Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
379/12.1TMMTS-D.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: VIEIRA E CUNHA
Descritores: RESPONSABILIDADES PARENTAIS
RESIDÊNCIA
ESTRANGEIRO
Nº do Documento: RP20181207379/12.1TMMTS-D.P1
Data do Acordão: 12/07/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º859, FLS.64-69)
Área Temática: .
Sumário: I – A questão relativa à residência da criança, deve resolver-se de acordo com o disposto no artº 1906º nº3 CCiv e o critério da decisão do tribunal será o do interesse do menor, designadamente promovendo a relação de maior proximidade possível com os dois progenitores – artº 1906º nº7 CCiv.
II – Se situações existem em que a proximidade física não é possível de manter entre os progenitores separados, a solução do Tribunal para esta questão não poderá ser a de denegar aos progenitores a possibilidade de emigrar; no plano jurídico, o Estado não saberia negar os seus próprios princípios – artº 44º CRP.
III – Na separação dos pais, o que assume importância é que a imagem trinitária inicial da criança continue a ser valorizada pelos pais e traduzida no acordo, na proximidade, na disponibilidade para promover, por um lado, e para não impedir, por outro, as relações habituais de qualquer dos progenitores com o filho.
IV – Se não existem razões de fundo, provadas no processo, que desaconselhem a residência do menor seja com a mãe, seja com o pai, pode sobrelevar o acordo anterior dos progenitores, reconhecendo que a criança deveria residir com o pai, não tendo essa realidade fundante do acordo mudado entretanto, bem como o papel central que o pai tem desenvolvido no convívio e residência com o menor, nos últimos anos, para além de o momento charneira de saída da infância para a puberdade (10 anos) poder potenciar uma especial intervenção socializadora do pai, ainda que este passe a residir no estrangeiro.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ● Rec. 379/12.1TMMTS-D.P1.
Relator – Vieira e Cunha.
Adjuntos – Des. João Proença Costa e Des. Estelita de Mendonça. Decisão de 1ª Instância de 18/7/2018.
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Súmula do Processo
Recursos de apelação interpostos na acção com processo especial de alteração da regulação das responsabilidades parentais nº379/12.1TMMTS-D, do Juízo de Família e Menores de Matosinhos.
Requerente – B….
Requerida – C….
Menor – D… (n. 20/1/2009).
Apelada – Digna Magistrada do Ministério Público.
Pedido
Que se atribua apenas ao progenitor a responsabilidade parental relativa às questões de particular importância para a vida do menor e se fixe um regime de visitas que permita a convivência da progenitora com o menor, sob o compromisso de viagem e gozo de férias em Portugal, em período nunca inferior a 90 dias por ano.
Tese do Requerente
Reguladas as responsabilidades parentais, o menor ficou a residir com o pai, sendo as questões de particular importância para a vida do menor exercidas por ambos os progenitores.
A Requerida porém nunca respeitou o regime de convívio estabelecido, nem pagou a pensão de alimentos fixada (€75,00).
O Requerente pretende ausentar-se para o Koweit, onde espera auferir uma remuneração na casa dos milhares de euros, como operário de empreitadas verticais – em Portugal vem auferindo apenas subsídio de desemprego.
A entidade patronal assegurará ainda a deslocação do menor a Portugal, permitindo-lhe gozar férias com a mãe num período nunca inferior a 3 meses, repartido pelas férias escolares.
Tese da Requerida
Impugna motivadamente toda a alegação do Requerente.
O menor vive em Portugal, é esta a sua língua materna, deve passar a residir com a Requerida.

As responsabilidades parentais vieram efectivamente a ser reguladas, por decisão judicial de que se recorre, precedida de audição técnica especializada e de audiência de julgamento, na qual foram ouvidas as testemunhas arroladas pelas partes.
É o seguinte o teor do decidido, em matéria de alteração do regime de regulação das responsabilidades parentais:
A)A residência do menor mantém-se fixada junto de seu pai autorizando-se o mesmo a passar a residir com o filho no Kuweit.
b) Mantém-se o regime vigente quanto ao exercício das responsabilidades parentais (exercício conjunto quanto a decisões de particular importância para a vida do menor, ficando a cargo do pai a gestão das decisões da vida corrente da criança.
c) Autoriza-se o progenitor a diligenciar pela obtenção de toda a documentação necessária para que o menor passe a residir no Kuweit bem como a tratar da inscrição em estabelecimento de ensino nesse país.
d) O progenitor deve manter sempre a mãe do menor informada do local onde se encontra, da escola que o menor frequenta e fornecer um meio de contacto sempre actualizado.
e) O progenitor deve diligenciar para que mãe e filho possam contactar via telefone ou internet, pelo menos três vezes por semana.
f) Nos períodos de férias escolares do menor (ao longo do ano) o progenitor deverá diligenciar para que o filho venha a Portugal e passe tais períodos junto da mãe.
g) Mantém-se o regime vigente quanto a alimentos.
Conclusões do Recurso de Apelação da Requerida:
A) O menor D… nasceu em 20/01/2009, nesta data os progenitores encontravam-se e mantiveram-se casados até 13/11/2014, ou seja, o menor tinha cinco anos aquando o divórcio dos pais.
B) Durante os primeiros cinco anos de vida o menor D… viveu com ambos os progenitores.
C) Entre os cinco e sete anos de idade residiu, alternadamente, com a mãe e com o pai, tal como foi acordado entre os progenitores.
D) Sendo certo que, em 15 de Fevereiro de 2016, apenas há dois anos, D… passou a residir apenas com o pai, sendo de salientar que assim ficou determinado, uma vez mais, de forma consensual entre os progenitores.
E) Contudo, não se pode olvidar que os convívios com a progenitora mantiveram-se sem a verificação de qualquer incidente de incumprimento no regime de visitas estipulado.
F) Como tal, durante os nove anos de existência do menor, este residiu com a progenitora durante sete anos consecutivos.
G) Sendo certo que, apenas há dois anos passou a residir apenas com o pai, contudo mantendo sempre o convívio com a mãe, nomeadamente passando com esta os fins-de-semana de 15 em 15 dias e respectivas férias.
H) Existindo fortes e positivos laços afectivos entre a criança e a progenitora.
I) Resultou indubitavelmente dos presentes autos que os progenitores em causa, apesar de separados um do outro, mantiveram quer um, quer o outro uma relação próxima com o menor, criando com o mesmo laços afectivos fortes, o que é absolutamente louvável e importantíssimo para o desenvolvimento harmonioso do D….
J) O certo é que conseguiram e conseguem que o D… seja uma criança educada, um óptimo aluno, bem comportado e com um bom desenvolvimento físico e psíquico adequado à sua idade.
K) O Tribunal a quo ao autorizar o recorrido a residir com a criança no Kuweit, afastando-a da mãe, de uma vida escolar e social estável e integrada, viola o primordial princípio do superior interesse do menor, tendo decidido assim mudar radicalmente a vida do mesmo, de forma abrupta e desnecessária.
L) Entende a recorrente que o Tribunal a quo deveria ter fixado a residência do menor D… junto da recorrente, em Portugal, dado que o menor se encontrar perfeitamente inserido no nosso país, sendo certo que alterar toda a sua vida irá revelar-se contraproducente e terá precisamente o efeito contrário ao pretendido, qual seja o bem-estar e desenvolvimento da mesma.
M) Ademais, provou-se que o menor tem muito bom aproveitamento escolar, tem bom comportamento, fala e escreve apenas a nossa língua, pelo que a interrupção do percurso escolar e o tempo de aprendizagem de uma nova língua atrasará significativamente o seu desenvolvimento escolar e, em consequência, o seu desenvolvimento social.
N) Para além disso, e conforme resultou da matéria provada: “para o D… a hipótese de residir noutro país provoca-lhe instabilidade emocional, inquietação e preocupação pelas saudades que sentirá da mãe”.
O) Pelo que não se está, de todo, a acautelar o interesse do menor, mas sim o interesse do progenitor em alcançar melhores condições financeiras.
P) Ademais, não sabemos das consequências que ocorreram a uma criança de nove anos de idade, com a ida para o Kuweit, com novas pessoas, novos colegas de escola e com uma nova língua a aprender.
Q) Antes, deverão os contactos entre o menor e o seu pai manter-se pelo tempo máximo que as férias escolares do mesmo o permitam, mas nunca separando o menor da sua mãe, que nunca se afastou do mesmo.
R) O Tribunal a quo diz que o progenitor é para o D… “a figura de referência afetiva securizante e de vinculação primordial.”
S) Por outro lado, entende a aqui recorrente que, no caso concreto, não existe uma figura primária de referência para o menor, mas sim duas referências, ou seja, quer o pai, quer a mãe.
T) O D… tem nove anos de idade, durante os primeiros sete anos de vida viveu-os ininterruptamente com ambos progenitores, apenas há dois anos vive somente com o progenitor, reitera-se: “mantendo sempre os convívios com a mãe”.
U) É certo que o menor há dois anos passa mais tempo com o pai do que com a mãe, contudo não é motivo suficiente para se concluir que “a figura de referência afetiva securizante e de vinculação primordial.”
V) E, se é verdade que nada ficou provado em desabono das capacidades e competências parentais do progenitor, o mesmo se verificou quanto à progenitora, que sempre foi uma mãe dedicada e presente no quotidiano do D….
W) Do quadro factual que dos autos se mostra assente, ficou demonstrado que o D… revela vinculação a ambos os progenitores, sem distinção:
- “O D… sente como positivos tanto o contexto escolar como o familiar e refere-se de forma positiva tanto ao pai como à mãe”;
- “Para o menor as dinâmicas familiares junto do pai são descritas como muito positivas e gratificantes, mas os momentos de convívio com a mãe são igualmente descritos de forma muito positiva.”
X) Pelo que a existir uma separação física com um dos progenitores, que por si só já lhe provocará sofrimento e instabilidade emocional, pelo menos, dever-se-á manter a criança no país onde sempre viveu, mantendo as suas rotinas, amigos, escola, concedendo-se, desta forma, alguma estabilidade, quer emocional, quer vivencial de rotinas, hábitos e espaços.
Y) Ora, o que é importante, como dispõe a lei – artigo 1906.º nºs 5 e 7 do CC – é a proximidade com os dois progenitores, o contacto com ambos.
Z) A ter de ocorrer uma separação física de um dos progenitores, pelo menos a criança não deve alterar o contínuo de socialização que foi criando até à data.
AA) Pois não sabemos das consequências de, aos 9 anos de idade, a criança ter de ir viver para um país tão longínquo e tão antagónico ao nosso em termos culturais, e com uma nova língua a aprender.
BB) Assim, deverá a Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que determine e atribua a guarda do menor D… à recorrente, sua mãe, fixando-se um regime de visitas ao pai, com as demais consequências em matéria de direito ao convívio e alimentos a cargo do pai – assim se respeitando o superior interesse do menor.
CC) Pelo que a sentença ora recorrida, com o devido respeito, não subsumiu correctamente os factos aos respectivos preceitos legais, nomeadamente violando o disposto no número 5 do artigo 1906.º do Código Civil: “o tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro”.
DD) O critério da decisão do Tribunal deveria ter sido no interesse do menor, designadamente promovendo a relação de maior proximidade possível com os dois progenitores, número 7 do artigo 1906.º do Código Civil, na preservação de uma relação que construa e fortaleça os vínculos afectivos positivos existentes entre pais e filho e afaste um ambiente destrutivo de tais vínculos.
EE) No caso sub judice resulta de forma irrefutável que actualmente aquela proximidade com ambos os progenitores existe, contudo a decisão vem afastá-la.
FF) O Tribunal a quo violou a lei substantiva ao errar na interpretação e aplicação das normas relativas aos interesses do menor, mormente - artigo 1906.º, n.º 5 e 7 do CC e 40.º, n.º 1 do RGPTC.

Por contra-alegações, a Digna Magistrada do Ministério Público, sustenta a confirmação da sentença recorrida.
Factos Provados
- B… e C… casaram um com o outro a 28 de outubro de 2009 e encontram-se divorciados por sentença proferida a 13 de novembro de 2014 no âmbito dos autos apensos.
- D… nasceu a 20 de janeiro de 2009 e foi registado como filho do requerente e da requerida.
- O exercício das responsabilidades parentais referentes ao menor foi inicialmente regulado por decisão de 25 de junho de 2014, que homologou o acordo dos progenitores, fixando um regime de residência alternada da criança nos termos que constam a fls. 207 e 208 do processo que constitui o apenso A.
- Tal regime foi posteriormente alterado, em 15 de fevereiro de 2016 por acordo dos progenitores judicialmente homologado tendo então sido fixada a residência do menor junto do pai, convívios com a mãe (fins de semana completos de 15 em 15 dias e todas as 4ª feiras entre as 17.30 h e as 19.30 h) e fixados alimentos a prestar pela mãe (75€ mensais).
- Correu termos incidente de incumprimento relativamente aos alimentos a prestar pela mãe (cf. apenso C) tendo sido declarado a 14 de fevereiro de 2017 o incumprimento da progenitora (desde fevereiro de 2016) no que se refere à sua obrigação de prestar alimentos ao filho, bem como a impossibilidade de cobrança coerciva através do mecanismo previsto no art. 48º do RGPTC e fixada prestação alimentar substitutiva a cargo do FGADM, que ainda se mantém.
- O progenitor encontra-se sem emprego certo em Portugal e foi-lhe oferecida a possibilidade de trabalhar no Kuweit, seu país natal e onde reside a sua família de origem – mãe e irmãos.
- O progenitor tem a promessa de trabalhar no Kuweit para a empresa “E…, Ldª”, através de contrato de trabalho sem termo e com inicio em outubro de 2018, prestando serviço de domingo a 5ª entre as 8.30h e as 17 h, com o salário ilíquido de 4.500€, no qual se encontra incluído o valor da escola que o menor frequentará.
- O progenitor terá direito a três viagens anuais, para si e para o filho, de ida e volta Kuweit/Portugal cujos custos serão integralmente suportados pela entidade patronal.
- O menor frequentará no Kuweit estabelecimento de ensino internacional.
- Em Portugal o menor frequenta o 3º ano de escolaridade, com muito bom aproveitamento e frequenta ainda ATL para apoio aos estudos.
- Como atividades extracurriculares o D… frequenta futebol e natação.
- O progenitor nunca colocou a hipótese de poder viajar para o Kuweit sem o seu filho e sempre informou de tal facto o responsável pela empresa que o pretende contratar.
- O responsável pela empresa que pretende contratar o requerente acedeu em “esperar” por ele na medida em que considera que o requerente, porque conhece a língua e cultura árabe, será uma enorme mais valia para a empresa e para o negócio que pretende montar e que se encontra “suspenso” de momento pois é decisivo para o “arranque” da operação que o requerente passe a residir no Kuweit.
- O progenitor pretende que o filho venha a Portugal para passar com a mãe todos os seus períodos de férias escolares.
- O progenitor perspetiva regressar a Portugal caso o seu filho não se adapte ao novo país.
- O progenitor revela afeto positivo pelo filho.
- A progenitora vive há cerca de oito meses com um companheiro do qual vai ter uma filha em Outubro.
- A progenitora reside numa casa camarária, arrendada ao companheiro e o agregado é constituído pela requerida, seu companheiro e uma filha do companheiro de nove anos de idade.
- A requerida efetua serviços de limpeza sem contrato de trabalho e atualmente refere estar de “baixa”.
- A requerida é beneficiária de RSI.
- O companheiro da requerida trabalha num café e aufere o salário mínimo nacional, pagando 11€ de renda.
- A habitação é tipologia 2, sendo um dos quartos do casal e o outro tem um beliche onde dorme a filha do companheiro da requerida e o menor D… nos períodos em que está em casa da mãe.
- A requerida entende deter todas as condições para que o seu filho permaneça a residir em Portugal, passando a integrar o seu agregado.
- Como principal motivo de oposição à pretensão do pai a requerente refere o receio de que o D… não volte a Portugal.
- O menor é uma criança espontânea e que revela recursos cognitivos adequados à idade.
- O D… sente como positivos tanto o contexto escolar como o familiar e refere-se de forma positiva tanto ao pai como à mãe.
- As competências emocionais e cognitivas que o menor revela são fator de proteção em caso de alterações no seu contexto de vida e recursos que o ajudarão a uma boa adaptação a um novo contexto.
- Para o menor as dinâmicas familiares junto do pai são descritas como muito positivas e gratificantes mas os momentos de convívio com a mãe são igualmente descritos de forma muito positiva.
- O D… tem consciência do objeto dos presentes autos e revela muita ambivalência – tem vontade de visitar e conhecer a família paterna; não equaciona ficar longe do pai mas a hipótese de residir noutro país provoca-lhe instabilidade emocional, inquietação e preocupação pelas saudades que sentirá da mãe.
- Embora revelando afeto positivo por ambos os progenitores, o pai é para o D… a figura de referência afetiva securizante e de vinculação primordial.
Fundamentos
As questões colocadas pelo presente recurso podem resumir-se em saber se os factos provados justificam que tivesse sido fixada a residência da criança no Estado do Koweit (golfo Pérsico), com a inerente guarda e cuidados próximos entregues ao pai.
Vejamos pois.
I
Iniciando pela questão da residência da criança.
Releva, a propósito, o disposto no artº 1906º nº3 CCiv (face ao presente divórcio dos pais, por sentença de 13/11/2014), no sentido de que “o tribunal determina a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro”.
O critério da decisão do tribunal será o do interesse do menor, designadamente promovendo a relação de maior proximidade possível com os dois progenitores – artº 1906º nº7 CCiv.
Aquilo que interessa, como dispõe a lei – artº 1906º nºs 5 e 7 cits. – é a proximidade com os dois progenitores, o contacto com ambos, e, acima do mais, o acordo que ambos revelem quanto às condições de vida do menor e aos demais condicionamentos do respectivo passadio de vida.
Mas situações há na vida – sempre existiram, designadamente no tempo da emigração para o continente americano e mesmo no espaço europeu (hoje mais próximo por razões meramente logísticas ou de unidade jurídica e jusfundamental) – em que a proximidade física não é possível de manter entre os progenitores separados.
Obviamente que a solução para esta questão não será a de denegar aos progenitores a sua realização pessoal, designadamente profissional, ou uma maior proximidade familiar, de cada um dos progenitores, com seus parentes.
No plano estritamente jurídico, o Estado não saberia negar os seus próprios princípios, e, como bem salienta a douta sentença recorrida, a liberdade de deslocação e de emigração – artº 44º CRP.
Pelo contrário, é da realização pessoal como adultos de seus pais que as crianças retiram o exemplo para uma vida conseguida e autónoma.
Concordamos com as doutas alegações no sentido de que a situação ideal é a que preserva a criança de uma alteração radical na sua residência do menor, pois que o interesse da criança, vista a separação dos pais, mesmo relativamente aos espaços físicos em que habita, é o contínuo do seu corpo, da sua afectividade e o seu contínuo social (cf. Françoise Dolto, Quando os Pais se Separam, Ed. Notícias, pg. 16).
Mas, no limite, a vida não cura de situações ideais – um progenitor educador deve, sobre o mais, viver em verdade e traduzir essa verdade sempre em palavras próprias para a comunicação com a criança.
Como aliás já afirmámos no contexto de outros processos de regulação das responsabilidades parentais, é também necessário lembrar ao progenitor sem a guarda, ou sem a residência, que é nos fins-de-semana ou nas férias (nos períodos “livres”, sem encargos, nem obrigações) que se faz a melhor educação, mais da ordem da cultura e da profundidade, menos da ordem da trivialidade diária ou do trabalho (cf. Françoise Dolto, op. cit., pg. 37) – não é assim exacto que o progenitor residente seja sempre o favorecido, pois que ambas as situações possuem potencialidades que cabe aos pais explorar, no contacto com seus filhos.
Ponto é que se mantenha viva a possibilidade de evolução afectiva, preservando a evolução edipiana da criança, isto é, mantendo viva uma relação triangular progenitores/filho de respeito, de “educação”, designadamente, por parte dos progenitores de respeito pelo seu passado e pelo desejo (no sentido de atracção recíproca entre seres humanos, entre heteros, nesse referido sentido de alteridade) que os conduziu num tempo a unir as suas vidas e a conceber uma vida nova.
É esse respeito e essa “educação” no confronto recíproco e perante o filho, com a compreensão e a aceitação das opções de vida passadas, que permite a formação de uma personalidade nova e completamente independente dos progenitores, embora neles, ambos os progenitores, radicada (pois que ninguém se forma sozinho, como o “menino selvagem” do cinema), desejavelmente a despontar por completo no final da puberdade.
II
Posto isto, não existem, de facto, razões de fundo, provadas no processo, que desaconselhem a residência do menor seja com a mãe, seja com o pai.
A mãe refez a sua vida conjugal, o que demonstra, pelo seu lado, independência e vontade de construir de novo um lar, de recomeçar, o que é, sem dúvida, um exemplo positivo para a criança.
Mas o pai poderá possuir, no estrangeiro, condições económicas incomparavelmente mais elevadas, e, caso emigre, com contrato de trabalho com uma empresa portuguesa, como se encontra demonstrado, poderá proporcionar condições de formação e de socialização melhores, apontando para uma inserção social futura do agora jovem (com quase 10 anos de idade) em patamares profissionais superiores e, quem sabe, o regresso à terra da sua infância e da sua primeira língua.
Por outro lado, existe o acordo anterior dos progenitores, em anterior regulação das responsabilidades, reconhecendo que a criança deveria residir com o pai. Nada se indicia ter essa realidade fundante do acordo mudado entretanto, a não ser a distância a que agora o menor ficará de sua mãe, mas que afectaria por igual o pai, caso o menor ficasse a residir com a mãe.
A douta sentença recorrida salienta o papel do pai como figura securizante primordial, o que se aceita, embora se deva salientar que, numa criança que se aproxima do final da segunda infância (10 anos), é já uma segurança interior, que não uma simples proximidade física, que sobreleva na superação das dificuldades ou dos medos.
Há que salientar que, se na família moderna, a figura do pai ultrapassou a função simplesmente “normativa” para assumir agora também uma importante função “afectiva”, na satisfação das necessidades do filho, nessa referida matéria do desenvolvimento da segurança interior, o pai continua a desempenhar um papel muito importante (cf. Silvia Vegetti Finzi, I Bambini Sono Cambiati, Psicologia das Crianças dos 5 aos 10 anos, pg. 21),
Em resumo, na situação dos autos, no final da segunda infância, a criança está aberta ainda ao desenvolvimento da sua personalidade, mas trata-se de um momento de entrada, por exemplo, noutro nível de ensino, superando o primário, o início da inserção numa vida pública, com interiorização dos valores e das normas sociais – ou seja, a criança encontra-se numa fase charneira de saída da infância para a puberdade.
Do conjunto de considerações anteriores retiramos que nada impede que a criança continue a residir com o pai, ainda que no estrangeiro, desde que, como se prova, o progenitor venha a providenciar, com o acordo e até com o custear da entidade patronal, as visitas e o convívio do menor com sua mãe, em Portugal.
E fora essas visitas e o convívio físico, que promova com seu filho todos os contactos com a mãe, p.e. telefónicos ou pelos modernos meios da “web”, simples cartas, como no passado, sem esperar que a criança, eventualmente reflexiva e problematizadora, lho peça – 3 vezes por semana, como alude adequadamente a douta decisão recorrida – de preferência incentivando a iniciativa do contacto por parte do filho.
E ainda que, caso sintomas ligados à intranquilidade ou à eventual inadaptação da criança (é claro, não desejáveis) se venham a revelar, tome as providências necessárias de sustento psicológico ou até de mudança de vida.
Em suma, entendemos plenamente justificado o sentido decisório de 1ª instância:
- a continuação da residência do menor junto do pai;
- a autorização da residência do menor no Koweit;
- a manutenção do exercício conjunto das responsabilidades parentais nas questões de particular importância para o menor;
- o convívio com a mãe, em Portugal, em períodos de férias escolares;
- e todos os demais itens decisórios da douta sentença.
Resumindo a fundamentação:
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Deliberação (artº 202º nº1 CRP):
Julga-se improcedente, por não provado, o interposto recurso de apelação e, em consequência, confirma-se a douta decisão proferida.
Custas pela Apelante.

Porto, 7/VII/2018
Vieira e Cunha
João Proença
Estelita de Mendonça