Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
761/16.5T8PVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO DIAS DA SILVA
Descritores: APLICAÇÕES FINANCEIRAS
INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO
RESPONSABILIDADE
PRESCRIÇÃO
CULPA GRAVE
Nº do Documento: RP20190124761/16.5T8PVZ.P1
Data do Acordão: 01/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: ACÇÃO COMUM
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º161, FLS.36-45)
Área Temática: .
Sumário: I - Demonstrado que o gerente do Banco demandado propôs ao Autor uma aplicação financeira - papel comercial - com garantia do reembolso do capital investido e juros, em função da qual este aderiu à concretização da aplicação, é o mesmo Banco responsável pelo retorno desse capital e juros.
II - O art. 324º, nº 2 do Cód. dos Valores Mobiliários (CVM) prevê um prazo de prescrição de dois anos para a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade, salvo haja da sua parte dolo ou culpa grave.
III - Actua com culpa grave, para efeitos de não aplicabilidade deste prazo prescricional de dois anos, o banco que transmite ao cliente a falsa informação de que o produto financeiro por si subscrito não envolve quaisquer riscos, garantindo o reembolso do seu capital.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação - 3ª Secção
Processo n.º 765/16.5T8PVZ.P1
Comarca do Porto
Póvoa de Varzim - Juízo Central Cível - J3
Relator: Paulo Dias da Silva
1.º Adjunto: Des. Mário Fernandes
2.º Adjunto: Des. Leonel Serôdio
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
1. Relatório
B…, residente na Rua …, …, …, Póvoa de Varzim, instaurou a presente acção sob a forma de processo comum contra Banco C…, S.A., com sede na Avenida …, n.º …, Lisboa, D…, gerente do E…, com domicílio profissional na Rua …, …, Póvoa de Varzim, Estado Português, Direcção Geral do Tesouro e Finanças, com sede na Rua …, …, Lisboa, Ministério das Finanças, com sede na Praça …, Lisboa, Banco de Portugal, com sede na Rua …, …, Lisboa, F…, S.A., com sede na Avenida …, ..., Lisboa e Comissão de Mercado dos Valores Mobiliários, com sede na Rua …, n.º .., Lisboa, onde concluiu pedindo, além do mais, que o primeiro Réu seja condenado no pagamento do montante de €50.000,00, acrescido de juros vencidos desde 25 de Outubro de 2014 até integral reembolso do capital, e ainda a compensá-lo por danos não patrimoniais em valor não inferior a €30.000,00.
Alegou, em síntese, que, por sugestão do gerente da agência bancária do 1.º Réu colocou €50.000,00 em obrigações G… pensando tratar-se de uma aplicação com a segurança de um depósito a prazo, convicção que foi criada pelo Banco, aquando da aplicação do dinheiro e confirmada pelo recebimento de juros, mas contrariada pelo facto de o Banco ter passado a atribuir a responsabilidade pelo reembolso do capital investido à G….
Acrescentou que o não recebimento do dinheiro na data combinada lhe causou preocupação e angústia que merecem ser compensadas com o valor mínimo de €30.000,00.
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Citados, o 1.º Réu começou por invocar a ilegitimidade do 2.º Réu, assim como a prescrição do alegado direito do A. que, em todo o caso, nega em virtude de este conhecer as características e a entidade emitente do produto em causa cuja segurança ao tempo existente se perdeu com a então imprevisível nacionalização do E… que não abrangeu a G….
Mais defende o 1.ª Réu que a sua intervenção teve lugar enquanto intermediário financeiro não tendo violado o seu dever de informação, nem nunca comunicado que garantia o reembolso do produto aquando do seu vencimento.
Quanto aos demais RR., o A. veio a desistir dos respectivos pedidos, o que foi homologado por sentença transitada em julgado.
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Em resposta, o A. pronunciou-se sobre a excepção da prescrição invocada pelo C… reiterando que o mesmo não cumpriu o dever de informação a que estava vinculado.
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Foi proferido despacho saneador, identificado o objecto do processo e enunciados os temas de prova.
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Realizou-se a audiência de julgamento com observância do formalismo legal.
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Foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente a acção e condenou o Réu a pagar ao A., a título de danos patrimoniais, a quantia de €50.000,00, acrescida de juros de mora à taxa de 4% ao ano sobre aquela importância desde 25/10/1014 até integral pagamento, e, a título de danos não patrimoniais, a quantia de €2.500,00, acrescida de juros à taxa de 4% ao ano contados da citação até integral pagamento, absolvendo o Réu do demais.
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Não se conformando com a sentença proferida, o recorrente Banco C…, S.A. veio interpor o presente recurso de apelação, em cujas alegações conclui da seguinte forma:

“I. O comportamento do banco apelante não pode ter-se como ilícito, dado não ter violado qualquer preceito legal atinente à actividade de intermediário financeiro em que interveio no caso dos presentes autos.

II. Salvo melhor opinião, de todas as normas citadas na douta sentença recorrida não pode extrair-se seja o que for sobre o conteúdo concreto do dever de informação a cargo do intermediário financeiro.

III. Sendo certo que o Dec-lei nº 357-A/2007, de 31.10 teve como um dos seus principais escopos o desenvolvimento e concretização do dito dever de informação a cargo do intermediário financeiro.

IV. E nem se diga que a regra geral constante do art. 7º nº 1 do CVM deverá servir, à falta de melhor e mais circunstanciada disposição legal, de critério sobre a informação a prestar.

V. É que dizer, como aí diz o legislador, que a informação deverá ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita nada esclarece sobre o que seja uma informação completa, actual, clara e objectiva e lícita, tendo apenas, no limite, relevância para sancionar informação falsa, ou seja, contrária à realidade dos factos.

VI. O produto aqui em causa - OBRIGAÇÕES - tem naturalmente um risco a ele associado, e um risco que é inerente a todas as obrigações, um risco ordinário e comum a todos os produtos do mesmo tipo.

VII. É da sua própria natureza que, sendo a responsabilidade do seu pagamento, à data do respectivo vencimento, da entidade sua emitente, e por isso mesmo se entende que o intermediário financeiro não está obrigado a informar tal facto.

VIII. O risco de incumprimento do devedor, bem como a possibilidade da sua insolvência, é indiscutívelmente um risco geral do tráfico jurídico-mercantil, que não tem que ser objecto de um dever especial de informação do intermediário financeiro, sobretudo quando se está, como sucede no caso presente, perante um produto de complexidade mínima.

IX. Também por isso, e na mesma linha de raciocínio, o legislador expressamente previa no art. 312º nº 1 al a) do CVM ( na redacção do Dec-lei nº 486/99, de 13.11), como devendo ser objecto de informação a ser prestada pelo intermediário financeiro os riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar, e não já os riscos gerais comuns a todos os produtos do mesmo tipo.

X. Não tem o banco ora apelante, actuando como intermediário financeiro, que esclarecer que ele próprio não era responsável pelo do investimento efectuado pelo cliente.
Por outro lado,

XI. Ainda que tivesse sido ilícito o comportamento do banco apelante, sempre seria de concluir pela ausência de culpa da sua parte .

XII. É que desde 2002 que o autor investia em produtos financeiros vários, desde papel comercial G…, Obrigações G… ou um outro produto identificado nos extractos juntos aos autos como H… (como aliás vem provado nos nºs 20 a 36 da descrição factual constante da douta sentença recorrida).

XIII. Todas estas aplicações tiveram o consentimento expresso do autor, e constavam dos extractos que, com regularidade, eram enviados para a sua residência (vide nºs 37 e 38 da mesma descrição).

XIV. Desses mesmos extractos constavam ainda, com a mesma regularidade, o lançamento a crédito dos dividendos por força de acções por si detidas ( vide nº 39 ), sendo certo que todos estes rendimentos eram superiores ao normal e corrente juro proporcionado pelos depósitos a prazo (vide nº 42).

XV. Como vem provado:
- o autor subscreveu as Obrigações G… aqui em causa para obter rendimentos superiores as proporcionados pelos depósitos a prazo (nº 43).
- o impresso destinado a tal aquisição assinado pelo autor identifica a entidade emitente, o prazo da aplicação e a rentabilidade oferecida, tendo-lhe sido facultada a leitura do prospecto do produto a adquirir ( nº s 44 e 45);
- do canto inferior direito de tal impresso consta uma declaração assinada pelo autor com os seguintes “dizeres” : tomei conhecimento do prospecto desta emissão e aceito as respectivas condições “ (nº 46).

XVI. Ao banco apelante não era, pois, exigível a prestação de qualquer outra informação adicional, atendendo até ao facto de ser ele um investidor com alguma experiência neste tipo de produtos financeiros.

XVII. Inexiste ainda prova alguma de ter ocorrido no caso presente nexo de causalidade entre o facto ilícito - se for entendido que essa ilicitude existiu - e o dano sofrido pelo autor.

XVIII. Não é aceitável no caso presente a invocação de uma denominada formulação negativa da causalidade tal como a douta sentença recorrida a menciona, nem tal tem qualquer suporte legal, sendo, pois, uma interpretação contra legem dos dispositivos dos arts. 342.º nºs 1 e 3, 344.º n.º 1 e 563.º, todos do CCivil.

XIX. Ainda que se presuma a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a existência do nexo de causalidade entre a ilicitude e o dano, nexo esse que se não pode em caso algum presumir.

XX. E ainda que se entendesse que a presunção de culpa cobriria também a existência do dito nexo de causalidade, tal apenas será de aplicar ao incumprimento do dever de prestação principal e não já ao incumprimento de deveres acessórios da prestação.

XXI. Sendo certo, contudo, que o dever de informação inerente à intermediação financeira é seguramente um dever de prestação acessório da prestação principal.

XXII. Mesmo que houvesse lugar no caso presente, a um direito do autor a ser indemnizado, sempre deveria ter-se tal direito como prescrito, dado que a culpa do banco apelante nunca poderia ter-se como dolosa ou gravemente culposa.

XXIII. A douta sentença recorrida violou, por errada interpretação e aplicação, os preceitos dos arts. 483º nº 1, 798º, 342º nºs 1 e 3, 344º, 563º, todos do CCIvil e art. 312º nº 1 al. a), 314º nº 2 e 324º, todos do CVM.”.
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Foram apresentadas contra-alegações.
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Colhidos que se mostram os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.
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2. Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar e decidir:
Das conclusões formuladas pelo recorrente as quais delimitam o objecto do recurso, tem-se que as questões por resolver no âmbito do presente recurso são as seguintes:
- Da violação por parte do recorrente dos deveres de informação no âmbito do contrato de intermediação financeira e do ónus da prova quanto à ilicitude da actuação do réu e da prova do nexo de causalidade entre o facto e o dano;
- Da prescrição do crédito.
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3. Conhecendo do mérito do recurso:
3.1 Fundamentação de Facto
A matéria de facto em definitivo julgada provada é a que a seguir se menciona:
1. No dia 30.03.2012, foi assinado o contrato de compra e venda do E… entre o Estado Português e o Banco C….
2. Em 20.10.2004, o aqui A., subscreveu obrigações no montante de 50.000,00€ correspondentes ao montante que detinha em aplicação de E… Tesouraria.
3. Até ao dia 20 de Novembro de 2014, sempre lhe foram pagos os juros do capital investido na aludida aplicação financeira.
4. O Autor detinha à data de Outubro de 2004, uma aplicação "E… Tesouraria" no valor de 50.000€, (cinquenta mil euros), no E… (actual Banco C…, S.A.), agência (ou balcão) da ….
5. Tal aplicação financeira, estava a essa data a atingir a sua data de vencimento, pelo que poderia ser resgatado ou manter-se por iguais períodos.
6. Sabendo disso, o segundo Réu, gerente do E… na agência da …, contactou o Autor pedindo-lhe que se dirigisse ao Balcão do Banco, pois queria falar com ele porque tinha uma proposta interessante para lhe fazer.
7. Em dia que não pode precisar mas no mês de Setembro de 2004, o Autor, dirigiu-se à referida agência com vista a informar-se da proposta que o referido gerente do Banco tinha para lhe fazer, tendo-lhe sido comunicado que poderia proceder ao resgate daquela sua aplicação financeira para aplicar num outro programa de aplicação financeira que lhe traria uma maior rentabilidade e detinha a mesma segurança que um depósito a prazo, com garantia de capital a 100% (cem por cento), tal como o depósito a prazo.
8. Foi informado de que tal aplicação seria feita pelo prazo de dez anos, mas poderia eventualmente proceder ao seu resgate antecipado ao fim de cinco anos.
9. E de que a aplicação em causa e que lhe estava a propor tinha o reembolso do capital investido garantido a 100% (cem por cento) e lhe daria uma maior rentabilidade ao dinheiro que ele detinha em depósito a prazo.
10. O A., enquanto cliente do E…, conhecia já há vários anos o gerente da respectiva agência/Balcão da …, em quem depositava confiança, enquanto responsável pelo acompanhamento da sua conta de depósitos a prazo, e demais contas e operações financeiras no Banco em causa e respectiva agência/balcão da …, o que foi determinante para decidir resgatar a aplicação financeira E… Tesouraria e proceder à sua aplicação na aplicação financeira que se traduzia na subscrição de obrigações denominadas “G…”.
11. Em 20 de Outubro de 2004, o aqui Autor, subscreveu tais obrigações no montante de €50.000,00 (cinquenta mil euros), correspondentes ao montante que detinha em aplicação de E… Tesouraria, tendo para o efeito procedido ao resgate de tal aplicação.
12. Até ao dia 20 de Novembro de 2014, sempre lhe foram pagos os juros do capital investido na aludida aplicação financeira.
13. Pagamentos esses que lhe foram feitos pelo E… até 25 de Outubro de 2012, e pelo primeiro Réu BANCO C…, S.A., a partir dessa data e, como já se disse até 20 de Novembro de 2014, data do último pagamento dos juros reportados à aplicação financeira em causa.
14. O aqui Autor em Outubro de 2009, deslocou-se ao Banco E…, com vista a proceder ao resgate do capital investido.
15. E nessa data foi informado que só ao fim de 10 anos poderia proceder a tal resgate, ou seja, só no fim do prazo contratual e não antes.
16. Começaram nessa data a gerar-se no aqui Autor, angústias e receios.
17. O capital investido havia sido angariado após anos de trabalho e era resultante da sua actividade profissional.
18. Porque os juros sempre lhe estavam a ser pagos, manteve a esperança na recuperação do capital que tinha investido, para o que contribuiu a nacionalização do E… pelo Estado Português.
19. Vencido o prazo de dez anos, contratualmente estabelecido, foi o aqui Autor informado de que a aplicação financeira em causa não tinha cobertura de garantia de capital por ser uma subscrição de obrigações da G…, S.A..
20. Em 19.03.2002 o autor subscreveu 49.999,00 euros de papel comercial da G….
21. Em 17.06.2002 subscreveu mais 25.000 euros de um produto denominado e catalogado como G1….
22. Em 01.07.2002 voltou a subscrever 49.999,00 euros de papel comercial G….
23. Em 06.09.2002 adquiriu acções da Sonae no montante de €10.042,06.
24. Em 16.09.2002 adquiriu títulos emitidos pela G2…, no montante de €25.000,00.
25. Em 16.12.2002 veio a adquirir e subscrever mais €25.200,07 de papel comercial G….
26. Repetindo tais aplicações em 24.03.2003 e em 12.05.2003, nos montantes de 25.404,91€ e 25.050,67€.
27. E aplicando mais os montantes de 25.104,74€ e 25.499,38€ em 11.06.2003 e 23.06.2003, respectivamente.
28. Em 30.06.2003 o autor voltou a aplicar o montante de 51.256,18€ na subscrição de papel comercial de G….
29. E em 23.07.2003 subscreveu mais €102.116,21 do mesmo produto, ou seja, de papel comercial G….
30. Aplicação esta que renovou em 22.08.2003.
31. Após o reembolso desta aplicação em 20.11.2003, o autor, na mesma data, subscreveu €102.976,68 de Obrigações G….
32. Produto este que vendeu em 09.12.2003 para, na mesma data, adquirir €103.096,49 de papel comercial G….
33. Em 09.03.2004 subscreveu 103.694,55€ de papel comercial G….
34. Em 12.04.2004 veio a subscrever produto financeiro catalogado como H…, no montante de 124.999,00€.
35. E reforçou a sua carteira com investimentos de mais 19.999,99€ e 49.999,99€, em 7.05.2004 e 13.05.2004, respectivamente.
36. Só no dia 08.06.2004 o autor subscreveu papel comercial G… nos montantes de 65.000,20€, 10.000.27€, 9.999,64€ e 10.000,01€.
37. Todas as aplicações e produtos financeiros adquiridos pelo autor, e acima descritos, tiveram o seu expresso consentimento.
38. E sempre constavam dos extractos que, com regularidade, lhe eram enviados mensalmente para a sua residência.
39. De tais extractos consta também o lançamento a crédito dos dividendos recebidos por força das acções por si detidas.
40. Como o valor dos juros, acrescidos ao valor do capital no momento do reembolso do papel comercial subscrito.
41. Ou creditados de forma isolada e avulsa, quando respeitassem a rendimentos de obrigações.
42. Estes rendimentos auferidos pelo autor ao olongo de todos estes anos era superior ao normal e corrente juro proporcionado pelos depósitos a prazo.
43. O autor subscreveu e adquiriu as Obrigações G…, em Outubro de 2004 para obter rendimentos superiores aos proporcionados pelos depósitos a prazo.
44. O impresso destinado a tal aquisição assinado pelo A. identifica a entidade emitente, o prazo da aplicação e a rentabilidade oferecida.
45. Ao autor foi então facultada a leitura do prospecto do produto que iria adquirir.
46. Do canto inferior direito do referido impresso consta a seguinte declaração: “Declaro (declaramos) que tomei (tomámos) conhecimento do prospecto desta emissão e aceito (aceitamos) as respectivas condições”.
3.2. Fundamentação de direito
Na sentença apelada considerou-se, face ao acervo factual apurado, que o Banco R. actuou como intermediário financeiro no processo de subscrição pela autora/apelada, sua cliente, das obrigações denominadas “G…” emitidas pela G…, o que não vem posto em causa, tendo-se constituído na obrigação de a indemnizar pelos danos sofridos por ter violado de forma grave o dever de informação e esclarecimento que sobre si recai, o que a apelante questiona.
Tendo em consideração a data da subscrição das obrigações e o disposto no artigo 12.º, n.º 1 do Código Civil, será aplicável ao caso o CVM aprovado pelo Decreto Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro, na versão anterior ao Decreto Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro, sem embargo de poderem ser consideradas as novas disposições, “dado o entendimento (que parece vingar) de que a densificação dos deveres de informação que ela [nova lei] levou a cabo teria servido “apenas para tornar mais claros e completos [esses deveres], que já podiam ser derivados da redacção [anterior] do art.º 312 do CVM” - cf. neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/4/2018, proferido no processo 753/16.4TBLSB.L1.S1.
Não está em causa que o 1.º Réu, ao proceder, autorizado pelo autor, à subscrição em nome deste de obrigações denominadas “G...” emitidas pela G…, actuou como intermediário financeiro, ao abrigo portanto de um contrato de intermediação ou relação de cobertura que esteve na base da subscrição daqueles valores mobiliários. E nesta qualidade, um dos cruciais deveres que a lei lhe impõe é o de prestar informação, a qual “deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita”, abrangendo “os valores mobiliários, as ofertas públicas, os mercados de valores mobiliários, as actividades de intermediação e os emitentes” (cf. artigo 7.º).
Ora, um objectivo essencial da actividade de intermediação é o de propiciar decisões de investimento informadas, em ordem a prevenir a lesão dos interesses dos clientes (cf. n.º 1 do art.º 304.º). Daí que a lei estabeleça que “a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente” (cf. n.º 2 do art.º 312.º).
A este respeito, se é verdade que a lei em vigor ao tempo não impunha a prévia categorização dos clientes nos termos e segundo os critérios hoje claramente definidos, não deixava de distinguir entre clientes qualificados e não qualificados, categoria delimitada por exclusão (cf. o art.º 30.º), impondo o n.º 3 do art.º 304.º que, “na medida do necessário ao cumprimento dos seus deveres”, o intermediário financeiro colhesse informação “sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objectivos que prosseguem através dos serviços a prestar” - cf. A Directiva Comunitária relativa aos Serviços Financeiros (Directiva n.º 93/22/CEE), que já previa, no seu artigo 11.º, §4.º, 4.ª alínea, o dever dos intermediários financeiros tomarem conhecimento da situação financeira, da experiência e dos objectivos de investimento do cliente. Tal imposição visava claramente permitir que o intermediário adequasse o serviço a prestar às necessidades, nomeadamente informativas, de cada cliente, assegurando-se, em cada caso, que a operação visada era a mais adequada e que na tomada de decisão este se encontrava ciente dos riscos envolvidos. Este dever geral de adequação compreende (e compreendia já ao tempo) i. o dever de recolha de informação sobre a experiência e o conhecimento do cliente em matéria de investimento e no que respeita ao produto ou serviço pretendido ou oferecido; ii. o dever de avaliação da adequação do investimento proposto ou solicitado, o que pressupõe necessariamente que o intermediário financeiro deva recolher sobre ele toda a informação e, finalmente, iii. o dever de informar o cliente sobre a inadequação ou a falta de informação suficiente (cf. citados art.º 304.º e 312.º).
A responsabilidade do intermediário financeiro pressupõe a verificação dos tradicionais pressupostos da responsabilidade civil previstos no artigo 483º do C. Civil: o facto ilícito; a culpa; o dano; e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
A propósito, dispunha o artigo 314.º:
“1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.
2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação”.
O n.º 2 do transcrito artigo 314.º consagra uma presunção de culpa do intermediário financeiro, no contexto da violação de deveres respeitantes ao exercício das actividades de intermediação financeira, quer elas tenham decorrido no âmbito contratual, quer pré-contratual, quer em qualquer outro caso, no atinente aos deveres de informação. E conforme dá conta o apelante nas alegações de recurso, é controvertida a amplitude desta presunção, vindo contudo os nossos Tribunais a decidir, ao que cremos maioritariamente, no sentido de que a prova do ilícito incumbirá ao lesado, funcionando a presunção estabelecida prevista no n.º 2 do artigo 314.º no que respeita à culpa - cf., neste sentido os arestos do Supremo Tribunal de Justiça de 06/06/2013 e da Relação de Lisboa de 04/12/2012, ambos proferidos no processo n.º 364/11.0TVLSB, Acórdão da Relação do Porto de 21/03/2013, proferido no processo 2050/11.2TVVFR.P1, e ainda deste Tribunal da Relação do Porto de 28/1/2013, no processo n.º 1943/09.1TJPRT.P1, todos acessíveis em www.dgsi.pt.. Assim, “para que a R. pudesse ser responsabilizada, necessário era que, atento o disposto no art.º 314º do anterior CVM, estivesse provada a violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, impostos pela lei ou por regulamento. Ainda que nos termos do n.º 2 se presuma a culpa no âmbito das relações contratuais, tal não afasta o pressuposto prévio da demonstração da ilicitude que recai sobre aquele que invoca o direito de indemnização e que em concreto se poderia ter traduzido na violação daqueles deveres, com função causal relativamente aos prejuízos” - cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/06/2013, proferido no processo 364/11.0TVLSB.L1.S1.
Também na doutrina já muito se escreveu ao longo dos anos a este propósito, importando recordar, com pertinência no caso vertente, as palavras de Agostinho Cardoso Guedes (in “A Responsabilidade do Banco por informações à luz do art. 485.º do Código Civil”, RDES, Ano XIV, 1988, págs. 138 e ss.), donde: “Sempre que alguém se dirige a um banco para com ele celebrar um contrato (um depósito bancário, um empréstimo, a compra de títulos da sociedade proprietária do banco, um desconto, um empréstimo hipotecário, depósito de títulos etc.) e se inicie uma actividade comum dos contraentes destinada à análise e elaboração do projecto de negócio não parece restar qualquer dúvida que qualquer dos contraentes fica imediatamente vinculado aos deveres resultantes do art. 227.º”.
Acrescenta aquele autor que “… o problema da responsabilidade por informações como problema autónomo, colocase, principalmente, quando o dador aparece, perante o destinatário, portador de qualidades específicas que o habilitam a fornecer tais informações, as quais induzem o mesmo destinatário a nelas fazer fé. No caso do banco, o cliente presume uma competência e organização, uma profissionalização específica, que os bancos objectivamente possuem” (in op. cit., págs. 138 e 139).
Frequentemente citado neste aspecto, Menezes Cordeiro afirma (in “Banca, Bolsa E Crédito, Estudos de Direito Comercial e de Direito da Economia”, I Vol., Almedina, 1990, págs. 40 a 42) que no caso dos bancos, atenta a sua natureza e organização específica, o dever de informação tem um carácter acentuado (intenso), visando a protecção da parte débil no contrato, sendo que “A fraqueza apurase, aqui pela falta de conhecimento e de experiência do utente do banco ou pela ausência de liberdade” e em que a “protecção da parte fraca efectivase através de particulares deveres de informação e de esclarecimento, a cargo da parte forte”.
No mesmo sentido Menezes Leitão (in “Informação Bancária e Responsabilidade”, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor. Inocêncio Galvão Telles, Volume II, Direito Bancário, Almedina, 2002, p. 230) acrescenta que “…mesmo nos casos em que o banco presta conselhos ou recomendações sobre negócios (consultoria em relação a decisão de investimento, intermediação em operações sobre valores mobiliários, etc.) mesmo neste âmbito, sempre que a informação prestada tenha um cariz objectivo, se deve presumir a culpa do banco nos termos do art. 799 do CC que como entidade especializada na matéria se compromete à prestação de informações exactas, cabendo a ele ilidir sempre essa presunção com a demonstração de que o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua”.
Revertendo ao caso vertente, constata-se ter-se provado que:
“- O Autor detinha à data de Outubro de 2004, uma aplicação "E… Tesouraria" no valor de 50.000€, (cinquenta mil euros), no E… (actual Banco C…, S.A.), agência (ou balcão) da …;
- Tal aplicação financeira, estava a essa data a atingir a sua data de vencimento, pelo que poderia ser resgatada ou manter-se por iguais períodos;
- Sabendo disso, o segundo Réu, gerente do E… na agência da …, contactou o Autor pedindo-lhe que se dirigisse ao Balcão do Banco, pois queria falar com ele porque tinha uma proposta interessante para lhe fazer;
- Em dia que não pode precisar mas no mês de Setembro de 2004, o Autor, dirigiu-se à referida agência com vista a informar-se da proposta que o referido gerente do Banco tinha para lhe fazer, tendo-lhe sido comunicado que poderia proceder ao resgate daquela sua aplicação financeira para aplicar num outro programa de aplicação financeira que lhe traria uma maior rentabilidade e detinha a mesma segurança que um depósito a prazo, com garantia de capital a 100% (cem por cento), tal como o depósito a prazo;
- Foi informado de que tal aplicação seria feita pelo prazo de dez anos, mas poderia eventualmente proceder ao seu resgate antecipado ao fim de cinco anos;
- E de que a aplicação em causa e que lhe estava a propor tinha o reembolso do capital investido garantido a 100% (cem por cento) e lhe daria uma maior rentabilidade ao dinheiro que ele detinha em depósito a prazo;
- O A., enquanto cliente do E…, conhecia já há vários anos o gerente da respectiva agência/Balcão da …, em quem depositava confiança, enquanto responsável pelo acompanhamento da sua conta de depósitos a prazo, e demais contas e operações financeiras no Banco em causa e respectiva agência/balcão da …, o que foi determinante para decidir resgatar a aplicação financeira E… Tesouraria e proceder à sua aplicação na aplicação financeira que se traduzia na subscrição de obrigações denominadas “G…”;
- Em 20 de Outubro de 2004, o aqui Autor, subscreveu tais obrigações no montante de €50.000,00 (cinquenta mil euros), correspondentes ao montante que detinha em aplicação de E… Tesouraria, tendo para o efeito procedido ao resgate de tal aplicação.”.
Ora, parece evidente, face ao acervo factual apurado, que o apelante incumpriu em toda a linha o dever de informação que sobre si recaía, omitindo informação relevante e prestando informação incorrecta/falsa, determinando o apelado à subscrição de um produto que não conhecia, não tendo sido esclarecido quanto às suas características, antes lhe tendo sido descrito enganadoramente como sendo “em tudo igual a um DP” (cf. os pontos 7 e 9). E esta referenciação ao DP não é, evidentemente, inocente, uma vez que se trata de um produto muito divulgado, de todos conhecido e, sobretudo, reconhecido pela sua segurança.
A este respeito, não podemos subscrever a afirmação constante do parecer junto aos autos, da responsabilidade do Sr. Prof. Pinto Monteiro, no sentido do conceito de obrigação ser “conhecido da generalidade do público” “ou, pelo menos, facilmente apreensível”. Tal asserção assenta, cremos, o que com o maior respeito se afirma, num equívoco quanto à natureza e extensão dos conhecimentos de grande parte da população portuguesa, sobretudo quando estão em causa pessoas de determinada idade e formação.
A obrigação é um valor mobiliário cuja relação jurídica de base corresponde fundamentalmente a um contrato de mútuo, apresentando-se o seu titular enquanto credor perante a entidade emitente. Face a tais características, é rigoroso afirmar que se trata de um produto “como se fosse” ou “em tudo idêntico” a um DP? Evidentemente que não.
Estamos em presença de informação relevante, que o apelante estava naturalmente obrigado a prestar de modo a que o apelado a compreendesse, sem esperar que fossem feitas perguntas, uma vez que até para perguntar é necessário saber o suficiente. Daí que se afirme que ao intermediário financeiro cabe tomar a iniciativa de prestar a informação.
Em suma, emerge claramente da prova produzida que o apelante não informou o recorrido, como devia, de elementos essenciais atinentes à operação de investimento que para esta executou, antes tendo prestado informação enganadora, levando-a a investir num produto que, ao contrário do que afirmava, não era “em tudo idêntico a um DP”, assim tendo violado o seu dever de prestar “informação completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita”.
Desta violação resulta a obrigação de indemnizar os danos causados, seja ao abrigo do disposto no artigo 762.º, n.º 2, do Código Civil, donde se exige às partes que actuem de boa-fé na execução do contrato, seja ao abrigo do artigo 227.º, n.º 1, no momento prévio à formação do contrato, donde se exige que as partes contratantes procedam segundo as regras da boa-fé.
Quanto à existência do prejuízo, resulta do facto de o apelado estar privado da referida quantia de €50.000,00 de que não foi reembolsado. E tal não teria ocorrido caso o apelado não tivesse subscrito as aludidas obrigações, aplicações que em nada correspondiam ao anunciado pelo apelante e por aquele pretendido para o efeito de aplicar as suas poupanças, o que não teria feito caso tivesse conhecimento das suas características, assim ficando igualmente demonstrado o nexo causal entre a conduta ilícita e o dano verificado.
Insiste ainda o apelante que tendo o Banco Réu actuado, em todo o caso, com culpa leve ou levíssima - se culpa houve - sempre a sua responsabilidade estaria prescrita, por aplicação do disposto no art.º 324.º.
Todavia sem razão.
Como o prazo de prescrição tem por fundamento a segurança jurídica do devedor e a penalização da negligência do credor, é inquestionável que deve ser convocado o prazo curto de prescrição, desde que esteja em jogo uma situação de responsabilidade contratual derivada da intermediação financeira. Todavia, na responsabilidade civil dimanante da intermediação financeira, é também de vinte anos o prazo de prescrição quando estão em jogo situações de dolo ou culpa grave, a significar que o prazo de prescrição é de dois anos, tratando-se de culpa leve ou levíssima do intermediário financeiro, e de vinte anos nos casos de dolo ou de culpa grave (artigo artigo 324º/2 do CdVM) - cf. Gonçalo André Castilho dos Santos, A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro perante o Cliente, Almedina, 2008, pág. 256, apud Acórdão da Relação do Porto de 07/01/2013, processo 1015/10.6TVPRT-A.P1, in www.dgsi.pt; em sentido idêntico: in www.dgsi.pt: Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17/03/2016, processo 70/13.1TBSEI.C1., de 23/01/2018, processo 4327/16.1T8VIS.C1. Vale por dizer que o dolo ou culpa grave provoca a desaplicação do prazo curto de prescrição, sendo convocável o prazo de prescrição de 20 anos.
Este nível de culpa exige o emprego de qualquer sugestão ou artifício com intenção de induzir ou manter em erro o autor da declaração (dolo positivo) ou quando ocorra a dissimulação do erro do declarante (dolo negativo) - cf. Almeno de Sá, Direito Bancário, Coimbra Editora, 2008, págs. 65 e 68 e pág. 99 - ou um elevado grau de inobservância do dever de cuidado do declaratário, em comportamentos temerários, indesculpáveis, reprovados pelo mais elementar sentido de prudência, correspondentes àquelas condutas que não são assumidas pela generalidade das pessoas - cf. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume I, Almedina, 3.ª ed., pág. 467, nota 3.
No caso vertente, tendo em consideração a factualidade atrás enunciada e atento o padrão de exigência imposta ao intermediário financeiro, no que concerne ao dever de informar em sede pré-contratual e contratual, e considerando que a sua actuação se afere pelo padrão do diligentissimus pater familias, o apelante é passível de um acentuado grau de censura: o seu dever de informar, integrando o cerne da prestação, implicava um escrupuloso dever de diligência, pelo que a actuação com a prestação de informação falsa exprime culpa grave e dolo.
Sendo a sua culpa grave, não se aplica o prazo bianual do art. 342º, nº 2, do CVM, mas o prazo geral do art.º 309º Código Civil.
Improcede assim a excepção de prescrição, tal como se considerou na sentença apelada que, dada a improcedência dos restantes fundamentos do recurso, merece ser confirmada.
Impõe-se, por isso, a improcedência da apelação.
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Sumariando em jeito de síntese conclusiva:
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4. Decisão
Nos termos supra expostos, acordamos neste Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.
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Custas a cargo do apelante.
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Notifique.
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Porto, 24 de Janeiro de 2019.
Paulo Dias da Silva
Mário Fernandes
Leonel Serôdio