obrigações legais.
Sendo a arguida reincidente [art. 561º, nº 1, do CT/2009 e al. j) dos factos provados], os limites mínimos e máximo da coima são elevados em 1/3 do respectivo valor [citado art. 561º, nº 2]. Assim, imputada a contra-ordenação a título de negligência e tendo em conta o disposto no art. 14º, nº 4, al. a), da Lei 27/2010, os valores mínimo e máximos da coima, já agravada nos referidos termos, são de, respectivamente, €2.719,32 e de €40.800,00 tal como referido na decisão administrativa.
Ora, no caso, a coima aplicada, e mantida na sentença recorrida, foi no montante de €2.856,00, que se situa muito próximo do seu limite mínimo. Acrescente-se que a Recorrente não é primária, sendo antes reincidente, e que nada se provou quanto à alegada grave crise económico-financeira, de resto invocada na impugnação judicial, bem como no recurso, de forma vaga e meramente genérica. E quanto ao cumprimento dos seus deveres e obrigações legais, tem tal invocação natureza também meramente conclusiva e genérica, sendo que, pelos menos no que toca ao caso ora em apreço e à contra-ordenação referida na al. j) dos factos provados não foi tão zelos e cumpridora quanto alega.
Situando-se, como se situa, o montante da coima em valor muito próximo do seu limite mínimo não se nos afigura existir qualquer excesso desse valor, mostrando-se o mesmo proporcional à gravidade da infracção, traduzida na omissão de apresentação dos registos em relação a 3 dias, e à culpabilidade da arguida.
Assim, e nesta parte, improcedem também as conclusões do recurso.
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IV. Decisão
Em face do exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente, fixando-se em 4 (quatro) UC a taxa de justiça devida.

Porto, 18.01.2021
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha
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[1] Inédito ao que se supõe.
[2] Cfr. Acórdão da RP de 03.03.08, in www.dgsi.pt, Proc 0745882.
[3] Processos 141/09.9TBVFL.L1-5 e 272/11.5TTBRR.L1-4.
[4] Relatado pela ora relatora e inédito, ao que se supõe.