Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1203/14.6TBSTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: JUNÇÃO DE DOCUMENTO NA FASE DE RECURSO
REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
DOCUMENTO AUTÊNTICO
FORÇA PROBATÓRIA
ESCRITURA PÚBLICA DE PERMUTA
PAGAMENTO DO PREÇO
CONTRATO-PROMESSA
CAMINHO
AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE
Nº do Documento: RP201609261203/14.6TBSTS.P1
Data do Acordão: 09/26/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 632, FLS.89-108).
Área Temática: .
Sumário: I - Da articulação lógica entre o artigo 651º, nº 1 do CPC e os artigos 425º e 423º do mesmo Código resulta que a junção de documentos na fase de recurso, sendo admitida a título excepcional, depende da alegação e da prova pelo interessado nessa junção de uma de duas situações: (1) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso; (2) ter o julgamento de primeira instância introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional.
II - Quanto ao primeiro elemento, a impossibilidade refere-se à superveniência do documento, referida ao momento do julgamento em primeira instância, e pode ser caracterizada como superveniência objectiva ou superveniência subjectiva.
III - Objectivamente, só é superveniente o que historicamente ocorreu depois do momento considerado, não abrangendo incidências situadas, relativamente a esse momento, no passado. Subjectivamente, é superveniente o que só foi conhecido posteriormente ao mesmo momento considerado.
IV - Neste caso (superveniência subjectiva) é necessário, como requisito de admissão do documento, a justificação de que o conhecimento da situação documentada, ou do documento em si, não obstante o carácter pretérito da situação quanto ao momento considerado, só ocorreu posteriormente a este e por razões que se prefigurem como atendíveis.
V - Só são atendíveis razões das quais resulte a impossibilidade daquela pessoa, num quadro de normal diligência referida aos seus interesses, ter tido conhecimento anterior da situação ou ter tido anteriormente conhecimento da existência do documento.
VI - No documento autêntico, o documentador garante, pela fé pública de que está revestido, que os factos, que documenta, se passaram; mas não garante, nem pode garantir, que tais factos correspondem à verdade.
VII - A escritura pública de permuta não faz prova plena de que uma das parte tenha pago à outra determinada quantia, porém, a declaração dessa parte perante o notário de já ter recebido o preço, tem este valor, porquanto implica o reconhecimento de um facto que lhe é desfavorável, e que o artigo 352.º do CCivil qualifica de confissão.
VIII - Trata-se de uma confissão extrajudicial, em documento autêntico, feita à parte contrária, admissível pela sua própria essência, que goza de força probatória plena contra o confitente (artigos 355.º, n.º s 1 e 4, e 358.º, n.º 2, do CCivil).
IX - A parte é admitida a destruir a força da confissão de haver recebido a quantia em causa, mediante a prova da realidade do facto contrário àquele que a confissão estabeleceu, mas não pode usar da prova testemunhal, desde que não seja arguida a falsidade da escritura pública ou a nulidade ou da confissão por falta ou vícios de vontade.
X - Celebrado o contrato definitivo (cumprida a obrigação principal), só podem continuar a ser invocadas as cláusulas do contrato promessa que consagrem prestações conexas que assumam autonomia própria, que surjam “desvinculadas” da obrigação principal da contrapa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 1203/14.6TBSTS.P1-Apelação
Origem-Comarca do Porto-Póvoa de Varzim-Inst. Central-2ª Secção Cível-J5
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Miguel Baldaia
2º Adjunto Des. Jorge Seabra
5ª Secção
Sumário:
I- Da articulação lógica entre o artigo 651º, nº 1 do CPC e os artigos 425º e 423º do mesmo Código resulta que a junção de documentos na fase de recurso, sendo admitida a título excepcional, depende da alegação e da prova pelo interessado nessa junção de uma de duas situações: (1) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso; (2) ter o julgamento de primeira instância introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional.
II- Quanto ao primeiro elemento, a impossibilidade refere-se à superveniência do documento, referida ao momento do julgamento em primeira instância, e pode ser caracterizada como superveniência objectiva ou superveniência subjectiva.
III- Objectivamente, só é superveniente o que historicamente ocorreu depois do momento considerado, não abrangendo incidências situadas, relativamente a esse momento, no passado. Subjectivamente, é superveniente o que só foi conhecido posteriormente ao mesmo momento considerado.
IV- Neste caso (superveniência subjectiva) é necessário, como requisito de admissão do documento, a justificação de que o conhecimento da situação documentada, ou do documento em si, não obstante o carácter pretérito da situação quanto ao momento considerado, só ocorreu posteriormente a este e por razões que se prefigurem como atendíveis.
V- Só são atendíveis razões das quais resulte a impossibilidade daquela pessoa, num quadro de normal diligência referida aos seus interesses, ter tido conhecimento anterior da situação ou ter tido anteriormente conhecimento da existência do documento.
VI- No documento autêntico, o documentador garante, pela fé pública de que está revestido, que os factos, que documenta, se passaram; mas não garante, nem pode garantir, que tais factos correspondem à verdade.
VII- A escritura pública de permuta não faz prova plena de que uma das parte tenha pago à outra determinada quantia, porém, a declaração dessa parte perante o notário de já ter recebido o preço, tem este valor, porquanto implica o reconhecimento de um facto que lhe é desfavorável, e que o artigo 352.º do CCivil qualifica de confissão.
VIII- Trata-se de uma confissão extrajudicial, em documento autêntico, feita à parte contrária, admissível pela sua própria essência, que goza de força probatória plena contra o confitente (artigos 355.º, n.º s 1 e 4, e 358.º, n.º 2, do CCivil).
IX- A parte é admitida a destruir a força da confissão de haver recebido a quantia em causa, mediante a prova da realidade do facto contrário àquele que a confissão estabeleceu, mas não pode usar da prova testemunhal, desde que não seja arguida a falsidade da escritura pública ou a nulidade ou da confissão por falta ou vícios de vontade.
X- Celebrado o contrato definitivo (cumprida a obrigação principal), só podem continuar a ser invocadas as cláusulas do contrato promessa que consagrem prestações conexas que assumam autonomia própria, que surjam “desvinculadas” da obrigação principal da contrapa
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I-RELATÓRIO

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

B…, casado, residente na Rua …, .., …, …-… …, C…, casado, residente na Rua …, …, …, Trofa, por si e na qualidade de procurador de sua mãe D…, viúva, residente na Rua …, …, Trofa, E…, solteira, maior, residente na Rua …, …, …, Trofa, F…, solteiro, maior, residente na Rua …, …, …, Trofa, G…, casada, residente na Rua …, .., …, H…, casada, residente na Rua …, …, …, Trofa, vêm instaurar Acção de Condenação com processo comum contra I…, S.A.”, com sede à Av. …, …, Trofa, pedindo que julgada provada por procedente em consequência, a Ré seja condenada a:
a) Reconhecer que os Autores são os donos e legítimos proprietários da propriedade identificada no artigo 1º da petição e do caminho de acesso à mesma que vai da EM …, da Maia, até à sua entrada, com a configuração que consta da planta topográfica anexa aos autos e, declarar-se que o são;
b) Retirar de imediato todas as vedações e portões que colocou no dito acesso e que impedem que os autores por ele circulem livremente para acesso à sua propriedade;
c) Abster-se de, por qualquer meio ou obra, impedir a passagem livre e desembaraçada dos Autores pelo dito caminho até à sua propriedade;
d) Realizar a pavimentação em asfalto com faixa de 10 metros de largura do referido acesso, desde o caminho junto à entrada das suas instalações até à entrada da propriedade dos autores.
Para o efeito, alegaram em síntese que por contrato escrito de 1990, depois aditado em 1992, então outorgado pela terceira autora e seu marido com as antecessoras da ré, foi negociada uma permuta de terrenos, no âmbito da qual, como condição essencial do negócio, ficara acordada a construção de um caminho de acesso à propriedade dos ora autores, caminho que ficou a pertencer aos mesmos, pois, caso assim não fosse, a sua propriedade ficaria encravada e nada valeria (assim sendo acordado que a autora D… e marido entregariam uma área de 22.201 m2, recebendo apenas 19.011 m2, sendo a diferença de 3.190 m2 correspondente à área da estrada de acesso a construir a expensas da 2ª ré). Na sequência desse acordo, em 29 de Julho de 1992, foi feita escritura de permuta, onde se consumou todo o negócio acordado, nada se escriturando em relação à questão do caminho dado estar previsto ser a Câmara Municipal … a construir o mesmo, passando-o depois para o domínio público. Entretanto, a ora ré deu início à construção da sua fábrica da indústria farmacêutica, e abriu todo o acesso, com a largura de 12 metros, em terra batida, até à propriedade dos autores, tendo depois vedado as suas instalações, deixando de fora das mesmas a tal faixa de 12 metros que constituía o acesso à propriedade dos autores. Assim, desde 1990 que a autora D…, marido e seus herdeiros, começaram a usar tal caminho para acesso à sua propriedade, por ele passando com os seus tractores, outros veículos ou a pé, mando-o limpar e conservar, sem que nunca tivesse existido oposição de ninguém, mantendo-se o mesmo sempre livre e desocupado na convicção de que se tratava de coisa sua. Acontece, porém, que em violação do acordado nos documentos escritos elaborados em 1990 e depois confirmados em 1992, sem que nunca até então a ré ou qualquer outra entidade pusesse em causa a propriedade e uso que os autores deram ao dito caminho, a ré vedou o mesmo e nele colocou um portão, assim ofendendo a posse e propriedade dos autores e o direito que têm de circular e aceder livremente à sua propriedade.
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A ré contestou, impugnando a matéria alegado pelos autores, dizendo em suma que os contratos a que fazem referência, para sustentar a sua tese de meros contratos promessa, se encontram consumidos, como os próprios autores admitem, pela escritura definitiva de permuta de 29 de Julho de 1992, da qual não consta qualquer alusão a qualquer obrigação da ré de construção de qualquer estrada, ideia que foi assim claramente abandonada. E, tanto assim é que durante estes mais de vinte e dois anos entretanto decorridos, nunca reclamaram os autores, em momento algum, o cumprimento de tal obrigação, pois que, naquela escritura definitiva, as áreas efectivamente permutadas foram distintas das prometidas, sendo então acordado o pagamento à terceira autora da compensação, por essa diferença, de três milhões e duzentos mil escudos, de que de imediato se deu quitação. Com a outorga do contrato prometido, o contrato promessa esgotou a sua função, ficando a prevalecer, como objecto contratual, o conteúdo emergente das declarações negociais constantes do contrato definitivo, assim se extinguindo aquele dito contrato promessa.
Por outro lado, alega que o contrato contrato-promessa a que aludem os autores nunca poderia servir de título de transmissão de qualquer direito real, sendo que em todos estes anos nunca os autores tiveram a posse da referida faixa de terreno, pois que sempre foi a ré quem a usa, limpa, conserva e vigia, suportando os custos inerentes, desde que ai se encontra instalado o seu complexo industrial.
Finalmente, afirma que aquela faixa de terreno é sua propriedade e encontra-se registada em seu nome beneficiando, assim, da presunção do registo e invoca ainda a existência de abuso de direito por parte dos autores e deduz pedido reconvencional pedindo que seja declarada extinta, por desnecessidade, a servidão de passagem sobre o prédio da ré, em benefício do prédio da terceira autora, caso a mesma venha a ser reconhecida.
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Os autores replicaram, dizendo, em suma, que não pedem o reconhecimento de qualquer direito de servidão (não fazendo assim qualquer sentido o pedido reconvencional deduzido), afirmando sim a propriedade sobre a faixa de terreno em causa, por usucapião, dizendo ser falso que a autora D… tenha recebido qualquer quantia sobre aquela parcela, muito menos os aludidos 3200 contos mencionados na dita escritura, não tendo assim o contrato definitivo esgotado o contrato promessa, porquanto existiam condições neste para ser cumpridas até 1994 muito para além da celebração daquele.
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A ré respondeu nos termos que dos autos constam.
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Findos os articulados, e proferido respectivo despacho saneador, em audiência prévia designada para esse efeito onde, desde logo, se decidiu pela inexistência de qualquer nulidade da réplica, pela improcedência da excepção de prescrição e não se admitiu o pedido reconvencional deduzido.
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Teve depois lugar a audiência de discussão e julgamento, a qual decorreu em obediência ao formalismo legal como consta da respectiva acta.
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A final foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente por provada e, em consequência, reconheceu apenas que os Autores são os donos e legítimos proprietários da propriedade identificada no artº 1º da petição inicial, improcedendo quanto ao mais.
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Não se conformando com o assim decidido, vieram os Autores interpor recurso, concluindo as suas alegações nos seguintes termos:
I - Deve ser admitido um documento em fase de Recurso que os AA. não tinham conhecimento da sua existência e só após a morte da A. D… é que tiveram acesso ao seu espólio e que veio a aparecer no prazo das Alegações de Recurso.
II - Tanto mais que era uma pessoa idosa com cerca de 90 anos, que faleceu no decurso do processo e não sabia avaliar a qualidade e utilidade do documento que tinha.
III - Muito menos se apercebeu que esse aditamento ao contrato era aquele onde diziam que não tinham recebido qualquer quantia na escritura de permuta, em troca do terreno que levava a menos.
IV - A sua junção é possível à luz do que dispõe o nº 1 do artº 651, ex vi artº 425 ambos do C.P.C..
V - Por esse documento se vê que a A. D…/permutante nada recebeu e era para receber a área do caminho ou então, uma servidão real de passagem com as mesmas características do caminho.
VI - Por isso é que a Ré durante mais de 20 anos nunca quis saber de tal caminho, que era utilizado pelos AA. no acesso à sua propriedade, principalmente para retirar a madeira que aí crescia.
VII - Logo é irrelevante que a D… tenha dito na escritura de permuta que recebeu dinheiro, pois é passível a prova de que não recebeu.
VIII - E por isso, por mera cautela é que a Ré em Reconvenção vinha pedir a extinção de servidão por desnecessidade.
IX - A prova manifesta que sempre reconheceu aos AA. o direito desse acesso e por lá passar.
X - A verdade é que não há qualquer documento onde se clausula que a cedência do acesso foi abandonada pelos AA.
XI - O contrato prometido tinha muitas clausulas a serem cumpridas depois da escritura de permuta, pelo que não se esgotaria nesta escritura.
XII - Logo, a construção do arruamento era uma obrigação conexa, com autonomia própria, cuja execução, prazos e condições se prolongam para além da permuta.
XIII - Quando numa escritura de compra e venda/permuta o vendedor diz que recebeu o valor do preço, isso não tem eficácia plena.
XIV - Com efeito é ao devedor que cumpre provar o cumprimento da obrigação e não o contrário, nos termos do artº 342 do C.C..
XV - A força plena do documento só vai até onde alcança a percepção do Notário, mas já não à veracidade do conteúdo do mesmo, mesmo quando o vendedor diz que já recebeu o valor do preço da venda.
XVI - Este facto pode ser impugnado por qualquer parte sem necessidade de arguição de falsidade do documento, uma vez que a eficácia plena não existe quanto ao rigoroso sentido, sinceridade, veracidade ou validade das declarações emitidas pelas partes.
XVII - A prova desse facto pode ser feita por qualquer forma, maxime, por prova testemunhal.
XVIII - A normalidade na vedação das propriedades é que ela se faça até ao extremo da mesma.
XIX - É anormal, face ao valor das propriedades imobiliárias que se deixe fora da vedação uma área de 3.200 m2 e com 12 metros de largura.
XX - Tanto mais que depois não se deixa qualquer entrada para essa área.
XXI - Se a Ré já não tinha que fazer o acesso porque entendeu que ficara desobrigada dessa obrigação na escritura de permuta, é sinal contraditório e pertinente que acabe por fazer o acesso nas condições em que acordou na promessa.
XXII - Já que a promessa foi feita em 1990, aditada até 1992 e as instalações da Ré só foram feitas em 1994/1995, ou seja o acesso com a sua largura de 12 m, a rede, os marcos, só foram feitos em 1994 / 1995.
XXIII - São concludentes e provam que a Ré sabia que tinha obrigação de cumprir a obrigação com os AA. do acesso, se as plantas que ela produziu um ano após a permuta, e entregou na Câmara Municipal … para licenciar as suas instalações tinham bem definido o acesso a entregar aos AA., não contemplando essa área como de ocupação das suas instalações industriais.
XXIV - E muito mais quando a Ré manteve esta situação durante mais de 20 anos, só a vindo a pôr em crise em 2013.
XXV - É relevante que as plantas que os mediadores imobiliários tinham em 2000 para transaccionar a propriedade dos AA. Também contemplavam o acesso para ela, o que prova que sempre consideraram como coisa sua integrante do seu imóvel.
XXVI - Pelo que deve ser alterado para provado que os AA. Não receberam qualquer quantia da Ré na escritura de permuta.
XXVII - Que a Ré sempre se posicionou para cumprir a obrigação de entregar aos AA. o acesso com 12 metros de largura.
XXVIII - A Ré sempre reconheceu que o terreno de 3.200 m2 fora da sua vedação era pertença dos AA..
XXIX - Que as condições da promessa de permuta não se esgotaram com a escritura pois tinha condições a realizar para além da mesma.
XXX - É óbvio e do conhecimento geral que nas propriedades rústicas destinadas à produção florestal, que são conhecidas por bouças, a entrada nas mesmas dos proprietários é pontual e só quando querem cortar mato ou retirar madeira.
XXXI - Pela diversidade e qualidade das testemunhas apresentadas pelos AA., que não eram seus dependentes, ao contrário das da Ré, só funcionários, se verifica que os AA. tiveram sempre o uso exclusivo do acesso, sem oposição de ninguém e por todos eram considerados os seus donos.
XXXII - Tendo a Ré vedado as suas instalações com uma rede definitiva, deixou de usar e fruir de tal parcela de terreno que os AA. cuidaram ao longo dos anos, como propriedade sua que era.
XXXIII - Finalmente do depoimento gravado da testemunha J…, K…, L…, M…, N…, O…, P… e Q… que mostraram isenção e ter conhecimento directo dos factos e não por lhes ter sido dito.
XXXIV - É manifesto que tais testemunhas dos RR, os seus assalariados, dizem até à exaustão que nunca viram lá ninguém passar no que são contrariados pelas 2 seguranças S… e T… que viram lá pessoas e carros a passar mais dizem que não tinham ordens para intervir para além da vedação em rede.
XXXV - A prova concludente que a Ré não reconhecia o acesso como sua propriedade e, por isso, ficava fora da alçada dos U….
XXXVI - Pelo que com base nos depoimentos gravados supra referidos, tem de ser alterado para provado que o acesso à propriedade dos AA. foi adquirido por usucapião, dado o seu uso exclusivo desde 1990, sem oposição de ninguém e demais elementos que provam do usucapião.
XXXVII - Também tem de ser alterado para provado com base nos mesmos depoimentos que desde 1990 os AA. usavam o acesso para lá passar com tractores e a pé, que são eles que conservam e mantêm desocupado o acesso.
XXXVIII - Se a energia da EDP é pública e paga pela Câmara Municipal …, na Rua acesso à propriedade da Ré, não pode ela invocar que tal caminho é privado, pois em 1993 já existia e nunca o adquiriu.
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Devidamente notificada, contra-alegou a Ré concluindo pelo não provimento do recurso.
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Após os vistos legais cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. cfr. arts. 635º, nº 3, e 639º, nsº 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação são apenas duas as questões a decidir no presente recurso:
a)- saber se o tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto;
b)- decidir de direito conforme a alteração, ou não, do quadro factual que o tribunal recorrido fixou e, mesmo permanecendo alterado, saber se a sua subsunção se encontra correctamente feita.
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A)-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

É a seguinte a matéria factual que o tribunal recorrido deu como provada:
1.º- Encontra-se registado em nome da terceira autora, D… (falecida na pendência desta acção), casada com V…, um prédio rústico, sito no …, Concelho da Trofa, com a área total de 90.000m2, inscrito na matriz rústica daquela freguesia sob o artigo 393, ali constando como confrontações, de norte com V…, sul e nascente com W…, Lda., e ponte com D…, pela descrição nº 1268/20010727 da Conservatória do Registo Predial da Trofa.
2.º- Do teor daquela certidão resulta a desanexação do 01269/270701, com 22.200m2, ficando de área restante, 67.800m2.
3.º- V… faleceu em 29/01/1995, encontrando-se os 1º (casado com a 6ª autora), 2º (casado com a 7ª autora), 3º, 4º e 5º autores devidamente habilitados por escritura de habilitação outorgada no 1º Cartório Notarial de Santo Tirso em 20/03/1995.
4.º- No início de 1990, apareceu à autora D… e seu marido V…, o Sr. Dr. X…, residente no …, ..–.., Sala …, Porto, que se apresentava como sócio ou legal representante de duas sociedades “Y…, Lda.”, NIPC ………, com sede na Rua …, …/…, Lisboa e, “Z…, Lda.”, NIPC ………, com sede na Rua …, …, Porto, que pretendia adquirir para estas duas sociedades um amplo terreno destinado à instalação de uma indústria farmacêutica, a Poente da A., sentido …/….
5.º- Como a autora D… e seu marido eram possuidores nessa zona de diversas propriedades rústicas, queriam comprar algumas delas para juntar a outras que iriam adquirir a outros proprietários da zona e, com essas áreas agregadas poder construir de raiz o complexo fabril farmacêutico que hoje lá se apresenta.
6.º- Aquela dita sociedade “Z…, Lda.”, acabou por ser incorporada, por fusão, na aqui ré, que é uma sociedade anónima que se dedica ao exercício da indústria, comércio, investigação e desenvolvimento na área farmacêutica, tendo instalada a sua sede e complexo industrial na antiga freguesia de …, concelho da Trofa, à margem da auto-estrada A. (…-…).
7.º- Assim em 13/07/1990, acordou-se na outorga de um “Contrato” entre a autora D… e seu falecido marido e a “Z…, Lda.” representada pelo Sr. Dr. X…, ficando acordado que se iriam fazer permuta dos terrenos que possuíam no local …, …, Trofa, e acertariam as estremas dos prédios que iriam permutar.
8.º- E que a área a permutar entre a autora D… e a “Z…, Lda.” seria igual, área por área e as linhas divisórias o mais rectas possíveis, para que não houvesse qualquer diferencial de valor.
9.º- Por força desse contrato, celebrado em 13/07/1990, nos termos constantes do Doc. nº 3 junto com a p.i. e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, nos seus itens 4 e 5, acordaram no seguinte:
4) Para acesso a partir da EM… (Estrada …) aos terrenos que após a permuta, ficarão a poente da linha divisória definida na Planta anexa e que ficarão pertença dos primeiros outorgantes, ambas as partes definem o seu regime do seguinte modo:
a) Enquanto tal necessitarem os utilizadores dos terrenos em causa gozam do direito de circulação e passagem de veículos e pessoas nos acessos existentes ou a construir pela segunda outorgante para aceder aos seus próprios terrenos.
b) A segunda outorgante obriga-se a, por um lado, ceder aos primeiros a propriedade plena de uma faixa de terreno com a largura de 12 (doze) metros e, por outro lado, obriga-se a construir a expensas suas e nessa faixa de terreno um caminho ou estrada pavimentada a asfalto com a largura de 10 (dez) metros que ficará sendo propriedade dos primeiros outorgantes. A área desta faixa de terreno será considerada no cômputo global da área em permuta e a transmissão da sua propriedade deverá ser contemporânea daquela mesma permuta. Será considerada igualmente no cômputo global da área em permuta a área equivalente àquela que o caminho ou estrada pavimentada vier a ocupar, naturalmente a acrescer à área efectivamente permutada. Tudo se passa para efeitos do cômputo de áreas – como se a segunda outorgante cedesse em permuta os terrenos identificados já, mais a faixa de terreno, mais a área de estrada ou caminho ali construído.
c) O traçado do caminho ou estrada e respectiva faixa de terreno, a que se refere a alínea b) desta Clausula, é da escolha da segunda outorgante. Deverá, no entanto, corresponder ao objectivo enunciado no início desta clausula, pelo que o seu começo e fim, respectivamente: o primeiro sobre o limite dos terrenos que, após a permuta, ficarão pertença dos primeiros outorgantes; o segundo nos acessos à EM … a que se refere a al. a) desta cláusula.
d) O traçado definitivo será fixado pela segunda outorgante até trinta dias antes da celebração da escritura de troca ou permuta de terrenos, e a estrada ou caminho deverá ser construído até nove meses após essa data.
5) Se se vier a verificar qualquer dificuldade ou impedimento de ordem legal ou se qualquer entidade vier a apresentar oposição ou obstáculos à presente troca ou permuta de terrenos, ambas as partes se comprometem a em tudo colaborar no sentido de conseguir por outras vias a obtenção prática dos objectivos prosseguidos com tal permuta, designadamente celebrando os contratos permitidos por Lei que permitam a posse e utilização exclusiva dos terrenos em causa por cada uma das partes, quer através de cessão gratuita das parcelas de terreno objecto da presente permuta, quer por outra via igualmente adequada.
Qualquer solução que venha a ser encontrada deverá corresponder o mais possível aos objectivos pretendidos, com o mínimo de custos para ambas as partes, e considerando o princípio de que ambos considerem equivalente o valor dos terrenos a permutar.
10.º- Este Contrato viria a ter um aditamento, outorgado em 05/05/1992, nos termos constantes do Doc. nº 3-A, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, pois que a autora D… e marido, e a “Z…, Lda.” acordam que alguns problemas que existiam aquando da celebração do contrato em 13/07/1990 já estavam ultrapassados com obtenção de licença e saída de ocupantes, e decidiram, então, actualizar o referido contrato, com um levantamento topográfico à escala 1:1000 dos terrenos a permutar e que ficou anexo a este Aditamento.
11.º- Mais acordaram que “a via de acesso, direito de circulação e obrigação de construção, a que se refere a cláusula quarta do contrato de 13/07/1990, as previsões dessa cláusula encontram-se em grande parte ultrapassadas por virtude do plano director para a Zona …, em vias de aprovação final pela Câmara Municipal …, impondo pois a actualização daquela cláusula.”
12.º- Assim, aditaram ao contrato inicial de 13/07/1990 as seguintes cláusulas:
10) A planta anexa a este aditamento e rubricada por ambas as partes corresponde à fixação definitiva dos terrenos a permutar e do limite futuro entre os prédios de ambas as partes. Tal limite encontra-se inscrito na planta através duma linha encarnada, ficando a Poente dessa linha os terrenos que pertencem ou pertencerão após a permuta aos primeiros outorgantes e a Nascente de tal linha os terrenos que pertencem ou pertencerão após permuta à segunda outorgante.
Os terrenos a permutar encontram-se igualmente assinalados a cor. O terreno de cor azul, digo, verde, com a área de 19.011 m2 destina-se a ser entregue pela Segunda à primeira outorgante esposa. O terreno de cor amarela com a área de 22.201 m2 destina-se a ser entregue pelos primeiros à segunda outorgante. No que diz respeita à estrada a construir a expensas da segunda outorgante, para acesso aos terrenos que ficam a poente da linha delimitadora dos prédios de ambas as partes, acima referida, encontra-se a mesma igualmente fixada na planta a cor encarnada com tracejado azul.
11 - A cláusula quarta do contrato de 13/07/90 é alterada do seguinte modo:
a) A Segunda outorgante compromete-se a construir uma estrada com as características do leito e pavimento então previstos, até ao limite dos futuros terrenos dos primeiros outorgantes e com início na futura estrada paralela à EM … que aparece no plano director … a construir pela respectiva Câmara desde o seu limite Nascente na actual estrada de acesso aos estaleiros / britadeira da construção da Auto Estrada A., até ao limite poente, na futura estrada que ligará a urbanização de … à mesma EM … junto ao …. Na planta anexa encontra-se destacado o conjunto de estradas e acessos até à EM … a cor encarnada. A estrada de acesso a construir pela segunda outorgante encontra-se realçada na planta em anexo a cor encarnada com tracejado azul.
b) Dos contactos particulares realizados junto da Câmara Municipal … pela segunda outorgante, ressalta a conclusão de que esta Câmara não prevê ser possível a construção da estrada paralela à EM …, no sentido Nascente / Poente, antes de 1994.
Por outro lado, é do interesse da segunda outorgante que tal estrada não se construa depois de 1994, pelo que irá pressionar aquela Câmara para este efeito. Finalmente não tem justificação avançar com a estrada de acesso cuja construção é da sua responsabilidade sem que aquela estrada camarária esteja pronta ou, pelo menos, com trabalhos de construção paralelos.
c) Assim, a segunda outorgante compromete-se a construir a estrada de acesso aos terrenos dos primeiros outorgantes (na planta anexa a cor encarnada com tracejado a azul) após devidamente licenciada a sua construção, até ao final do ano de 1994.
12) A área do terreno a dar à troca pelos primeiros outorgantes é de 22.201 m2 e pela segunda outorgante é de 19.011 m2, sendo a diferença de 3.190 m2, correspondente à área da estrada (leito e pavimento) a construir, conforme as regras de contagem fixadas na al. b) da cláusula quarta do contrato de 13/07/90.
Em tempo e fazendo parte do mesmo contrato e com redacção manuscrita foi acordado que:
Em complemento do acordado relativamente a prazos de construção e implementação da estrada de acesso a que se refere a Clausula 4ª, com as características acordadas, segundo este aditamento, a segunda outorgante assume o compromisso de vir a construir a expensas suas a ligação entre essa Estrada de Acesso (limite Sul) e a EM …, pelo trajecto que a ela segunda outorgante, for convenientes, sempre até ao final de 1994.
Este compromisso é assumido para a hipótese de não vir a ser construída pela Câmara Municipal D… a Estrada, igualmente referenciada na planta Anexa, de ligação entre a Estrada ou caminho de acesso à … (lado Nascente) à Estrada que ligará a urbanização de … à EM … (a Poente).
De qualquer modo, a segunda outorgante, informará a primeira outorgante, até final de 1993, de qual o trajecto definitivo de ligação da Estrada de acesso à EM ….
13.º- Em 29/07/1992, nos termos constantes do Doc. nº 5, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, consumando em escritura o negócio acordado, a autora D… e marido, por escritura de Permuta outorgada no Segundo Cartório Notarial do Porto, entregam à então “Z…, Lda.”, antecessora da ora ré, a parcela de terreno da sua “AB…” com a área de 22.200 m2 e recebe da dita empresa, ora ré, a área de 19.000 m2.
14.º- Da aludida escritura pública de permuta consta que:
“Disse a primeira outorgante:
Que é dona e legítima possuidora do prédio rústico que se identifica como “AB…”, unidas e formando um só prédio com a área de noventa mil metros quadrados, de pinhal e eucaliptal, no …, freguesia …, concelho de Santo Tirso, a confrontar do norte com herdeiros de AC…, caminho de servidão e prédio rústico da primeira outorgante e marido, do poente com arruamento, do sul e nascente com a representada do segundo outorgante, encontrando-se tal prédio inscrito na matriz predial rústica respectiva sob o artigo 393, e descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o número cinco mil duzentos e setenta e cinco, a folhas setenta e cinco, do livro B-dez.
Que tal prédio se encontra inscrito, definitivamente, em favor de seu pai, AD…, desde dezoito de Julho de mil novecentos e dezasseis, pela inscrição número sete mil setecentos e cinquenta e dois, do livro G-onze.
Que por óbito de seu referido pai, falecido no estado de casado em comunhão geral com D. AE…, correu inventário obrigatório, com o processo número quatrocentos e vinte e sete barra quarenta, da Terceira Secção do Tribunal Judicial de Santo Tirso, onde foi descrito sob o número vinte e quatro o prédio acima identificado, o qual veio a ser adjudicado à viúva e mãe da declarante, AE…, em partilha homologada por sentença de dezanove de Julho de mil novecentos e quarenta, devidamente transitada em julgado.
Que, por óbito da sua mãe supra identificada, ocorrido em três de Maio de mil novecentos e sessenta, a propriedade e posse de tal prédio foi-lhe transmitida a ela primeira outorgante, como sua única e universal herdeira, conforme consta da escritura de habilitação de herdeiros celebrada em nove de Maio de mil novecentos e noventa, iniciada a folhas noventa e duas, do livro de notas para escrituras diversas número cento e quarenta e três-B, do Cartório Notarial da Maia.
Que, encontrando-se casada já em tal data com o terceiro outorgante, sob o regime da comunhão de adquiridos, tal prédio constitui seu bem próprio de harmonia com o disposto no artigo mil setecentos e setenta e dois, número um, alínea b), do Código Civil.”
15.º- Nessa mesma escritura, ambos os outorgantes deram as áreas e configuração às propriedades que ficaram a deter após as referidas permutas, sendo que a parcela que ficou a pertencer à dita autora D… ficou assim descrita:
“AB…” unidas e formando um só prédio com a área de oitenta e seis mil e oitocentos metros quadrados, pinhal e eucaliptal, nos … e …, Freguesia …, Concelho de Santo Tirso, a confrontar do Norte com herdeiros de AC…, caminho de servidão e V… (prédio do primeiro e terceiro outorgantes – artigo 403), do poente com arruamento, AF… e outros (artigos 383 a 387) do Sul com AG… (artº 389) e do Nascente com “Z…, Limitada (artº 391).
16.º- Ficando ali exarado que, atenta a “diferença de valores entre as parcelas permutadas”, a autora D… recebeu da predecessora da ré o montante de “três milhões e duzentos mil escudos”, dando a “devida quitação”.
17.º- A ré, quando inicialmente construiu e instalou no local a sua indústria …, vedou a propriedade que à data detinha com rede de cor verde, deixando de fora da sua vedação, do lado sul, uma faixa de terreno, com cerca de 12 metros de largura, em terra batida, em linha recta, desde a entrada das instalações da ré, junto da AE., até ao prédio dos autores, que assim manteve até recentemente, quando decidiu edificar uma nova vedação circundante de toda a sua propriedade no concelho da Maia.
18.º- Na tal parcela de terreno fora da vedação que edificou, a ré, do lado norte, colocou marcos de granito, numerados de 1 a 21, com a anuência e presença do seu proprietário à data, ao longo dessa faixa de terreno, desde a estrada de acesso às instalações da ré até perto da entrada do terreno dos autores.
Mais se provou que:
19.º- Os autores, por si e seus antepossuidores, vêm usando e fruindo do imóvel descrito em 1º e 2º, há mais de 40 anos, à vista e com o conhecimento de toda a gente, de forma ininterrupta de boa fé e pacificamente, sem oposição de ninguém, na convicção que é um bem próprio deles e de não lesarem direitos alheios, cuidando do terreno, vendendo árvores, limpando os matos, pagando os respectivos impostos.
20.º- Quando a ré deu início à construção da sua fábrica da indústria …, na área situada entre a A.E. A. e a propriedade dos ora autores, abriu todo o acesso, com a largura de 12 metros, em terra batida até à propriedade destes, tendo apenas pavimentado a asfalto a estrada que vai da EM até ao portão da entrada das suas instalações.
21.º- Desde então que aquele caminho era usado por diversas pessoas, que se deslocavam da localidade de … para a … e diversas fábricas então localizadas naquela Zona …, Maia, por ser um percurso muito mais curto do que pela estrada pública, sendo por aí que saiu a madeira que os autores venderam daquela sua propriedade.
22.º- Em finais de Abril de 2013, os autores verificaram que pessoal a mando da ré andava a fazer obras no dito caminho, tendo começado a derrubar alguns dos marcos numerados que o delimitava da propriedade a sul, acabando por colocar um portão de correr no início do dito caminho, no local onde ele entroncava, com acesso às instalações da ré, vedando também com rede a propriedade a Sul que adquiriu aos herdeiros de AI….
23.º- No fim do dito caminho, já a Poente, junto da entrada da propriedade dos autores ergueu também uma vedação em rede.
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III- O DIREITO

Questão Prévia
Na sua alegação requerem os apelantes a junção aos autos de um documento de que apenas agora tiveram conhecimento e que, por isso mesmo, não puderam em momento anterior carrear para o processo.
Trata-se de um documento datado de 27 de Julho de 1992, intitulado “Aditamento ao contrato celebrado em 17.07.1990”, em que figuram como partes, de um lado, V… e D… (Autora falecida na pendência da causa) e, do outro, a sociedade Z…, Lda. (posteriormente incorporada na aqui Apelada).
Invocam os Autores, para sustentar a admissibilidade da junção deste documento nesta fase do processo, o disposto nos artigos 651.º n.º 1 e 425.º do Código de Processo Civil.
Vejamos, então, se tal admissão se mostra possível.
À questão da junção de documentos na fase de recurso se refere expressamente o artigo 651º, nº 1 do CPC, cujo teor ora se transcreve:
Artigo 651º
Junção de documentos e de pareceres
1-As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425º ou no caso da junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância.
E dispõe o artigo 425º para o qual remete o texto da norma acabada de transcrever:
Artigo 425º
Apresentação em momento posterior
Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.
E importará ter presente, enfim, enquanto norma contendo o “princípio geral” que referencia, na dinâmica do processo, o momento da apresentação de prova por documentos, o artigo 423º do CPC:
Artigo 423º
Momento da Apresentação
1-Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
2-Se não forem juntos com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.
3-Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.
Da concatenação destas normas decorre, que a junção de documentos em sede de recurso (junção que é positivamente considerada apenas a título excepcional) depende da caracterização (rectius, da alegação e da prova) pelo interessado nessa junção de uma de duas situações: (1) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso, valendo aqui a remessa do artigo 651º, nº 1 para o artigo 425º; (2) o ter o julgamento da primeira instância introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional, que até aí-até ao julgamento em primeira instância-se mostrava desfasada do objecto da acção ou inútil relativamente a este.
Os documentos em referência nos citados artigos são habitualmente designados de documentos supervenientes, sendo que, e a sua superveniência pode ser objectiva, nos casos em que o documento só foi produzido em momento posterior ao do encerramento da discussão ou subjectiva, quando o documento, apesar de já existir, só chegou ao conhecimento da parte depois desse momento.
Neste caso invocam os Autores a superveniência subjectiva do documento, já que este, sendo datado de 27-07-1992, existia mesmo antes da data da proposição da acção (afastando-se, assim, liminarmente, a hipótese de superveniência objectiva).
Como se sabe, a junção de documentos na instância de recurso obedece, como não poderia deixar de ser, a regras particularmente restritivas.
Como supra se referiu, com as suas alegações do recurso de apelação, as partes só podem juntar documentos, objectiva ou subjectivamente, supervenientes, isto é, cuja apresentação foi impossível até à apresentação dessas alegações ou cuja junção se torne necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância (artº 524 nºs 1 e 2 e 693-B, 1ª parte, do CPC).
Todavia, esta faculdade não compreende o caso de a parte pretender oferecer um documento que poderia–e deveria–ter oferecido naquela instância.
Com efeito, quando ocorra uma dessas situações, a parte que pretenda oferecer o documento deve, demonstrar a impossibilidade da junção do documento no momento normal, ou seja, alegando e demonstrando o carácter objectivo ou subjectivamente superveniente desse mesmo documento.
Ora, no que concerne à superveniência subjectiva não basta invocar que só se teve conhecimento da existência do documento depois do encerramento da discussão em 1ª instância, pois que, dessa forma permitir-se-ia que fossem acolhidas todas as incúrias e imprevidências das partes.
Portanto, a parte deve alegar e provar a impossibilidade da sua junção naquele momento e, como tal, que o desconhecimento da existência do documento não deriva de culpa sua.
Efectivamente, a superveniência subjectiva pressupõe o desconhecimento não culposo da existência do documento, sendo que, em qualquer caso, a parte deve alegar e demonstrar que o desconhecimento do documento não ficou a dever-se uma negligência sua, já que só desse modo o documento pode ter-se por subjectivamente superveniente.[1]
Sopesando, não basta alegar a superveniência subjectiva do documento, sendo ainda exigível à parte a prova quer do não conhecimento tempestivo do documento, quer da inimputabilidade a uma culpa própria da ignorância da existência dele.
Todavia, só são atendíveis razões das quais resulte a impossibilidade daquela pessoa, num quadro de normal diligência referida aos seus interesses, ter tido conhecimento anterior da situação ou ter tido anteriormente conhecimento da existência do documento, pois que, como se refere no Ac. da RC de /11/2014[2] a “(…) a questão não é o que “não se sabe”, “porque não se sabe”-ninguém sabe aquilo que não teve acuriosidade ou o cuidado de averiguar-a questão é o que justificadamente alguém “não podia saber, mas veio a saber mais tarde” e só neste caso se fala em superveniência subjectiva.”
Feitos estes breves considerandos, na sua alegação de recurso os apelantes não indicam um único meio de prova do carácter subjectivamente superveniente do documento.
Na verdade, sob este conspecto, referem apenas que: “Já após a Sentença e verificando que não tinham feito prova de que os pais não receberam o dinheiro da escritura de permuta, os AA. intensificaram a sua pesquisa e encontraram um documento há dias, que vem atestar aquilo que a A. D… sempre disse, que valor algum tinha recebido da Ré ou seus antecessores.
Como era do desconhecimento dos AA. este documento não podia ter sido junto antes e a A. D… também não se lembrava dele nem nunca o referiu aos demais AA., só dizendo que nada tinha recebido.”
Importa, desde logo enfatizar que entre as pessoas físicas que figuram nesta acção como Autores, se inclui a referida D…, falecida embora na pendência da causa, e que alegadamente, outorga o documento cuja junção é agora pretendida pelos demais Autores, documento esse que referem estava na posse daquela e que encontraram na sequência da intensificação das pesquisas dos documentos que existiam na casa da falecida.
Resulta, assim com meridiana clareza que os Autores, usando da mencionada “diligência referida aos seus interesses”, poderiam ter encontrado o documento em questão em momento anterior, tanto mais que, como referem, contando a referida D… já com 90 de idade, deveriam ter intensificada a referida pesquisa, mesmo antes do seu falecimento e mesmo antes de terem instaurado a acção.
Como bem se refere nas contra-alegações recursivas “não seria exigir muito que os Autores e, em especial, a Autora D…, procurassem na sua casa toda e qualquer documentação que pudesse interessar para esta acção, especialmente documentos que ela própria tivesse assinado.
E repare-se até que, sendo o documento em causa datado de 27-07-1992, não tiveram os Autores qualquer dificuldade em encontrar e logo juntar à sua Petição Inicial documentos quer com data anterior (Doc. n.º 3, datado de 13 de Julho de 1990 e Doc. n.º 3-A, datado de 5 de Maio de 1992) quer posterior (Doc. n.º 5 datado de 29 de Julho de 1992)”.
Evidentemente que, se a idade avançada da mencionada Autora poderia justificar o facto de a mesma não se lembrar da existência do mencionado documento, já não justifica que, referindo ela que nada havia recebido da permuta, os demais Autores não tivessem feito todas as pesquisas necessárias na casa da falecida Autora e, com a mínima diligência, encontrar o documento em causa.
Repare-se que a referida D… faleceu em 14-10-2014 (cfr. certidão retirada de procedimento simplificado de habilitação de herdeiros, junto pelos Apelantes ao seu requerimento n.º 18305380, apresentado em juízo a 16/12/2014 e sentença de habilitação) e, portanto, decorreram mais de 17 meses até à data da apresentação das suas alegações, além de que, referindo os Autores que o documento em causa foi encontrado na “casa da falecida”, seguindo a sua indicação constante da petição inicial, esta Autora tinha o seu domicílio na Rua …, n.º …, …, onde igualmente residiam, segundo a mesma indicação, (constante, também, da referida certidão que juntaram aos autos com o seu requerimento de 16-12-2014), os Autores C…, E…, F… e H….
E nem se diga, por último, que a junção do documento ora em causa se tornou “necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância” (parte final do artigo 651.º n.º 1 do Código de Processo Civil).
O normativo em referência e atrás transcrito, também admite, no seu trecho final, a junção de documentos com as alegações de recurso nos casos em que o julgamento proferido em primeira instância torne necessária a consideração desse documento.
Todavia, pressupõe esta situação, a novidade da questão decisória justificativa da junção pretendida, como questão operante (apta a modificar o julgamento) só revelada pela decisão, sendo que isso exclui que a decisão se tenha limitado a considerar o que o processo já desde o início revelava ser o thema decidendum.[3]
Com efeito, como refere expressivamente António Santos Abrantes Geraldes[4], “[p]odem […] ser apresentados documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, maxime quando este se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo” e mais à frente acrescenta[5] “A jurisprudência anterior sobre esta matéria não hesita em recusar a junção de documentos para provar factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado”.
Ora, nada disso ocorre na situação sub júdice, aliás, nem os recorrentes aduzem qualquer fundamento para a sua junção dentro dos condicionalismos atrás referidos, além de que, a questão do pagamento ou não pagamento do montante mencionado na escritura de permuta já tinha sido invocado pelos Autores na sua petição inicial e, obviamente, não pode este normativo servir como pretexto para a junção de documentos já antes disponíveis para demonstração de factos sujeitos a prova e que se vieram a julgar indemonstrados.
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Em consequência, recusa-se a junção do referido documento e consequentemente, ordena-se o seu desentranhamento, condenando-se os recorrentes em multa que se fixa em 1 (uma) UC nos termos do artigo 543.º, nº 2 do CPC e do artigo 27.º, nº 1 e 3 do Regulamento das Custas Processuais.
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Improcede, assim, as conclusões I a VI formuladas pelos recorrentes.
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Como supra se referiu a primeira questão colocada no recurso consiste em:

a)- saber se o tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto.

Como o evidenciam as alegações recursivas os recorrentes impugnam, no presente recurso, a decisão sobre matéria de facto proferida pelo tribunal recorrido.
Importa então e desde logo saber se deve ou não ser conhecido este segmento recursivo.
Estabelece o artigo o artigo 640.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão de facto” que:
1- Quando seja impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na al. b) do número anterior observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento de erro na apreciação das provas tenham sido gravados incumbe ao recorrente sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
(…)
Esta norma impõe rigor e precisão, onerando o recorrente com o dever de especificar os factos e os meios probatórios que, em concreto, questiona bem como o sentido decisório que devem ter as questões de facto impugnadas.
Para além disso, a especificação dos concretos meios probatórios constantes da gravação deve ser acompanhada da indicação do local onde na gravação constam aqueles.
Portanto, neste novo regime, o legislador concretiza a forma como se processa a impugnação da decisão, reforçando o ónus de alegação imposto ao recorrente.
No preâmbulo do Decreto-Lei n.º 39/95, de 15/02, que introduziu o artigo 690º-A do Código de Processo Civil, na versão anterior à do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, justificava-se essa solução da seguinte forma: “A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso. Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1.ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido. A consagração desta nova garantia das partes no processo civil implica naturalmente a criação de um específico ónus de alegação do recorrente, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação”.
Tem-se entendido, aliás, que o cumprimento deste ónus deve ser feito com rigor e a falha correspondente não deve ser vista com benevolência. É o entendimento de Abrantes Geraldes[6], in Recursos em Processo Civil, Novo Regime, pág. 147, onde este autor sustenta que “as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor, próprio de um instrumento processual que visa pôr em causa o julgamento da matéria de facto efectuado por outro tribunal em circunstâncias que não podem ser inteiramente reproduzidas na 2ª instância. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”.[7]
Sob pena de se desvirtuar a letra da norma, que vincula o intérprete nos termos do artigo 9.º do C. Civil, e a sua ratio, considerando a evolução legislativa no sentido da alteração do regime do recurso da matéria de facto, (D. Lei 39/95 de 15 de Fevereiro, D. Lei 183/200 de 10 de Agosto e o D. Lei 303/2007 de 24 de Agosto) e Lei 41/2013 de 26/06, procurou o legislador simplificar os actos das partes e facultar ao tribunal da Relação uma actividade mais aproximada da oralidade e da imediação, sendo suficiente a remessa para a passagem da gravação onde se encontra a parte do depoimento que deve ser valorado.
A transcrição não é obrigatória, tal como resulta expressamente do já citado artigo 640.º, nº 2 al. a) do NCPCivil e o seu oferecimento não supre a omissão das especificações concernentes à gravação, conclusão expressa naquele preceito.
Portanto, este regime, ainda que convertendo em maior facilidade o ónus de todos os intervenientes, impõe a sua observação estrita, compatível com a sanção prescrita em função da enunciada omissão-a rejeição do recurso, no que a esta impugnação respeita.[8]
Isto dito, vejamos, então, se os recorrentes cumpriram os referidos ónus e em que medida.
Como resulta do artigo 640.º, nº 1 al. a) acima transcrito o recorrente deve especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, ou seja, os pontos factuais que, em seu entender, o tribunal recorrido considerou provados e não o deveriam ter sido ou deviam tê-lo sido mas com diferente âmbito ou então os pontos factuais que o tribunal considerou não provados e deveriam ter sido considerados provados, o que significa que a referida incorrecção se afere em função dos factos que o tribunal recorrido considerou provados e não provados em consonância, aliás, com aquilo que estatuiu o artigo 607.º, nº 4 do CPCivil, isto é, que na fundamentação da sentença o juiz deve declarar os factos que julga provados e os que não julga provados.
Como emerge das alegações recursivas, a discordância dos apelantes em relação à impugnação da matéria de facto, abrange apenas a factualidade que o tribunal recorrido deu como não provada.
Ora, na fundamentação da sentença, o tribunal recorrido, sob este conspecto discorreu do seguinte modo:
Não se provaram quaisquer outros factos dos alegados e levados aos temas de prova, e outros que tivessem interesse e/ou relevância para a boa decisão da presente causa, designadamente:
- Que no âmbito dos contratos realizados, e negociações dos mesmos, foi dado especial realce e pormenor ao caminho de acesso à propriedade dos autores, o que constituía uma condição essencial do negócio, pois que, sem a mesma, a aludida propriedade ficaria encravada;
– Que os autores, por si e seus antepossuidores, vêm usando e fruindo do acesso desde 1990 à vista e com o conhecimento de toda a gente, de forma ininterrupta, de boa fé e pacificamente, sem oposição de ninguém, na convicção que é um bem próprio deles e de não lesarem direitos alheios, cuidando do terreno, vendendo árvores, limpando os matos, pagando os respectivos impostos;
- Que desde 1990 que a autora D…, Marido e seus herdeiros, começaram a usar tal caminho para acesso à sua propriedade identificada ali passando com os seus tractores, outros veículos ou a pé.
- Que desde 1990 foram inúmeras as vezes que os autores mandaram limpar e conservar o dito caminho, sem que nunca tivesse existido oposição de ninguém, mantendo-se o mesmo sempre livre e desocupado;
- Nenhum outro facto para além da factualidade vertida nos contratos de 13/07/1990 (e aditamento de 05/05/1992) e 29/07/1992”.
Portanto, era função desta factualidade dada como não provada que a impugnação feita pelos recorrentes se devia ter centrado.
Acontece que, para além dos recorrentes não terem centrado a sua impugnação apenas na factualidade que o tribunal recorrido deu como não provada, não existe coerência, neste segmento recursivo, salvo quanto ao facto do não pagamento do montante mencionado na escritura de permuta entre aquilo que é dito na motivação de recurso e aquilo que foi vertido nas conclusões XXVII a XXIX, sendo que, o vertido nas referidas conclusões[9] não são factos mas meras conclusões.
Destarte, a nossa análise e decisão, no que tange à impugnação da matéria de facto, irá apenas cingir-se aos factos que o tribunal recorrido deu como não provados, reservando-se a questão do pagamento constante da escritura de permuta para um outro momento, pois que, qualquer outra factualidade diferente dessa não quadra naquilo que a estatuiu sobre a referida impugnação, podendo apenas ser objecto de ampliação nos termos consignados no artigo 662.º, nº 2 al. c) do CPCivil.
Isto dito, no que concerne ao facto de no âmbito dos contratos realizados, e negociações dos mesmos, ter sido dado especial realce e pormenor ao caminho de acesso à propriedade dos Autores porque sem tal acesso a aludida propriedade ficaria encravada, apenas se dirá que várias das testemunhas arroladas pelos Autores (J…, L…, N… e O…), referiram no seu depoimento que pela urbanização que aí existe também aqueles podem aceder à sua propriedade embora se trate de vias mais estreitas que o caminho em causa.
Para prova dos restantes factos que o tribunal recorrido deu como não provados ínsitos nas conclusões XXXVI e XXXVII, convocam os recorrentes os depoimento de parte de AJ… e AK…, presidente da comissão executiva e presidente não executivo da Ré e os depoimentos das testemunhas J…, K…, L…, O…, P…, Q…, M…, N….
Acontece que, ouvidos os depoimentos das referidas testemunhas deles não se retira:
-Que os autores, por si e seus antepossuidores, vêm usando e fruindo do acesso desde 1990 à vista e com o conhecimento de toda a gente, de forma ininterrupta, de boa fé e pacificamente, sem oposição de ninguém, na convicção que é um bem próprio deles e de não lesarem direitos alheios, cuidando do terreno, vendendo árvores, limpando os matos, pagando os respectivos impostos;
- Que desde 1990 que a autora D…, Marido e seus herdeiros, começaram a usar tal caminho para acesso à sua propriedade identificada ali passando com os seus tractores, outros veículos ou a pé.
- Que desde 1990 foram inúmeras as vezes que os autores mandaram limpar e conservar o dito caminho, sem que nunca tivesse existido oposição de ninguém, mantendo-se o mesmo sempre livre e desocupado;
Efectivamente, o que deles resulta é que fora da vedação, que a I… então colocou, ficou uma parcela de terreno que era utilizada por pessoas da zona, ou que ali se deslocavam (permitindo também um acesso alargado à bouça dos autores), sem que nunca tivessem sentido oposição por parte de ninguém, incluindo da própria Ré.
Todavia, ninguém sabia, em concreto, a quem pertencia aquele terreno por todos usado ainda que pontualmente, referindo todos eles que para ali estaria prevista a construção de uma estrada, sem todavia saber muito bem os contornos em que a mesma seria edificada.
Com efeito, o que as referidas testemunhas referem é que utilizavam o referido caminho e que por ele também acediam à propriedade dos Autores, porém, deles não se retira que os Autores sempre usaram aquele terreno e dele cuidaram e trataram ao longo dos anos, convictos de que o mesmo seria sua propriedade, pois que, apenas a testemunha J… que declarou ter sido funcionário efectivo do Sr. V…, entre 1990/2000, continuando depois com ele a colaborar, referiu que se deslocou-se cerca de 4, 5 vezes à bouça dos autores para limpar e que no referido caminho fizeram “limpeza nuns metrinhos”.
Por sua vez dos depoimento de parte também nada se retira para a prova da referida factualidade.
Efectivamente, os referidos depoentes não estiverem nas negociações que antecederam a promessa da permuta dos autos nem no contrato que a sucedeu e, como tal, o conhecimento que têm advém do que lhes foi então relatado e da leitura que fazem dos documentos juntos, sendo que, no que respeita àquela concreta faixa de terreno, não obstante tivessem todo interesse na construção do projectado arruamento, certo é que o mesmo acabou por não se concretizar em face da desistência camarária, tendo então procedido à sua vedação.
Decorre do exposto que da prova convocada pelos Autores apelantes para a pretendida alteração factual nos termos por eles propugnados, não se extrai, no seu essencial, que tenham eles praticados actos de posse sobre a parcela de terreno em causa nos autos, convictos de que a mesma lhes pertencia, fruto das negociações e contratos a que fazem referência na sua petição, nem dessa prova resulta que tivessem chegado a adquirir a posse da mencionada faixa de terreno e, muito menos, a mantê-la durante o período de 15 ou 20 anos.
Repare-se, aliás, que os Autores pretendem que se dê como provado “que desde 1990 começaram a usar tal caminho, aí passando com tractores e outros veículos e a pé ” (p. 60), quando da prova documental junta aos autos se verifica que apenas adquiriam a propriedade que se situa a poente das instalações da Ré-à qual a faixa de terreno em questão serviria de putativo acesso-em 1992, com a escritura de permuta, ou seja, como é que em 1990 já utilizavam aquela faixa de terreno para aceder a terrenos que ainda não eram seus?
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Para além do que fica dito, neste segmento recursivo, os apelantes limitam-se a tecer meras considerações e extrair conclusões para, com base nelas, se dê como provada determinada factualidade e, portanto, não cumprindo os ónus impostos pelo já citado artigo 640.º do CPCivil.
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Decorre do exposto que a apreciação da Mm.ª juiz a quo-efectivada no contexto da imediação da prova-, surge-nos assim como claramente sufragável, com iniludível assento na prova produzida e em que declaradamente se alicerçou, nada justificando por isso a respectiva alteração.
Como assim, temos de convir que, ouvidos os depoimentos indicados pelos recorrentes, não são de molde a sustentar a tese que por eles vem expendida, pese embora se respeite a opinião em contrário veiculada nesta sede de recurso, havendo que afirmar ter o Mmº juiz captado bem a verdade que lhe foi trazida ao processo, com as dificuldades que isso normalmente tem, não existindo, portanto, fundamento probatório convocado pelos recorrentes para que este tribunal altere a decisão da matéria factual dada como assente pelo tribunal recorrido.
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Desta forma, improcedem as conclusões XVIII a XXXVIII formuladas pelos recorrentes.
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Permanecendo inalterada a matéria factual apreciemos, agora, as restantes questões que no recurso vêm colocadas no âmbito da respectiva subsunção jurídica.
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b)- a questão do pagamento constante da escritura de permuta

Na decisão recorrida defendeu-se a este propósito que, tendo a Autora D… dado quitação ao valor em dinheiro que consta da escritura de permuta, isso configura uma confissão extrajudicial em documento feito à parte contrária que goza de força probatória plena contra o emitente e que só poderia ser contrariada se alegasse e provasse a falsidade do documento.
Deste entendimento dissentem os recorrentes, alegando que não era necessário invocar falsidade do documento.
Na referida escritura ficou plasmado que:
tendo a primeira outorgante já recebido o montante de “três milhões e duzentos mil escudos”, de que dá a devida quitação, montante este correspondente à diferença de valores entre as parcelas permutadas diferença de valores entre as parcelas permutadas”.
Vejamos então, num primeiro momento, qual a relevância probatória do citado documento.
Estatui o artigo 371º do Código Civil que “Os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora; os meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador.”
Ora, quando o legislador determina que os documentos autênticos fazem prova plena, refere-se tão só aos actos praticados pela autoridade competente e aos actos praticados pelas partes junto da mesma, designadamente as declarações prestadas aquando da elaboração do documento.
A autoridade, in casu o notário, não consegue confirmar se as declarações das partes são verdadeiras, se representam a realidade dos factos materiais.
Deste modo, o documento autêntico não pode fazer prova plena dos factos alegados pelas partes, carecendo os mesmos de produção de prova.
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela[10], “O valor probatório pleno do documento autêntico não respeita a tudo o que se diz ou se contém no documento, mas somente aos factos que se referem praticados pela autoridade ou oficial público respectivo (ex. procedi a este ou àquele exame), e quanto aos factos que são referidos no documento com base nas percepções da entidade documentadora. Se, no documento, o notário afirma que perante ele o outorgante disse isto ou aquilo, fica plenamente provado que o outorgante o disse, mas não fica provado que seja verdadeira a afirmação do outorgante, ou que esta não tenha sido viciada por erro, dolo ou coacção, ou que o acto não seja simulado. Um exemplo: numa escritura de compra e venda de imóveis o vendedor declara que recebeu o preço convencionado; o documento só faz prova plena de que esta declaração foi proferida perante o notário, nada impedindo que mais tarde se prove que ela foi simulada e que o preço ainda não foi pago”;
De igual forma refere Vaz Serra[11] “Os documentos em que o documentador (v.g., o notário) atesta determinados factos, só provam plenamente o que neles é atestado com base naquilo que o documentador se certificou com os seus sentidos. Assim, o documento não prova plenamente a sinceridade dos factos atestados pelo documentador ou a sua validade e eficácia jurídica, dado que disso não podia o documentador aperceber-se. Daí que o documento, provando plenamente ter sido feito ao notário as declarações nele atestadas, não prova plenamente que essas declarações sejam válidas e eficazes.”
Portanto, a demonstração do preço não está sujeita à prova legal ou tarifada, isto é, “aquela cujo valor de convencimento é imposto pela lei ao Juiz”[12], mesmo no caso dos documentos autênticos, como, por exemplo, nas escrituras notariais, o preço declarado pelas partes e que deles constar, apenas faz prova plena se o pagamento tiver sido feito na presença do notário e se este assim o atestar.
É que, a força probatória plena das escrituras, não se estende à veracidade, realidade ou verosimilhança das declarações dos outorgantes intervenientes, pelo que o respectivo preço e pagamento só estarão cobertos pela força probatória plena do documento autêntico se o Notário tiver atestado esse facto através de percepção sua (directa), ou seja que tal pagamento haja sido feito na sua presença.[13]
Como assim, não constando da escritura junta aos autos que a entrega da quantia em causa ocorreu na presença do respectivo notário não se pode dar como provado que ela ocorreu, efectivamente.
Acontece que, a afirmação da vendedora assim documentada na escritura pública de permuta, constitui confissão nos termos do artigo 352.º do CCivil, ou seja, trata-se de confissão extrajudicial nos termos constantes do artigo 355.º, nº 4 do mesmo diploma legal.
Ora, quanto à força probatória material de confissão extrajudicial estatuiu o artigo 358.º, nº 2 do CCivil que:
A confissão extrajudicial, em documento autêntico ou particular, considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena”.
Quer isto dizer que a escritura pública, ainda que não faça prova da realidade do pagamento do preço, fá-la da confissão desse pagamento, comprovando-se, por esta via, a realidade de tal pagamento. Trata-se, sublinhe-se, de força probatória plena, já que a declaração, documentada na escritura pública, e recebimento do preço, é feita à parte contrária.
É claro que, sempre o declarante pode a destruir a força da confissão de haver recebido o preço mediante a prova de que, na realidade, o não recebeu; que o certo é outro facto contrário ao da afirmação que consciente e voluntariamente produziu perante o notário.[14]
Efectivamente, este regime de prova plena não veda, contudo, que se permita ao declarante a prova, por outro meio, de que o ali declarado não correspondeu à sua vontade ou que esta foi afectada por qualquer vício do consentimento (erro, dolo, coacção, simulação, etc.).[15]
Isto significava que os apelantes podiam, com recurso a outros meios de prova, inclusivamente testemunhal, infirmar essa declaração.
Acontece que, nesta tarefa de produzir prova ao contrário daquilo que confessou quando a confissão tenha força probatória plena, encontra a parte obstáculos de monta. Com efeito, está-lhe vedado usar a prova testemunhal, atento o disposto nos artigos 393.º, nº. 2 e 395.º do CCivil e ainda de prova por presunções judiciais, agora por força do disposto no artigo 351.º do mesmo diploma legal.
É claro que a esta circunstância podia associar-se aquilo que a nossa doutrina refere usualmente como a existência de um princípio de prova escrita, enquanto elemento legitimador do recurso à prova testemunhal, ultrapassando as limitações à utilização deste tipo de prova decorrentes, prima facie, dos artigos 394.º e 395.º do CCivil.
Todavia, os Autores não produziram prova, mesmo testemunhal, tendente a infirmar o pagamento em causa, e ao não se admitir a junção do documento apresentado com as alegações recursivas, também não existe o referido princípio de prova escrita.
Significa, portanto, que a única forma de os apelantes ilidirem a força probatória da referida escritura de permuta seria, efectivamente, arguindo a sua falsidade (artigo 372.º, nº 1 do CPCivil), coisa que manifestamente não fizeram.
Ora, tendo a Ré a seu favor referida declaração confessória, isto é, subsistindo intocada a declaração de quitação enquanto confissão extrajudicial dotada de força probatória plena, laboram os recorrentes em manifesto equívoco quando referem que cabia a Ré recorrida fazer prova de que efectuou o pagamento de tal quantia.
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Improcedem, assim, as conclusões XIII a XVII formuladas pelos recorrentes.
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A última questão colocada no recurso prende-se com:

c)- saber se os apelantes terão adquirido, por alguma forma, o direito de propriedade sobre o caminho em questão.

Num primeiro momento os Autores apelante sustentam o seu invocado direito num contrato-promessa de permuta celebrado em 13-07-1990 que foi e objecto de um aditamento datado de 05-05-1992.
Na sequência do referido contrato promessa foi depois celebrada escritura pública de permuta em 29-07-1992.
Alegam, porém os Autores que o contrato prometido (terá querido dizer-se contra promessa) tinha muitas cláusulas a serem cumpridas depois da escritura de permuta, pelo que não se esgotaria nesta escritura e por isso, a construção do arruamento era uma obrigação conexa, com autonomia própria, cuja execução, prazos e condições se prolongam para além da permuta.
Será que assim é?
Nos termos do n.º 1 do artigo 410.º do Código Civil, o contrato promessa é a “convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato”, portanto, outorgada o contrato definitivo cumpre-se o contrato-promessa antes celebrado, ou seja, as vinculações que subsistem entre as partes constam, agora, do contrato definitivo extinguindo-se aquele.[16]
É claro que isto é assim quando existe uma sobreposição formal e substancial de conteúdo entre ambos os contratos e, portanto, é natural e normal que a celebração do contrato prometido esgote/extinga o contrato-promessa, ficando a prevalecer, como objecto contratual, o conteúdo emergente das declarações negociais vertidas no contrato prometido.
A dificuldade surge, naturalmente, quando não há tal sobreposição.
É que, não obstante o contrato promessa seja um contrato preliminar, ele não deixa de ser uma convenção completa, que se distingue do contrato subsequente, podendo ter autonomia ante o contrato prometido ou cessar a vigência com a celebração deste: na verdade, muitas das vezes, as partes incluirão no contrato definitivo aquilo que estipularam no contrato-promessa; porém, outras vezes, as partes podem não incluir deliberadamente no contrato prometido todo o clausulado no prévio contrato-promessa, sem que tal equivalha a abandonar a vinculação obrigacional decorrente de tais cláusulas, colocando-se a questão de saber a sorte de tais estipulações contratuais prévias.
Com efeito, refere Ana Prata[17] que “(…) a autonomia dos dois negócios impõe que se considerem subsistentes, mesmo após a conclusão do contrato definitivo, as obrigações constituídas pela promessa que não tenham encontrado extinção solutória na celebração daquele contrato. Isto é, se do contrato-promessa emergia a obrigação de celebrar um contrato com certo objecto e vem a concluir-se um contrato cujo objecto só parcialmente recobre o convencionado, estar-se-á, em princípio, perante um cumprimento parcial, que não preclude o direito do credor a exigir a prestação da parte em falta. Este, que é o regime geral do cumprimento, levanta neste quadro acrescidas dificuldades de interpretação da vontade das partes, resultantes do acto do cumprimento parcial se apresentar como um acto negocial, susceptível de mais facilmente ser entendido como modificativo do conteúdo da obrigação. Não creio que de tal natureza negocial se possa extrair qualquer presunção de modificação, antes parecendo que ao contrato prometido se deve aplicar integralmente o n.º 2 do art. 763.º, não carecendo, pois, o credor de expressamente salvaguardar o seu direito à prestação não cumprida para tal direito se manter. Julgo, pois, que, como diz a jurisprudência italiana mais recente, deve exigir-se que a vontade modificativa seja expressamente manifestada para que possa considerar-se satisfeito o direito do credor com a celebração do contrato principal e, consequentemente, precludida qualquer pretensão contra o promitente.
Porém, a subsistência do credor ao cumprimento parcialmente não realizado apresenta-se como de mais fácil verificação nos casos em que o incumprimento parcial for quantitativo do que naqueles em que for qualitativo”.
E terá ocorrido in casu semelhante situação?
Na escritura pública datada de 29-07-1992 as partes procedem à permuta dos terrenos que estavam já identificados no contrato-promessa inicial, nos quais não se incluiu a faixa de terreno ou caminho ora reivindicado pelos Autores. De facto, neste contrato definitivo de permuta não é transmitido qualquer direito real sobre uma faixa de terreno cuja localização pudesse coincidir com a parcela ora reclamada (e este ponto apresenta-se, aliás, incontroverso, já que nunca os Apelantes defenderam que a faixa de terreno em causa estivesse incluída nos prédios objecto de permuta).
Por outro lado, nessa mesma escritura pública de permuta nada se diz quanto ao acesso dos Autores aos prédios que, após a troca, ficariam sendo da sua propriedade nem se menciona qualquer obrigação da Ré transmitir aos Autores uma faixa de terreno ou caminho de acesso e de nele construir uma estrada.
É verdade que, nesse mesmo contrato-promessa inicialmente celebrado e respectivo aditamento (docs. n.os 3 e 3-A juntos à petição inicial) as partes incluíram previsões relativas ao acesso dos Autores aos terrenos que, após a permuta, ficariam sendo da sua propriedade, estipulando para esse efeito, designadamente, a obrigação da Ré ceder aos Autores uma faixa de terreno e nela construir uma estrada (cfr. pontos 9.º, 10.º, 11.º e 12.º da fundamentação factual).
Porém, comparando o contrato definitivo de permuta com o contrato promessa e respectivo aditamento são várias as divergências que se detectam.
De facto, dizia-se no contrato-promessa que “A permuta será efectuada área por área, isto é, a área entregue por cada uma das partes à outra deverá ser igual ou o mais aproximada possível” e que “Ambas as partes consideram o valor dos terrenos a permutar como equivalente, pelo que não haverá qualquer diferencial do valor a pagar à contraparte” (p. 6 e 7 do contrato). Esclarecia-se mesmo, já no aditamento, que “A área de terrenos a dar à troca pelos primeiros outorgantes é de 22.201m2 e pela segunda outorgante é de 19.011m2, sendo a diferença 3.190m2 correspondente à área da estrada (leito e pavimento) a construir, conforme as regras de contagem fixadas na alínea b) da cláusula quarta do contrato de 13.07.90” (p. 4).
Acontece que, na escritura pública verifica-se que as áreas, efectivamente, permutadas são distintas (os Autores transmitem 22.200m2 e recebem da Ré apenas 19.000 m2), ao contrário do que ficara inicialmente previsto.
Referia-se também no contrato-promessa que “A área desta faixa de terreno será considerada no cômputo global da área em permuta e a transmissão da sua propriedade deverá ser contemporânea daquela mesma permuta”. (p. 7) e que “O traçado definitivo será fixado pela segunda outorgante até trinta dias antes da celebração da escritura de troca ou permuta de terrenos (…)”(p. 8).
Ora, nem o traçado definitivo da faixa de terreno chegou a ser fixado nem a transmissão da sua propriedade foi contemporânea da permuta.
Isto considerado, é óbvio que as partes pretenderam, ao celebrar o contrato prometido, alterar o objecto das obrigações clausuladas no contrato-promessa, extinguindo-as na parte em que contendiam com a transmissão da dita faixa de terreno e com a construção de uma estrada a expensas da Ré.
Tal como se refere na decisão recorrida, acaba no caso dos autos por existir sobreposição do objecto dos ditos contratos, pois que, em bom rigor, em face da diferença da parcelas permutadas, a aérea que seria para construir a aludida estrada, na óptica do contrato promessa e dos Autores, ficou esgotada com a entrega de um valor para os compensar por essa diferença.
Aliás, diga-se, o contrato prometido não tem que coincidir com o contrato-promessa em todas as suas cláusulas, sem embargo de se atender ainda ao contrato-promessa, havendo divergência sobre o real significado de qualquer cláusula do contrato definitivo, como elemento determinante na interpretação da vontade negocial ou até, se for caso disso, como integrador de cláusulas acessórias ou complementares do contrato prometido.
Todavia, sendo bem clara a redacção das cláusulas do contrato prometido, não tendo sido invocado qualquer vício na sua estipulação, não poderão as mesmas valer com outro sentido que não o nelas expresso, até para se não violar o disposto no artigo 238.º, nº 1 do CCivil.
No caso dos autos não se trata, realmente, de utilizar o contrato-promessa para esclarecer qual era a real vontade das partes, contida numa determinada cláusula do contrato definitivo de permuta cuja redacção tivesse resultado mais obscura ou ambígua.
A redacção da escritura pública de permuta é particularmente clara e inequívoca, não carecendo de qualquer actividade interpretativa específica.
Seria estranho e contrário às regras da experiência comum que as partes, caso tivessem pretendido manter a obrigação de a Ré transmitir aos Autores uma faixa de terreno e nela construir uma estrada, como parte integrante do negócio de permuta, se tivessem esquecido de o mencionar (ou, o que seria gerador de ainda maior perplexidade, o tivessem omitido propositadamente) precisamente na escritura de permuta, pois que, bastaria muito simplesmente remeter para o disposto em certas disposições do contrato-promessa.
Ora, nos autos nenhuma prova foi produzida, nomeadamente que foi vontade das partes, após a escritura definitiva daquela permuta, manter a obrigação da Ré em construir uma estrada naquela faixa de terreno.
Não se olvida, como já supra se referiu que, em determinados casos haverá certamente cláusulas de contratos-promessa que, pela sua autonomia própria e por ser essa a vontade, expressa ou tácita, das partes perduram mesmo após a celebração do contrato prometido e ainda que não tenham sido neste último contempladas. Contudo, este não parece, manifestamente, ser o caso.
Efectivamente, desde o momento inicial que as partes convencionaram que fariam a permuta de áreas iguais e que, por isso mesmo, não haveria lugar ao pagamento de qualquer compensação por diferença de áreas.
Todavia, chegado o momento da outorga do contrato definitivo, verifica-se que as partes deixaram cair a obrigação da Ré transmitir uma faixa de terreno aos Autores e nela construir uma estrada, tendo sido substituída pelo pagamento do preço correspondente.
Acresce que, nem seria compreensível, à luz da economia própria do negócio, que feita a permuta e justamente compensados a Autora D… e marido pela área que receberam a menos, ficasse ainda a Ré, como reminiscência do contrato promessa, obrigada à transmissão de outros 3.200 m2 nos quais teria que construir uma estrada em asfalto a expensas suas. A ser assim, a Ré assumiria obrigações consideravelmente mais onerosas do que as dos Autores (o que, atento o histórico contratual, não parece de todo corresponder à vontade das partes).
Não se tratando, embora, de um “caso duvidoso”, não se esqueça, todavia, o cânone interpretativo constante do artigo 237.º do Código Civil: “Em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece (…) nos [negócios] onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações.”
De resto, o facto de ter a Ré, ora Apelada, deixado ao longo dos anos a faixa de terreno em questão livre, limpa de árvores de maior porte e fora da sua vedação original, não constitui reconhecimento de qualquer direito dos Autores.
Aqui chegados constatando-se que a faixa de terreno reivindicada, não obstante constar, efectivamente, mencionada no contrato-promessa, não foi objecto de transmissão na escritura pública de permuta (ou em qualquer outro instrumento contratual), não pode deixar de bastar para afastar definitivamente qualquer aquisição derivada pelos Autores do direito de propriedade sobre essa mesma faixa (artigo 1316.º do Código Civil), não tendo também qualquer fundamento, o pedido formulado pelos apelantes de a Ré proceder a pavimentação em asfalto com faixa de 10 metros de largura do referido acesso, desde o caminho junto à entrada das suas instalações até à entrada da sua propriedade.
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Não tendo os Autores apelantes logrado fazer a prova do seu direito de propriedade sobre a citada faixa de terreno pela via da aquisição derivada, também o não fizeram pela via da aquisição originária decorrente da prescrição aquisitiva, pois que, da factualidade dada como assente, se verifica que aqueles vêem exercendo o domínio de facto sobre o prédio em questão (que, aliás, se encontrava registado em nome da terceira autora, entretanto falecida) convictos serem donos do mesmo e nada mais, pois que, a mesma factualidade alegada, no que concerne ao caminho de acesso, não resultou provada.
Como tal, a posse dos autores apenas conduziu à aquisição por usucapião do dito prédio, atento o disposto nos artigos 1255.º e 1293.º e segs. do CCivil, mas já não da referida faixa de terreno.
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Destarte, improcedem as conclusões IX XII formuladas pelos apelante e, com elas, o respectivo recurso.
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IV-DECISÃO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
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Custas pelos apelantes (artigo 446.º nº 1 do C.P.Civil).
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Porto, 26 de Setembro de 2016.
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
Jorge Seabra
___________
[1] Cfr. neste sentido, João Espírito Santo, O Documento Superveniente para efeito de recurso ordinário e extraordinário, pág. 47.
[2] In www.dgsi.pt.
[3] Ou dito, de outra forma os casos em que a sua junção se torna necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância são apenas aqueles em que, pela fundamentação da sentença, ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não poderia razoavelmente contar antes de a decisão ter sido proferida.
[4] In Recursos no Novo Código de Processo Civil, cit., p. 184.
[5] Obra citada pág. 185.
[6] In Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Almedina, 4ª ed. pág. 147.
[7] No mesmo sentido, por exemplo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 111.07.2012, no processo nº 781/09.6TMMGR.C1, in www.dgsi.pt
[8] Veja-se o que a este propósito refere Abrantes Geraldes, obra citada pág. 148 “Assim, se pelo modo como foi feita a gravação e elaborada a acta, for possível (exigível) ao recorrente identificar precisa e separadamente os depoimentos o ónus de alegação no que concerne à impugnação da decisão da matéria de facto apoiada em tais depoimentos, cumpre-se mediante a indicação exacta das passagens da gravação em que se funda, sem embargo da apresentação facultativa da respectiva transcrição. O incumprimento de tal ónus implica a rejeição do recurso na parte respeitante, sem possibilidade sequer de introdução do despacho de aperfeiçoamento”.
[9] Como ensina o Conselheiro Amâncio Ferreira in Manual dos Recursos em Processo Civil”, 7ª Ed., págs. 172 e 173 “Expostas pelo recorrente, no corpo da alegação, as razões de facto e de direito da sua discordância com a decisão impugnada, deve ele, face à sua vinculação ao ónus de formular conclusões, terminar a sua minuta pela indicação resumida, através de proposições sintéticas, dos fundamentos, de facto e/ou de direito, por que pede a alteração ou anulação da decisão”.
[10] In Código Civil Anotado, Volume I, 4ª edição, página 327 e ss.
[11] In RLJ, 111.º, pág. 302.
[12] Castro Mendes, Direito Processual Civil, 1980, III, 196.
[13] Neste sentido, entre outros, Acs. do STJ de 9-6-2005 e de 23/09/10 in www.dgsi.pt.
[14] Cfr. neste sentido Pires de Lima e Antunes Varela in CCivil Anotado, Vol. I, 4ª Ed. pag. 472, 473 e 552.
[15] Cfr-se Pires de Lima e A. Varela, obra citada pag. 376, Gonçalves Sampaio, A Prova por Documentos Particulares, 115, A. Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 525 e Manuel de Andrade in Noções Elementares de Processo Civil, pág. 232. Tem sido, aliás, muito abundante a jurisprudência do STJ, no sentido de que tal prova plena se reporta à materialidade das declarações e não à exactidão do conteúdo destas, podendo, quanta a esta, o autor do documento produzir livremente prova (vejam-se, exemplificativamente, em www.dgsi.pt, os Acs. do STJ de 30.9.2004, 18.11.2004, 17.4.2005, 24.10.2006, 19.12.2006, 22.3.2007, 12.7.2007, 12.9.2007 e 17.4.2008).
[16] Vejam-se a título de exemplo o Acs. do STJ de 13/07/2004 in www.dgsi.pt. e da Relação de Coimbra de 18/03/2014.
[17] O Contrato Promessa e o seu Regime Civil, pág. 651/652.