Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
301/22.7GBOVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ QUARESMA
Descritores: CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
Nº do Documento: RP20231108301/22.7GBOVR.P1
Data do Acordão: 11/08/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
Indicações Eventuais: 1. ª SECÇÃO CRIMINAL
Área Temática: .
Sumário: I - Os pressupostos subjetivos de que depende a suspensão da execução da pena de prisão são determinados pelas finalidades político-criminais das penas e pela possibilidade de se poder aquilatar, com conclusão afirmativa, da capacidade de o arguido se afastar, no futuro, da prática de novos crimes e, por esta via, alcançar a socialização sem ingressar em meio carcerário.
II – Ante a reiteração, pelo arguido, de comportamentos que vieram a defluir na instauração de novo processo e em nova condenação, ocorridos logo após o trânsito daquela primeira decisão e na qual beneficiou de suspensão, não é possível, no processo posterior, prognosticar o sucesso de igual medida quando o arguido, além do mais, não adota uma postura frontal de reconhecimento do mal praticado e da desconformidade das suas condutas, sem rebuço na negação do que de censurável se lhe imputa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 301/22.7GBOVR.P1




Acordam em conferência na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

I.
I.1
Nos autos de processo comum n.º 301/22.7GBOVR, que correu termos no Juízo de Competência Genérica de Estarreja – Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, por sentença de 05.07.2023, foi o arguido AA condenado:
- pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.ºs 14.º, n.º 1, 26.º e 152.º, n.ºs 1, al. a) e 2, al. a), todos do C.P., na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão;
- pela prática de um crime de violação de proibições, p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.ºs 14.º, n.º 1, 26.º e 353.º do C.P. na pena de 3 (três) meses de prisão;
- em cúmulo jurídico, na pena única de 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses de prisão;
A pena única aplicada foi suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses mediante sujeição a regras de conduta de conteúdo positivo, concretamente:
(i) à obrigação de se submeter a consulta médica de alcoologia (ou psiquiatria) e ao tratamento médico que vier a ser considerado necessário pelo médico assistente;
(ii) à obrigação de frequentar programa direcionado à prevenção de violência doméstica e à interiorização do dever de vivência normativa em sociedade, tudo mediante acompanhamento e supervisão da D.G.R.S.P. – art.ºs 52.º, n.ºs 1, al. b) e 3, e 51.º, n.º 4, ex vi do art.º 52º, n.º 4, todos do C.P..
Na mesma decisão foi ainda o arguido condenado na pena acessória de proibição de contactar com a ofendida BB em qualquer local, bem como de se aproximar das imediações da residência e do local de trabalho daquela, mediante fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, pelo período de 1 (um) ano – art.º 152.º, n.ºs 4 e 5 do C.P. e no pagamento da quantia de €750,00 (setecentos e cinquenta euros), acrescida de juros moratórios, à taxa legal, desde a notificação para contestar o pedido cível e até integral cumprimento.
*
I.2
Não se conformando com o decidido veio o Ministério Público interpor o recurso ora em apreciação referindo, em conclusões, o que a seguir se transcreve:
I. Não se conformando com a douta sentença que, em suma, condenou o arguido na pena única de 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, dela vem o Ministério Público recorrer quanto à escolha da pena.
II. Já não se encontram reunidas quaisquer condições para a suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado o arguido.
III. A suspensão da pena assenta na formulação de um juízo de prognose favorável quanto ao futuro comportamento do arguido, ou seja, na formulação de um juízo de que ele não praticará novos crimes, o que é manifestamente impossível de efectuar num caso como o dos autos.
IV. Sendo certo que os factos imputados ao arguido nestes autos se reportam a um período temporal muito inferior ao que esteve em causa no processo 263/21.8GAETR e com consequências menos gravosas, não se pode descurar que os factos neste processo foram perpetrados após o trânsito em julgado da sentença condenatória do arguido, no decurso do período da suspensão da execução da pena de prisão e parte deles após a realização de uma solene advertência.
V. Todos os factos foram praticados no período de aproximadamente 2 meses após o trânsito em julgado de sentença condenatória.
VI. Recuperando o histórico do processo 263/21.8GAETR e destes autos, decorre, de forma inequívoca, que os únicos períodos em que não aconteceram factos penalmente relevantes foram aqueles em que o arguido se encontrou privado da liberdade.
VII. Não se compreende em que medida o facto de, alegadamente na origem dos actos do arguido (ou pelo menos a contribuir para os mesmos), ter estado a sua adição alcoólica, possa funcionar como factor que milita a favor do arguido.
VIII. O arguido assumiu uma postura de total vitimização, falta de consciência da ilicitude do seu comportamento e de arrependimento, chegando a dizer, em julgamento, que “da maneira que ela me falou, estou muito frio com ela”, e, quando questionado sobre se se encontrava arrependido, dizendo que “do que me fizeram, sim”.
IX. As exigências de prevenção geral no crime de violência doméstica são elevadíssimas.
X. Os factos em apreço são objectivamente graves e não podem ser desligados da condenação no âmbito do processo 263/21.8GAETR.
XI. O facto de no processo 263/21.8GAETR se ter optado pela suspensão da execução da pena de prisão não serve de argumento para se optar novamente por tal pena substitutiva. Essa foi, efectivamente, a primeira condenação do arguido e era ainda possível a realização de um juízo de prognose favorável relativamente ao seu comportamento futuro, o que não é possível in casu, em que nada milita a favor do arguido.
XII. A suspensão da execução da pena de prisão não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, quer na perspectiva da prevenção especial, quer na perspectiva da prevenção geral.
XIII. A decisão proferida violou o disposto no artigo 50.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida e substituindo-a por outra que determine o cumprimento pelo arguido da pena de 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses de prisão efectiva.
V. Exas. certamente decidirão fazendo, como sempre, JUSTIÇA.
*
I.3
Admitido o recurso, não foi apresentada resposta.
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I.4
Neste Tribunal o Digno Procurador-Geral Adjunto teve vista nos autos, tendo emitido parecer no sentido do provimento do recurso (Ref.ª 17330022).
Deu-se cumprimento ao disposto no art.º 417.º n.º 2 do C.P.P., tendo a assistente declarado sufragar a posição do Ministério Público constante do sobredito parecer.
Foram os autos aos vistos e procedeu-se à conferência, importando, pois, apreciar e decidir.
*
II.
Questões a decidir:
Conforme jurisprudência recorrente e pacífica, o âmbito de qualquer recurso é delimitado pelas conclusões que sobrevêm às alegações do recorrente, sem prejuízo do conhecimento, ainda que oficioso, dos vícios da decisão a que se alude no n.º 2 do art.º 410.º do C.P.P. (cfr. art.ºs 119.º, n.º 1, 123.º, n.º 2 e 410.º, n.º 2, als. a) a c) do C.P.P. e Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, de 19.10).
No caso, vistas as conclusões apresentadas em sede recursiva, constitui objeto do presente recurso saber se a pena única de prisão aplicada deverá ser suspensa na sua execução, conforme decidido, ou de cumprimento efetivo, conforme defendido pelo recorrente.
*
III.
Apreciando.
III.1
Por facilidade de exposição, retenha-se o teor do acórdão recorrido no que concerne à respetiva fundamentação de facto:
(…)
2 – Fundamentação
2.1. Factos provados:
1- O arguido AA e a assistente BB casaram-se no dia 22 de julho de 1978, encontrando-se actualmente separados;
2- Por sentença transitada em julgado a 16 de setembro de 2022, no âmbito do PCS nº 263/21.8GAETR, deste Juízo, AA foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica, para além do mais, nas penas de pena de 2 anos e 7 (sete) meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos, bem como na pena acessória de proibição de contactar pessoalmente ou por qualquer meio com a vítima BB, e de aproximação da habitação desta num raio inferior a 500 metros, pelo período de um ano, fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância;
3- No âmbito de tal processo, o arguido esteve preventivamente preso desde 20 de novembro de 2021 até ao trânsito em julgado da sentença condenatória;
4- Atentas as informações prestadas pela DGRSP referentes à falta de condições para instalação dos meios técnicos de controlo à distância, foi decidido, por despacho proferido a 9 de setembro de 2022, que BB passasse a beneficiar de teleassistência;
5- Em tal processo, foram considerados provados os seguintes factos:
- O denunciado e BB casaram em julho de 1978;
- No período de 1989 a 2021 estiveram emigrados na Alemanha;
- Em agosto de 2021 regressaram a Portugal, passando a residir na Travessa ..., ...;
- Desse casamento nasceram três filhos;
- No último trimestre de gravidez de uma das filhas, nascida em outubro de 1983, o arguido empurrou a mulher por esta se negar a dar-lhe dinheiro para ele ir ao cinema;
- Tal empurrão fez BB desequilibrar-se e cair para trás, sentando-se numa caixa que ali se encontrava;
- No ano de 1990, enquanto se encontravam deitados na cama de casal, o arguido afirmou à mulher pretender manter com ela sexo anal, ao que a mesma não anuiu, tendo aquele, agastado com a recusa, desferido duas chapadas na cara da mulher, atingindo-a na zona das orelhas;
- No ano de 1997, no seio de uma discussão que o casal mantinha na cozinha da sua casa, o arguido desferiu uma estalada na cara da sua mulher;
- Tais comportamentos foram levados a cabo quando o arguido estava sob influência de bebidas alcoólicas;
- A partir do ano de 2012 o arguido aumentou o consumo de bebidas alcoólicas, sendo que, com uma periodicidade semanal, o arguido, em discussões que mantinha com a mulher, apelidava-a de puta, porca velha, vaca e dizia-lhe que já em solteira a mesma se relacionava sexualmente com homens casados e não valia nada;
- Em, pelo menos, três situações, BB disse ao marido que se era puta então ele era um cabrão;
- Após obter a sua reforma na Alemanha, em 2021, o arguido pretendia regressar a Portugal, o que não era vontade de BB, que não se queria despedir;
- Perante esta posição da sua mulher, o arguido disse-lhe que ou ela vinha com ele ou ia fazer escândalos à porta da fábrica onde a mesma trabalhava, fazendo com que ela fosse despedida;
- O arguido dizia à sua esposa que as mulheres de bem acompanhavam os seus maridos e não fazia sentido o mesmo regressar a Portugal antes dela;
- Decidiram então regressar a Portugal em agosto de 2021, tendo o arguido prometido à sua mulher que em Portugal teriam uma vida melhor;
- Chegados a Portugal o arguido manifestou junto da mulher o seu desagrado em privar com a cunhada daquela, mulher do seu irmão, por ter a mesma dito ao arguido que deveria trocar as madeiras de sua casa que faziam com que a mesma cheirasse a bolor e mofo;
- Desde então e por mais de uma vez em que BB disse que ia a casa do irmão, CC, o arguido dizia-lhe que se fosse não era preciso voltar;
- No dia 26 de setembro de 2021, na sequência de uma discussão, o arguido disse à mulher para se pôr a milhas, acabando ela por ir para casa do seu irmão, onde o arguido a foi procurar e vendo-a na companhia da cunhada e do irmão no logradouro da casa deste, chamou-a de cabra e puta e disse ainda que todos eles eram uns merdas, acabando por sair do local quando o CC disse que ia chamar a GNR, o que fez;
- Tendo dormido naquela noite em casa de CC, BB regressou no dia seguinte a sua casa;
- Poucos dias depois, quando, no seio de uma discussão, o arguido disse à mulher para abandonar a casa que era dele, a mesma retorquiu que ia ligar ao irmão CC para ir para casa dele;
- Nesse momento o arguido retirou-lhe o telefone das mãos e atirou-o ao chão, partindo-o, acabando BB por ficar em casa;
- No final desse mês de outubro, de 25 a 29 de, BB foi à Alemanha resolver questões relacionadas com o recebimento de valores devidos da sua entidade patronal;
- Quando chegou, no dia 29 de outubro, estava a chover, encontrando-se o arguido, alcoolizado, no umbral da porta da residência e avistando a mulher disse-lhe “Já chegaste? Se eu sabia tinha fechado o portão para ficares à chuva”;
- Mais questionou a mulher sobre quem tinha sido o amante que a tinha levado ao aeroporto e que tinha deixado na Alemanha;
- No dia seguinte, após ingerir bebidas alcoólicas o arguido continuou a imputar à mulher ter mantido relacionamentos sexuais enquanto esteve na Alemanha, tendo dito à mulher que se a mesma chamasse a GNR lhe cortava o pescoço;
- No dia 17 de novembro desse mesmo ano, BB disse que não iria dormir com o arguido, tendo aquele ficado chateado e tendo retorquido que então não dormia no quarto de visitas nem no sofá da sala, fechado o primeiro à chave e retirando as mantas grandes do sofá, mais lhe dizendo que se quisesse fosse dormir lá para fora;
- Mais tarde o arguido acabou por abrir a porta do quarto de visitas, mas BB, com medo fosse discutir consigo se usasse tal quarto, decidiu dormir sentada no sofá pequeno, cobrindo-se com uma manta pequena nos pés;
- Vendo isto e porque a salamandra estava acesa, o arguido retirou a lenha do seu interior, apagando-a para que a mesma passasse frio;
- Após insistiu com a mulher para que fosse dormir consigo, mantendo aquela a sua recusa;
- O arguido então dirige-se à sua mulher e deu-lhe uma estalada, mais a empurrando pela zona do pescoço, fazendo-a a cair no sofá;
- Nesse circunstancialismo a vítima, tentou reagir, arranhando o arguido na zona do pescoço;
- O arguido nesse momento apelidou ainda a mulher de vaca, puta e cabra;
- Quando BB se dirigiu para a porta do exterior o marido meteu-se na frente, impedindo-lhe o acesso à porta, acabando ela por regressar para o sofá, onde ficou;
- O arguido retirou a BB os seus dois telemóveis, escondendo-os e indo dormir em seguida;
- No dia seguinte, por volta das 18h o arguido pediu à mulher que lhe fizesse um café na máquina, o que aquela se negou a fazer;
- Em consequência o arguido foi buscar a máquina e atirou-a ao chão no exterior, partindo-a e chamando cabra à mulher;
- Nessa sequência BB chamou a GNR;
- Deslocou-se ao local uma patrulha composta pelos militares da GNR DD e EE;
- Enquanto estava BB e o arguido junto da patrulha e enquanto aquela relatava a sua vivência com o arguido o mesmo empurrou-a contra a parede dizendo-lhe “diz a verdade sua cabra”;
- Foi-lhe imediatamente dada voz de detenção pelos militares e enquanto o arguido se encontrava a ser algemado e conduzido à viatura da GNR, o mesmo dirigiu-se à mulher dizendo “Eu vou, mas quando vier tu vais pagá-las”;
- Durante o trajecto e no Posto da GNR o arguido repetiu tal expressão;
- O arguido encontrava-se embriagado;
- O arguido ingeria, pelo menos, um litro de vinho por dia a partir do momento em que regressou a Portugal, em agosto de 2021;
- BB não usava o automóvel do casal quando entendia, porque o arguido lhe havia dito que estava proibida de o fazer;
- O arguido quis, com a sua actuação, atingir física, psíquica e emocionalmente a sua mulher, causar-lhe inquietação e medo, perturbá-la no seu bem-estar, sossego e liberdade de decisão, querendo ainda atingi-la na sua dignidade enquanto ser humano, o que conseguiu;
- Sabia que com as suas condutas BB se sentiria, como sentiu, menorizada e humilhada e que causava na mesma um sentimento de forte insegurança e de temor pela sua integridade física e vida;
- Sabia que actuava no interior da residência comum do casal;
- Agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei”;
6 - Não obstante tal sentença transitada em julgado, o arguido, no dia 23 de setembro de 2022, pelas 17:20 horas, deslocou-se à habitação da assistente, sita na Travessa ..., ..., local em que, a partir da via pública, se dirigiu à mesma e lhe pediu que lhe desse o cartão multibanco, pois estava com falta de dinheiro, o que aquela fez, dando-lhe o dito cartão, embrulhado num papel, por cima de um portão fechado;
7- Nesse contexto, o arguido, em estado alcoolizado, disse-lhe: “dá-me uma chance, eu quero voltar para casa, tudo vai mudar” e, ante a recusa da assistente, apodou-a de “desgraçada de merda” e disse-lhe “então tens de sair de casa porque eu vou falar com a minha advogada para vender a casa”;
8- Nos dias seguintes (24 e 25 de setembro de 2022), o arguido voltou a deslocar-se à referida residência, onde, depois de bater nas persianas, disse “pensa bem e deixa-me voltar para casa”;
9- Nas ocasiões mencionadas em 7) e 8), perante as insistências do arguido para retomarem o relacionamento, BB dizia-lhe que ia pensar, de molde a que o mesmo não insistisse mais e fosse embora;
10 - No dia 26 de setembro de 2022, o arguido, a partir do seu contacto telefónico com o nº ...37, efectuou múltiplas chamadas para a assistente, a qual não as atendeu;
11- No dia 1 de outubro de 2022, pelas 20:34 horas, e no dia seguinte, pelas 16:50 horas, o arguido voltou a contactar telefonicamente BB, que, uma vez mais, não atendeu;
12- Entre o dia 1 e o dia 25 de outubro de 2022, em dias, horas e número de vezes não concretamente apurados, o arguido efectuou telefonemas para a assistente, a pedir que aceitasse retomar o relacionamento consigo, ao que aquela, após algumas insistências, respondia que ia pensar;
13- Em tais telefonemas o arguido não usou de qualquer ofensa verbal para com BB;
14- No dia 4 de outubro de 2022, no âmbito do processo referido em 2), foi proferida ao arguido uma solene advertência relativamente ao incumprimento da pena acessória de proibição de contactos com a ofendida BB;
15- No dia 25 de outubro seguinte, pelas 18:05 horas, o arguido, em estado alcoolizado, dirigiu-se à residência da assistente e, sem autorização desta, galgou o muro e acedeu ao quintal;
16- BB encontrava-se no quintal e, assim que viu o arguido, tentou fugir para o interior da residência, mas não o logrou fazer porque aquele impediu-a de fechar a porta;
17- O arguido encontrava-se munido de uma faca de cozinha, com cerca de 10 cm de comprimento, com a qual costumava cortar fruta;
18- Nesse momento, o arguido levantou os braços da assistente ao alto, agarrando-a pela zona dos pulsos, enquanto lhe dizia “eu mato-te, se tu não vieres viver comigo, eu mato-te”;
19- Após BB tentar accionar o mecanismo de teleassistência e chamar por auxílio, o arguido arrancou tal aparelho das mãos da ofendida e atirou-o ao chão, dizendo “esta merda não vale de nada”;
20- Após, o arguido voltou a agarrar a assistente pela zona do antebraço, enquanto esta tentava segurar a mão do arguido que empunhava a dita faca de cozinha;
21- Como consequência directa e necessária da conduta do arguido, BB sofreu e as seguintes lesões:
- No membro superior direito: uma equimose avermelhada na face medial do terço distal do braço medindo 1 cm por 0,5 cm, bem como uma escoriação na falange distal do 4º dedo, medindo 1 cm de comprimento;
- No membro superior esquerdo: duas equimoses arroxeadas na face anterior do terço médio do antebraço medindo 1,5 cm por 1 cm e 1 cm por 0,5 cm;
22- Tais lesões determinaram-lhe 6 dias para a cura, sem afectação da capacidade de trabalho geral e profissional;
23- Na ocorrência descrita em 15) a 20), o arguido nunca apontou a faca à mulher, nem fez menção de poder utilizá-la contra a mesma;
24- Ao actuar como actuou nessa situação, o arguido sabia que as suas condutas eram idóneas a provocar dores e lesões à ofendida, o que quis e conseguiu;
25- Sabia também que a sua actuação era susceptível de lhe criar medo e inquietação, fazendo-a temer pela sua segurança física, o que quis e conseguiu;
26- Mais sabia que a expressão dirigida à sua mulher mencionada em 7) era ofensiva da sua honra, dignidade e consideração, não obstante estar ciente de que tinha para com ela especiais deveres de respeito, tendo em conta o facto de ser sua mulher;
27- O arguido sabia que, face à pena acessória de proibição de contactar BB, que lhe havia sido aplicada por sentença transitada em julgado, não poderia contactar, por qualquer meio, com a mesma e, não obstante, não se absteve de contactar BB nas circunstâncias aludidas em 8), 10) a 12) e 15) a 20);
28- Agiu sempre de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei;
29- Devido aos factos referidos em 7), a assistente sentiu-se ofendida na sua honra e consideração;
30- Em consequência da situação descrita em 15) a 20), a assistente sentiu medo e angústia e viveu com ansiedade nos tempos mais próximos que se seguiram;
31- Desde finais de outubro de 2022 que o arguido não voltou a importunar a assistente por qualquer meio ou por interposta pessoa;
32- Arguido e assistente encontram-se em negociações para partilha do património comum, mormente para venda da casa onde a assistente se encontra a residir, no âmbito do processo de divórcio também em curso;
33- AA nasceu e cresceu no município ..., no seio de um agregado familiar numeroso, constituído pelos progenitores e oito descendentes, sendo o arguido o segundo mais velho da fratria;
34- Os recursos culturais, económicos e sociais do agregado foram enquadrados numa situação de sérias fragilidades e privações, sendo que a subsistência familiar foi sendo mantida com extrema dificuldade pela atividade laboral dos pais, na pesca, junto à ria de Aveiro;
35- A educação promovida pelos ascendentes é recordada como tradicional e rígida, principalmente por parte da progenitora, que recorria, com grande frequência, a punições físicas regulares;
36- Ainda assim, o arguido recorda relacionamento familiar maioritariamente (e na sua perspetiva) normativo, parecendo predominar regras e rotinas compatíveis com a vida em sociedade;
37- Iniciou em idade própria um percurso escolar marcado por desmotivação, relacionada ao sistema educativo (regras) e às matérias escolares. Apesar de não referir problemas relacionados com a aprendizagem ou de indisciplina, o absentismo regular foi promotor do abandono escolar precoce, aos 13 anos de idade, sem a conclusão do 5º ano de escolaridade;
38- Com a saída da escola, integrou a atividade similar à dos progenitores, nas marinas do sal em Aveiro (13 anos) e posteriormente em Setúbal (15 anos), para o mesmo patrão;
39- A sua experiência laboral estendeu-se para atividades na pesca de arrasto (aos 16 anos), e pesca em alto mar (a partir dos 18 anos), na Africa do Sul, Marrocos, Canadá, Alemanha e Panamá, atividade que foi mantendo até aos 62 anos de idade;
40- Ao nível afetivo, casou aos 19 anos de idade com a assistente BB, de 18 anos, contexto familiar onde vieram nascer os três filhos do casal, atualmente de 41, 39 e 34 anos de idade;
41- O casal acabou por permanecer, cerca de 30 anos, emigrado na Alemanha e onde acabaram por se manter, até à data, os filhos do casal;
42- Os vínculos afetivos, na perspetiva do arguido, foram coesos e gratificantes, a par com as condições financeiras do casal que foram evoluindo, após a permanência naquele país, promovendo maior estabilidade de vida a todos os elementos do agregado;
43- Ao nível clínico, começou a evidenciar problemáticas ao nível de osteoporose, a partir dos 60 anos de idade, promotoras de maior inatividade ao nível laboral, culminando na reforma antecipada formalizada em 2019 (Portugal) e 2021 (Alemanha);
44- Desde o regresso do casal, de forma definitiva, a Portugal em 2001, AA foi mantendo residência com o cônjuge na habitação de família na ..., isenta de prestação bancária associada ao imóvel;
45- Com a autonomização dos descendentes, que permaneceram a residir no estrangeiro, a vivenda de tipologia 3 apresentava-se adequada à integração dos dois elementos ali residentes;
46- A sobrevivência do agregado foi mantida através da reforma do arguido no valor total de €635,00 mensais (€470,00 da Alemanha e €165,00 de Portugal), a par com o subsidio de desemprego do cônjuge, no valor de €800,00 mensais;
47- BB só poderá solicitar a reforma 2024;
48- Com despesas fixas mensais num valor aproximado aos € 400,00/mês, as condições de subsistência do agregado foram-se mantendo asseguradas;
49- Nos seus tempos livres e de lazer, o arguido manteve atividades na pesca desportiva, idas ao mercado e passeios regulares em casal;
50- O relacionamento familiar foi sendo desgastado, na perspetiva do arguido, por conflitos com o agregado de origem de BB, que recorria, segundo aquele, a comportamentos associadas a práticas de feitiçaria, com rituais populares e profanos, práticas que o arguido entende como prejudiciais à harmonia do casal;
51- À data dos factos elencados em 6) e ss., o arguido havia reintegrado a habitação dos progenitores (já falecidos), em imóvel antigo, de dimensões reduzidas, constituído por quatro pequenas divisões indiferenciadas, apresentando frágeis condições habitacionais;
52- Em contacto com os serviços de reinserção social, o arguido foi apresentando ao longo dos meses de acompanhamento um discurso por vezes confuso e desorganizado, com indicação para necessidade de avaliação em unidade de saúde mental;
53- Os consumos de álcool foram referenciados como desorganizadores do quotidiano, tendo sido encaminhado, em meio livre, para consulta de avaliação em unidade de saúde local, que não chegou a efetuar;
54- É reputado de pertinente, pelos serviços de reinserção social, um diagnóstico ao nível da saúde mental, com vinculação a eventual tratamento que possa ser referenciado, assim como intervenção estruturada no sentido da reflexão em torno dos bens jurídicos em causa nos autos, em vista da reinserção do arguido;
55- Do CRC do arguido nada consta para além da condenação indicada em 2).
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2.2. Factos não provados
a) Que, nas circunstâncias referidas em 6) a 20), o arguido actuou com o propósito de enxovalhar e humilhar a assistente;
b) Que, na situação descrita em 15) a 20), o arguido sabia que a sua actuação era susceptível de fazer a assistente temer pela sua vida, o que quis e conseguiu;
c) Que, nessa situação, o arguido sabia que praticava esses factos no domicílio comum;
d) Que, devido aos factos insertos nos pontos 15) a 20), a demandante teme pela sua vida e vive com a ansiedade e inquietação de voltar a ser abordada pelo demandado e maltratada pelo mesmo.
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Não houve outros factos provados ou não provados com relevância para a decisão da causa, ou que não estejam em oposição ou não tenham já ficado prejudicados pelos que foram dados como provados e não provados, sendo conclusiva, de direito ou irrelevante para a boa decisão da causa (ou mostrando-se prejudicada pela factualidade considerada provada e não provada) a demais matéria inserta na acusação e no pedido de indemnização civil.
*
2.3. Motivação
A decisão do tribunal assentou na conjugação dos seguintes elementos probatórios:
- Assentos de nascimento sob as refs. 124156712 e 124156992 – facto provado sob o nº 1;
- Teor da certidão do PCS nº 263/21.8GAETR junta aos autos em apenso e do auto de 1º interrogatório de arguido detido realizado naquele processo (ref. 124163004 e fls. 34 e ss. do processo físico) – factos provados sob os nºs 2, 3 e 5;
- Teor de cópia do PCS nº 263/21.8GAETR junta aos autos (ref. 124163004 e fls. 49 a 56 do processo físico) – factos provados sob os nºs 4 e 14;
- Declarações do arguido em sede de primeiro interrogatório judicial, reconhecendo a generalidade dos factos que lhe são imputados (ref. 124184137), sendo tal relato valorável probatoriamente em sede de audiência (art. 141º, 4, b), CPP) – factos provados sob os nºs 6 a 20 e 24 a 28;
- Assim, de acordo com as regras de experiência comum, reputa-se mais verosímil o relato feito em sede de 1º interrogatório, em que o arguido conservava memória mais fresca dos acontecimentos, do que a negação da maioria da factualidade efectuada em audiência;
- Sem prejuízo, em julgamento, o arguido reconheceu as idas a casa da assistente a que aludem os pontos 6, 8 e 14 da matéria de facto provada, bem como o facto de, na última ocasião, se encontrar munido de uma pequena faca de cozinha;
- Declarações da assistente BB, a qual descreveu pormenorizadamente as situações em que foi abordada pelo arguido na sua residência, para além dos telefonemas que recebeu do mesmo, apresentando-se aquele normalmente sob o efeito de bebidas alcoólicas e sempre com o propósito de restabelecer o relacionamento com a vítima (e não de a humilhar ou enxovalhar) – factos provados sob os nºs 6 a 13 e 15 a 20 e al. a) dos factos não provados;
- O relato da assistente foi rodeado de revolta e indignação ainda sentidas pelos factos em apreço (ainda que também muito sugestionada e influenciada pela matéria que constituiu o objecto do PCS nº 263/21.8GAETR, que durou largos anos), o que não lhe retirou o necessário discernimento para descrever com objectividade essa factualidade, conferindo-lhe antes maior verosimilhança;
- Sem prejuízo, e com particular relevância, a ofendida reconheceu que, nos aludidos telefonemas, o arguido nunca usou de linguagem imprópria consigo, que, ante as insistências do arguido, lhe dizia que ia pensar, que, na ocasião do dia 25 de outubro de 2022, o arguido nunca lhe apontou a faca de cozinha que trazia consigo (que a assistente confirmou tratar-se do utensílio que aquele habitualmente usava para cortar fruta) nem fez menção de poder vir a utilizá-la contra a assistente, que desde então o arguido não voltou a importuná-la de que forma fosse e que se encontram em conversações para divisão do património comum;
- Daí os factos provados sob os nºs 9, 13, 23, 31 e 32 e os factos não provados sob as als. b) e d);
- Por outro lado, resulta das regras de experiência comum que os actos levados a cabo pelo arguido naquela ocorrência são de molde a causar dores, lesões físicas, medo e inquietação à assistente (tendo a testemunha FF, vizinha da assistente, asseverado o estado de espírito desta na referida ocasião) e que o insulto proferido por AA na situação do dia 23 de setembro é susceptível de ofender a honra e consideração da visada – factos provados sob os nºs 24 a 26, 29 e 30;
- As lesões sofridas pela assistente na sequência do episódio de 25 de outubro mostram-se descritas no relatório médico-legal sob a ref. 13686404 – factos provados sob os nºs 21 e 22;
- Depoimento da testemunha GG, vizinho da assistente, que presenciou parte dos acontecimentos do dia 25 de outubro, a atestar as características da faca de que o arguido era portador (em corroboração do relato da assistente a esse respeito) – facto provado sob o nº 17 (1ª parte);
- Por outro lado, resultou inequívoco da audiência de julgamento (bem como decorre da matéria de facto provada sob os nºs 2 e 3) que, aquando dos factos sub judice, há muito que o arguido já não residia com a assistente – facto não provado sob a al. c);
- Teor do relatório social do arguido, sob a ref. 14501807 – factos provados sob os nºs 33 a 54;
- CRC sob a ref. 28268039 – facto provado sob o nº 55.
*

3.1. Enquadramento jurídico-penal
(…)
Na parte referente à suspensão da execução da pena, objeto de dissídio, escreveu-se na sentença recorrida:
(…)
3.3. Da suspensão da execução da pena de prisão
Dispõe o art. 50º, 1, C. Penal, que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Daqui deriva que são as necessidades de prevenção especial de socialização, limitadas pelas de prevenção geral na modalidade de defesa do ordenamento jurídico, que neste momento devem ser sopesadas, sem descurar a gravidade relativa dos factos em apreço.
Assim, atendendo em especial a que:
- Não foram de monta as consequências dos factos praticados pelo arguido (6 dias de doença sem incapacidade para o trabalho – de gravidade muito inferior aos factos que constituíram o objecto do PCS nº 263/21.8GAETR, em que a pena de prisão aplicada ao arguido foi suspensa na sua execução);
- O comportamento do arguido foi norteado pela vontade de retomar o relacionamento com a ofendida (e não por alguma maldade gratuita) e durou apenas cerca de um mês;
- Na origem dos seus actos (ou pelo menos a contribuir para os mesmos) esteve a sua adição alcoólica;
- O arguido deu o seu consentimento a sujeitar-se a consulta médica de alcoologia e ao tratamento que vier a ser tido por necessário pelo médico assistente;
- Desde finais de outubro de 2022 que o arguido não voltou a importunar a assistente por qualquer meio ou por interposta pessoa, consideramos não ser necessário expô-lo novamente aos efeitos estigmatizantes de uma pena privativa de liberdade, a cumprir em estabelecimento prisional (posto que já cumpriu períodos de prisão preventiva).
Há a considerar, todavia, que a suspensão da execução não deverá ser determinada pura e simplesmente, mas antes condicionada a regras de conduta, sob pena de o arguido não sentir a decisão como uma verdadeira sanção criminal e, bem assim, de esta não surtir os efeitos de prevenção geral e especial e de ressocialização que devem estar-lhe associados.
Atenta a natureza dos factos sub judice, a circunstância de o arguido tê-los praticado após ingestão excessiva de bebidas alcoólicas, a debilidade emocional que o arguido revela, e na esteira do propugnado pela DGRSP, reputa-se curial subordinar a suspensão de execução da pena de prisão às seguintes regras de conduta de conteúdo positivo:
- Sujeição a consulta médica de alcoologia (ou psiquiatria) e ao tratamento médico que vier a ser considerado necessário pelo médico assistente, em vista do consentimento que o arguido deu para esse efeito, mediante acompanhamento e supervisão da DGRSP – arts. 52º, 3, e 51º, 4, ex vi 52º, 4, todos do C. Penal;
- Frequentar programa direcionado à prevenção de violência doméstica e à interiorização do dever de vivência normativa em sociedade, também mediante acompanhamento e supervisão da DGRSP – arts. 52º, 1, b), e 51º, 4, ex vi 52º, 4, todos do C. Penal.
Nestes termos, suspende-se a pena de prisão imposta ao arguido nas condições ora impostas, o que vigorará pelo mesmo período de dois anos e três meses (art. 50º, 5, C. Penal).
*
(…)

Tendo por base este translado da parte relevante, apreciemos a pretensão do recorrente.
*
III.2
Da suspensão da execução da pena de prisão
Na perspetiva do recorrente - sem pôr em causa as penas parcelares e a pena de síntese encontradas na decisão recorrida – a suspensão da execução da pena de prisão de que o arguido beneficia não se justifica.
Em abono da posição sufragada refere o Ministério Público que a suspensão da execução da pena assenta na formulação de um juízo de prognose favorável quanto ao futuro comportamento do arguido, ou seja, de que não praticará novos crimes, prognóstico que, no caso, se torna inviável, já que os factos pelos quais foi condenado foram praticados no período aproximado de 2 meses após o trânsito em julgado da sentença condenatória proferida no âmbito do Proc. n.º 263/21.8GAETR, também por crime de violência doméstica, em pleno período de suspensão da respetiva pena de prisão e após aí ter sido solenemente advertido, sendo que o único período em que o arguido não praticou factos criminalmente relevantes foi aquele em que esteve privado da liberdade.
Mais refere o recorrente que não se compreende em que medida o facto de a adição alcoólica apontada ao arguido, e que terá contribuído para a prática dos factos, pôde ser referida como fator a militar a favor daquele na ponderação da adequação da pena substitutiva.
Ademais o arguido assumiu uma postura de total vitimização, denotado falta de consciência crítica e de arrependimento, chegando a afirmar em julgamento que “da maneira que ela me falou, estou muito frio com ela” e, quando questionado sobre se se encontrava arrependido referiu “do que me fizeram, sim”.
Prossegue o recorrente afirmando que, tendo em conta o tipo de crime praticado, as exigências de prevenção geral são elevadíssimas, sendo os factos realizados objetivamente graves, concluindo que a suspensão da execução da pena de prisão não efetiva, de forma adequada, as finalidades da punição, quer na perspetiva da prevenção especial, quer na da prevenção geral.
Apreciando.
O art.º 50.º do C.P. determina que o Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior ou posterior ao facto e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Para além da medida concreta da pena de prisão aplicada (que não pode ser superior a 5 anos), é pressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão a formulação de um juízo de prognose favorável, relativamente ao comportamento futuro do arguido, no sentido de, quanto a ele, a simples censura do facto e a ameaça da prisão se mostrarem adequadas a dissuadi-lo da prática de crimes.
Assim, os pressupostos subjetivos de que depende a suspensão da execução são determinados pelas finalidades político-criminais das penas e pela possibilidade de se poder aquilatar, com conclusão afirmativa, da capacidade de o arguido se afastar, no futuro, da prática de novos crimes e, por esta via, alcançar a socialização sem efetivamente ingressar em meio carcerário.
São assim sobretudo razões de prevenção especial (e não considerações de culpa) as que estão na base do instituto da suspensão, assentando o referido juízo de prognose favorável na análise das circunstâncias do caso, em correlação com a personalidade do agente.
Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/01/2002, [processo n.º 3026/01, Rel. Franco de Sá, in www.dgsi.pt], a suspensão da pena é uma medida penal de conteúdo pedagógico e reeducativo que pressupõe uma relação de confiança entre o tribunal e o arguido condenado. Na base de uma decisão de suspender a execução de uma pena está sempre uma prognose social favorável ao agente, baseada num risco prudencial.
A suspensão da pena tem um sentido pedagógico e reeducativo, norteado, por sua vez, pelo desiderato de afastar o delinquente - tendo em conta as concretas condições do caso – da ulterior prática de crimes, assentando o juízo de prognose, não numa absoluta certeza, mas numa esperança fundada de que a socialização em liberdade seja realizada, importando sempre um risco para o julgador calculado a partir dos elementos de facto a que tem acesso [vd. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, Parte geral II, As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, 1993 pág. 344].
Porém, só haverá lugar à suspensão da execução da pena de prisão desde que, obviamente, a tal não se oponham as exigências de prevenção geral sendo que, atento o crime concretamente praticado, as mesmas, em Portugal, são fortíssimas e prementes.
Do acabado de referir não deflui que, na ponderação da possibilidade de suspensão, estejam em causa considerações de culpa. Apenas se expressa que aquele juízo poderá sofrer limitações porquanto, a par de considerações de prevenção especial coexistem considerações de prevenção geral que tornarão a suspensão da execução da pena de prisão admissível apenas quando (também) não coloque em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e o sentimento de reprovação social do crime.
Em todas as hipóteses, porém, acrescenta-se que a questão jurídica subjacente à suscetibilidade e adequação da pena de substituição em causa não pode consistir num mero juízo conclusivo, mas, antes, deve ser a decorrência de uma sólida fundação factual de suporte, escorada nos factos provados que, no final da exegese, permita definir se a efetividade da prisão é, ou não, reclamada pela necessidade de assegurar as finalidades da punição ou se, ao invés, estas podem ser suficientemente acomodadas com a suspensão da execução da pena, eventualmente com o reforço readaptativo proporcionado pelo estabelecimento de determinadas condições ou sujeição a regime de prova.
*
Regressando ao caso em apreço.
Vista a decisão recorrida e sendo pacífico que se encontra verificado o requisito formal de a pena única aplicada ser inferior a 5 anos, vejamos se existem razões objetivas, assentes em factos provados, que permitam sustentar o juízo de prognose favorável que é pressuposto da suspensão decretada.
A formulação de tal juízo, imprescindível à possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão formou-se, segundo a decisão recorrida, nos seguintes moldes e sopesando os seguintes fatores:
- Não foram de monta as consequências dos factos praticados pelo arguido (6 dias de doença sem incapacidade para o trabalho – de gravidade muito inferior aos factos que constituíram o objecto do PCS nº 263/21.8GAETR, em que a pena de prisão aplicada ao arguido foi suspensa na sua execução);
- O comportamento do arguido foi norteado pela vontade de retomar o relacionamento com a ofendida (e não por alguma maldade gratuita) e durou apenas cerca de um mês;
- Na origem dos seus actos (ou pelo menos a contribuir para os mesmos) esteve a sua adição alcoólica;
- O arguido deu o seu consentimento a sujeitar-se a consulta médica de alcoologia e ao tratamento que vier a ser tido por necessário pelo médico assistente;
- Desde finais de outubro de 2022 que o arguido não voltou a importunar a assistente por qualquer meio ou por interposta pessoa, consideramos não ser necessário expô-lo novamente aos efeitos estigmatizantes de uma pena privativa de liberdade, a cumprir em estabelecimento prisional (posto que já cumpriu períodos de prisão preventiva);

Decompondo, entendeu o Tribunal a quo que:
- Os factos praticados não produziram, na ofendida, lesões relevantes – 6 dias de doença, sem incapacidade para o trabalho;
- Por factos mais graves o arguido beneficiou da suspensão da execução da pena de prisão;
- O comportamento do arguido foi norteado pela vontade de retomar o relacionamento com a ofendida (e não por alguma maldade gratuita) (sic) e durou apenas cerca de um mês;
- Na origem dos seus atos (ou, pelo menos, contribuindo para os mesmos) esteve a sua adição alcoólica;
- Desde outubro de 2022 que o arguido não voltou a importunar a ofendida, não sendo necessário expô-lo novamente aos efeitos estigmatizantes de uma pena privativa da liberdade a executar em meio carcerário.
Com base na ponderação do acabado de referir e considerando o Tribunal a quo que “(…) Atenta a natureza dos factos sub judice, a circunstância de o arguido tê-los praticado após ingestão excessiva de bebidas alcoólicas, a debilidade emocional que o arguido revela, e na esteira do propugnado pela DGRSP” – entendeu, a final, reforçar os efeitos readaptativos da suspensão subordinando-a a injunções e regras de conduta, no caso a sujeição “a consulta médica de alcoologia (ou psiquiatria) e ao tratamento médico que vier a ser considerado necessário pelo médico assistente e a frequência de programa direcionado à prevenção de violência doméstica e à interiorização do dever de vivência normativa em sociedade, com acompanhamento e supervisão da D.G.R.S.P.”.
Sendo a argumentação supra a especificamente convocada para acomodar o juízo de prognose favorável efetuado, repontam-se alguns dos factos provados que fazem parte da decisão e necessariamente presentes:
(i) Do relatório pré sentencial elaborado pela D.G.R.S.P.:
- AA nasceu e cresceu no município ..., no seio de um agregado familiar numeroso, constituído pelos progenitores e oito descendentes, sendo o arguido o segundo mais velho da fratria;
- Os recursos culturais, económicos e sociais do agregado foram enquadrados numa situação de sérias fragilidades e privações, sendo que a subsistência familiar foi sendo mantida com extrema dificuldade pela atividade laboral dos pais, na pesca, junto à ria de Aveiro;
- A educação promovida pelos ascendentes é recordada como tradicional e rígida, principalmente por parte da progenitora, que recorria, com grande frequência, a punições físicas regulares;
- Ainda assim, o arguido recorda relacionamento familiar maioritariamente (e na sua perspetiva) normativo, parecendo predominar regras e rotinas compatíveis com a vida em sociedade;
- Iniciou em idade própria um percurso escolar marcado por desmotivação, relacionada ao sistema educativo (regras) e às matérias escolares. Apesar de não referir problemas relacionados com a aprendizagem ou de indisciplina, o absentismo regular foi promotor do abandono escolar precoce, aos 13 anos de idade, sem a conclusão do 5º ano de escolaridade;
- Com a saída da escola, integrou a atividade similar à dos progenitores, nas marinas do sal em Aveiro (13 anos) e posteriormente em Setúbal (15 anos), para o mesmo patrão;
- A sua experiência laboral estendeu-se para atividades na pesca de arrasto (aos 16 anos), e pesca em alto mar (a partir dos 18 anos), na Africa do Sul, Marrocos, Canadá, Alemanha e Panamá, atividade que foi mantendo até aos 62 anos de idade;
- Ao nível afetivo, casou aos 19 anos de idade com a assistente BB, de 18 anos, contexto familiar onde vieram nascer os três filhos do casal, atualmente de 41, 39 e 34 anos de idade;
- O casal acabou por permanecer, cerca de 30 anos, emigrado na Alemanha e onde acabaram por se manter, até à data, os filhos do casal;
- Os vínculos afetivos, na perspetiva do arguido, foram coesos e gratificantes, a par com as condições financeiras do casal que foram evoluindo, após a permanência naquele país, promovendo maior estabilidade de vida a todos os elementos do agregado;
- Ao nível clínico, começou a evidenciar problemáticas ao nível de osteoporose, a partir dos 60 anos de idade, promotoras de maior inatividade ao nível laboral, culminando na reforma antecipada formalizada em 2019 (Portugal) e 2021 (Alemanha);
- Desde o regresso do casal, de forma definitiva, a Portugal em 2001, AA foi mantendo residência com o cônjuge na habitação de família na ..., isenta de prestação bancária associada ao imóvel;
- Com a autonomização dos descendentes, que permaneceram a residir no estrangeiro, a vivenda de tipologia 3 apresentava-se adequada à integração dos dois elementos ali residentes;
- O relacionamento familiar foi sendo desgastado, na perspetiva do arguido, por conflitos com o agregado de origem de BB, que recorria, segundo aquele, a comportamentos associadas a práticas de feitiçaria, com rituais populares e profanos, práticas que o arguido entende como prejudiciais à harmonia do casal;
- Em contacto com os serviços de reinserção social, o arguido foi apresentando ao longo dos meses de acompanhamento um discurso por vezes confuso e desorganizado, com indicação para necessidade de avaliação em unidade de saúde mental;
- Os consumos de álcool foram referenciados como desorganizadores do quotidiano, tendo sido encaminhado, em meio livre, para consulta de avaliação em unidade de saúde local, que não chegou a efetuar;
(ii)
Da audiência de julgamento:
- Por sentença transitada em julgado a 16 de setembro de 2022, no âmbito do PCS nº 263/21.8GAETR, deste Juízo, AA foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica, para além do mais, nas penas de pena de 2 (dois) anos e 7 (sete) meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos, bem como na pena acessória de proibição de contactar pessoalmente ou por qualquer meio com a vítima BB, e de aproximação da habitação desta num raio inferior a 500 metros, pelo período de um ano, fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância;
- No âmbito de tal processo, o arguido esteve preventivamente preso desde 20 de novembro de 2021 até ao trânsito em julgado da sentença condenatória;
- Atentas as informações prestadas pela DGRSP referentes à falta de condições para instalação dos meios técnicos de controlo à distância, foi decidido, por despacho proferido a 9 de setembro de 2022, que BB passasse a beneficiar de teleassistência;
- No dia 4 de outubro de 2022 [no âmbito do processo 263/21.8GAETR], foi proferida ao arguido uma solene advertência relativamente ao incumprimento da pena acessória de proibição de contactos com a ofendida BB.
(iii)
Da motivação da decisão de facto:
Em audiência o arguido negou a maioria da factualidade.
(iv)
Do processado
Por despacho de 27.10.2022 o arguido foi sujeito à medida de coação de prisão preventiva que, por despacho de 28.06.2023, proferido em audiência, foi substituída pelo seguinte estatuto coativo:
- Termo de identidade e residência, já prestado nos autos;
- Obrigação de apresentação trissemanal, às 2ªs feiras, 5ªs feiras e sábados, durante o horário normal de expediente, no posto policial da área da residência;
- Proibição de contactos por qualquer meio, nomeadamente, telefone ou internet, pessoalmente ou por interposta pessoa, com a ofendida BB, mediante meios técnicos de controlo à distância;
- Proibição de se aproximar da habitação da ofendida BB num raio inferior a 500 metros, mediante meios técnicos de controlo à distância;
- Obrigação de se sujeitar a consulta médica de alcoologia e ao tratamento que vier a ser tido por necessário pelo seu médico assistente (medida para a qual o arguido deu a sua concordância), mediante supervisão da DGRSP.
*
Retendo os elementos elencados e não perdendo de vista a objetividade dos factos provados, não contestados em sede recursiva, somos levados a concordar com a posição do recorrente.
Em jeito introdutório dir-se-á que a sindicância do decidido não se efetivará como se inexistisse decisão recorrida ou como se este Tribunal da Relação se predispusesse a aplicar a pena pela primeira vez. Ademais, note-se que o tribunal de recurso deve intervir na alteração da pena concreta [aqui se incluindo da adequação de penas de substituição e respetivos deveres condicionantes], apenas quando se justifique uma alteração minimamente substancial, isto é, quando se torne evidente que foi aplicada sem fundamento, com desvios aos citérios legalmente apontados [cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18.03.2015, proc. 109/14.3GATBU.C1, Rel. Inácio Monteiro, consultado em www.dgsi.pt].
Efetivamente e tendo existido, a montante, um julgamento – com contraditório pleno, oralidade e imediação – e uma atividade jurisdicional de fixação concreta da pena no culminar daquela audiência, na dependência do Tribunal ad quem não estará a realização de nova e originária determinação da pena e eventuais medidas substitutivas mas, tão só, a sindicância do quantum da pena e a sua natureza, seguindo e tendo por referencial os critérios utilizados pelo Tribunal a quo, respetiva motivação, escrutinando a eventual existência de falhas ou omissões, exercendo a sua função corretiva se o resultado da operação se revelar ilegal ou manifestamente desadequado.
Prosseguindo.
Como referem Vítor Sá Pereira e Alexandre Lafayette [Código Penal anotado e comentado, pág. 178] não há um dever de suspender, mas sim um poder vinculado de decretar a suspensão, conquanto, claro está, estejam reunidos os necessários pressupostos formais e materiais já analisados supra. Se assim for, deverá o Tribunal suspender a execução da pena de prisão, conhecida a aposta do legislador na prisão como medida de ultima ratio e a preferência pela ressocialização em liberdade, sendo que a finalidade político-criminal que a lei visa alcançar é a prevenção da reincidência (que a simples ameaça do cumprimento da pena de prisão seja suficiente para o afastamento da práticas ulterior de crimes), sem ingresso em meio carcerário, desde que a tal não se oponham as exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico.
Considerado, então, o requisito material para a suspensão, existirão elementos que permitam a formulação de um juízo prudente de que, por aquela via, se cumprirão as finalidades da punição?
Para formulação de um tal juízo não bastará a consideração, ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto, devendo atender-se, também, às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto e assim, apoiadamente, prognosticar o comportamento futuro.
Analisando.
Para caracterizar a personalidade do arguido, interessa aferir o seu passado conhecido, as circunstâncias que caracterizaram a prática do crime e o seu comportamento após tais factos.
No caso, por sentença transitada em julgado a 16 de setembro de 2022, no âmbito do PCS nº 263/21.8GAETR, foi o arguido condenado pela prática de um crime de violência doméstica, para além do mais, na pena de 2 (dois) anos e 7 (sete) meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos, bem como na pena acessória de proibição de contactar pessoalmente ou por qualquer meio com a vítima BB, e de aproximação da habitação desta num raio inferior a 500 metros, pelo período de um ano, fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
Transitada a decisão, como vimos, no dia 16 de setembro de 2022 o arguido, logo no dia 23 desse mês, ou seja, 7 dias após, deslocou-se à habitação da assistente onde, a partir da via pública, se dirigiu à mesma ainda que estivesse proibido de a contatar por qualquer meio e de se aproximar da residência num raio de 500m, acabando, na ocasião e mostrando-se alcoolizado, por lhe dirigir a expressão “desgraçada de merda”.
Nos dias seguintes, 24 e 25 de setembro de 2022, o arguido, estando proibido de contatos com a assistente e de se aproximar da residência desta, voltou a deslocar-se ao mesmo local onde, depois de bater nas persianas, disse “pensa bem e deixa-me voltar para casa”.
No dia 26 de setembro de 2022, o arguido, a partir do seu contacto telefónico com o nº ...37, e apesar de estar proibido de contactar a vítima, efetuou múltiplas chamadas para a assistente, a qual não as atendeu.
Nos dias 1 e 2 de outubro de 2022 e apesar de proibido, o arguido voltou a contactar telefonicamente BB. Aliás, entre os dias 1 e 25 de outubro de 2022, em dias, horas e número de vezes não concretamente apurados, o arguido efetuou telefonemas para a assistente, a pedir que aceitasse retomar o relacionamento consigo.
Em face do comportamento relatado e no âmbito do processo da anterior condenação, no dia 4 de outubro de 2022 foi dirigida ao arguido uma solene advertência relativamente ao incumprimento da pena acessória de proibição de contactos com a ofendida BB.
No dia 25 de outubro o arguido, novamente alcoolizado, dirigiu-se à residência da assistente e, sem autorização desta, galgou o muro e acedeu ao quintal, onde a vítima se encontrava e que, assim que o viu, tentou fugir para o interior da residência, mas não o logrou fazer porque aquele a impediu de fechar a porta. Na ocasião o arguido encontrava-se munido de uma faca de cozinha, com cerca de 10 cm de comprimento, com a qual costumava cortar fruta (sic). Nesse momento, o arguido levantou os braços da assistente ao alto, agarrando-a pela zona dos pulsos, enquanto lhe dizia “eu mato-te, se tu não vieres viver comigo, eu mato-te”. Após BB tentar acionar o mecanismo de teleassistência e chamar por auxílio, o arguido arrancou tal aparelho das mãos da ofendida e atirou-o ao chão, dizendo “esta merda não vale de nada”. O arguido voltou a agarrar a assistente pela zona do antebraço, enquanto esta tentava segurar a mão do arguido que empunhava a dita faca de cozinha.
No dia 27 de outubro de 2022 o arguido ficou sujeito à medida de coação de prisão preventiva, situação em que se manteve até ser libertado na sequência do despacho, proferido em audiência, que desagravou o seu estatuto coativo.
Deste relato dos factos e sem chamar à colação circunstâncias atinentes à culpa, temos por demonstrado que o arguido vinha denotando uma completa indiferença para com os efeitos da condenação anterior – o que lhe valeu a instauração do presente processo – sendo notória a sua incapacidade para responder positivamente ao que era expetável no âmbito da suspensão da execução da pena de que beneficiava.
Esta circunstância, ligada ao comportamento do arguido e à sua personalidade, é para nós preditora do insucesso de nova medida de suspensão da execução da pena.
É certo que se refere na decisão recorrida que, por factos mais graves, o arguido beneficiou de suspensão da execução da pena de prisão. Porém, a nosso ver, o que daí se pode retirar e ante o comportamento pregresso do arguido, é que aquela medida, que se julgou justificada em determinado contexto factual e histórico, vinha soçobrando nos seus efeitos, revelando a incapacidade do arguido para cumprir as obrigações decorrentes daquele estatuto e, mais do que um fundamento para equacionar nova suspensão seria, quanto a nós, argumento para uma eventual revogação da medida, em sede própria. Beneficiou da suspensão por factos mais graves – como avança a decisão recorrida - mas era, então, primário. Os factos que deram origem aos presentes autos, embora menos graves em termos de consequências físicas, são perpetrados num momento em que o arguido já sofrera a solene advertência inerente à condenação (já não era delinquente primário), já fora solenemente advertido no decurso da suspensão e, por isso, na consideração dos factos agora em juízo, as exigências de prevenção especial eram, incomensuravelmente, superiores e, correspondentemente, maior a dificuldade de prognosticar o sucesso de nova substituição que se prefigura mais limitado.
Note-se também que o Tribunal a quo, em sede de determinação da pena, já considerou a indicada “pouca gravidade” em benefício do arguido: - “O grau de ilicitude da sua conduta é (…), situando-se já ao nível da mediania no âmbito do tipo legal de crime de violência doméstica, posto que se tratou apenas de uma situação de violência física e com consequências de pequena monta (6 dias de doença sem incapacidade para o trabalho) e só uma situação de violência verbal – art. 71º, 2, a).” – o que não equivale a dizer que, encontrada a pena, a “pouca gravidade” possa fazer prognosticar o sucesso e adequação da suspensão.
Argumenta-se, de igual sorte, na decisão posta em crise, que “Desde finais de outubro de 2022 que o arguido não voltou a importunar a assistente por qualquer meio ou por interposta pessoa”. O argumento é verdadeiro, mas escamoteia a circunstância de, no período, o arguido se encontrar privado da liberdade, em situação de preso preventivo e, por isso, vendo reduzida a sua capacidade para persistir na atuação lesiva, quase diária, que antecedeu a reclusão.
Refere-se, igualmente, na decisão recorrida, que os factos foram praticados quando o arguido se encontrava alcoolizado e que, em audiência, aceitou submeter-se a tratamento.
Se o alcoolismo foi, na perspetiva da decisão, um fator facilitador da prática dos crimes é, também ele, potenciador do risco de reincidência, desaconselhando a suspensão. Note-se que do relatório pré sentencial constava, também, que “Os consumos de álcool foram referenciados como desorganizadores do quotidiano, tendo sido encaminhado, em meio livre, para consulta de avaliação em unidade de saúde local, que não chegou a efetuar”. Isto é, o comprometimento do arguido, tomado em conta pelo julgador no momento da decisão recorrida, terá um valor preditor relativo, considerando a objetividade da sua atuação anterior e o insucesso de igual medida de que beneficia no processo da anterior condenação.
Também foi valorada a circunstância de o comportamento do arguido ter sido “norteado pela vontade de retomar o relacionamento com a ofendida (e não por alguma maldade gratuita) e durou apenas cerca de um mês”. Sendo invocadas circunstâncias atinentes à culpa (ou a sua relativização) no momento da prolação de uma decisão à qual aquelas deveriam ser alheias, dir-se-á que, salvo o devido respeito, se trata de argumento reversível e subjetivo. A vontade de retomar o relacionamento como forma de justificar o comportamento desconforme ao que lhe era exigível coloca a tónica na vertente narcísica da atuação do agente, como se isso o legitimasse nos seus modos ou fosse suportável ou compreensível do lado da vítima, no confronto com o conceito de “maldade gratuita”.
É verdade que existe um tipo específico de violência e de sofrimento infligido, de destruição da alteridade com base em conceitos de excesso e desproporcionalidade bem mais gravosos, que convocam a expressão coloquial invocada de “maldade gratuita”, contrapondo-se que, poucas vezes, a maldade se julga sem preço, sendo a gratuitidade não raramente derrogada com fundamentos mais ou menos compreensíveis. Depois de Hannah Arendt, sobre a banalidade do mal, ou do conceito kantiano do mal radical, provavelmente chegaremos à conclusão de que o mal vem, a maior parte das vezes, acompanhado de um sentido prévio para o agente que o leva a passar, mais ou menos justificadamente, do pensamento ao ato, sendo a gratuitidade um conceito ilusivo e mutável. Ademais e se fosse motivo a ter em conta para prognosticar o sucesso e adequação da suspensão, este “mal menor”, ou assim percecionado pelo agente, poderia sempre justificar comportamentos futuros equivalentes, conquanto fossem vistos como uma categorização do justificável.
Em suma e a nosso ver, a atuação do arguido é denotativa de uma baixa resistência à frustração, agindo no impulso não refreado da imposição da sua vontade e das suas convicções à sua ex parceira.
Quanto ao segmento “durou apenas cerca de um mês” foi, praticamente, o período em que gozou de liberdade antes de ao arguido ser aplicada a medida de coação de prisão preventiva.
Por fim diz-se igualmente na decisão recorrida, em sede de fundamentação, que o arguido negou a maioria da factualidade (razão pela qual foram valoradas as suas declarações prestadas em sede de primeiro interrogatório).
A postura de não assunção dos factos que se retém e que o recorrente põe em evidencia é, quanto a nós, denotativa de falta de ressonância quanto à gravidade dos mesmos, de sentido crítico quanto à sua desadequação comportamental e de falta de empatia para com a vítima. Efetivamente e não correspondendo a possibilidade de suspensão da execução da pena a uma obrigação, sendo antes uma faculdade, a sua adequação e subordinação às finalidades das penas pressupõe, a montante, uma atuação do arguido conducente à formulação de um juízo prudente de prognose favorável, por parte do Tribunal, quanto à suficiência e adequação da pena de suspensão da execução da pena de prisão.
Ora, nestes casos e quando não existe, da parte do agente, uma postura frontal de reconhecimento do mal praticado e da desconformidade das suas condutas, sem rebuço na negação do que de censurável se lhe imputa, também se torna, quanto a nós, pejada de escolhos a possibilidade de optar pela suspensão da execução da pena.
Com isto não se quer dizer que ao arguido fosse exigível uma confissão integral e sem reservas dos factos. No entanto e a montante da afirmação da adequação da medida substitutiva que se equaciona, mister se torna a demonstração de alguma capacidade readaptativa do agente, de superação de eventuais fatores desencadeadores do comportamento criminal o que, em boa verdade, passa não raras vezes pelo reconhecimento da inadequação da conduta e pela aceitação de que existe um problema que se quer ultrapassar, que existe uma genuína capacidade de mudança e que a suspensão, acompanhada de eventuais obrigações, contribuirá para a ressocialização e recuperação do delinquente, de uma forma que não o exponha aos efeitos criminógenos da prisão em meio carcerário e sem postergar as exigências de prevenção geral.
Essa capacidade de reconhecimento, de ressonância, de contrição e de comprometimento genuíno e sincero com um projeto de mudança é detetável pelo arrependimento, demonstrado de uma forma útil - e não tantas vezes apenas proclamada por palavras que não encontram apoio em atos, - utilidade que não é exclusiva sob o ponto de observação da administração da justiça mas, também, das próprias vítimas, da satisfação moral e até patrimonial que merecem, em consonância com os fins das penas, designadamente a reintegração social do agente (artigo 40.º, n.º 1, do C.P.). Essa finalidade mostra-se, em parte, conseguida com o arrependimento ou com a ressonância já que, por este caminho, se detetará um agente dotado de uma personalidade menos endurecida, permeável à mudança e ao recomeço, - por contraponto ao criminoso insensível, - deixando, assim, antever uma menor perigosidade ou uma menor concentração de fatores preditores de insucesso. Do resultado da operação e ante um agente dotado destas caraterísticas de aceitação e comprometimento, surgirá uma expectativa positiva e objetiva sobre o seu comportamento futuro, isto é, sobre o seu modo de ser e sobre a sua adequação ao ordenamento jurídico que é, afinal, o necessário juízo de prognose positiva associado à suspensão da execução da pena.
Ora, no caso, não encontramos aqueles fatores vaticinadores de sucesso na postura do arguido e no seu posicionamento perante os factos praticados.
É certo que os arguidos, enquanto tal, beneficiam do direito ao silêncio, como exteriorização do privilégio da não autoincriminação. Não obstante, o direito ao silêncio e a qualidade de arguido não convocam a existência de um direito à mentira. Esta, a ocorrer, será apenas a concretização de uma estratégia de defesa ou a demonstração de um traço de carácter cuja diferença, perante os restantes intervenientes processuais, passa pela impossibilidade de responsabilização criminal pela falta de verdade.
Podendo o arguido exercer o direito ao silêncio, ou até exercê-lo de forma seletiva, o arguido não necessita, em bom rigor, de mentir. Basta que se remeta ao silêncio. Se contribui ativamente e avança com uma contraversão, na qual se exime a qualquer comportamento censurável, nega o seu cometimento ou repassa responsabilidades, no limite atribuindo-as à própria ofendida, então essa sua atuação, quando insucedida, regressará ao ponto de origem e contribuirá, necessariamente, para avaliar do caráter e da capacidade readaptativa do agente no sentido de sustentar, ou não, a possibilidade de suspensão.
No caso, ainda que eventualmente perscrutada a existência de fatores de proteção com base na solicitação de relatório social, a formulação do predito juízo de prognose favorável impunha, como ponto de partida, um comportamento processual positivo pós-delito por parte do arguido, em benefício da verdade e como forma de acomodar a confiança no seu modo de atuar futuro.
Essa capacidade de merecer a vulgarmente denominada oportunidade e o acerto da suspensão da execução, louvam-se na atuação do arguido, no seu comportamento e na sua vontade e capacidade de mudança o que, tratando-se de um sentimento do foro interior, terá que revelar-se através de atos concretos. Por exemplo, e no que aos crimes contra o património diz respeito, esse capital de confiança dificilmente será demonstrável sem atos concretos denotativos da assunção de responsabilidade e eventualmente de compensação, na medida do possível, dos prejuízos causados.
Em sinopse, perante a postura e a personalidade demonstradas pelo arguido, a suspensão da execução da pena seria, tão só, um ato de fé avalizado pelo Tribunal, sem qualquer pecúlio de confiança aportado por aquele que o sustentasse, encarado, pelo arguido, como um prémio sem investimento e, aos olhos da comunidade e da ofendida, um pouco mais do que uma absolvição.
Assim, e porque a suspensão da execução da pena, embora não seja isenta de riscos de insucesso, implica, necessariamente, que esse risco seja prudencial, por forma a que o Tribunal possa considerar que atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior ou posterior ao facto e às circunstâncias deste, (...) a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição no caso, esses fatores de ponderação, por tudo o que dissemos, comprometem tal prognóstico favorável e implicam a não suspensão da execução da pena única de prisão aplicada.
Perante a prática de crimes que, na ótica do legislador, são graves, a resposta reativa prevista no tipo - a prisão - só não será efetiva se e quando se revelem adequadas eventuais medidas de substituição aplicáveis. Ora, a única então cogitada - a suspensão - não se torna imediatamente aplicável pelo facto de as consequências do facto serem pouco gravosas, o arguido se comprometer a comparecer em consultas, ou “não ser necessário expô-lo novamente aos efeitos estigmatizantes de uma pena privativa de liberdade”.
No caso, objetivamente e como fatores a considerar na formulação de um juízo de prognose, temos um arguido que, antes da prática dos factos hoje em discussão, praticou factos idênticos, sobre a mesma vítima, reiterando a sua conduta em período de suspensão da execução da pena de prisão e persistindo mesmo depois de ter sido alvo de uma solene advertência, completamente indiferente a ação modeladora da pena, vindo a cessá-los em período no qual esteve privado da liberdade em situação de prisão preventiva.
Mesmo que o ex-casal esteja em fase de partilha do património comum, como é mencionado na fundamentação da decisão de facto, nem sempre tal período é sinónimo de impermeabilidade e novos conflitos e de completo apaziguamento.
O arguido, pelo seu procedimento conhecido, persistiu na prática de comportamentos violentos, indiferente à anterior condenação e às condicionantes que dela para si advinham.
O álcool, como fator potenciador ou facilitador dos seus comportamentos, há muito que é uma constante identificada no trajeto de vida do arguido, com historial de insucessos, não sendo a promessa de nova frequência ativo bastante para, por si só, motivar nova suspensão da execução da pena de prisão. Aliás o risco que persiste acaba por ser paradoxalmente reconhecido pelo próprio julgador quando, no ponto 3.4 da sentença, imediatamente após a decisão de suspender a execução da pena de prisão e a propósito da pena acessória de proibição de contatos, escreve “Ora, no caso sub judice, atento o facto de o arguido ter voltado a contactar com a ofendida mesmo após lhe ter sido aplicada tal medida e na sequência de solene advertência aplicada pelo tribunal, considera-se adequado impor-lhe a sobredita sanção acessória, a vigorar pelo período de um ano (prazo que lhe foi fixado no âmbito do PCS nº 263/21.8GAETR, por factos de gravidade muito superior), mediante controlo por meios técnicos à distância (sem prejuízo dos actos que arguido e assistente tiverem de praticar no âmbito de processo de divórcio e/ ou de inventário).”.
Ademais e em complemento, as penas de substituição em geral, e a suspensão da execução da pena de prisão em particular, não podem comprometer as finalidades das penas. O historial pessoal do arguido, constante da factualidade provada, inviabiliza, a nosso ver e como defende o recorrente, qualquer modalidade de suspensão da execução da pena de prisão, não tendo o arguido logrado mostrar ser confiável a curto, médio ou longo prazo quando, a bem da verdade, praticou os crimes in iudicium logo após a condenação por crimes de idêntica natureza e em que beneficiou da medida agora em discussão.
Em conclusão se, nos termos do art.º 50.º, n.º 1, do C.P., o tribunal suspende a execução da pena aplicada em medida não superior a cinco anos quando, "atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que simples censura do facto e ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição", no caso concreto, retendo as características de personalidade evidenciadas pelo arguido, a sua conduta anterior ao crime e as circunstâncias deste, acima descritas, entende-se que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizariam, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição, as quais ficariam em risco de forma intolerável.
Termos em que, na procedência do recurso, deverá a decisão recorrida ser revogada - na parte em que decidiu suspender a execução da pena única de prisão aplicada ao arguido - sendo o seu cumprimento efetivo, com a natural privação da liberdade, consequência que advém do comportamento do arguido que não soube aproveitar a oportunidade previamente concedida.
Sendo a pena única fixada de 2 anos e 5 meses de prisão e considerando, pelos elementos constantes dos autos, que o arguido esteve privado da liberdade, na situação de preso preventivo, desde a data da detenção - 27.10.2022 - até ao desagravamento do estatuto coativo efetuado por via do despacho proferido na sessão de 28.06.2023 da audiência de julgamento, perfazendo 8 meses e 1 dia e tendo em conta o estatuído nos art.ºs 43.º, n.º 1 al. b) e 80.º, n.º 1 do C.P., haveria que equacionar a possibilidade de aplicação do regime de permanência na habitação, desde que obtida a aquiescência do arguido, estivessem reunidos os pressupostos técnicos e a medida fosse julgada adequada e suficiente à realização das finalidades da punição. A aplicação da pena de substituição em causa não foi equacionada, aquando da prolação da sentença recorrida, tendo em conta a opção, agora derrogada, pela suspensão da execução da pena de prisão, sendo aquele o momento adequada à aferição da suficiência e adequação da medida, pese embora, dada a sua natureza mista de pena de substituição e de forma de execução, o mecanismo do art.º 43.º possa ser aplicado em momento ulterior (claramente no caso da al. c) do n.º 1).
Como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 03.10.2023 [proc. n.º 747/15.7GBVLN.G3, Rel. Isabel Ferreira de Castro, in www.jurisprudencia.pt] Há quem sustente que a aplicação de uma qualquer pena de substituição, incluindo o regime de permanência na habitação, dependendo de um juízo de adequação às finalidades da punição, apenas pode ser formulado na sentença, momento da escolha da pena, e pelo Tribunal de julgamento, não podendo ser aplicada em momento posterior à sentença, e quem, diversamente, entenda que pode ser aplicada posteriormente, no Tribunal de condenação, nos termos previstos no artigo 371º-A do Código de Processo Penal, e, enquanto modalidade de execução da prisão, nomeadamente nas situações de prisão resultante do desconto previsto nos artigos 80º a 82º ou decorrente da revogação da pena de substituição prevista na al. c) do n.º 1 do artigo 43º do Código Penal, ou no Tribunal de Execução de Penas, quando a pena de prisão já está em curso, nos termos previstos nos artigos 120º, n.º 1, al. b), e 138º, n.ºs 2 e 4, al. j), do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, perfilhando-se o segundo entendimento (sublinhado nosso). Nesta situação poderia ser equacionada a adequação do regime de execução ou relegada a matéria para o tribunal da condenação, quando efetuada a liquidação da pena e consideração do respetivo desconto, permitindo-o e pena concreta ainda por cumprir.
Para já, no entanto, aquela forma de execução não se nos afigura adequada. O condenado vivia sozinho (o que representa um obstáculo em regime de permanência na habitação), com um quotidiano marcado pelos consumos de álcool e residindo a cerca de 400m da vítima, o que impedia a utilização de mecanismos de vigilância eletrónica (tendo apenas sido disponibilizado o botão de pânico – teleassistência), defluindo na insusceptibilidade de substituição da prisão preventiva por O.P.H.V.E. (cfr. informação da D.G.R.S.P. de 08.11.2022).
Ao momento, inexistem razões para decidir de forma diferente, sendo certo que o arguido, enquanto recorrido, poderia ter exercido, de forma diversa, o seu direito de defesa, contra motivando, especificadamente, a agravação da sua situação peticionada pelo Ministério Público – art.º 413º do C.P.P. -, apresentando os argumentos e razões que entendesse para convencer o tribunal de recurso a julgar improcedente aquela pretensão e, no limite, alinhando pela suscetibilidade de aplicação do regime que agora se equaciona, nada tendo feito, demitindo-se de influir na sindicância da espécie e da medida da pena aplicada.
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V.
Decisão:
Por todo o exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem a 1ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso do Ministério Público e, em consequência, revogar a sentença recorrida na parte em que decidiu suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido AA, sendo os 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses aplicados de cumprimento efetivo.
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Sem tributação.
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Oportunamente cumpra-se o disposto no art.º 10.º da Portaria n.º 280/2016, de 26.10.
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Porto, 8 de novembro de 2023
José Quaresma
Nuno Pires Salpico
Luís Coimbra