Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1159/15.8T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANTÓNIO JOSÉ RAMOS
Descritores: PENSÃO
CAPITAL DE REMIÇÃO
JUROS DE MORA
Nº do Documento: RP201604181159/15.8T8PNF.P1
Data do Acordão: 04/18/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º238, FLS.382-388)
Área Temática: .
Sumário: O capital de remição correspondente a uma pensão anual e vitalícia vence juros de mora desde o dia seguinte ao da alta e até integral pagamento, calculados, não sobre o montante da pensão, mas sobre o valor do capital.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO

PROCESSO Nº 1159/15.8T8PNF.P1
RG 516

RELATOR: ANTÓNIO JOSÉ ASCENSÃO RAMOS
1º ADJUNTO: DES. JORGE LOUREIRO
2º ADJUNTO: DES. JERÓNIMO FREITAS

PARTES:
RECORRENTE: B… – SUCURSAL PORTUGAL
RECORRIDO: C…
VALOR DA ACÇÃO: €9.449,10
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Acordam os Juízes que compõem a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
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I – RELATÓRIO
1. Participado acidente de trabalho em que figuram como sinistrado C…, e como entidade responsável B… – SUCURSAL PORTUGAL, tramitada a fase conciliatória do processo, nesta realizou-se, aos 23.04.2015, tentativa de conciliação, nos termos da qual as partes acordaram em que: no dia dez de Dezembro de dois mil e catorze, cerca das 08:00 horas, em Paredes, o sinistrado foi vítima de acidente de trabalho quando exercia as funções de marceneiro, sob as ordens, direção e fiscalização da entidade empregadora D… Unipessoal, Lda., NIF - ………., com sede na Rua de …, ….-… Sabrosa, mediante a retribuição anual de € 505,00 X 14 + € 93,94 X 11 (total anual de € 8.103,34), cuja responsabilidade se encontra integralmente transferida para a Seguradora.
O acidente ocorreu quando ao cortar madeira a mão esquerda foi apanhada pela máquina, do que resultou lesão no 1º dedo da mão esquerda.
Submetido a exame médico no gabinete médico - legal de Penafiel foi-lhe atribuído o grau de incapacidade de 12% e fixada a data da alta em catorze de Abril de dois mil e quinze
Em tal diligência o sinistrado reclamou, o pagamento do capital de remição da pensão anual de € 680,68, devida a partir de quinze de Abril de dois mil e quinze, calculada com base na retribuição anual X 70% X IPP de 12%, nos termos do disposto no artigo 48º, n.º 3, da alínea c) da Lei 98/09, de 04 de Setembro, bem como a quantia de € 21 relativa a despesas de deslocações obrigatórias ao gabinete médico-legal de Penafiel e a este Tribunal.
A Ré Seguradora e empregadora aceitou a existência e a caracterização do acidente como de trabalho, nexo de causalidade entre as lesões e o acidente, a retribuição transferida de € € 505,00 X 14 + € 93,94 X 11, o grau de incapacidade atribuído pelo perito médico do gabinete médico-legal, aceita pagar o capital de remição da pensão anual de € 680,68 e a quantia reclamada a título de transportes, pelo que se concilia nos termos reclamados pelo sinistrado.
Requereu ainda que, uma vez que se trata de uma pensão obrigatoriamente remível, que o pagamento dos transportes seja efetuado no ato da remição.
Mais informou que, em conformidade com a jurisprudência atual, nomeadamente dos Acórdãos da Relação de Coimbra de 02.05.2014, no processo 121/12.7TTFIGA. C1 e de 23.04.2009, no processo 485/07.4TTAVR.C1, entende que os juros de mora, se devidos, só poderão ser fixados sobre o valor da pensão anual, desde a data do seu vencimento e até ao momento da entrega do capital de remição ou fixação da pensão.
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2. Aos 13.01.2016, o Mmº Juiz proferiu decisão a homologar o referido acordo, com o seguinte teor:
“Nos termos do artigo 114º, nº1 do Código do Processo de Trabalho, atento o teor dos elementos, nomeadamente clínicos, juntos aos autos, homologo, por legal, o acordo constante do auto de conciliação de fls.41 a 43, dado verificar-se a sua conformidade com os elementos fornecidos pelo processo, com as normas legais, regulamentares e convencionais e com a tabela de desvalorizações.
Às quantias devidas incidem juros à taxa supletiva legal, contados nos seguintes termos:
- Sobre o valor do capital de remição desde o dia seguinte ao da alta e até à sua efetiva entrega, porquanto subscrevemos o entendimento jurisprudencial defendido, entre outros, no douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Julho de 2013, disponível in www.dgsi.pt, proferido no âmbito do processo nº 941/08.7TTGMR.P1.S1, segundo o qual a partir daquela data o devedor incorreu em mora e aquele capital mais não é do que uma forma de pagamento unitário da pensão anual.
- Sobre o valor das despesas de deslocação desde o dia do auto de conciliação até efetivo e integral pagamento.
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Valor da causa: €9.449,10.
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Face ao grau de incapacidade permanente parcial, cumpra-se o disposto nos artº 148 nº 3 e 4 “ex vi” artº 149º, ambos do C.P.Trabalho.
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Oportunamente diligencie-se pelo pagamento do exame médico-legal realizado no âmbito dos presentes autos.
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Vai deferida a pretensão da seguradora de pagar os transportes aquando da entrega do capital de remição.
Notifique.”
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3. Inconformada com esta decisão a Seguradora interpôs o presente recurso, pedindo que se revogue a sentença recorrida e se substitua a mesma por outra que condene a seguradora a pagar ao sinistrado juros de mora sobre os duodécimos da pensão anual de € 680,68 vencidos desde o dia 15 de Abril de 2015 até à data de entrega do capital de remição, e não sobre o capital de remição, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. A recorrente não se conforma com a douta decisão proferida nos autos na parte em que condena a seguradora no pagamento de juros de mora a calcular sobre o capital de remição desde o dia seguinte ao da alta e até à data da entrega efetiva daquele capital.
2. Por força do que dispõe o Artº 135º do C.P.Trabalho para dirimir a questão sob recurso importa saber quais são, in casu, as prestações pecuniárias em atraso sobre as quais incidem juros de mora.
3. É, no modesto entender da recorrente, nas normas constantes dos Artigos 50º e 52º da Lei nº 98/2009, de 04/09, que encontramos a solução para a questão a decidir.
4. Dispõe o Artº 50º nº 2 da LAT que a pensão por incapacidade permanente é fixada em montante anual e começa a vencer-se no dia seguinte ao da alta do sinistrado.
5. Nem neste preceito, nem em qualquer outra disposição da legislação infortunística laboral, encontramos norma que indique o momento do vencimento do capital de remição.
6. E não o encontramos porque o capital de remição não é uma realidade compensatória distinta da pensão anual e vitalícia.
7. Na génese do direito a um capital de remição está o direito do sinistrado a uma pensão anual e vitalícia.
8. Este é, aliás, o entendimento plasmado no Ac. do STJ de 10/07/2013, invocado na douta decisão ora recorrida, ao declarar que o capital de remição não é mais do que uma forma de pagamento unitário da pensão anual.
9. É verdade que assim é, mas não é menos verdade que é um pagamento antecipado!
10. Diga-se, aliás, que o Acórdão do STJ invocado na douta decisão recorrida não se pronunciou exatamente sobre a questão que importa dilucidar nos presentes autos.
11. Não esteve em discussão, no acórdão do STJ citado, saber se os juros de mora deviam ser calculados sobre o capital de remição ou sobre os duodécimos de pensão vencidos desde a data da alta até à data de entrega do capital de remição, mas antes, isso sim, o que ali esteve em causa foi saber se, naquele caso concreto, eram devidos juros de mora.
Ora,
12. A proteção que a legislação infortunística laboral concede aos sinistrados consubstancia-se no direito ao recebimento de uma pensão anual e vitalícia e o que acontece é que, nos casos de pensões de reduzido montante, essa pensão anual é paga de uma só vez, mas antecipadamente, através da entrega de um capital de remição.
13. E tanto assim é que o Artº 52º nº 1 da LAT manda que entre o dia seguinte ao da alta e o momento da fixação da pensão definitiva, seja paga ao sinistrado uma pensão anual, provisória, a qual é devida também nas situações de IPP’s inferiores a 30%, ou seja nas situações em que o sinistrado vai receber um capital de remição.
14. Ora se entre o dia seguinte à data da alta e o momento da atribuição da pensão definitiva o sinistrado tem direito a uma pensão anual, então, até à data de entrega do capital de remição o que é devido ao sinistrado é o pagamento de uma pensão anual.
15. A seguradora estava obrigada a pagar ao sinistrado uma pensão provisória até à data da fixação da pensão definitiva, ou seja até à data da fixação da obrigação de pagamento do capital de remição, e o que a seguradora não pagou foi essa pensão;
16. O que vale por dizer que a mora incide sobre os duodécimos da pensão anual em falta, e não sobre o capital de remição, o qual traduz uma antecipação de pagamento das pensões futuras.
17. Se entre o dia seguinte ao da alta e a data de entrega do capital de remição a seguradora tivesse pago ao sinistrado uma pensão anual, provisória, calculada nos termos do Artº 52º nº 3 da LAT, é manifesto que não estaria em atraso com quaisquer prestações, ou seja, não ocorreria qualquer mora, o que redunda em concluir que a mora incide sobre as pensões vencidas, e não sobre as pensões vincendas traduzidas num capital de remição.
18. Como se decidiu no Acórdão da Relação de Coimbra de 02-05-2014, proferido no processo 121/12.7TTFIG-A.C1, disponível em www.dgsi.pt/jtrc, o qual enuncia outros arestos proferidos no mesmo sentido, “Mesmo que a pensão seja remível, sempre se terão de fixar juros de mora sobre o valor da pensão anual, não sobre o capital de remição, mantendo-se a mora desde o dia do vencimento da pensão atribuída até à data da entrega do capital de remição.”
19. Em suma, a Meritíssima juíza a quo não poderia fixar juros sobre o capital de remição, mas sim juros sobre os montantes vencidos da pensão a remir, desde as datas dos respetivos vencimentos até à data de entrega do capital de remição.
20. A douta decisão recorrida violou, pois, o disposto nos Artigos 135º do C.P.T. e 50º nº 2 e 52º, ambos da Lei nº 98/2009, de 04/09.
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4. O Sinistrado, patrocinado pelo Ministério Público, contra-alegou, defendendo a manutenção do decidido, assim concluindo:
De acordo com o disposto no nº 3 alínea c), do artigo 48º, artigo 75º e artigo 50º da Lei 98/2008 de 13 de Setembro, em caso de IPP inferior a 30% e desde que o seu valor não exceda o valor de seis salários mínimos, o sinistrado tem direito a um capital de remição, a calcular segundo regras estabelecidas, que se vence no dia seguinte ao da alta.
Por vicissitudes várias, relativas à própria tramitação processual, não é possível dar pagamento imediato a esse capital, capital esse que apenas pode ficar na disponibilidade de quem a ele tem direito, depois da sua data de vencimento.
Se o capital que se hoje se vence só vem a ser pago meses depois, o seu valor degrada-se ou é suscetível de se degradar e não faria sentido que o legislador ficasse indiferente a essa perda de valor e assim, ficciona ou cria uma espécie de “mora objetiva “que tem a finalidade, digna e séria, de manter atualizado o valor desse capital, do capital de remição como doutras prestações que forem devidas.
Pretende-se que o capital que hoje se entrega tenha o mesmo valor, seja equivalente ao do capital, calculado por referência a data muito anterior, que se venceu nessa data por ser desde então devido, que se venceu muito antes do momento em que pode ser entregue, e se outro fosse o objetivo da norma, o disposto no artigo 135º do CPT seria inútil já que consagraria solução vertida nos princípios gerais.
A razão de ser do artigo 135º do CPT, na sua redação atual ao manda fixar, juros pelas prestações pecuniárias em atraso é precisamente o de evitar a degradação ou perda de valor da pensão.
A expressão, caso sejam devidos, constante desse normativo, visou apenas harmonizar o regime com o instituto da pensão provisória, e na medida em que esta seja paga obviamente que sobre esse ou esses montantes não são devidos juros.
O sinistrado tem, pois, direito a receber o capital de remição, calculado por referência à data de 15 de Abril de 2015, acrescido de juros, até efetivo e integral pagamento.
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8. Colhidos os vistos legais foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II - QUESTÕES A DECIDIR
Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões da recorrente (artigos 653º, nº 3 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, temos que a questão a decidir é a seguinte:
– SABER SE NÃO SÃO DEVIDOS JUROS SOBRE O CAPITAL DE REMIÇÃO DESDE O DIA SEGUINTE AO DA ALTA E ATÉ AO INTEGRAL PAGAMENTO MAS SIM SE TAIS JUROS SÃO DEVIDOS SOBRE CADA UMA DAS PRESTAÇÕES - QUE INTEGRAM O VALOR DA PENSÃO ANUAL - QUE SE VENCERAM DESDE O DIA SEGUINTE AO DA ALTA E ATÉ AO INTEGRAL PAGAMENTO DO CAPITAL DE REMIÇÃO.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
1. Factos Provados:
Os referidos no relatório antecedente.
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2. Analisemos agora a questão que nos foi trazida pelo presente recurso, ou seja, saber se não são devidos juros sobre o capital de remição desde o dia seguinte ao da alta e até ao integral pagamento mas sim se tais juros são devidos sobre cada uma das prestações - que integram o valor da pensão anual - que se venceram desde o dia seguinte ao da alta e até ao integral pagamento do capital de remição.

A recorrente admitindo e aceitando que sobre o capital de remição se vençam juros de mora, não aceita, porém, que esses juros se comecem a vencer no dia seguinte ao da alta clínica. Isto porque, em síntese, o capital de remição não é uma realidade compensatória distinta da pensão anual e vitalícia, sendo esta pensão anual paga de uma só vez, mas antecipadamente, através da entrega de um capital de remição. E se entre o dia seguinte à data da alta e o momento da atribuição da pensão definitiva o sinistrado tem direito a uma pensão anual, então, até à data de entrega do capital de remição o que é devido ao sinistrado é o pagamento de uma pensão anual, pelo que a mora incide sobre os duodécimos da pensão anual em falta, e não sobre o capital de remição, o qual traduz uma antecipação de pagamento das pensões futuras.
Vejamos:
Dispõe o artigo 48º, nº 3, alínea c) da Lei nº 98/2009, de 04 de Setembro[1] que o sinistrado terá direito, se do acidente resultar redução na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado, este tem direito, por incapacidade permanente parcial — pensão anual e vitalícia correspondente a 70 % da redução sofrida na capacidade geral de ganho ou capital de remição da pensão[2] nos termos previstos no artigo 75º.
Segundo o nº 1 deste normativo legal é obrigatoriamente remida a pensão anual vitalícia devida a sinistrado com incapacidade permanente parcial inferior a 30 % e a pensão anual vitalícia devida a beneficiário legal desde que, em qualquer dos casos, o valor da pensão anual não seja superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta ou da morte.
De acordo com o nº 2 do artigo 50º do mesmo diploma legal a pensão por incapacidade permanente é fixada em montante anual e começa a vencer-se no dia seguinte ao da alta do sinistrado.
Por sua vez, o artigo 135º do Código de Processo do Trabalho, sob a epígrafe “ Sentença final”, estabelece que “[n]a sentença final o juiz (…) fixa também, se forem devidos, juros de mora pelas prestações pecuniárias em atraso”.
Já o artigo 804º do Código Civil (intitulado “Princípios gerais”) estabelece:
“1. A simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor.
2. O devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efetuada no tempo devido”.

Dispõe o ainda o artigo 805º do Código Civil (intitulado “Momento da constituição em mora”):
“1. O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.
2. Há, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação:
a) Se a obrigação tiver prazo certo;
b) Se a obrigação provier de facto ilícito;
c) Se o próprio devedor impedir a interpelação, considerando-se interpelado, neste caso, na data em que normalmente o teria sido.
3 - Se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número”.

Deste quadro legislativo logo constatamos que não existe nenhuma norma que indique o momento em que o vencimento do capital de remição vence juros. O nº 2 do artigo 50º da NLAT alude à data em que se começa a vencer a pensão por incapacidade permanente (que é fixada em montante anual), ou seja, no dia seguinte ao da alta do sinistrado, nada referindo no que concerne ao vencimento do capital de remição.
Perguntamos: do nº 2 do artigo 50º da NLAT extrai-se que o capital de remição não se vence no dia seguinte ao da alta? Extrai-se que a entidade responsável não é condenada no pagamento do capital de remição mas sim no pagamento da pensão sobre a qual mais tarde se calculará o capital?
Segundo a recorrente o que é devido à sinistrada até ao cálculo do capital de remição é a pensão anual com base na qual o capital será calculado. Até ao pagamento do capital de remição, a pensão anual vai-se vencendo nas prestações em que se decompõe, e os juros incidem sobre estas prestações.
A resposta a estas questões não pode deixar de ser a que de tal norma não se extrai nem uma coisa nem a outra. Uma coisa é, no entanto, certa, e que resulta da conjugação dos artigos 48º, nº 3, alínea c), 75º e 58º, nº 2, todos da NLAT, que é a que a prestação devida ao sinistrado - e que a responsável é condenada a pagar – é obrigatoriamente o capital de remição duma pensão, e não a pensão propiamente dita, que se vence no dia seguinte ao da alta, sendo calculado ainda com referência a esta data e não a uma outra qualquer. E sendo essa remição obrigatória a mesma por força da lei surge com a fixação do grau de incapacidade, nos termos previstos no nº 1 do artigo 75º, logo, em termos legais é devida no dia seguinte ao da alta clínica, pelo que apenas por razões processuais a mesma é entregue ou paga posteriormente.
São coisas e valores bem diferentes, sendo que em lado algum, mormente no aludido artigo 50º, nº 2, se prevê que na incapacidade permanente e parcial inferior a 30% a responsável é condenada a pagar uma pensão até ao momento em que, com base nela, se calcule um capital de remição, momento a partir do qual (ou talvez a partir da data designada para a entrega do capital de remição) a condenação se converte numa condenação a pagar o capital.
Por outro lado, e em termos de interpretação sistemática, o nº 2 do artigo 50º da NLAT deve ser interpretado em conjugação com o antecedente artigo 48º, nº 3, alínea c), onde a incapacidade permanente confere ao sinistrado que é dela portador o direito a uma prestação: pensão anual e vitalícia correspondente a 70 % da redução sofrida na capacidade geral de ganho ou capital de remição da pensão nos termos previstos no artigo 75.º Assim sendo devemos entender que a expressão “pensões por incapacidade permanente” aludida no nº 2 do citado artigo 50º deve ser lida como “prestações por incapacidade permanente”, em conformidade com a epígrafe do preceito e com o corpo do nº 3 do artigo 48º.
O que a recorrente pretende não passa de uma ficção. Na verdade, pretende a mesma que se ficcione que entre o dia seguinte à da alta clínica do sinistrado e a data da entrega do capital de remição este recebeu uma pensão anual, mais concretamente, os duodécimos que se foram vencendo nesse período. E ficciona porque o sinistrado nunca recebeu nem se venceram quaisquer duodécimos de uma pensão anual. Esta nunca teve existência real. E isso nunca poderia acontecer uma vez que sendo a remição obrigatória a mesma venceu-se de imediato e é devida a partir do dia seguinte ao da alta. Ora, se assim é, não podem existir duodécimos de algo que não existe e o que existe não é suscetível de ser desdobrado em duodécimos.

Por outro lado, o argumento da pensão provisória não colhe. E não colhe pelo facto de a pensão provisória destinar-se a garantir uma proteção atempada e adequada nos casos de incapacidade permanente sempre que haja razões determinantes do retardamento da atribuição das prestações. Como é sabido, por regra e por várias vicissitudes processuais, entre a data e a entrega do capital de remição podem decorrer alguns meses. Ora, a não atribuição da pensão provisória poderia levar a um retardamento intolerável da atribuição da indemnização ao sinistrado pelo que o legislador entendeu por bem, para atenuar essa obstrução, que a este seja atribuída provisoriamente uma pensão. Mas esta pensão provisória não se confunde com a remição do capital, tanto assim que os montantes pagos a esse título são levados em conta, ou considerados, na altura da entrega do capital – cfr. nº 3 do artigo 52º da NLAT. Além do mais, são realidades diferentes, a pensão provisória e a indemnização em capital, conforme resulta do artigo 47º, nº 1, alíneas b) e c) da NLAT.
No que concerne ao vencimento do capital – que será naturalmente, por razões do próprio processo, apurado em data posterior à do dia seguinte ao da alta – impõe-se anotar o desvio determinado pelo artigo 135º do CPT relativamente à disciplina civilística resultante dos artigos 804º e 805º do Código Civil.
Tem sido entendimento desta Relação[3] que o artigo 135º do Código de Processo do Trabalho é uma norma especial em relação ao regime geral do Código Civil (artºs 804º e 805º) no que respeita à obrigação de pagamento de juros de mora.
Tem carácter imperativo, pelo que há lugar à fixação de juros de mora desde que se verifique atraso no pagamento de pensões e indemnizações, independentemente de culpa no atraso imputável ao devedor[4].
Daí que se venha entendendo que os juros de mora sejam devidos mesmo que o sinistrado ou beneficiário não os tenha pedido, independentemente de interpelação, por se tratar de direitos de existência e exercício necessários, pelo que o Tribunal deve fixá-los oficiosamente, se não forem pedidos. Trata-se de um regime excecional ou especial em que a mora não depende da demonstração da culpa do devedor, bastando que se verifique o atraso no pagamento, desde que não imputável ao credor, parecendo tratar-se de uma mora objetiva. Por outro lado, sendo um regime especial, afasta a aplicação das regras do direito civil também quanto à questão da liquidez da dívida, pois o facto de o crédito não estar liquidado por razões de natureza processual e de orgânica judiciária, por exemplo, não impede a constituição em mora – cfr. o disposto nos artigos 804º e 805.º, ambos do Código Civil. Assim, trata-se mais de reintegrar – com os juros – o valor do capital na data do vencimento da prestação, do que propriamente da punição do devedor relapso, na ideia de que as prestações derivadas do acidente de trabalho têm natureza próxima dos alimentos, cujo valor deve ser mantido aquando do recebimento.
Assim, verificado atraso no pagamento, são devidos juros, desde que a mora não seja imputável a culpa do credor. Repare-se que se o sinistrado, por exemplo, tendo discordado do resultado do exame médico efetuado na fase conciliatória, requerer exame por junta médica, o retardamento do pagamento das prestações derivado do processado mais complexo a que deu causa, gera juros de igual forma, porque a mora, embora imputável ao credor, não o é a título de culpa, derivando apenas de vicissitudes processuais e de orgânica judiciária.
Ora, in casu, havendo ainda que proceder ao cálculo do capital da remição a efetuar pela Secretaria, são devidos juros até à entrega efetiva do capital, uma vez que existe mora, ainda que não imputável ao devedor a título de culpa[5]. E juros devidos desde a data da alta.
Assim, o regime de juros em matéria de responsabilidade infortunística laboral é especial relativamente ao regime civilístico, e em particular se os juros são devidos independentemente do momento em que é liquidada a quantia em dívida – e note-se que a quantia em dívida é a do capital de remição e não a da pensão – o argumento de que não é possível haver mora antes do apuramento do capital, porque ainda não existe, não se sabe quando vai existir porque isso depende da iniciativa do Tribunal, já não tem sentido. A aplicação do artigo 135º do CPT em conjugação com o 50º, nº 2 da NLAT produz a ficção da existência, determinando a obrigatoriedade, para o momento do dia seguinte ao da alta.
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3. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA
As custas do recurso ficam a cargo da recorrente [artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil].
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IV - DECISÃO
Em face do exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em:
a) – Julgar improcedente o recurso interposto pela B… – SUCURSAL PORTUGAL, e, em consequência manter a sentença recorrida.
b) Condenar a recorrente no pagamento das custas do recurso [artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil].
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Anexa-se o sumário do Acórdão – artigo 663º, nº 7 do CPC.
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(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (artº 138º nº 5 do Código de Processo Civil).

Porto, 18 de Abril de 2016
António José Ramos
Jorge Loureiro
Jerónimo Freitas
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[1] Doravante apenas “NLAT”.
[2] Segundo CARLOS ALEGRE, Acidentes de Trabalho e Doenças profissionais, reimpressão, Almedina, 2001. pg. 239, a remição obrigatória consiste numa forma de reparação, em que, em vez de ser paga uma pensão anual e vitalícia, é calculado um determinado capital indemnizatório, que vai ser pago de uma só vez ao sinistrado.
[3] Cfr. o Acórdão de 14/07/2008, Processo 0813120, in www.dgsi., que aqui seguimos de perto, bem como, entre outros, o Acórdão de 18/10/2010, Processo 509/09.0TTMTS.P1, in www.dgsi.pt.
[4] Cfr. Prontuário de Legislação do Trabalho, CEJ, Atualização n.º 35, Novembro de 1990, com anotação de CRUZ DE CARVALHO.
[5] Cfr. Os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça:
- de 1999-03-03, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 485, págs. 216 a 219 e in Coletânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça Ano VII-1999, Tomo I, págs. 297 a 299;- de 1999-04-14, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 486, págs. 235 a 239 e in Coletânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça Ano VII-1999, Tomo II, págs. 262 a 263;
- de 1999-06-09, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 488, págs. 334 a 337 e- de 1999-09-29, in Coletânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça Ano VII-1999, Tomo III, págs. 252 a 255.
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SUMÁRIO – a que alude o artigo 663º, nº 7 do CPC.
O capital de remição correspondente a uma pensão anual e vitalícia vence juros de mora desde o dia seguinte ao da alta e até integral pagamento, calculados, não sobre o montante da pensão, mas sobre o valor do capital.

António José Ramos