Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
14627/22.6T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ISABEL FERREIRA
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
CESSÃO DE CRÉDITOS
REQUERIMENTO EXECUTIVO
EXEQUENTE
LEGITIMIDADE ATIVA
Nº do Documento: RP2024022214627/22.6T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 02/22/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – No caso de cessão de créditos, o exequente deve alegar no requerimento executivo e provar os factos reveladores da existência do acordo de cessão de créditos.
II – Não sendo os documentos apresentados como prova das cessões suficientes para demonstrar que os créditos cedidos em cada uma delas englobavam os dois créditos dados à execução não está demonstrada a legitimidade activa da exequente para instaurar a execução em causa, devendo ser proferido despacho de aperfeiçoamento, convidando aquela a juntar os elementos em falta.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 14627/22.6T8PRT-A.P1
(Comarca do Porto – Juízo de Execução do Porto – J6)

Relatora: Isabel Rebelo Ferreira
1º Adjunto: Paulo Duarte Teixeira
2º Adjunto: João Venade
*
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I AA e marido, BB, deduziram, por apenso à Execução nº 14627/22.6T8PRT, do Juízo de Execução do Porto do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, oposição mediante embargos de executado contra a aí exequente “A..., S.A.”.
Para além de requererem a suspensão da execução sem prestação de caução, invocaram a ilegitimidade da exequente, por não resultar que o crédito exequendo lhe foi cedido, a inexistência de título executivo, a prescrição da obrigação, o preenchimento abusivo das livranças e a inexigibilidade da obrigação exequenda, por iliquidez da obrigação de restituição do contrato de crédito em conta corrente.
A exequente/embargada contestou, defendendo que não ocorrem as excepções invocadas pelos embargantes.
Os embargantes, por requerimento de 09/12/2022, vieram ainda invocar a falta de cumprimento da obrigação de integração do crédito no PERSI.
Dispensou-se a realização da audiência prévia, com o acordo das partes, e foi elaborado despacho saneador, onde se conheceram as excepções invocadas e se julgaram improcedentes os embargos.
Desta decisão vieram os embargantes interpor recurso, tendo, na sequência da respectiva motivação, apresentado as seguintes conclusões, que se transcrevem:
«1ª – A legitimidade activa para a ação executiva satisfaz-se com a alegação e prova da existência do acordo de cessão de crédito, independentemente da sua notificação ao devedor. Por isso, a legitimidade do cessionário para instaurar a execução com base em livrança que acompanha o crédito que lhe foi cedido (mútuo/ abertura de crédito em conta corrente), dependerá da alegação e junção não só do contrato de cessão de créditos, mas também da alegação e prova de que tal cessão foi notificada ao devedor, porque é condição de eficácia dessa cessão.
2ª – Ora, no caso dos autos não ocorre o cumprimento destes pressupostos, dado que quanto à cessão de créditos operada entre o Banco 1... e a Banco 2..., não se mostram identificados quais os concretos créditos que foram cedidos, assim como da cessão de créditos operada entre a Banco 2... e a embargada/exequente também não resulta que os alegados créditos sobre os aqui recorrentes/embargantes foram objeto de cessão de créditos, pois dela não constam os montantes concretamente devidos, não sendo possível estabelecer qualquer ligação entre as cópias dos contratos de cessão de créditos apresentados pela Exequente e a obrigação exequenda.
3ª - Todo e qualquer contrato de cessão de créditos tem obrigatoriedade, sob pena de nulidade, de identificar os créditos cedidos, ou seja, tem de identificar o seu objeto (art.º 280º do Cód. Civil). O que, no caso dos autos não sucedeu, seja quanto à identificação dos devedores, dos garantes, da natureza e montantes dos créditos.
4ª – É no próprio requerimento executivo que têm de ser alegados os factos constitutivos da cessão de créditos e da sua plena eficácia, juntando-se, além da livrança, o contrato de cessão de créditos e a notificação efectuada ao devedor, pois os pressupostos de validade e regularidade da instância executiva devem, em regra, estar presentes no momento em que a execução é proposta, resulta então que, ao contrário do entendimento da decisão recorrida, a Exequente não demonstrou a legitimidade ativa ou a titularidade dos direitos do cedente relativamente aos direitos putativamente transmitidos ao cessionário.
5ª – Foram dadas à execução duas livranças, uma que se destinava a garantir o pagamento do valor dum contrato de mútuo concedido pelo Banco 1... à sociedade devedora, e outra destinada a garantir o cumprimento de um contrato de abertura de crédito em conta corrente, celebrado entre a Banco 2... e a sociedade devedora.
6ª – O contrato de mútuo foi outorgado em 08/04/2009, e previa o reembolso do capital e juros em 48 prestações mensais, com início em 13 de Maio de 2009 e termo em 13 de Abril de 2013. O contrato de abertura de crédito conta corrente foi celebrado pelo prazo de 6 meses renováveis, com início em 14-12-2009, a reembolsar em tranches de € 500,00.
7ª – Foram estabelecidas como condições do pacto de preenchimento destas livranças, relativamente à livrança do mútuo: “poderão ser livremente preenchidas pelo Banco 1..., designadamente no que se refere às datas de emissão e vencimento e local de pagamento, pelo valor correspondente aos créditos de que, em cada momento, o Banco 1... seja titular por força do presente contrato ou de encargos dele decorrentes”,
8ª - E quanto à livrança do contrato de abertura de crédito: “A livrança será oportunamente preenchida quando a Banco 2... o entender com indicação do montante que será de valor igual ao do saldo devedor na conta corrente, composto por capital, juros e demais encargos, apurados na data de encerramento da conta, que coincidirá, em caso de não prorrogação, com a data do termo do período contratual, acrescido de todos e quaisquer encargos de natureza fiscal. A livrança é domiciliada em Vila Nova de Gaia e é pagável no 30.º (trigésimo) dia contado da data de encerramento da conta.”.
9ª – O que se extrai dos pactos de preenchimento é que a livre disponibilidade de preenchimento das livranças não é arbitrária nem ilimitada, pois está referenciada ao facto concreto do incumprimento ou cessação do contrato, devendo nessa ocasião ser preenchidas pelo valor do capital em dívida e os juros vencidos.
10ª – Aliás, o pacto de preenchimento da livrança associada ao contrato de abertura de crédito ainda é mais preciso, pois delimita o seu preenchimento e vencimento até ao trigésimo dia contado da data do encerramento da conta.
11ª – Ora, a exequente/embargada não alega quais as datas do incumprimento/termo dos contratos, elemento determinante para se poder aferir da conformidade ou abuso dos pactos de preenchimento, omissão que se destina claramente a prejudicar de modo desproporcionalmente grave os direitos de defesa dos avalistas ora recorrentes/embargantes.
11ª – Sendo certo que entre a data do aviso do preenchimento (01/08/20022) e a do vencimento da obrigação (08/08/2022), não se mostra assegurado o prazo de vencimento fixado pelo pacto de preenchimento, pelo que o mesmo terá de haver-se por abusivo.
Sem prescindir,
12ª - A cessão de créditos encontra-se prevista no artigo 577.º do Código Civil e consiste numa forma de transmissão do crédito que opera por virtude de um negócio jurídico, normalmente um contrato celebrado entre o credor e o terceiro, os requisitos e os efeitos da cessão entre as partes são definidos em função do negócio que lhe serve de base, como decorre do disposto no artigo 578.º do Código Civil.
13ª – No caso dos autos, as duas livranças têm por base garantir o cumprimento de contratos (obrigação principal), por isso a relação cartular constituída pelas livranças (garantia), foi desenvolvida a partir da obrigação principal, a que resulta dos contratos celebrados e que lhe estão associados e por via da qual os embargantes/recorrentes se constituíram avalistas pela subscrição do aval nas livranças em branco.
14ª – Assim, as livranças entregues em branco para garantia dos contratos encontram-se no âmbito das relações imediatas, não ocorre um endosso ou transmissão da relação cartular, esta acompanha a relação contratual donde emerge, existindo apenas uma substituição do credor originário por via da cessão créditos. Pelo que as causas de extinção da obrigação principal ou garantida pela livrança importam igualmente na extinção da livrança associada, como resulta do disposto pelo art.º 651º e 790º, n.º 1 do Cód. Civil.
15ª – Como o avalista é responsável da mesma maneira que o avalizado (art. 32º, n.º 1 e 77º, n.º 3, da LULL): tal significa que o avalista responde perante as mesmas pessoas, nas mesmas condições e na mesma medida em que responde o avalizado. Ocorrendo a extinção da dívida garantida o avalista pode opor ao portador da livrança a extinção da obrigação avalizada. O aval está dependente da sorte da obrigação avalizada.
16ª - Em ambos os contratos está previsto o reembolso do capital e juros em prestações, sendo que no caso do mútuo seriam 48 prestações e no caso do crédito em conta corrente seriam tranches de € 500,00, apesar da exequente/embagada não alegar a [d]ata dos respetivos incumprimentos e/ou cessação dos contratos, pelo teor dos mesmos resulta que o contrato de mútuo se iniciou em 13/05/2009 e terminou em 13/04/2013, ao passo que o contrato de abertura de crédito se iniciou em 14/12/2009, pelo prazo de 6 meses, pelo que terá terminado em 14/06/2010.
17ª – Sendo jurisprudência uniformizada de que no caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art.º 310.º al. e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação, e ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art.º 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.
18ª – Pelo que, em 08/08/2022, data do vencimento aposto nas livranças pela exequente/embargada, já as obrigações garantidas se mostravam extintas por prescrição há muito.
19ª – Circunstância que não só configura um abuso do pacto de preenchimento das livranças, como importa na extinção dos avais prestados nas livranças pelos embargantes/recorrentes.
20ª – Com efeito, tendo as livranças exequendas sido entregues em branco com o propósito de servirem de garantia do cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de contrato de mútuo e do contrato de abertura de conta corrente, a prescrição da obrigação causal determina, no domínio das relações imediatas, a necessária extinção da obrigação cartular.
21ª – Com a consequente extinção dos avais prestados pelos embargantes/recorrentes nas livranças.
22ª - Aliás, prevê o n.º 1 do artigo 582º do Cód. Civil que “na falta de convenção em contrário, a cessão do crédito importa a transmissão, para o cessionário, das garantias e outros acessórios do direito transmitido que não sejam inseparáveis da pessoa do cedente”. Pelo que, sendo a cessão de créditos uma simples transferência da relação obrigacional pelo lado activo, o devedor cedido pode valer-se, em face do cessionário (novo credor), dos meios direitos de defesa que lhe era lícito opor ao cedente (antigo credor).
23ª – Donde resulta inequívoco que os autos de embargos de executado deveriam ter sido julgados procedentes, com a consequente extinção da execução.
24ª – E porque assim não decidiu a sentença recorrida, a mesma efectuou uma errada interpretação e aplicação da Lei aplicável, designadamente o disposto pelos artigos 310º, al. e), 577º, 582º, 585º, 631º, 632º, n.º 1, 636º e 651º todos do Código Civil e artigo 607.º e 356.º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Civil.
Termos em que, e nos demais de Direito, deve o presente recurso ser:
a) Recebido e julgado procedente e, consequentemente,
b) Ser revogada a sentença recorrida, julgando os embargos de
executado procedentes com a consequente extinção da execução.
Com o que assim se fará inteira
JUSTIÇA.».
Não foram apresentadas contra-alegações.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II - Considerando que o objecto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (cfr. arts. 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do C.P.C.), são as seguintes as questões a tratar:
a) apreciar da (i)legitimidade da exequente/embargada;
b) apurar da existência de preenchimento abusivo das livranças dadas à execução;
c) averiguar da prescrição do crédito exequendo.
**
Apreciemos a primeira questão, tendo em conta os factos dados como provados na decisão recorrida (transcrição):
«1. Foi apresentada à execução de que estes autos constituem um apenso, o documento junto aos mesmos com o requerimento executivo, contendo além do mais, os seguintes dizeres: “No seu vencimento pagaremos por esta única via de livrança à Banco 1... ou à sua ordem a quantia de treze mil duzentos e setenta e seis euros e cinquenta e um cêntimos - Importância – 13.276,51 €; - Vencimento – 2022-08-08; - Local e Data de Emissão – Maia – 2009-04-08; - Assinatura (s) do(s) Subscritor(es): consta uma assinatura manuscrita com o nome AA, sobreposta a um carimbo com os dizeres «B..., Lda A GERÊNCIA».
2. No seu verso está manuscrita, por duas vezes a expressão «Por aval à subscritora», seguida cada uma delas, de assinatura manuscrita com os nomes de cada um dos embargantes.
3. Foi apresentada à execução de que estes autos constituem um apenso, o documento junto aos mesmos com o requerimento executivo, contendo além do mais, os seguintes dizeres: “No seu vencimento pagaremos por esta única via de livrança à Banco 2... ou à sua ordem a quantia de vinte e um mil seiscentos e noventa e quatro euros e setenta e nove cêntimos - Importância – 21.694,79 €; - Vencimento – 2022-08-08; - Local e Data de Emissão – V. N. Gaia – 2009-12-14; - Assinatura (s) do(s) Subscritor(es): consta uma assinatura manuscrita com o nome AA, sobreposta a um carimbo com os dizeres «B..., Lda A GERÊNCIA».
4. No seu verso está manuscrita, por duas vezes a expressão «Bom Por aval à subscritora», seguida cada uma delas, de assinatura manuscrita com os nomes de cada um dos embargantes.
5. Por Escritura outorgada na data de 04 de abril de 2011, no Cartório Notarial de Lisboa a Cargo da Dra. CC, exarada de fls. 33 a fls. 38 do Livro n.º ......, foi outorgada uma Escritura denominada "Cessão de Créditos", exarada de fls. 47 a 49 do Livro n.º ......, através da qual o Banco 1..., SA, pessoa coletiva n.º ... declarou proceder, enquanto titular de "conjunto de créditos vencidos e vincendos, concedidos a diversos mutuários", à cessão dos mesmos a favor da Banco 2..., pessoa coletiva n.º ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, sob o mesmo número; mais declararam as partes que tal cessão comportaria, relativamente a todos os créditos cedidos, a transmissão para a Exequente "de todos os direitos, garantias e acessórios a eles inerentes, designadamente hipotecas constituídas para a sua garantia, bem como a posição processual do Cessionário (Banco 1..., SA), nos processos identificados na referida listagem que constitui documento complementar anexo a esta escritura, relativamente a cada um dos créditos ora cedidos" (conforme cópias da referida escritura junta como doc. 1 ao requerimento executivo, que aqui se dá por reproduzida).
6. Por escritura pública denominada “CESSÃO DE CRÉDITOS”, outorgada em 2 de Novembro de 2017, pela Srª Notária DD, a Banco 2... - representada no acto por EE e FF - declarou ceder à aqui exequente A..., SA, representada no acto por GG, que declarou aceitar, os créditos aí referidos (vide doc. 2 dos autos de execução, cujo teor, no mais, se dá aqui por integralmente reproduzido).
7. A livrança referida em 1º foi entregue à Banco 1..., assinada pela subscritora e com os avales no verso mas no mais em branco, nomeadamente quanto à data de vencimento e ao montante, aquando da celebração entre as partes do acordo escrito denominado «PROPOSTA DE CONTRATO DE MÚTUO ENTS/EMPRESAS», celebrado entre a Banco 1..., a sociedade "B..., Lda", representada pela sua sócia gerente, a ora embargante AA que também interveio por si como “avalista” e ainda o embargante BB, que interveio nesta última qualidade.
8. No aludido acordo as partes declararam na parte relevante que o Banco 1... emprestava à aludida sociedade a quantia de €40.000,00 a que esta se obrigou a reembolsar em 48 prestações mensais, com início em 13 de Maio de 2009 e termo em 13 de Abril de 2013.
9. Mais acordaram que:
“9. Quaisquer livranças que forem entregues pela(o)(s) Mutuária(o)(s) ao Banco 1... ainda que no momento de outorga do presente de contrato, não integralmente preenchidas mas devidamente subscritas, poderão ser livremente preenchidas pelo Banco 1..., designadamente no que se refere às datas de emissão e vencimento e local de pagamento, pelo valor correspondente aos créditos de que, em cada momento, o Banco 1... seja titular por força do presente contrato ou de encargos dele decorrentes. O Banco 1... poderá também descontar essa livrança e utilizar o seu produto para cobrança dos seus créditos.
Nos casos referidos nos números anteriores (a)(o)(s) Garantes identificada(o)(s) dará(ão) o seu aval pessoal na respectiva livrança, autorizando o seu preenchimento nos precisos termos exarados nesta cláusula”.
10. A livrança referida em 2º foi entregue à Banco 2..., assinada pela subscritora e com os avales no verso mas no mais em branco, nomeadamente quanto à data de vencimento e ao montante, aquando da celebração entre as partes do acordo escrito denominado «CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA CORRENTE – Banco 2... GESTÃO ACTIVA, celebrado entre a Banco 2..., a sociedade " B..., Lda ", representada pelos seus sócios gerentes, ora embargantes que também intervieram por si, como avalistas.
11. O aludido acordo escrito estipulava, para além do mais, com relevo que a Banco 2... abre um crédito em conta corrente à dita sociedade " B..., Lda " até ao limite máximo de €20.000, pelo prazo de 6 meses renováveis, com início em 14-12-2009, que as partes declararam ter sido disponibilizada.
12. As restituições de capital, acrescidas dos juros contratualmente fixados deveriam ser feitas por tranches de 500,00 euros, nas condições estipuladas na cláusula 1ª.
13. No aludido acordo escrito as partes declararam ainda o seguinte:
“CLÁUSULA 7.ª
(Titulação)
1. Para titulação e garantia de todas as responsabilidades emergentes do presente contrato é, nesta data, entregue pela PARTE DEVEDORA à Banco 2..., uma livrança em branco com o número ..., subscrita pela PARTE DEVEDORA e avalizada pessoalmente pelos SEGUNDOS CONTRAENTES.
2. Em caso de incumprimento do contrato, a Banco 2... e a PARTE DEVEDORA acordam expressamente que a Banco 2... poderá substituir as obrigações da PARTE DEVEDORA mediante novação, por uma obrigação cambiária constante da referida livrança.
3. A livrança será oportunamente preenchida quando a Banco 2... o entender, com indicação do montante que será de valor igual ao do saldo devedor na conta corrente, composto por capital, juros e demais encargos, apurados na data de encerramento da conta, que coincidirá, em caso de não prorrogação, com a data do termo do período contratual, acrescido de todos e quaisquer encargos de natureza fiscal.
3. A livrança é domiciliada em Vila Nova de Gaia e é pagável no 30.º (trigésimo) dia contado da data de encerramento da conta.
4. A Banco 2... poderá acrescentar ao valor da livrança o montante dos juros contados à taxa nominal anual, desde a data do vencimento do contrato até ao vencimento da livrança, e esta vencerá juros à taxa legal.
5. Os SEGUNDOS CONTRAENTE(S) declara(m) expressamente acordar na prestação de aval na referida livrança nas condições e para os efeitos previstos no presente contrato, dando o seu consentimento ao preenchimento da mesma nos termos da presente cláusula, durante todo o período da vigência do contrato, bem como nas eventuais renovações do mesmo”.
14. A exequente enviou a cada um dos embargantes carta registada com aviso de recepção, remetida para a morada que estes indicaram nos contratos supra referidos - TV ... 5º DRT ... VILA NOVA DE GAIA, - em suma informando os mesmos do preenchimento da livrança, bem como da resolução do contrato, e interpelava para o pagamento da quantia em dívida até 08 de agosto de 2022, que estes receberam.
15. O requerimento executivo que deu início aos presentes autos foi apresentado [em s embargantes foram citados] em 18/08/2022 e os executados foram citados em 03/10/2022.».
Da consulta do processo de execução e dos presentes autos retira-se ainda a seguinte factualidade, com relevo para o recurso em apreciação:
1. No requerimento executivo, no local destinado aos “Factos”, a exequente alegou, quanto à sua legitimidade:
«1. Através de Escritura de cessão de créditos celebrada em 24/05/2011, ora junta como doc. 1 e que aqui se dá por integralmente reproduzida, a ora Cedente tornou-se titular do(s) crédito (s) peticionado(s) nos presentes autos originariamente celebrados com o Banco 1... SA.
2. Mediante contrato de cessão de créditos celebrado em 23/11/2017, a Banco 2..., cedeu à A... Sa um conjunto de créditos vencidos de que era titular – Cfr. Doc. 2 . Dos créditos objeto da cessão, consta(m) o(s) crédito(s) antes detido(s) pela Banco 2... sobre o/a(s) Executado/a (s) nos presentes autos (Anexo ao contrato – Doc 2 já junto).
3. A mencionada cessão inclui a transmissão, relativamente a cada um dos créditos, de todos os direitos, garantias e direitos acessórios a eles inerentes.
4. A sociedade exequente é parte legítima na presente execução.
Assim,
5. O Exequente é dono e legítimo portador de duas livranças dadas à execução, subscritas/avalizadas pelos ora Executados que se juntam e cujos conteúdos se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais - Cfr. Documento n.º 3
6. As referidas livranças foram entregues, em branco, ao cedente no âmbito dos contratos de Financiamento celebrados entre Cedente e a empresa B... Lda, entretanto declarada insolvente, contratos esses que se juntam sob a designação de Documentos n.º 4 e n.º 5 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.»;
2. Não foi junto com o requerimento executivo, nem com a contestação aos embargos, nem em qualquer outro momento, o documento complementar anexo aludido no ponto 5 da matéria de facto fixada na decisão recorrida;
3. Na certidão da escritura pública referida no ponto 5 da matéria de facto fixada na decisão recorrida, emitida pelo Cartório Notarial a cargo da Notária CC, em Lisboa, consta que tal certidão contém 63 folhas, totalizando 87 páginas, e foi extraída da escritura lavrada de fls. 47 a 49, do livro nº ......, das Notas daquele Cartório, bem como do documento complementar elaborado nos termos do art. 64º do Código do Notariado, que faz parte integrante da escritura;
4. O documento digitalizado junto com o requerimento executivo contém apenas a folha inicial da certidão, com a certificação referida no ponto anterior, e as cinco páginas da escritura de cessão de créditos;
5. Na escritura publica aludida no ponto 6 da matéria de facto fixada na decisão recorrida foi declarado, além do mais, que:
«a Banco 2... sua representada “é titular de uma carteira de créditos vencidos, concedidos a diferentes mutuários, nos termos em que cada crédito se encontra identificado, em cada uma das folhas do documento complementar e seus anexo[s] que faz parte integrante da presente escritura, elaborado nos termos do número dois do artigo sessenta e quatro do Código do Notariado, mediante a identificação dos mutuários e eventuais fiadores ou intervenientes nos contratos, identificação dos imóveis correspondentes, respectiva descrição predial e matricial e inscrições hipotecárias existentes,, adiante designados por "Créditos".
Que pela presente escritura, na qualidade em que outorgam, cedem à sociedade "A...", representada pelo segundo outorgante, cada um dos identificados créditos, pelo preço global de cento e setenta e dois milhões quarenta e sete mil oitocentos e quarenta e sete euros e setenta e nove cêntimos, que declara que já foi pago nos termos acordado pelas partes.»;
6. A certidão da escritura pública referida no ponto anterior, emitida pelo Cartório Notarial de Lisboa, a cargo da Notária DD, contém um documento com o título manuscrito de “Anexo”, que constitui uma listagem, sendo que na digitalização do documento inserida no histórico do “citius” a listagem está ilegível;
7. Com a contestação aos embargos, a exequente juntou uma cópia parcial desta listagem, agora legível, na qual consta escrito em computador “Anexo 1” e “Empréstimos/Operações”;
8. A referida listagem contém nove colunas com os seguintes títulos em inglês, da esquerda para a direita, “Servicer”, “Loans-Originator”, “Loans – A...”, “Client – Originator”, “Client – A...”, “Full Name”, “Tax Identification Number”, “Termination Date” e “Contract Date”, e diversas linhas com a identificação de diversos nomes de pessoas e empresas, incluindo a “B..., Lda.” em sete linhas, nos seguintes termos:

9. Para além do documento referido nos pontos anteriores, não foram juntos com o requerimento executivo, nem com a contestação aos embargos, nem em qualquer outro momento, os documentos aludidos na declaração referida no anterior ponto 5, constante da escritura publica aludida no ponto 6 da matéria de facto fixada na decisão recorrida: os anexos em que que cada crédito se encontra identificado “mediante a identificação dos mutuários e eventuais fiadores ou intervenientes nos contratos, identificação dos imóveis correspondentes, respectiva descrição predial e matricial e inscrições hipotecárias existentes”;
10. A livrança aludida no ponto 1 da matéria de facto fixada na decisão recorrida tem o nº ... e a livrança aludida no ponto 3 da matéria de facto fixada na decisão recorrida tem o nº ...;
11. O acordo referido no ponto 7 da matéria de facto fixada na sentença recorrida tem data de 08/04/2009 e o acordo referido no ponto 10 da matéria de facto fixada na sentença recorrida tem data de 14/12/2009;
12. Em 14 de Junho de 2010 foi efectuado um aditamento ao acordo referido no ponto 10 da matéria de facto fixada na sentença recorrida, onde se identifica tal acordo como “Contrato n.º ...”;
13. Na contestação apresentada, a propósito da questão da legitimidade, a exequente, além do mais, alega, nos arts. 5º e 6º:
- “No âmbito da referida cessão de créditos, foram cedidos à ora Embargada 7 créditos onde figura como primeira titular a empresa B... Lda, a qual se encontra em situação de PER (Proc. 2752/22.8T8VNG), conforme melhor se retira de cópia do anexo ao contrato de cessão junto com o Requerimento Executivo, mas que aqui se junta novamente como Doc. n.º 1 e cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos”; e
- “No âmbito das referidas operações bancárias cedidas, os ora Embargantes figuram como avalistas em duas, às quais estão agregadas as livranças dadas à Execução: ... e ......”;
14. Nessa mesma contestação a exequente/embargada alega que os embargantes/executados foram notificados da cessão de créditos por cartas de 02/12/2017, remetendo para os documentos que junta como Docs. 2, 3, 4 e 5, sendo que em tais documentos, no local destinado ao assunto se indicam a “Operação nº ...” e a “Operação nº ...”;
15. Nas cartas referidas no ponto 14 da matéria de facto fixada na sentença recorrida, no local destinado ao assunto é indicado “Operações ...; ...”.
Invocaram os embargantes a ilegitimidade da exequente para a presente execução, além do mais, porque do teor dos documentos juntos ao requerimento executivo não resulta que os créditos exequendos foram objecto dos invocados contratos de cessão de créditos, deles não se retirando a indicação de quais os concretos créditos cedidos e deles não figurando a identificação dos devedores nem os montantes concretamente devidos, nem a menção aos créditos exequendos, não sendo possível estabelecer qualquer ligação entre as cópias dos contratos de cessão de créditos apresentados pela exequente e a obrigação exequenda.
Na decisão recorrida a questão da legitimidade da recorrente foi apreciada sob o ponto de vista da possibilidade da existência da cessão de créditos, da desnecessidade de demonstrar a notificação da cessão ao devedor, por esta não ser constitutiva do crédito e da possibilidade de se fazer a habilitação processual através do requerimento executivo.
Porém, quanto à questão da prova da existência da cessão dos créditos dados à execução, apenas se disse:
«Naturalmente, a legitimidade da exequente fica dependente da prova dos factos que fundamentem a habilitação, no caso, da cessão de posição contratual.
No caso dos autos não há dúvidas que a cessão ocorreu e não há dúvidas que pelo menos com a citação para este processo, essa cessão lhes foi notificada, pelo que é eficaz contra si.».
Ou seja, apenas se afirmou, liminarmente, que “não há dúvidas que a cessão ocorreu”, todavia, não se esclareceu o motivo de não existirem essas dúvidas, nomeadamente não se verificaram os documentos juntos, para averiguar se os mesmos comprovavam efectivamente a existência da cessão dos dois créditos em causa nos autos ou se ocorriam as falhas invocadas pelos embargantes no seu articulado de oposição à execução.
Ora, compulsados os autos e os documentos juntos, como decorre dos factos supra elencados, facilmente se constata que a exequente não alegou devidamente a cedência dos concretos dois créditos em causa nos autos e a mesma não resulta dos documentos que juntou.
Com efeito, a exequente alegou apenas genericamente, sem identificar e especificar cada um dos créditos em concreto, que através da escritura de 24/05/2011 “a ora cedente” tornou-se titular dos créditos peticionados nos presentes autos originariamente do Banco 1..., e que mediante o contrato de 23/11/2017 a Banco 2... cedeu-lhe um conjunto de créditos vencidos de que era titular, dos quais constam os créditos antes detidos pela Banco 2... sobre os executados – ora, certo é que, como decorre dos factos elencados e dos documentos juntos, apenas um dos créditos era detido inicialmente pelo Banco 1..., sendo o segundo crédito originariamente da Banco 2..., sem nunca ter sido do Banco 1....
Ademais, no que concerne à primeira cessão de créditos, do Banco 1... para a Banco 2..., da escritura de cessão consta que o que foi cedido foi um “conjunto de créditos vencidos e vincendos, concedidos a diversos mutuários”, fazendo-se apenas referência à existência de “processos” identificados numa listagem que seria um documento complementar anexo à escritura.
Esse eventual documento complementar não se mostra junto nos autos, não tendo acompanhado o requerimento executivo e não tendo sido junto em qualquer momento ulterior, designadamente com a contestação dos embargos.
Aliás, o que se verifica é que tal documento complementar até fará parte da certidão da escritura pública emitida pelo Cartório Notarial, tendo essa certidão sido truncada, eventualmente para ser digitalizada para o processo (cfr. pontos 3 e 4 dos factos por nós elencados supra).
Ademais, se o que se identifica nessa listagem são processos (poderão ser processos internos do banco), não há qualquer garantia de que essas indicações permitam identificar os concretos créditos cedidos, nomeadamente o primeiro crédito em causa nos presentes autos, inicialmente detido pelo Banco 1... (como, aliás, sucede com a listagem que acompanha a segunda cessão, como melhor se irá analisar infra), de modo a poder concluir-se que este crédito fez parte dos créditos cedidos à Banco 2....
Note-se que do teor do declarado na escritura de cessão resulta que a mesma foi parcial, isto é, que o cedente não transmitiu todos os créditos que detinha, mas apenas um “conjunto de créditos”.
E quanto à segunda cessão de créditos, da escritura de cessão resulta que o que foi cedido foi “uma carteira de créditos vencidos, concedidos a diferentes mutuários, nos termos em que cada crédito se encontra identificado, em cada uma das folhas do documento complementar e seus anexo[s] que faz parte integrante da presente escritura”, “mediante a identificação dos mutuários e eventuais fiadores ou intervenientes nos contratos, identificação dos imóveis correspondentes, respectiva descrição predial e matricial e inscrições hipotecárias existentes”.
Ou seja, também neste caso a cessão não foi de todos os créditos detidos pela cedente, mas foi parcial (apenas de uma carteira de créditos vencidos), sendo fundamental identificar os créditos concretamente cedidos, o que não se logra com a listagem que constitui o anexo da escritura pública.
Na verdade, embora na escritura se fale, além do mais, de identificação dos mutuários e eventuais fiadores ou intervenientes nos contratos, dessa listagem apenas consta um nome em cada linha, que se presume ser do devedor originário (por interpretação dos títulos em inglês das respectivas colunas, aludidos no elenco dos factos), podendo existir eventualmente outros anexos, atento o teor do que foi declarado na escritura.
E essa listagem nada permite concluir, pois que dela apenas constam números (ou códigos numéricos) que não se conseguem fazer corresponder a qualquer contrato ou crédito concreto, constando apenas em cada linha supostas datas dos contratos e datas de termo (não se sabe de quê, se do contrato, se da relação contratual, ou se esse termo respeita a um eventual incumprimento definitivo).
No caso concreto da “B..., Lda.”, a mesma consta em sete linhas da listagem e não se consegue perceber se alguma delas corresponde a um ou ambos os créditos dados à execução ou, correspondendo, qual deles será.
Na contestação a embargada/exequente identifica os créditos como sendo os respeitantes às operações bancárias ... e ......, mas sem especificar qual é qual.
Aparentemente, aquela com o nº ... poderá corresponder ao crédito decorrente do contrato de abertura de conta-corrente com a Banco 2..., atento o que consta do aditamento ao acordo, conforme se refere no ponto 12 da matéria de facto por nós elencada supra.
O que levaria a que se pensasse que a operação com o nº ... correspondesse ao crédito decorrente do contrato de mútuo inicialmente celebrado com o Banco 1.... Porém, neste caso as indicações que resultam dos vários documentos juntos aos autos são contraditórias e não permitem tal concluir. Com efeito, nos documentos aludidos no ponto 14 da matéria de facto por nós elencada supra, indica-se como uma das operações abrangida pela cessão de créditos a “Operação nº ...”, mas nas cartas referidas no ponto 14 da matéria de facto fixada na sentença recorrida já se alude à Operação ... – sendo que ambos estes números constam da listagem em análise como sendo dois créditos distintos respeitantes à “B..., Lda.”.
Continuando a analisar a listagem, admitindo que a suposta “data do contrato” é a data da celebração dos contratos que originaram o crédito (mútuos, abertura de conta-corrente, ou outos), então temos que os contratos dos autos têm data de 08/04/2009 e 14/12/2009. Poder-se-ia dizer que aquele poderia corresponder à linha da listagem onde consta como data do contrato 08/04/2009 (correspondente ao nº indicado nas cartas referidas no ponto 14 da matéria de facto fixada na sentença recorrida), só que esse tem como “data de termo” 08/07/2012, quando o contrato celebrado tinha o prazo de 48 meses, terminando em 13/04/2013 (data prevista de pagamento da última prestação do empréstimo) – sendo que, como decorre do que já se disse, esta linha da listagem não é indicada pela exequente como sendo a correspondente a um dos créditos exequendos.
E quanto ao segundo, há duas linhas cujas datas do contrato correspondem a 14/12/2009… Uma delas indica como data de termo 14/07/2015 e a outra 14/09/2015 (correspondente ao nº indicado pela exequente e ao constante do aditamento ao acordo). Ora, o contrato em causa tinha o prazo de 6 meses, renováveis, com início em 14/12/2009, o que significa que terminaria em 14/06/2010, se não fosse renovado, não havendo nos autos qualquer indicação de que tivesse sido ou não renovado. Mesmo admitindo que o foi, as renovações eram por seis meses, pelo que, acaso terminasse no ano de 2015, tal só sucederia ou no dia 14/06/2015 ou no dia 14/12/2015!
Não se consegue, pois, efectuar a correspondência entre qualquer das linhas da listagem e os dois créditos dados à execução, nomeadamente aos que a exequente indica como sendo estes – identifica como operações bancárias os números que constam da segunda coluna da listagem e diz que as correspondentes àqueles créditos são as que têm os números ... e .......
Sendo certo que nessas linhas não há qualquer referência ao montante dos créditos, à identificação de eventuais garantes, como serão os avalistas, ao tipo de contratos subjacentes e aos números das livranças.
Não logra, pois, a exequente demonstrar com segurança que os dois créditos dados à execução lhe foram cedidos.
E qual será a consequência desta circunstância?
Nos termos do art. 54º, nº 1, do C.P.C. (correspondente ao art. 56º, nº 1, do C.P.C. de 1961), tendo havido sucessão no direito ou na obrigação, deve a execução correr entre os sucessores das pessoas que no título figuram como credor ou devedor da obrigação exequenda; no próprio requerimento para a execução o exequente deduz os factos constitutivos da sucessão.
Nestas situações, o exequente “deve alegar no requerimento executivo factos reveladores da sua legitimidade ativa ou da legitimidade passiva do executado (…), em termos semelhantes aos que devem ser respeitados quando tal ocorre na ação declarativa (habilitação-legitimidade, nos termos dos arts. 351º e ss.)”. “Sem prejuízo da intervenção liminar do juiz, nos temos do art. 726º, em tais circunstâncias o executado terá a possibilidade de alegar nos respetivos embargos os factos que, porventura, infirmem a legitimidade ativa ou passiva” (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil anotado, Vol. I, 3ª ed., Almedina, pág. 92, cfr. também Ac. da R.G. de 04/02/2021, com o nº de proc. 191/20.4T8VNF-A.G1, publicado em www.dgsi.pt).
Portanto, a legitimidade activa para a acção executiva satisfaz-se com a alegação e prova da existência do acordo de cessão de crédito (cfr. Ac. da R.C. de 22/11/2016, com o nº de proc. 3956/16.8T8CBR.C1, e Ac. da R.G. de 23/11/2023, com o nº de proc. 467/21.3T8BGC-A.G1, ambos publicados em www.dgsi.pt), mas essa alegação e prova são necessárias. “A única exigência imprescindível (…) é que, com o requerimento executivo, o exequente demonstre a habilitação-legitimidade, alegando e provando os factos constitutivos da cessão” (Ac. da R.E. de 27/05/2021, com o nº de proc. 2784/20.0T8STB-C.E1, publicado em www.dgsi.pt – sublinhado nosso).
Como se diz no Ac. da R.L. de 15/03/2011, com o nº de proc. 24649/05.6YYLSB.L1-1, publicado em www.dgsi.pt, “desde que, por virtude da sucessão operada na titularidade do crédito ou da obrigação exequenda, o mero exame visual do título executivo não é suficiente para se poder aferir da legitimidade do exequente ou do executado, faz-se mister que o exequente faça a prova complementar, mediante documentos bastantes, dos factos concretos por si invocados no requerimento executivo para fundamentar a sucessão no crédito exequendo ou na obrigação exequenda. Não é, pois, aceitável a tese segundo a qual essa prova só é de exigir se e quando o executado questione a legitimidade do exequente ou dele próprio (executado), na oposição que porventura deduza à execução, estando o exequente dispensado de provar os factos por ele próprio alegados no requerimento executivo, tendentes a demonstrar a sucessão no crédito ou na obrigação exequendos, enquanto tais factos não forem postos em crise pelo executado.
Por isso, «enquanto não estiverem estabelecidos os factos constitutivos da sucessão, o juiz não pode, quando haja lugar a despacho liminar, proferir o despacho de citação, devendo mandar aperfeiçoar e, em último caso, indeferir a petição, por ilegitimidade da parte (arts. 812º, nºs 2-b e 5; ver também os arts. 812º-A-3-b e 820º), não só quando não forem alegados os factos em que a sucessão se funda [cit. Ac. do STJ de 10/1/1984], mas também quando não for oferecida a respectiva prova»”.
Assim, é necessário que o contrato de cessão de créditos permita “identificar os créditos nele englobados de molde a possibilitar saber qual o seu objeto, bastando para o efeito uma lista adrede à declaração de cessão de créditos, identificando o devedor, o contrato de que resulta o crédito cedido e os garantes (se os houver)”, listagem que “não tem de ser apresentada na íntegra”.
Porém, a constatação de que tal não tenha sido feito não implica a imediata procedência dos embargos, pois “o juiz, mesmo no tribunal de recurso, não pode, sob pena de nulidade processual (art. 195º, nº 1), julgar procedente a exceção dilatória da falta de legitimidade processual ativa da exequente, sem lhe dar oportunidade de apresentar os elementos em falta tendentes à demonstração desse pressuposto processual (cfr. arts. 6º, nº 2, 278º, nº 3, 590º, nº 2 al. a) e 3 e 591º, nº 1), sendo que somente na hipótese de a exequente enjeitar esse convite é que pode então afirmar-se a falta do mesmo” (cfr. Ac. da R.P. de 23/05/2022, com o nº de proc. 372/20.0T8AGD-B.P1, publicado em www.dgsi.pt – sobre a existência de despacho de aperfeiçoamento nestes casos, cfr. também o Ac. da R.E. de 28/03/2019, com o nº de proc. 616/17.6T8LLE-A.E1, publicado no mesmo sítio da internet).
É de concluir, pois, que, no caso, sendo genérica a alegação constante do requerimento executivo e não sendo os documentos apresentados como prova das cessões suficientes para demonstrar que os créditos cedidos em cada uma delas englobavam os dois créditos dados à execução, não está demonstrada a legitimidade activa da exequente para instaurar a execução em causa, devendo a mesma ser convidada a aperfeiçoar o requerimento executivo e a juntar os documentos em falta que permitam concluir, de forma suficiente (de acordo com a análise efectuada à questão), que os créditos dados à execução foram efectivamente abrangidos pelas duas cessões de créditos ocorridas.
Não pode, pois, manter-se a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra que determine o convite da exequente ao aperfeiçoamento do requerimento executivo e à junção dos documentos em falta, nos termos analisados.
*
Em face do resultado do tratamento da questão analisada, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas no recurso.
***
III - Por tudo o exposto, acorda-se em revogar a decisão recorrida, a qual deve ser substituída por outra que determine o convite da exequente ao aperfeiçoamento do requerimento executivo e à junção dos documentos em falta, nos termos analisados no recurso.
**
Custas nos termos, e na proporção, da responsabilidade que vier a ser fixada a final (art. 527º, nº 1, do C.P.C.).
*
Notifique.
**
Sumário (da exclusiva responsabilidade da relatora - art. 663º, nº 7, do C.P.C.):
………………………………
………………………………
………………………………
*
datado e assinado electronicamente
*
Porto, 22/2/2024
Isabel Ferreira
1º Adjunto: Paulo Duarte Teixeira
2º Adjunto: João Venade