Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | MIGUEL BALDAIA DE MORAIS | ||
Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO ADMISSIBILIDADE DE DOCUMENTOS COM ALEGAÇÕES AUTORIDADE DE CASO JULGADO NULIDADES DE SENTENÇA PROVA CULPA REBENTAMENTO DE PNEU EXCESSO DE VELOCIDADE CONTRIBUIÇÃO DO LESADO AGRAVAMENTO DOS DANOS FALTA DE USO DO CINTO DE SEGURANÇA DIRECÇÃO EFECTIVA DIRECÇÃO INTERESSADA DANO PATRIMONIAL FUTURO INDEMNIZAÇÃO POR ASSISTÊNCIA A TERCEIRA PESSOA COMPENSAÇÃO POR DANOS NÃO PATRIMONIAIS JUROS MORATÓRIOS | ||
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Nº do Documento: | RP201801241173/14.0T2AVR.P1 | ||
Data do Acordão: | 01/24/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | ALTERADA | ||
Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º667, FLS.378-444) | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - A possibilidade de junção de documento prevista na 2ª parte, do nº 1 do artigo 651º do Código de Processo Civil não abrange o caso de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da causa e visar, com esse fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter oferecido na 1ª instância. II - Para que possa invocar-se triunfantemente a exceção dilatória (inominada) de autoridade do caso julgado torna-se mister que a decisão proferida em ação anterior já tenha transitado em julgado nos termos definidos no artigo 628º do Código de Processo Civil. III - Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação não for suscetível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual. IV - O auto de participação de acidente de viação é um documento autêntico na precisa medida em que emana de um órgão de polícia criminal a quem é reconhecida competência para a sua elaboração, na decorrência do que considera que se o agente da autoridade efetua medições de rastos de travagem e os localiza, mede e anota a largura da faixa de rodagem, anota os sinais de trânsito e sua localização, anota o local onde ficaram os veículos imobilizados após o acidente, descreve os danos externos visíveis nos veículos, todos estes factos passam a estar abrangidos pela sua força probatória plena. V - Provando-se que um veículo automóvel que circulava numa autoestrada a velocidade superior à legalmente permitida, não lhe pode ser atribuída culpa na produção do acidente ao seu condutor se também ficou demonstrado que, antes de entrar em despiste, o pneu traseiro do lado esquerdo rebentou. VI - Não pode presumir-se que o referido rebentamento se deveu ao excesso de velocidade se não estiver provado nos autos qualquer outra materialidade, a partir da qual se possa extrair essa ilação, da mesma forma que não se pode presumir que se esse veículo circulasse dentro dos limites de velocidade legalmente impostos o seu despiste não se teria verificado não obstante o rebentamento do pneu. VII - Constituindo a finalidade primacial da imposição do uso do cinto de segurança a preservação da integridade física do respetivo obrigado, a sua falta é idónea a causar um agravamento dos inerentes danos provocados, com direta repercussão, nos termos previstos no artigo 570.º, n.º 1, do Código Civil, na redução do correspondente montante indemnizatório, filiada na concorrência de um facto culposo do lesado para o agravamento dos mesmos. VIII - A simples alegação da propriedade do veículo, sem a invocação e demonstração de quem tem a sua direção efetiva e interessada, é suficiente para, à luz do disposto no nº 1 do artigo 503º do Código Civil, poder conduzir à procedência do pedido de indemnização emergente de acidente de viação contra a proprietária do mesmo. IX - O rebentamento do pneu consubstancia um evento inerente ao funcionamento do veículo e, como tal, compreendido no risco de circulação do mesmo. X - Para a determinação do quantum indemnizatório destinado a compensar a perda de rendimento futuro é de perfilhar um critério comparativo temperando o uso das fórmulas matemáticas em vista de determinação do capital produtor do rendimento de que o lesado ficou privado e que se extinga no final do período provável da sua vida, com critérios corretivos, pela intervenção de juízos de equidade, com apelo às regras da experiência que a caracteriza. XI - É adequada a fixação do montante de €350.000,00 a título de compensação por danos não patrimoniais a favor de uma jovem de 17 anos, afetada com défice funcional permanente de 91 pontos – apresentando tetraplegia espástica, à esquerda com movimentos globais e pouco seletivos e à direita sem movimentos -, implicando que necessitará, permanentemente, do auxílio de terceira pessoa nas atividades da vida diária, com dano estético de 6 pontos, quantum doloris de 6 pontos (ambos numa escala de 1 a 7), com repercussão permanente na atividade sexual e nas atividades desportivas e de lazer, em ambos os casos fixados no grau máximo que a escala atualmente em vigor comporta (sete pontos). XII - Assiste ao lesado direito a verba indemnizatória para compensar a sua necessidade do apoio de terceira pessoa, mesmo quando sejam os familiares a prestar esse apoio, podendo, assim, dispor dessa verba para pagar a assistência prestada. XIII - Não se tendo operado “ex professo” um cálculo atualizado da indemnização ao abrigo do n° 2 do artigo 566.° do Código Civil com apelo declarado, designadamente, aos índices de inflação entretanto apurados no tempo transcorrido desde a propositura da ação, os juros moratórios devem ser contabilizados a partir da data citação, que não a contar da data da decisão condenatória de 1ª instância. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo nº 1173/14.0T2AVR.P1 Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Aveiro – Juízo Central Cível - Juiz 3 Relator: Miguel Baldaia Morais 1º Adjunto Des. Jorge Miguel Seabra 2ª Adjunta Desª. Maria de Fátima Andrade * .................................................Sumário ................................................. ................................................. ................................................. * B… instaurou a presente ação declarativa com processo comum contra:Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I - RELATÓRIO 1ºs) – C… e D…, na qualidade de herdeiros de E…; 2ª) – F…, Ldª; 3º) - Fundo de Garantia Automóvel, pedindo que os réus sejam condenados a pagar-lhe: a) Quantia nunca inferior a 3.224,000€ (três milhões duzentos e vinte e quatro mil euros), a título de ressarcimento pelos danos patrimoniais decorrentes da incapacidade permanente de que a autora ficou a padecer (incapacidade para o exercício de qualquer profissão); b) Pelo quantum doloris, a quantia de 500,000€ (quinhentos mil euros); c) Pelo dano estético, a quantia de 500.000€ (quinhentos mil euros). d) A título de danos não patrimoniais, quantia nunca inferior a 1.000.000,00€ (um milhão de euros); e) A título de obras de adaptação da casa onde reside a autora, o valor de 24.787,30€ (vinte e quatro mil setecentos e oitenta e sete euros e trinta cêntimos); f) A quantia de 66.833,26€ (sessenta e seis mil, oitocentos e trinta e três euros e vinte e seis cêntimos) a título de assistência de uma 3ª pessoa (salários deixados de auferir pelo progenitor da autora); g) A importância de 400.000.00€ (quatrocentos mil euros) devida pela assistência de uma 3ª pessoa para toda a sua vida; h) Montante, a liquidar em execução de sentença, referente a ajudas técnicas de que a autora carece; i) Qualquer tratamento, intervenção cirúrgica, internamento ou medicamentos que a autora venha a necessitar por ordem médica, a liquidar posteriormente; j) O montante de 334,12€, a título de despesas médico - medicamentosas; l) Juros de mora sobre todas as quantias supra referidas, calculados à taxa legal, desde a citação, até efetivo e integral pagamento. Para substanciar os pedidos formulados, alegou, em síntese, ter sido vítima de um acidente de viação quando se fazia transportar numa viatura conduzida pelo filho dos 1ºs réus, viatura essa que era propriedade da 2ª ré e relativamente à qual não tinha sido celebrado um contrato de seguro que garantisse a responsabilidade civil decorrente de eventos dessa natureza. Mais, alegou que do acidente resultaram extensos danos não patrimoniais e patrimoniais, melhor descritos na petição inicial, que os réus devem ressarcir. Os 1ºs réus deduziram contestação, arguindo a ineptidão da petição inicial e impugnado, de forma motivada, parte da factualidade alegada pela autora. A 2ª ré contestou, impugnando a factualidade alegada pela autora e sustentando carecer a mesma de legitimidade para peticionar as verbas a que se reportam as alíneas e) e f) do respetivo articulado. O 3º réu deduziu, de igual forma, contestação, impugnando parte da matéria alegada no articulado inicial. Em resposta, a autora pronunciou-se no sentido da improcedência das invocadas exceções. Na sequência de despacho proferido a 4/2/2015, procedeu-se à apensação aos presentes autos de uma ação instaurada pelo Centro Hospitalar G…, E.P.E, contra os ora réus, na qual o autor peticiona o pagamento (solidário) da importância de 43.422,02€ (quarenta e três mil quatrocentos e vinte e dois euros e dois cêntimos), acrescida de juros moratórios vincendos, à taxa legal, até integral pagamento, decorrente da assistência prestada à demandante B…, em resultado do acidente de viação a que o litígio se reporta. Os réus contestaram o pedido formulado pelo Centro Hospitalar G…, E.P.E, impugnando a factualidade alegada pelo mesmo e sustentando – os 1ºs réus – que a respetiva petição é inepta e que os contestantes carecem de legitimidade para serem demandados. Foi realizada audiência prévia, na qual foi proferido despacho a julgar improcedentes as arguidas exceções de ineptidão e de ilegitimidade passiva e procedente a exceção de ilegitimidade ativa, no que se refere ao pedido formulado pela autora sob a alínea f). Identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova, os autos prosseguiram os seus ulteriores termos, com realização de exame pericial, após o que se efetuou audiência de julgamento, com observância do formalismo legal. A final foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a presente ação em consequência do que se decidiu: a) Condenar os réus Fundo de Garantia Automóvel, C… e D… (estes dois últimos na qualidade de herdeiros de E…), a pagarem à autora B… a quantia de 1.451,650,00€ (um milhão quatrocentos e cinquenta e um mil seiscentos e cinquenta euros), a título de indemnização global pelos danos não patrimoniais e patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, calculados desde a citação até integral pagamento; b) Condenar os réus Fundo de Garantia Automóvel, C… e D… (estes dois últimos na qualidade de herdeiros de E…), a pagarem à autora B… a quantia que se vier a liquidar referente a intervenções cirúrgicas, internamentos, tratamentos e medicação que a mesma venha a necessitar, tudo por indicação médica, em resultado das lesões/sequelas decorrentes do acidente em discussão nos autos; c) Condenar os réus Fundo de Garantia Automóvel, C… e D… (estes dois últimos na qualidade de herdeiros de E…), a pagarem solidariamente ao Centro Hospitalar G…, E.P.E, a quantia de 43.422,02€ (quarenta e três mil quatrocentos e vinte e dois euros e dois cêntimos), acrescida de juros moratórios que se tiverem vencido na pendência dos autos, assim como dos vincendos, à taxa legal, até integral pagamento; d) Absolver os réus Fundo de Garantia Automóvel, C… e D… do demais que é peticionado pela autora B…; e) Absolver a ré F…, Ldª, do pedido, sem prejuízo do reembolso a que se fez alusão. * Inconformados com tal decisão vieram dela interpor recurso a autora, os réus C… e D… (na qualidade de herdeiros de E…) e o réu Fundo de Garantia Automóvel. * Com o requerimento de interposição do recurso a autora apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes CONCLUSÕES: 1. É interposto Recurso, da Douta Sentença, que decidiu absolver os réus Fundo de Garantia Automóvel, C… e D… do demais que é peticionado pela autora B…,2. E da qual se recorre – nomeadamente, quanto à peticionada verba a título de obras de adaptação da casa onde a autora reside, bem como o valor referente à substituição de material/equipamento destinado a ajudas técnicas e bem assim uma verba (residual) referente a despesas médico - medicamentosas, 3. Os relatórios periciais efectuados, quer pelo Instituto de Medicina Legal, quer pelo Centro de Reabilitação Profissional H…, relatórios estes, juntos aos autos e ainda, igualmente, por toda a prova documental, nomeadamente médica, junta igualmente, aos autos levariam a uma decisão diferente da qual se recorre. 4. Destes documentos referidos em 3. resulta a necessidade de a Autora ter substituição de material/equipamento destinado a ajudas técnicas e bem assim uma verba (residual) referente a despesas medico - medicamentosas, 5. Encontra-se provado na Douta sentença na parte da qual se recorre os seguintes factos, com o devido respeito, e que é muito, e que interessam ao presente recurso: a) “No ponto 32 “Encontra-se, a título permanente, dependente de ajudas medicamentosas, neste caso medicação habitual e futuramente prescrita por Ortopedia, Neurologia/Neurocirurgia, Psiquiatria e Medicina Física e Reabilitação;” b) “No ponto 34 “Necessita, permanentemente, de recurso a ajudas técnicas para prevenir, compensar ou neutralizar o dano pessoal (do ponto de vista anatómico, funcional e situacional) com vista à obtenção, a maior autonomia e independência possível nas actividades da vida diária, neste caso almofada anti - escaras, colchão anti - escaras, cadeira de rodas eléctrica com comando de acompanhante, talas de posicionamento dos membros inferior e superior direito, banco para duche, poltrona e estrado articulado na sua cama actual”;“ c) “No ponto 35 “As limitações de que padece, supra-referidas, implicaram a necessidade de realizar obras de adaptação da casa onde a mesma reside (acessos à habitação, piso adaptado a cadeira de rodas, alteração da largura das portas, etc.), o que implicou que dispêndio da importância total de 24.787,30€ (vinte e quatro mil setecentos e oitenta e sete euros e trinta cêntimos), quantia essa que foi suportada pelo seu progenitor.” 6. Do relatório efectuado pelo Centro de Reabilitação Profissional H…, nomeadamente da Avaliação dos Impactos dos Acidentes na Funcionalidade e das Necessidades de Reabilitação da Autora é explicito e claro, ao expressar que a autora necessita de readaptação da habitação, indicando as adaptações necessárias/recomendáveis e ainda, as ajudas técnicas requeridas, identificando e fazendo a descrição técnica, a periodicidade de substituição dos apoios técnicos requeridos (entre outros). 7. Do relatório final do Instituto de Medicina Legal datado de 30/05/2016, na sua página 12, em que, expressa: a) “Ajudas técnicas (referem-se à necessidade permanente de recurso a tecnologia para prevenir, compensar, atenuar ou neutralizar o dano pessoal – do ponto de vista anatómico, funcional e situacional -, com vista à obtenção da maior autonomia e independência possíveis nas actividades da vida diária; podem tratar-se de ajudas técnicas lesionais, funcionais ou situacionais). Neste caso descritas no relatório do Centro de Reabilitação Profissional de H… b) Adaptação do domicílio, do local do trabalho ou do veículo (corresponde à necessidade de recurso à tecnologia a nível arquitectónico, de mobiliário e/ou equipamentos, no sentido de permitir a realização de determinadas actividades diárias a pessoas que, de outra maneira, o não conseguiriam fazer sem a ajuda de terceiros). Neste caso descritas no relatório do Centro de Reabilitação Profissional H… 8. Tais relatórios não foram impugnados, aliás, os factos constantes dos mesmos foram dados como provados. 9. É regra fundamental na responsabilidade civil por facto ilícito a reparação integral do dano. 10. Quanto às obras de adaptação do domicilio, foi dado como provado, na Douta Sentença, também os seguintes factos – além de outros -: a) No ponto 41 “Desde a altura do acidente, passou a ter, de forma permanente, a ajuda de seu pai, I…;” b) No ponto 42: “A autora, à data do acidente, frequentava um curso de inglês e um curso de língua portuguesa, em Lisboa;” c) No ponto 43:” Como consequência do acidente, nunca mais voltou a estudar.” 11. O pai da autora, não é um qualquer terceiro, é seu pai, que se viu obrigado a executar obras de adaptação do domicilio, pois, a Autora não tinha meios de subsistência próprios – como resulta até dos factos provados -, estando por isso, o seu pai, obrigado legalmente, no âmbito das responsabilidades parentais, de natureza irrenunciável a prestar-lhe assistência e alimentos, obrigação que, como se sabe, engloba a de habitação, enquanto o alimentando deles precise, em especial em caso de diminuição física ou mental e quem os presta possa continuar a prestá-los – artigos 1880º, 1882º, 2003 nº1, 2009 nº 1 al. c) todos do Código Civil -. 12. No mesmo sentido vai a Lei Fundamental, pois que, o art. 68º nº1 da CRP, ao prever o direito à protecção dos pais, na “realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos” consagra um direito absoluto que sai directamente violado por acções ou omissões de outrem de que resultem danos pessoais para o filho – confrontar neste sentido, o Acórdão STJ, de 25-11-1998 – Processo nº 98B65. 13. Configura-se, um dano próprio da recorrente na medida em que teve o pai, directamente, em cumprimento de uma obrigação legal, de suportar despesas inerentes à reparação da lesão relativamente à qual a autora não dispunha de possibilidades de, por si, obviar, substituindo-se à obrigação do lesante. 14. “Fere” o senso comum nem justifica, à luz dos princípios da responsabilidade civil acolhidos nas normas citadas, que o causador culposo do facto gerador da responsabilidade não responda pela totalidade dos danos resultantes do evento danoso. 15. Devem os Réus ser condenados na Reparação/Substituição de material/equipamento destinada a ajudas técnicas e bem assim uma verba referente a despesas medico-medicamentosas e ainda condenados a pagar a verba peticionada a título de obras de adaptação da casa onde a Autora reside. 16. Com o devido respeito, a Douta Sentença em causa, viola as seguintes disposições legais, Artº 412º, 413º, 467º, 476º e 484º do CPC, Art. 1880º, 1882º, 2003 nº 1, 2009 nº1 al. c) do C.C. e Art. 68º nº 1 da C.R.P. * Por seu turno os réus C… e D… (na qualidade de herdeiros de E…) formularam as seguintesCONCLUSÕES: 1. No nosso entender, o Tribunal recorrido não conseguiu afastar-se da praxis forense, típica nos acidentes de viação, enraizada ao longo de dezenas de anos, de responsabilização do condutor, mesmo sendo evidente que este não teve qualquer responsabilidade no dano verificado.2. A questão da velocidade é, na verdade, uma não questão, na medida em que não resultou demonstrado o seu nexo causal para o acidente ocorrido. 3. Entendem os Recorrentes que o presente processo tem ínsita uma situação excecional, na medida em que os presentes autos vêm julgar uma questão que já foi julgada anteriormente por este Tribunal da Relação do Porto sendo que, apesar de estar pendente um recurso para o STJ, considera-se cristalizada a matéria de facto. 4. As alegações de recurso agora apresentadas pelos Recorrentes sindicam o processo lógico-dedutivo seguido pelo Tribunal recorrido quer para a prova apurada, quer, sobretudo, o respetivo exame crítico para a decisão da causa. 5. No recurso da matéria de direito, entendem os Recorrentes que existe uma errada subsunção jurídica dos factos provados nos autos, ou seja, que a factualidade aqui constante imporia uma decisão diferente daquela que foi levada a cabo pelo Tribunal a quo, porquanto, tendo sido determinada como causa naturalística do acidente nos autos o rebentamento do pneu, causa externa ao condutor, nunca se podia ter dado como provado que o condutor tivesse culpa na produção do acidente por pretensamente circular em excesso de velocidade. 6. O presente processo parte de uma premissa errada – a da sua novidade. É que o objeto dos presentes autos foi já objeto de outra decisão. E, pese embora ainda não exista trânsito em julgado daquela decisão, por ter sido interposto recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, a verdade é que, conforme se chamou a atenção no decurso do processo, existe já uma situação de dupla conforme (desde logo, sobre a matéria de facto apurada) que permite que daí se retirem as consequências necessárias para os presentes autos. 7. Trata-se de uma situação em que se conjugam os mesmos intervenientes no mesmo acidente e a mesma situação de facto (e, bem assim, querendo ir mais longe, os mesmos elementos probatórios, não só o acervo documental como as próprias testemunhas, que o Tribunal a quo entendeu valorar). 8. Em 20-09-2016 foi apresentado requerimento nos presentes autos chamando a atenção para aquela sobreposição material, em face da própria superveniência da decisão naqueles autos relativamente à tramitação processual do presente processo, peticionando a suspensão da instância, com fundamento no avançado estado do processo antecedente e, bem assim, o aproveitamento da prova aí produzida, no que concerne à dinâmica do acidente e propriedade do veículo, por serem elementos sujeitos aos mesmos meios de prova, e já devidamente assentes, em face da autoridade de caso julgado. 9. Com esse requerimento foram juntas ambas as sentenças (entenda-se, de primeira e segunda instâncias referentes ao processo antecedente, que corria os seus termos sob o n.º de processo 424/13.3T2AVR), cuja junção foi admitida, fazendo parte integrante dos presentes autos, o que, reforça a ideia, que haveria determinadas questões que o Mmo. Juiz a quo não podia desconhecer. 10. Entendeu o Mmo. Juiz de Direito a quo ser aquela pretensão de indeferir, por entender que à A., por não ter tido intervenção no processo anterior, não podiam ser opostas às prévias decisões. 11. Tendo por base aquilo que têm sido as decisões jurisprudenciais, por um lado, e a manifesta identidade material do presente caso com as decisões anteriores, e pese embora ainda não haja trânsito em julgado da decisão anterior, a ratio do instituto da autoridade do caso julgado obrigaria a que tivessem as prévias decisões sido sopesadas. 12. Não o tendo sido, coloca-se em causa o prestígio dos tribunais e, bem assim, a certeza e segurança jurídica das decisões judiciais. 13. A ação anterior foi julgada, tendo corrido os seus termos do J1 da Instância Central Cível da Comarca de Aveiro, sob o número de processo 424/13.3T2AVR, julgando, pois, o mesmo acidente de viação, envolvendo o mesmo veículo, com os mesmos ocupantes, sinistrado no mesmo local e nas mesmas circunstâncias. 14. Assim, o caso foi julgado em primeira instância, sendo que inclusivamente as testemunhas que ali depuseram sobre a dinâmica do acidente, foram as mesmas cujo depoimento foi aqui valorado pelo Tribunal a quo. Também assim aquelas que depuseram sobre a propriedade do veículo. 15. A decisão proferida pela Primeira Instância, datada de 19 de junho de 2015, deu como provada toda a dinâmica do acidente e a questão da propriedade do veículo. 16. Dessa decisão foi apresentado recurso para este Tribunal da Relação do Porto, por todas as partes, tendo aí sido escrutinada a matéria de facto e de direito por todos os recorrentes. 17. O recurso dos aqui Recorrentes fundou-se na impugnação da responsabilidade de E… no acidente, por manifesta violação do princípio da causalidade, que preside ao instituto da responsabilidade civil, por faltar, in casu, o nexo causal entre o pretenso excesso de velocidade e o acidente, a partir do momento do rebentamento do pneu – essa sim CAUSA do acidente. 18. Em 14 de Março de 2016, o Tribunal da Relação do Porto proferiu acórdão tendo julgado a apelação interposta pelos aqui Réus parcialmente procedente por provada e consequentemente, revogando a decisão recorrida, absolveu os referidos Réus dos pedidos contra si formulados pelos ali AA. 19. Assim, a ter decidido julgar uma questão já anteriormente decidida (com fixação da matéria de facto e revisão em segunda instância), e por ter sido chamada à colação a sentença proferida no processo n.º 424/13.3T2AVR, não poderia ter, relativamente aos mesmos factos, determinado um julgamento completamente diferente! 20. É que a factualidade assente dada como provada no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, relativamente à dinâmica do acidente e propriedade do veículo não pode ser modificável pelo Supremo Tribunal de Justiça, que apenas conhece de direito, nos termos dos artigos 69.º e 674.º do C.P.C. e artigo 46.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto. 21. Assim, poder-se-á mesmo defender que existe já – uma vez que aqueles autos serão imodificáveis do ponto de vista da matéria factual – parcial autoridade no que à matéria de facto assente concerne, nomeadamente quanto à dinâmica do acidente e propriedade do veículo. 22. In casu, encontram-se reunidas as condições para a existência de uma situação de autoridade de caso julgado, por ser manifesta a identidade do pedido e causa de pedir numa e noutra situações. 23. E repare-se que, para efeitos da autoridade de caso julgado, e como supra referido, doutrina e jurisprudência têm asseverado a mera necessidade do respeito por uma dupla identidade e não já tríplice, nos termos do artigo 581.º do CPC. 24. Independentemente da verificação da autoridade de caso julgado, a título parcial, a verdade é que a prova produzida em audiência não permitia condenar os aqui Recorrentes, por referência à culpa de E…, enquanto condutor do veículo acidente. Assim, continuamos a acompanhar aquilo que foi fixado pelo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto datado de 14-03-2016. 25. Por outro lado, entendem os recorrentes não haver especificação, quer dos fundamentos de facto, quer dos fundamentos de direito que justificam a decisão, invocando o vício constante do artigo 615.º, n.º 1 alínea b) do C.P.C., que determina a nulidade da sentença recorrida. 26. A sentença recorrida centrou a sua atenção na questão dos vestígios de travagem/derrapagem e na questão da velocidade. Porém, deixou de investigar outros factos igualmente alegados e discutidos em sede de julgamento, e que lhe competiam, pelo menos, da sua relevância indagar. 27. Não podia o Mmo. Juiz a quo formular um juízo de culpabilidade do condutor do veículo, sem antes se munir de todos os elementos essenciais para a perceção da dinâmica do acidente. 28. O problema é, em grande parte, o da errada subsunção jurídica, naquilo que se considera um erro de julgamento perante os elementos probatórios e os factos constantes dos presentes autos, mas é também uma insuficiência de fundamentação, no sentido em que não foram colhidos pelo Tribunal todos os elementos necessários à saciedade da decisão. 29. A decisão a que chega o Tribunal a quo não está devidamente fundamentada nos factos existentes nos autos, razão pela qual, em rigor, a mesma nunca podia ter ocorrido. 30. Compulsada a sentença recorrida, concretamente a factualidade provada e não provada, e sobretudo pelo confronto com a sentença anterior previamente referida – também de primeira instância, e também do Tribunal de Aveiro –, facilmente se retém a manifesta falta de fundamentação de facto para a ulterior justificação da decisão. 31. Na questão de “visualização”, constatamos que só em termos de descrição da dinâmica do acidente – essencial, de resto, para a justificação da imputação da responsabilidade pelos danos sofridos pela A. – onde a sentença do processo n.º 424 dedica 27 (vinte e sete) factos provados, a sentença recorrida apenas ocupa 12 (doze)… 32. A primeira lacuna evidente terá que ser, necessariamente, a questão da pretensa velocidade imprimida ao veículo sinistrado, isto porque o facto provado 6 – que vai expressamente impugnado na respetiva sede da presente peça recursiva – não se encontra minimamente concretizado. 33. A expressão utilizada – “não inferior a” –, é totalmente vaga e indeterminada (logo por aqui se funda a sua erradicação), carecendo ainda de total apoio na fundamentação ou elementos de prova, parecendo tratar-se apenas de uma convicção do Tribunal a quo que mereceu assento na sentença, sem que existam elementos probatórios que a suportem. 34. Nada é escrito nos factos dados como provados que permita concretizar a velocidade a que circulava a viatura acidentada. Aliás, na primeira parte do facto provado o Tribunal diz isso mesmo “A viatura circulava a velocidade não concretamente apurada”. 35. Confrontando o facto n.º 6 com a fundamentação da decisão ora em crise, constatamos que o Tribunal se baseou no depoimento das testemunhas J…, K…, e L…. 36. A testemunha J… dá a informação diametralmente oposta da que o Tribunal a quo retira, referindo no seu depoimento que a sua impressão foi que NÃO CIRCULAVA A UMA VELOCIDADE SUPERIOR A 200 KM/H, logo (e perdoe-se-nos a redundância, mas em função do erro de interpretação do depoimento daquela testemunha, sempre se terá que reiterar) QUE CIRCULAVA A UMA VELOCIDADE INFERIOR A 200 KM/H. 37. O conceito de velocidade excessiva, definido no artigo 24.º, n.º 1 do Código da Estrada comporta duas realidades distintas: uma vertente absoluta, que se verifica sempre que são excedidos os limites legais; e uma vertente relativa, que se concretiza na não adequação à situação concreta. 38. A vertente absoluta não foi demonstrada e não se encontra devidamente suportada na prova produzida nos autos. 39. Quanto à vertente relativa, a mesma não resulta da sentença, uma vez que não estão descritos elementos como: condições atmosféricas, estado da conservação da via, iluminação do local, fluência do trânsito no momento do acidente, que demonstrem que aquela concreta velocidade (qual?) era excessiva para as condições concretas. 40. Afirmar que a velocidade imprimida no veículo era excessiva sem que a mesma se encontre concretamente apurada, é pura especulação, sem qualquer base fáctica ou probatória que o sustente. 41. Ainda que se considere, no caso concreto, que o veículo seguia em excesso de velocidade, o mesmo não significa que seguia em velocidade excessiva. 42. Contudo, qualquer velocidade (em excesso ou excessiva) assume um plano secundário no caso do rebentamento de um pneu, uma vez que a instabilidade daí resultante é total! 43. O que não é o mesmo que afirmar que certamente E… seguia a uma velocidade que o impediu de controlar a viatura… quando não há uma definição ou apuramento da velocidade a que seguia nem análise de hipóteses alternativas de controlo da viatura em diferentes velocidades perante o rebentamento de um pneu. 44. O Tribunal a quo não concretiza nos factos dados como provados – nem sequer na fundamentação da decisão – qual a atuação culposa de E… da qual se retira, sem margem para dúvidas, a sua responsabilização por via da indemnização. 45. Não se encontra na matéria assente que o acidente tenha ocorrido por culpa de E…. 46. Segundo se pode depreender da leitura dos factos dados como provados o despiste ocorre após se ter verificado o rebentamento do pneumático do rodado esquerdo traseiro. É este o momento do acidente, sem que haja uma qualquer descrição ou evento anterior! 47. Pneus aqueles que – e pese embora não se encontre determinada a velocidade a que circulava o veículo – são projetados para uma velocidade máxima, e em segurança, de 300 km/hora. 48. São pneus que, em circunstâncias normais, não são influenciados negativamente por qualquer velocidade (em excesso ou excessiva). 49. A sentença ora recorrida não estabelece um raciocínio causa-efeito entre a velocidade e o rebentamento do pneu. 50. O que consta da factualidade dada como provada é que o despiste foi sequencial ao rebentamento. 51. Ademais, inexistem fundamentos de facto para justificar as seguintes questões: i) causas do rebentamento do pneu; ii) A distância de travagem do veículo sinistrado; iii) o tempo de reação do condutor do veículo entre o momento do rebentamento do pneu e da travagem inicial; iv) Os vestígios/marcas do acidente; v) a destruição do veículo sinistrado. 52. Quanto à pretensa velocidade e consequente responsabilização do condutor do veículo sinistrado há uma ausência total de motivação jurídica, ficando as partes na ignorância total das razões pelas quais o Tribunal perfilhou aquela decisão. 53. O Tribunal recorrido, no ponto da sentença dedicado à fundamentação, nada escreve acerca da culpabilidade de E… para o acidente, até porque não há nenhum facto dado como provado que traduza tal convicção. 54. Terão que se encontrar preenchidos os requisitos da responsabilidade civil subjetiva, que, in casu, não estão. 55. O facto ilícito que seja passível de provocar o dano tem que vir devidamente enunciado e suportado, assim como demonstrada a sua efetiva ligação com o dano, através do nexo de causalidade. 56. Não basta dizer – como diz o Tribunal – que E… conduzia de forma “imprevidente”, quando não são especificados os elementos que o permitiriam concluir, nem tão pouco o modo como aquela forma veio a permitir a consumação do resultado, porquanto, como já por diversas vezes referido, não existem elementos probatórios nos presentes autos que permitam concluir a que velocidade seguia o veículo e, mais importante, de que forma influenciou essa mesma velocidade o resultado final, porquanto a causa do acidente foi sim o rebentamento do pneu. 57. A viatura seguia a uma velocidade “não inferior” a 200 km/h, excessiva, e sem mais, passamos para os danos, ignorando completamente o rebentamento de um pneu, ficcionando “uma atuação imprevidente” (sic) por parte do condutor?! De onde decorre (dos factos ou da fundamentação) a referida “atuação imprevidente”? 58. Da sentença resulta expressa a causa do acidente: o rebentamento do pneu! 59. Não se pode, por isso – o que explica que a sentença não consiga concretizar o acidente de forma a imputar o mesmo à velocidade – dizer que o acidente ocorreu por culpa de E…, quando o excesso de velocidade ou velocidade excessiva não é a causa do acidente. 60. Invoca-se desde já a nulidade da sentença ora recorrida, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil, por não se encontrarem especificados os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. 61. Por outro lado, entende-se que os fundamentos elencados na sentença recorrida encontram-se em manifesta oposição com a decisão que vem ser proferida a final, preenchendo-se o vício constante do artigo 615.º, n.º 1 alínea c) do C.P.C., e que determina a nulidade da sentença a quo. 62. Existe, de facto, uma contradição real entre fundamentos e decisão e não uma contradição meramente aparente, na medida em que os fundamentos indicados pelo Tribunal a quo deveriam conduzir logicamente a um resultado oposto daquele que vem a ser espelhado na decisão final. 63. O raciocínio delineado pelo Tribunal a quo é o seguinte: 64. Premissa 1: “O acidente traduziu-se num despiste com capotamento transversal do referido veículo, despiste que ocorreu após se ter verificado o REBENTAMENTO DO PNEUMÁTICO DO RODADO ESQUERDO TRASEIRO.” 65. Premissa 2: “Na SEQUÊNCIA DO REBENTAMENTO DO REFERIDO PNEUMÁTICO, o condutor da viatura travou, tendo a mesma entrado em derrapagem, com derivação para a direita, após o que rodopiou, indo embater com os rodados do lado esquerdo na caleira de drenagem de águas pluviais existente do lado direito, atento o sentido de marcha em que o veículo seguia.” 66. Premissa 3: “NESSE SEGUIMENTO, a dita viatura entrou no talude existente do lado direito, considerando o já referido sentido marcha, tendo aí capotado, após o que acabou por se imobilizar na berma direita (…)”. 67. Premissa 4: “Não há elementos objetivos que permitam estabelecer a velocidade exata a que o veículo sinistrado seguia”. 68. Premissa 5: “Dúvidas não podem restar que a CAUSA NATURALÍSTICA DO ACIDENTE RESIDE NO REBENTAMENTO DE UM PNEUMÁTICO QUE EQUIPAVA O EIXO TRASEIRO DA VIATURA, sendo certo, no entanto, que se ignora se esse rebentamento se deveu ao estado de conservação do mesmo ou devido a uma causa externa à viatura, como seria um objeto no pavimento que tivesse provocado o corte da respetiva tela.” 69. Premissa 6: “À data do acidente, o veículo ligeiro de marca BMW modelo …, com a matrícula .. – JB - .., encontrava-se registado em nome da M…, agora F….” 70. Conclusão: “Atentando na velocidade, clara e manifestamente excessiva, que era imprimida ao veículo (velocidade instantânea) e considerando o facto de não ter sido possível deter atempadamente a marcha da viatura, que só se imobilizou centenas de metros após a derrapagem/travagem que vem referida nos autos, temos como certo que o condutor da viatura adotou uma conduta culposa que esteve na origem de um acidente com consequências tão nefastas.” 71. Colocados perante aquelas premissas factuais – que são, de resto, aquelas em que o Tribunal vem utilizar na fundamentação da sua decisão – não se permite retirar aquela decisão/conclusão, porquanto uma e outra são manifestamente contrárias. 72. A jurisprudência tem vindo a enfatizar que, para este tipo de vício, ter-se-á que percorrer um caminho lógico; lógico no sentido em que, ao se lerem as premissas, saber-se-á qual a conclusão, levando a um único desfecho. Todavia, não é esse o caso, isto porque, qualquer pessoa que leia as premissas supra será levado a concluir que, sendo a causa externa ao condutor, e completamente alheia/incontrolável pelo mesmo, não se poderá atribuir-lhe a culpa do acidente. 73. Existe um encadeamento lógico naquilo que vai sendo densificado pelo Tribunal a quo mas que é depois coartado e ilogicamente concluído. 74. A conclusão/decisão é, assim, verdadeiramente, a antítese dos pressupostos nos quais o Tribunal a quo a assenta. 75. Parece-nos manifesta a contradição de que padece a decisão do Tribunal a quo, porquanto o caminho lógico percorrido levaria inevitavelmente a uma outra decisão. A decisão de que, dando-se o rebentamento do pneumático traseiro esquerdo – que o próprio Tribunal recorrido apresenta como causa naturalística do acidente –, ocorreu o despiste e consequentes danos. 76. NÃO se pode assacar qualquer responsabilidade a E… pelo acidente e danos daí decorrentes, porquanto a CAUSA do acidente foi o REBENTAMENTO DO PNEU, causa essa completamente alheia àquele! 77. Razão pela qual igualmente se invoca a nulidade da sentença ora recorrida, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do C.P.C., por oposição entre os fundamentos e a decisão. 78. Nos termos do artigo 640.º, n.º 1 alínea a) do C.P.C., os factos que se entende incorretamente julgados como provados são os seguintes: 3, 6 e 12. 79. Nos termos do artigo 640.º, n.º 1 alínea a) do C.P.C., o facto que se entende incorretamente julgado como não provado é o seguinte: “O E… firmou um acordo com o gerente da ré F…, nos termos do qual este disponibilizava viaturas de alta gama e cilindrada do referido stand mediante a contrapartida da publicidade que o E… fazia ao dito stand.”. 80. Para efeitos do artigo 640.º, n.º 1 alínea b) do C.P.C., os elementos de prova que impõem decisão diversa da recorrida no que concerne aos factos incorretamente dado como provados são a prova documental constante dos autos, mais especificamente: participação de acidente de viação, constante de fls… dos presentes autos (junta com a petição inicial datada de 17-06-2014, com a Referência CITIUS 17133485); despacho de arquivamento proferido nos autos de inquérito n.º 135/11.4GTSJM, constante de fls… dos presentes autos (junto com a petição inicial datada de 17-06-2014, com a Referência CITIUS 17133485); relatório final do Núcleo de Investigação de Acidentes de Viação da GNR (NICAV), constante de fls… dos presentes autos (junto por extração de certidão do processo n.º 424/13.3T2AVR em 28-05-2015); ata de audiência prévia de 25-05-2015, constante de fls… dos presentes autos; requerimentos dos aqui Recorrentes datados de 20-09-2016, constante de fls… dos presentes autos (com a Referência CITIUS 23589383 e 23590544); despacho deste Tribunal datado de 06-10-2016, constante de fls… dos presentes autos; sentença aqui recorrida datada de 27-12-2016, constante de fls… dos presentes autos; e prova testemunhal (o depoimento de N…, ouvido na sessão de Audiência de Julgamento de dia 20-10-2016, constante da gravação 20161020102824_2867809_2870422, com início às 10:28:41 e fim às 11:11:04; o depoimento de J…, ouvido na sessão de Audiência de Julgamento de dia 21-10-2016, constante da gravação 20161021101243_2867809_2870422, com início às 10:12:46 e fim às 11:43:33; o depoimento de K…, ouvido na sessão de Audiência de Julgamento de dia 20-10-2016, constante da gravação 20161020122107_2867809_2870422, com início às 12:21:26 e fim às 13:51:48; o depoimento de O…, ouvido na sessão de Audiência de Julgamento de dia 21-10-2016, constante da gravação 20161021114406_2867809_2870422, com início às 11:44:31 e fim às 12:52:09 e da gravação 201610211142411_2867809_2870422, com início às 14:24:36 e fim às 15:55:53; o depoimento de P…, ouvido na sessão de Audiência de Julgamento de dia 21-10-2016, constante da gravação 20161021165757_2867809_2870422, com início às 16:58:23 e fim às 17:21:46). 81. Para efeitos do artigo 640.º, n.º 1 alínea b) do C.P.C., os elementos de prova que impõem decisão diversa da recorrida no que concerne aos factos incorretamente dado como provados são a prova documental constante dos autos, mais especificamente: despacho de arquivamento proferido nos autos de inquérito n.º 135/11.4GTSJM, constante de fls… dos presentes autos (junto com a petição inicial datada de 17-06-2014, com a Referência CITIUS 17133485); informação de propriedade de veículo, constante de fls… dos presentes autos (junto com a petição inicial datada de 17-06-2014, com a Referência CITIUS 17133485); relatório de exame pericial n.º 201411076-FEM, constante de fls… dos presentes autos (junto por extração de certidão do processo n.º 2290/11.4TAVCD); sentença aqui recorrida datada de 27-12-2016, constante de fls… dos presentes autos; e prova testemunhal (o depoimento de N…, ouvido na sessão de Audiência de Julgamento de dia 20-10-2016, constante da gravação 20161020102824_2867809_2870422, com início às 10:28:41 e fim às 11:11:04; o depoimento de J…, ouvido na sessão de Audiência de Julgamento de dia 21-10-2016, constante da gravação 20161021101243_2867809_2870422, com início às 10:12:46 e fim às 11:43:33). 82. Quanto ao facto provado em 3 “A autora, na altura com 17 anos de idade, seguia dentro do veículo supra identificado como passageira da retaguarda, lado esquerdo.”, o mesmo é contrariado diretamente pelo depoimento de J…, cujos excertos relevantes foram transcritos para o corpo do presente, sendo certo que daqueles resulta de forma inequívoca que a A. seguia no banco traseiro, do lado direito, razão pela qual deveria o tribunal de 1.ª instância ter dado como provado, no que concerne ao Facto 3, que a A. seguia dentro do veículo supra identificado como passageira da retaguarda, lado direito. 83. A testemunha J…, ÚNICO PASSAGEIRO, com capacidade de exposição, que CIRCULAVA DENTRO DO VEÍCULO, será, em rigor, o único com capacidade para fazer esse posicionamento dos passageiros, e do seu depoimento resulta claro que a A. seguia do lado direito, no banco traseiro. 84. Assim, não podia a sentença recorrida ter dado como provado o facto 3 “A autora, na altura com 17 anos de idade, seguia dentro do veículo supra identificado como passageira da retaguarda, lado esquerdo.”. 85. No que concerne ao facto provado em 6 “A viatura circulava a velocidade não concretamente apurada, mas não inferior a 200Km/hora, o mesmo não vem a ser corroborado pelos depoimentos de O… e Cabo K…, e é inclusivamente contrariado diretamente pelo depoimento de J…, cujos excertos relevantes foram transcritos para o corpo do presente, sendo certo que daquele último resulta de forma inequívoca que o veículo não seguia à velocidade de 200 km/h, nem superior, e dos restantes que não havia elementos objetivos para quantificar a velocidade, razão pela qual não podia o tribunal de 1.ª instância ter dado como provado o Facto 6, na parte em que refere “mas não inferior a 200Km/hora”. 86. Não resultou da prova produzida em audiência de julgamento o apuramento da velocidade real a que seguia o veículo conduzido por E…. 87. Resulta da própria sentença recorrida a expressão dessa mesma impossibilidade: “(…) não há elementos objetivos que permitam estabelecer a velocidade exata a que o veículo sinistrado seguia (…)”. 88. Se não foi possível apurar a velocidade como é que, ainda assim, se considerou que a mesma não seria inferior a 200 km/hora? 89. A conclusão de que a velocidade a que o veículo circularia a velocidade “não inferior a 200km/hora” não é passível de ser retirada a partir dos elementos probatórios constantes dos presentes autos. 90. Ademais, repare-se na formulação do facto “A viatura circulava a velocidade não concretamente apurada (…)”. Ora, das duas, uma: ou a velocidade é calculável, e então concretiza-se, ou pelo menos, estima-se um valor; ou, não o sendo, como é o caso, não se pode determiná-la! 91. Conceitos ou expressões que envolvam uma definição factual imprecisa desde logo implicam a existência de várias soluções possíveis, sendo que a factualidade ou se apura ou não se apura impondo uma única solução (a precisa) para o caso em concreto, acrescendo ainda que, tratando-se de matéria factual indeterminada, colocam em crise uma apreciação insuscetível de controlo judicial pleno ulterior. 92. A expressão “não inferior a” é, inequivocamente, um conceito indeterminado e vago, pelo que a mesma não tem a virtualidade de transmitir uma velocidade. Isso mesmo vê-se corroborado pela impossibilidade probatória de determinar a velocidade a que seguia o veículo sinistrado. 93. Por outro lado, e pese embora o Tribunal se possa socorrer de regras de experiência comum, esse recurso não pode ser desligado dos factos casuisticamente apurados e da dinâmica da situação em concreto, pelo que, havendo pois um facto conhecido que torna a consequência pouco credível, todo o raciocínio fica inquinado. 94. Sendo conhecido o facto do rebentamento do pneu, fica inutilizada qualquer presunção que partisse de uma pretensa velocidade excessiva para justificar o acidente. 95. Não resulta dos presentes autos qualquer elemento objetivo que permita quantificar a velocidade a que circularia o veículo; resulta sim CLARO dos elementos probatórios carreados para os autos, que a CAUSA NATURALÍSTICA do acidente foi o rebentamento do pneumático traseiro esquerdo. 96. O corte na continuidade do raciocínio do Tribunal recorrido em termos de relação velocidade-acidente teria necessariamente que ter ocorrido no momento em que se determinou a causa do acidente como sendo o rebentamento do pneu. 97. É que, ao contrário do que vem depois a ser alegado na sentença em crise, a causalidade entre facto-acidente é estatuída em relação ao rebentamento e não em relação a qualquer outro facto. O que está provado nos presentes autos é que, após o rebentamento, o carro entrou em despiste. 98. A testemunha J… refere, de forma expressa, que não circulava a uma velocidade de 200 km/h, seria sempre muito inferior. 99. E, repare-se, não se pode deixar de reiterar que esta era a ÚNICA pessoa, com possibilidade de relatar os eventos, que circulava dentro do veículo sinistrado! Se não há elementos objetivos no processo que indiciem a velocidade a que circulava o veículo, por um lado, e se temos uma pessoa QUE CIRCULAVA DENTRO DO VEÍCULO SINISTRADO que relata que o veículo NÃO CIRCULAVA A VELOCIDADE SUPERIOR A 200 Km/h, como se pode fundamentar o facto provado n.º 6? Não se pode. 100. A sentença recorrida, em primeiro lugar, define que, atento o rasto de travagem/derrapagem o veículo teria que seguir a velocidade superior aos 200 km/h. 101. Todavia, e conforme resulta de toda a prova produzida em audiência de julgamento (designadamente, dos depoimentos de K… e P…, cujos excertos relevantes foram no corpo transcritos) e, bem assim, do relatório final do NICAV, não se conseguiu apurar o que são os rastos de travagem e de derrapagem, ou seja, onde começam uns vestígios e terminam outros. 102. A sentença recorrida recorre a um simulador de cálculo de velocidade que, não só não contempla a distinção entre distância de travagem e distância de derrapagem, como não permite qualquer ponderação das variáveis referentes ao próprio funcionamento do veículo e, em rigor, referentes ao acidente tal qual ele aconteceu. 103. Por outro lado, os vestígios apurados de acordo com o acervo probatório nos autos permitem chegar a uma distância de travagem/derrapagem de entre 100 a 133,50 metros, o que permitir-nos-ia apurar uma velocidade entre os 142 km/h e os 165 km/h, por recurso ao mesmo simulador utilizado pelo Mmo. Juiz a quo, em contradição direta com a conclusão do mesmo. 104. Ou seja, de todos os cálculos que podiam ser feitos, tendo por base os elementos recolhidos pelo Tribunal e constantes dos presentes autos, nenhum deles permitiria a sustentação da conclusão a que acabou por chegar o Tribunal recorrido. 105. Contraria-se assim em termos empíricos, lógicos e jurídicos a tese constante da sentença recorrida de que a velocidade a que seguiria o veículo não podia ser inferior a 200 km/h! 106. É que convém não esquecer que é a própria sentença que reconhece o seguinte: “(…) dúvidas não podem restar que a causa naturalística do acidente reside no rebentamento de um pneumático que equipava o eixo traseiro da viatura”. 107. Por outro lado, existem elementos que não foram sopesados na investigação, desde logo, o estado dos pneus, os elementos para cálculo do atrito, o estado geral do veículo. 108. Ora, não havendo dados suficientes para se afirmar qualquer velocidade em concreto, não existindo os referidos elementos objetivos, como pôde o Tribunal determinar que a velocidade a que seguia o veículo seria não inferior a 200 km/h? 109. Quanto à existência de um elemento externo à faixa de rodagem que, pretensamente, teria concorrido para a imobilização do veículo, a verdade é que não resultou provada essa contribuição. 110. No que concerne ao “elevado grau de destruição que a viatura acidentada apresenta”, daí não se pode retirar qualquer conclusão, uma vez que, não só o elemento que vem a ser ponderado pelo Tribunal a quo foi aquele que deu causa ao acidente (o pneu traseiro esquerdo) e daí ter um “elevado grau de destruição”, como existem elementos probatórios que permitem demonstrar a existência de um acidente anterior, que havia causado danos de estrutura no mesmo local do veículo acidentado. 111. Por outro lado, os acidentes em autoestrada, porque geralmente ocorrem a velocidades mais elevadas, têm a virtualidade de provocar maiores danos, não sendo “anormal” a verificação de determinados acidentes com a mesma extensão de danos do acidente em causa, tendo isso mesmo sido confirmado pelo depoimento do Cabo P… 112. Assim, não poderia a Sentença recorrida ter dado como provado no facto 6 – “A viatura circulava a velocidade não concretamente apurada, mas não inferior a 200Km/hora”, pela manifesta falta de sustentação factual e probatória que o permita estatuir. 113. Quanto ao facto provado em 12 “Os pneumáticos respeitavam os conjuntos jante/pneu, dianteiros e traseiros, diferença proporcional, idêntica à dos que equipam veículos novos da mesma marca e modelo.”, o mesmo é complementado pelo relatório final do NICAV e pelo depoimento do Cabo K…, cujos excertos relevantes foram transcritos para o corpo do presente, razão pela qual devia o tribunal de 1.ª instância ter dado como provado o Facto 12 nos termos em que ora se propõem: “São pneus de dimensões diversas das inscritas no documento único automóvel, mas respeitando os conjuntos jante/pneu, dianteiros e traseiros, diferença proporcional, idêntica à dos que equipam veículos novos da mesma marca e modelo.”. 114. No que concerne ao facto que ora se impugna, a discordância dos ora Recorrentes prende-se, não tanto com a sua formulação – com a qual se concorda –, mas já com a necessidade de completar a informação constante do mesmo. 115. Isto porque, resulta da saciedade da prova produzida que os pneus com que se encontrava equipado o veículo sinistrado eram de dimensões diversas das referenciadas no documento único automóvel. 116. Assim, requer-se a V. Exas. que deem por provado o excerto “são pneus de dimensões diversas das inscritas no documento único automóvel”, em adição ao facto 12 já dado como provado, propondo-se, como possibilidade de redação do mesmo, a seguinte: “São pneus de dimensões diversas das inscritas no documento único automóvel, mas respeitando os conjuntos jante/pneu, dianteiros e traseiros, diferença proporcional, idêntica à dos que equipam veículos novos da mesma marca e modelo.”. 117. No que concerne ao facto não provado “O E… firmou um acordo com o gerente da ré F…, nos termos do qual este disponibilizava viaturas de alta gama e cilindrada do referido stand mediante a contrapartida da publicidade que o E… fazia ao dito stand.”, o mesmo é contrariado diretamente pelo depoimento de D…, aquando da investigação do processo-crime e, bem assim, pelos depoimentos de N… e J…, no decurso de audiência de discussão e julgamento, cujos excertos relevantes foram transcritos para o corpo do presente, razão pela qual não podia o tribunal de 1.ª instância ter dado como não provado o facto “O E… firmou um acordo com o gerente da ré F…, nos termos do qual este disponibilizava viaturas de alta gama e cilindrada do referido stand mediante a contrapartida da publicidade que o E… fazia ao dito stand.”. 118. Creem os ora Recorrentes que, pese embora os elementos probatórios decorrentes da discussão de audiência de julgamento permitissem ter estatuído o presente facto impugnado como parte da matéria assente, não é absolutamente imprescindível essa discussão, pela inexistência de culpa de E… no acidente, e porquanto, pese embora se pudesse arguir a falta de prova da relação de comissão (o que não se concede), a verdade é que a relação de empréstimo naquele fatídico dia ficou provada, pelo que, as necessárias consequências jurídicas ditarão que, no que concerne à responsabilização pelo acidente essa seja assacada à Ré F…, proprietária do veículo. 119. O veículo conduzido por E…, no dia fatídico do acidente que originou a questão dos presentes autos, era, inegavelmente, propriedade da Ré F…, Lda. que, como concede a própria sentença recorrida, tinha o automóvel registado em seu nome e não logrou provar o contrário, como lhe cumpria, nos termos do artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil. 120. Aliás, bem pelo contrário, todos os elementos probatórios indicam claramente que essa transferência de propriedade não ocorreu. 121. Como se retira dos elementos probatórios constantes dos autos, entre E… e a Ré F…, havia um acordo, mediante o qual aquela última disponibiliza veículos nos quais E… se fazia transportar, com a contrapartida de aquele fazer publicidade ao stand M… (agora, F…). 122. Razão pela qual, não poderia a Sentença recorrida ter dado como não provado “O E… firmou um acordo com o gerente da ré F…, nos termos do qual este disponibilizava viaturas de alta gama e cilindrada do referido stand mediante a contrapartida da publicidade que o E… fazia ao dito stand.”, devendo o mesmo passar a constar da factualidade dada como provada. 123. O Tribunal a quo entendeu não ser relevante, para efeitos de culpa do lesado, a falta do cinto de segurança pela A., conclusão com a qual não podem os Recorrentes concordar. 124. Resulta do facto provado 10 que “A autora não utilizava o cinto de segurança quando se fazia transportar no referido veículo, motivo que conduziu a que a mesma fosse projetada para o exterior do veículo na sequência do sinistro (…)”. 125. A este propósito refere o artigo 570.º, n.º 1 do Código Civil que: “1. Quando um Facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabo ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída”. 126. Mesmo que, em última análise se vier a determinar que a contribuição da A. foi, não já em termos de produção dos danos, mas sim em termos de agravamento daqueles (o que se concebe, sem se conceder), numa e noutra situação justifica-se o arbitramento de uma percentagem de culpa. Não pode o Tribunal, pura e simplesmente, afastar essa determinação por referência àquilo que considera ter sido uma “mera” contribuição para o agravamento dos danos. 127. Havendo uma desconsideração pelo próprio bem vida, ou, caso assim não se entenda, pelo menos pelo bem integridade física, a A. colocou-se numa situação – de forma culposa – em que bem sabia que poderiam daí advir danos graves para quaisquer uns daqueles bens, violando o disposto no artigo 82.º, n.ºs 1 e 6 do Código da Estrada. 128. Dúvidas não restam de que, se tivesse o cinto de segurança colocado, a A. não teria sido projetada do veículo, e não teria tido os danos que, infelizmente veio a sofrer. Mesmo que assim não se entenda, sempre se terá que pugnar pelo manifesto agravamento dos danos sofridos com a conduta da A., porquanto, da projeção e embate no pavimento betuminoso (que não ocorreria tendo o cinto de segurança posto), decorreram danos para além daqueles que decorreriam se houvesse permanecido dentro do veículo. 129. A conclusão que se permite retirar do facto provado supra transcrito é a de que foi em virtude da falta de utilização do cinto que a A. foi projetada e em consequência se produziram os danos descritos nos factos 26 e seguintes da matéria provada. 130. Não se pode, assim, deixar de atribuir culpa à A. por ter contribuído com a sua conduta – a falta de colocação do cinto de segurança – para a produção dos danos sofridos. 131. Mesmo que o Tribunal recorrido não quisesse concluir que todos os danos produzidos se deveram àquela conduta pela A. (o que se concebe, sem se conceder), nunca poderia ignorar (olimpicamente, como fez o Tribunal) a falta de uso do cinto de segurança, afirmando que o mesmo não teve qualquer relevância para a produção das lesões que se vieram a verificar. 132. Houve, assim, contribuição causal do facto culposo da A. para o agravamento das lesões, porquanto o não uso do cinto de segurança potenciou aquele agravamento. 133. Falamos de uma condução que estava a ser feita – e iria ser feita por bastantes quilómetros – em autoestrada, já de si potenciadora de uma velocidade superior às restantes e que, exatamente por isso justifica um acentuar da diligência a observar pelos passageiros do veículo, sendo que a A. não só se encontrava sem cinto, como se encontrava deitada em cima do colo do passageiro que seguia ao seu lado, num total desrespeito por aquilo que é a postura aconselhada de circulação num veículo automóvel. 134. No que concerne à assimilação que é feita na sentença recorrida, entre a situação do condutor – que, infelizmente, veio a falecer em consequência do acidente – e a situação da A., dizer que, ao contrário do que se deu como provado, e conforme impugnação do facto provado 3, a A. seguia atrás do passageiro J…, do lado direito do veículo, assim será com este que tem que ser feita a comparação em termos de danos, sendo certo que aquele não sofreu quaisquer danos no acidente (e fazia-se transportar com cinto de segurança). 135. Existe, portanto, um nexo causal entre a provada ausência do cinto de segurança e as lesões sofridas pela A., na medida em que a ausência do cinto de segurança foi um facto omissivo da sua parte. 136. O qual foi apto a causar a sua projeção para o exterior do veículo, provocando um embate violento do seu corpo já no exterior do veículo, provocando-lhe as lesões corporais que alega ter sofrido e com a extensão e repercussões que as mesmas tiveram. 137. Assim sendo, e atendendo ao grau de culpa e à auto - colocação em risco, requer-se a V. Exas. se dignem determinar a A. como única culpada e responsável pelos danos que veio a sofrer em consequência do acidente ou, se assim não entenderem V. Exas., o que se concebe sem se conceder, fixar uma percentagem de culpa da A. no agravamento das lesões por si sofridas. 138. Como resulta da decisão recorrida, o Mmo. Juiz a quo concluiu pela culpa do condutor E… na produção do acidente. Desse entendimento dissentem os ora Apelantes. 139. A sentença recorrida assenta na circunstância de o veículo sinistrado circular a velocidade superior ao limite legalmente permitido (120 km/h), fazendo-o por referência a uma velocidade “não inferior a 200 km/h”, para daí concluir que o condutor do referido veículo teve culpa efetiva na produção do acidente. Fá-lo, todavia, INCORRETAMENTE. 140. Da factualidade assente decorre, sem qualquer margem para dúvidas, que a causa do despiste do veículo se deveu ao rebentamento do pneu.141. Sendo esta a causa do despiste do veículo, não pode o Mmo. Juiz a quo retirar daí a asserção – como fez – de que o condutor do veículo tem culpa na produção do acidente porque pretensamente circularia em excesso de velocidade. 142. A dinâmica do acidente é toda ela descrita tendo por base o rebentamento do pneumático do acidente. Aliás, o nexo causal (por referência a vocábulos como “ocorreu após” e “Na sequência”) é estatuído exatamente entre o rebentamento e o despiste! 143. Conforme julgou a Relação do Porto (no referido processo anterior sobre a mesma matéria e MESMÍSSIMO ACIDENTE), essa conclusão apenas se poderia retirar se estivesse provado nos autos – QUE NÃO ESTÁ – que o rebentamento do pneu se deveu ao excesso de velocidade. 144. Provado que está que o resultado se deveu a um EVENTO ANORMAL, IMPREVISTO E IMPREVISÍVEL, não pode falar-se de culpa do condutor! 145. Da factualidade dada como provada decorre, sem qualquer dúvida, que a causa do despiste do veículo se deveu ao rebentamento do pneu. 146. Assim sendo, e tendo por referência o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto a que se tem vindo a aludir: “Ora, sendo esta a causa do despiste do veículo, não se descortina como se pode afirmar que o condutor do JB tem culpa na produção do acidente porque circulava a uma velocidade superior a 120 km/hora, ou seja, em contravenção ao disposto no artigo 27.º, nº 1 do CE. Na verdade, essa asserção só se podia tirar se estivesse provado nos autos que o rebentamento do pneu se deveu ao excesso de velocidade com que o referido veículo circulava. Acontece que, essa realidade factual não está assente nos autos.” – bold e sublinhado parcialmente nosso. 147. Na verdade, aquilo a que assistimos é, salvo o devido respeito, a um manifesto preconceito em relação ao alegado excesso de velocidade (nem sequer contabilizável). Aliás, na própria sentença recorrida a isso se faz expressa menção, nos seguintes termos: “Sabe-se que o excesso de velocidade – e este caso não foge à regra – é uma das principais causas de acidentes graves, não só em Portugal como no resto do mundo, mas continua-se, se nos é permitido o desabafo, a fazer de conta que assim não é, como se os sistemas com que os veículos estão atualmente equipados (…) permitissem superar as leis da física e impedir que, ultrapassados determinados limites e circunstâncias, os ocupantes dos mesmos não sofressem lesões graves ou até a morte, como, infelizmente, no caso vertente, ocorreu” – bold e sublinhado nosso. 148. Só que, tal como identifica o Tribunal da Relação do Porto, no outro processo, e que aqui se repete, não há facto para tal motivação. 149. O Tribunal a quo decidiu da forma que o fez através da construção forçada daquilo que é uma espécie de decisão viciada em processos que envolvam acidentes rodoviários. 150. Mesmo que se socorrendo de presunções naturais, a partir do momento em que existe nos autos a prova de que o despiste se deveu ao rebentamento do pneu, este facto conhecido, interrompe qualquer raciocínio assente naquelas presunções. Em rigor, deixa de se necessitar de recorrer às regras de experiência comuns, porque existe um facto conhecido que entalha o caminho. 151. Tendo por recurso a doutrina da causalidade adequada – vigente no nosso ordenamento jurídico – existe um facto adequado à produção do resultado: o rebentamento. 152. O Tribunal parece totalmente convencido de que E… teve culpa no acidente. Contudo, essa convicção não tem assento na fundamentação ou factos provados da sentença ora em crise. 153. É que desde logo, não se sabe se, e a que, excesso de velocidade circulava a viatura para se afirmar perentoriamente E… “adotou uma conduta culposa que esteve na origem de um acidente com consequências tão nefastas”. 154. E repare-se que mesmo circulando em respeito pelas regras do Código da Estrada, a verdade é que, com o rebentamento do pneu, não se sabe se o acidente não teria as mesmas características. 155. Isto para dizer que não se pode retirar perentoriamente de um alegado excesso de velocidade a conclusão da culpa do condutor, porquanto as circunstâncias em causa ditam que não se possa falar de culpa do condutor, atenta a circunstância anormal e imprevisível, referente ao funcionamento do próprio veículo, e incontrolável por aqueloutro. 156. Mas a velocidade causou o quê? O rebentamento do pneu? O acidente? 157. A velocidade nunca poderá ser considerada uma “causa”, porquanto o acidente, nos termos em que aconteceu e da forma que se encontra descrito nos factos dados como provados, resulta manifestamente do rebentamento do pneu. 158. Na fundamentação da matéria de Direito, refere-se que se IGNORA a que se deveu o rebentamento do pneu, mencionando-se ainda que “tudo o que possa dizer-se ou afirmar-se a este propósito, salvo melhor entendimento, é pura especulação, uma vez que não existem elementos de ordem científica (pericial) que nos ajudem a esclarecer por que razão ou motivo o referido pneumático se degradou até ao ponto de ocorrer o rebentamento.” – bold e sublinhado nosso. 159. Até aqui diz-se que a causa do acidente foi o rebentamento e que desse rebentamento é que não se conhecem os elementos que o provocaram. Então como pode logo no momento seguinte fazer-se uma ligação com a velocidade? 160. Existem elementos probatórios para sustentar que a causa do acidente foi o rebentamento do pneu? Sim. O rebentamento do pneu consta na matéria assente como causa do acidente? Sim. Sabe-se qual a causa de rebentamento do pneu? Não. Existem elementos probatórios que permitissem saber qual a causa do rebentamento do pneu? Não. Posto isto, e em termos lógicos, concluir-se-ia o quê? Que, sendo a causa do acidente, o rebentamento do pneu e, portanto, como não nos cansamos de repetir, um facto imprevisível e inimputável ao condutor, não lhe poderia ser assacada qualquer responsabilidade. 161. Mas o que faz o Mmo. Juiz a quo é, no fundo, dizer que o rebentamento ocorreu por conta da velocidade, o que NÃO TEM QUALQUER FUNDAMENTAÇÃO! Inexistem nos autos elementos probatórios e factuais que o permitissem concluir! 162. Nestes termos, a decisão recorrida é manifestamente infundada e, por conseguinte, ilegal! Assente num erro (grosseiro) de julgamento e de apreciação dos elementos fácticos constantes dos autos. 163. No risco compreende-se tudo o que se relacione com a máquina enquanto engrenagem de complicado comportamento, com os seus vícios de construção, com os excessos ou desequilíbrios da carga do veículo, com o seu maior ou menor peso ou sobrelotação, com a sua maior ou menor capacidade de andamento, com o maior ou menor desgaste das suas peças, ou seja com a sua conservação, com a escassez de iluminação, com as vibrações inerentes ao andamento de certos camiões gigantes, suscetíveis de abalar os edifícios ou quebrar os vidros das janelas. É o pneu que pode rebentar, o motor que pode explodir, a manga do eixo ou a barra de direção que podem partir, a abertura imprevista de uma porta em andamento, a falta súbita de travões ou a sua desafinação, etc. 164. O Tribunal a quo surpreende ao afirmar que “o condutor da viatura adotou uma conduta culposa que esteve na origem de um acidente com consequências tão nefastas”. 165. A culpa não se confunde com a mera violação de uma norma destinada a proteger interesses alheios como seja uma norma de trânsito e, por isso, a infração de um preceito legal não é suficiente, sem mais, para integrar uma conduta culposa, pois que uma coisa é a ilicitude e outra a culpa – isto partindo do princípio de que a culpa (presumida) que aqui se fala advém da alegada violação do dever de cuidado resultante das normas que estabelecem os limites de velocidade. 166. E dizemos que o Tribunal surpreende porque dos factos provados não é possível retirar qualquer ligação entre a velocidade (indeterminada) e o acidente, para que se possa dizer que a velocidade é causa do acidente. 167. Mais: o Tribunal alicerça esta sua conclusão em diversos indícios (conforme consta da fundamentação), apesar de todos eles se retirar que a CAUSA do acidente é o rebentamento do pneumático do rodado traseiro esquerdo. 168. Assim, se nos fundamentos da decisão se diz que o rebentamento do pneu causou o acidente, e desse acidente resultaram os danos descritos nos factos 26 e seguintes, como é que o Tribunal a quo conclui que o acidente “foi devido a culpa efetiva de E…”? 169. A única forma de encaixar a velocidade na equação, seria no caso de ser alegada e demonstrada alguma relação entre a velocidade e o rebentamento do pneu – o que não aconteceu, porque, de facto, não existe qualquer correlação entre uma coisa e outra, aliás arredada pelas próprias testemunhas, entre elas o Cabo K…, sugerindo também, a par de outros, que pode ter sido algo perfurante na estrada. 170. Assim, a ter havido alguma infração do Código da Estrada a qualquer título que sempre quedou por provar, com todas as possíveis consequências ou resultados que pudesse potenciar, essa dinâmica sempre seria descontinuada pelo rebentamento do pneu o qual, em si mesmo, é causa EXCLUSIVA e NATURALÍSTICA do acidente, e portanto o evento que desencadeou os danos, que são consequência direta do acidente! 171. Não havendo culpa de E… para aquilo que é a causa do acidente – rebentamento do pneu – não há obrigação de indemnizar, uma vez que a causa das consequências das quais advém o direito de ser indemnizado são alheias àquele primeiro. 172. Por esse motivo, não estão preenchidos os artigos 483.º e 487.º, n.º 2, ambos do C.C., não estando os Recorrentes obrigados a reparar um dano que resulta de um evento cujas causas lhe são alheias. 173. Desde logo, ficou por provar a culpa, porquanto a velocidade a que seguia é indeterminada e, aparentemente, indeterminável, e, assim, é forçoso concluir que a condução de E… não causou danos. 174. De todo o modo, INDEPENDENTEMENTE da velocidade a que a viatura circulava, há que atender à CAUSA DO ACIDENTE: O REBENTAMENTO DO PNEU. 175. A partir do momento em que o pneu rebenta, a viatura inicia imediatamente uma derivação para a direita, procurando o condutor travar a todo o custo. Recorde-se, porém que o condutor procurava controlar uma viatura com 3 (três) rodas, porquanto a quarta roda se havia reduzido a jante, ou seja, ferro a bater no alcatrão, sendo que outra roda dianteira viria também a soltar-se. Mas mais do que isso, há que ver que lidamos com um carro com tração traseira, ou seja, em que são as rodas traseiras as motrizes, o que faz com que, tendo rebentado o pneu traseiro (exatamente) a força motriz e equilíbrio do carro se vejam irremediavelmente condicionados. 176. Obviamente que tratando-se de uma jante, a travagem terá outra extensão e eficácia! O atrito da jante é totalmente diverso do atrito que provoca o pneu. 177. Na verdade, essa é a função do pneu: criar atrito com o solo para imobilizar o veículo, garantindo a ausência de escorregamento quando efetua as curvas ou vai em reta. E, mais, repare-se que falamos aqui em pneus – os traseiros – degradados e sem sequer ter havido um cuidado, aquando da investigação, em determinar a pressão dos mesmos ou tão pouco o seu estado, tendo o próprio condutor daquela investigação referido que a mesma foi feita à pressa e presumindo que todos os elementos do carro estavam normais! 178. E, repare-se, que a questão do estado dos pneus não é de somenos quanto à causa do despiste. Ou seja, de tal forma como foi aventada a possibilidade da velocidade, também deveria ter sido, pelo menos, ponderada a questão do estado dos pneus que ficou demonstrado não ter as condições exigidas (e que, ao contrário da sentença recorrida, foi inclusivamente levantado como possibilidade pelo destacamento de trânsito da GNR na abordagem inicial ao acidente)! 179. Até porque, e regressando aqui um pouco à crítica que tecemos ao Tribunal recorrido no que concerne à ponderação das contraordenações estradais, também aquela situação configura um ilícito estradal, punível pelo Código da Estrada, mas a que, à semelhança do cinto de segurança, também a sentença recorrida foi (surpreendentemente) alheia… 180. É que repare-se que os sulcos dos pneus apresentavam uma altura inferior a 1,6 mm, o que representa uma clara violação da disposição constante do artigo 6.º do Decreto Regulamentar n.º 7/98 de 6 de maio, que expressamente estatui, nos seus n.ºs 1 e 2: “1– Os automóveis ligeiros e os reboques de peso bruto não superior a 3500 kg não podem transitar na via pública sem que o piso de todos os seus pneus, incluindo o de reserva, quando obrigatório, apresente em toda a circunferência da zona de rolagem desenhos com uma altura de, pelo menos, 1,6 mm nos relevos principais. 2 - Os motociclos, bem como os automóveis e os reboques não abrangidos pelo disposto no número anterior, não podem transitar na via pública sem que o piso de todos os seus pneus, incluindo o de reserva, quando obrigatório, apresente em toda a circunferência da zona de rolagem desenhos com uma altura de, pelo menos, 1 mm nos relevos principais.” - bold e sublinhado nosso. 181. No artigo 10.º do mesmo diploma, por seu turno, refere-se a consequência daquele incumprimento nos seguintes termos: “1 – Quando for encontrado a transitar qualquer veículo em desrespeito do disposto nos artigos 6.º a 8.º do presente diploma deve ser apreendido o respetivo livrete, sem prejuízo das sanções aplicáveis”. 182. Por outro lado, e atendendo a que ficou demonstrado nos presentes autos – de forma inequívoca – que a propriedade do veículo era da Ré F…, e que E… apenas foi buscar o carro naquela noite, ao abrigo do acordo que mantinha com aquela Ré (conforme melhor densificado em sede de impugnação de matéria de facto dada como não provada), não se podem olvidar as responsabilidades da própria proprietária do veículo! 183. É que sempre caberia à proprietária do veículo, a Ré F…, assegurar o correto funcionamento do veículo, nomeadamente certificando-se que os pneus que o BMW possuía se encontravam em bom estado para poderem circular na via pública. 184. Os pneus que equipavam o referido BMW eram de dimensões diversas das inscritas no livrete, ou seja, não eram nem os pneus de origem, nem pneus idênticos aos de origem, nem tinham as condições exigidas por lei. 185. Essa responsabilidade recairia sempre sobre o proprietário do veículo. Mas essa contravenção já não importou frisar… 186. De qualquer forma, aquilo que fica é que a causa do acidente que deu origem aos presentes autos é indubitavelmente uma causa externa ao condutor, no sentido de não só não ter sido provocada por ele, como, mais do que isso, não poder ser por si controlada. 187. E é isto que fica, desde logo, da factualidade dada como provada e, bem assim, de todos os elementos probatórios constantes dos autos e, ainda, da própria fundamentação expendida pelo Tribunal. Isto porque, pese embora aí se venha a referenciar que haveria uma conduta culposa de E…, essa alegação vem solitária, ou seja, sem o acompanhamento da correspondente base factual que permitiria ao Tribunal estatuir a conclusão que veio a tomar. 188. Não pode o Tribunal a quo, sem mais, estabelecer um raciocínio sem prova ou factos que o suportem, fazendo passar nas entrelinhas da decisão aquilo que deveria ser prévio à mesma – E QUE NÃO CONSTA DOS FACTOS DADOS COMO PROVADOS – pelo menos para chegar à conclusão a que o Tribunal insiste em chegar quanto à imputação da responsabilidade de um acidente à velocidade. 189. O Tribunal a quo fixa o seu raciocínio na seguinte lógica: 1.º O rebentamento do pneu causa o acidente. 2.º Do acidente, resultaram os danos descritos. 3.º Os danos são consequência da velocidade (certamente excessiva, mas totalmente indeterminada). 190. Mas a velocidade é causa de quê?! Do acidente?! 191. Teve a velocidade (seja ela qual for), no caso concreto e considerada de forma isolada, como consequência os danos, quando é certo que os danos resultam de um acidente cuja causa é o rebentamento do pneu?! 192. Aquilo que o Tribunal realizou é, na verdade, a construção inversa da que se pretende no processo decisório, porquanto parte da decisão para consignar os factos. 193. A velocidade, no caso concreto, era incapaz de produzir os resultados despiste, travagem, derrapagem e capotamento. O que está na origem dessa sequência é, de facto, o REBENTAMENTO DO PNEU! 194. Em súmula, o que se pretende aqui salientar é que independentemente da velocidade a que circulava a viatura, e até mesmo concebendo que E… circulava a mais de 120 km/hora, o rebentamento do pneu seria sempre e todas as vezes a causa do acidente, com todas as consequências daí advenientes. 195. Não nos parece possível no presente caso fazer uma destrinça da dinâmica do acidente ignorando o rebentamento do pneu, estabelecendo apenas uma relação entre a velocidade e os danos. 196. Ademais, a dinâmica do acidente conforme vem descrita nos factos dados como provados não permite concluir da forma que o Tribunal a quo conclui na sua decisão, ao fazer constar os Recorrentes como obrigado a indemnizar por ter uma ATUAÇÃO CULPOSA nos termos do n.º 2 do artigo 487.º C.C., quando não existe culpa, nem sequer prova dessa mesma culpa. 197. O que há, na opinião dos Recorrentes, é uma forte convicção do Tribunal a quo de que a viatura suportaria a violência que é o rebentamento do pneu – sem qualquer base probatória, estudos, ou ensaios que permitam ancorar essa ideia adquirida – não havendo outra justificação se não que a viatura seguia em excesso de velocidade ou velocidade excessiva, o que nem mereceu acolhimento nos factos dados como provados. 198. O rebentamento de um pneu deve ser sempre considerado uma causa de força maior relativamente ao condutor da viatura, porque se trata de uma explosão, um estrondo que retira à viatura um dos seus quatro pontos de equilíbrio e direção. 199. Os fundamentos invocados ao longo da sentença ora em crise sempre deveriam, logicamente, conduzir a uma decisão diversa daquela que ficou expressa. 200. Aliás, dos factos provados não é possível retirar a decisão proferida pelo Tribunal. 201. Na ótica dos Recorrentes, estamos perante uma contradição insanável da fundamentação uma vez que o texto da decisão, sem conjugação com outros elementos de prova carreados para os autos (mas até mesmo com todos estes!) resulta uma contradição chocante que não escapa ao observador comum. 202. Trata-se de um vício real no raciocínio do julgador: a fundamentação aponta num sentido, e a decisão segue outro inverso. A construção da sentença é viciosa. 203. O Tribunal a quo centrou toda a sua atenção na investigação da existência e na extensão dos rastos de travagem que vinham alegados, olvidando outros tantos elementos: que a travagem foi feita a três e talvez a duas rodas, que ninguém verificou o estado dos pneus ou do sistema de travagem, que não foi feita a distinção entre distância de travagem e derrapagem, etc. 204. No que concerne à imputação de responsabilidade de E…, e ao contrário do referido na sentença recorrida, não se encontram preenchidos os requisitos da responsabilidade civil subjetiva. 205. É que a partir do momento em que rebenta o pneu, o carro entra imediatamente em despiste, não sendo possível ao condutor controlar o veículo! E isso independentemente da velocidade a que seguiria o veículo. É um ELEMENTO EXTERNO E INCONTROLÁVEL pelo condutor! 206. A partir daqui qualquer consideração de responsabilidade fica (se ainda não estivesse) completamente inquinada, porquanto não é possível estabelecer um nexo entre os danos que infelizmente a A. veio a sofrer em consequência do acidente e o pretenso excesso de velocidade do condutor. 207. Assim, e resumindo tudo quanto se disse a propósito desta questão: 1.º) Resulta expresso da sentença recorrida que o acidente se deveu ao rebentamento do pneumático traseiro esquerdo; 2.º) Não resulta nem dos elementos probatórios constantes dos autos, nem, bem assim, da matéria assente, que o rebentamento haja ocorrido devido à velocidade imprimida ao veículo (que não é sequer determinada); Logo, o condutor NÃO pode ser responsabilizado porque circularia a uma velocidade em contravenção com o disposto no artigo 27.º, n.º 1 do CE, porquanto não está provado (nem podia estar, porque não existem elementos que o permitam concluir, sendo isso mesmo assumido na sentença em crise) nos autos que o rebentamento do pneu se deveu ao pretenso excesso de velocidade. 208. O condutor NÃO pode ser responsabilizado pelo acidente porquanto a CAUSA NATURALÍSTICA do mesmo ficou assente como sendo o REBENTAMENTO DO PNEU, o que configura um evento IMPREVISTO, não se podendo falar em culpa. 209. Nestes termos, deverão os ora Recorrentes ser eximidos de qualquer responsabilidade no ressarcimento dos danos resultantes do acidente, por inexistência de culpa de E… no mesmo! 210. A responsabilidade de E… foi aferida pelo Tribunal a quo em função do disposto nos artigos 487.º, n.º 2 e 483.º, ambos do Código Civil, referindo a sentença recorrida que os requisitos daquele último se encontram totalmente preenchidos, por referência ao conceito de culpa do primeiro. 211. Sucede que, tudo quanto se deixou supra exposto tem a óbvia virtualidade de “condenar” este raciocínio, votando-o ao insucesso, porquanto, verificada que esteja a impossibilidade de responsabilizar E…, por não existirem nos presentes autos elementos probatórios que o permitam sustentar factualmente e por nem tão pouco existir uma alegação factual (constante da matéria assente) nesse sentido. 212. Não existe uma relação entre o pretenso excesso de velocidade (que nem se soube quantificar na sentença a quo) e o rebentamento do pneu, afastando-se inclusivamente a possibilidade de o circunscrever mediante o acervo probatório constante dos autos. 213. Aquilo que resulta provado é outrossim que o acidente se deveu ao rebentamento do pneu, cujas causas se desconhecem. A ser assim – como foi – estamos perante um caso fortuito e anormal, que se encontra dentro da esfera de risco referente ao PROPRIETÁRIO do veículo. 214. Proprietária esta que ficou provado ser a aqui Ré F… (facto provado 14). 215. Sendo esta proprietária, e estando nós perante um acidente de viação e, portanto, sujeito ao regime específico do artigo 503.º do Código Civil, cumpria ao Tribunal visar a dupla presunção constante do n.º 1 deste dispositivo. 216. A jurisprudência comummente aceite, refere expressamente que sobre o proprietário do veículo incide uma presunção de direção efetiva e interessada sobre o veículo, independentemente da existência de um comissário. 217. Na medida em que a alegação da Ré F… sempre foi a de que teria havido uma transferência de propriedade do veículo – o que, ficou por demais demonstrado ser falso e, mais gravoso ainda, ter sido defendido por recurso a um crime de falsificação de assinatura – não logrou aquela tão pouco afastar a presunção supra referida. 218. Razão pela qual teria obrigatoriamente que ser responsabilizada pelo acidente, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 503.º, n.º 1 do Código Civil. 219. Aquilo que se poderia depois desenvolver, e caso V. Exas. entendam dar como provado o facto dado como não provado supra impugnado, explorando, aí, a relação de comissão, é a presunção de culpa que consta do n.º 3 do aludido preceito, para uma pretensa responsabilidade solidária por parte do condutor. 220. Em tal caso, isto é, existindo uma relação de comissão em que o condutor do veículo conduz por conta de outrem, caber-lhe-á afastar a presunção de culpa que sobre si impende. 221. Como de resto já se pronunciou o Acórdão da Relação do Porto sobre esta questão concreta, entenda-se, MESMO ACIDENTE, e também de forma pacífica toda a doutrina e jurisprudência, a culpa (aqui presumida) é a mesma que à A. competia provar. 222. Ora, tendo sido excluída essa culpa (ou não resultando a mesma provada), conforme defendido, esta discussão do ponto de vista do direito é estéril, uma vez que a solução jurídica será a mesma, todavia, atingida ab initio pelo facto do condutor não ter a responsabilidade na causa do acidente. 223. Os aqui Recorrentes não discutem a natureza ou a extensão dos danos sofridos pela A., até porque consta dos autos inúmera documentação (desde logo, perícias médico legais) sobre tais danos, pese embora tenham que questionar os valores arbitrados, por questões de justiça relativa, princípios de equidade e precedentes jurisprudenciais. 224. O Tribunal recorrido fixa uma responsabilidade dos ora Recorrentes, tanto em termos de danos não patrimoniais, como patrimoniais. 225. Quanto aos danos não patrimoniais, é arbitrada, em termos indemnizatórios, uma quantia global no valor de €500.000,00 (quinhentos mil euros). 226. São conhecidas as dificuldades de determinação no que tange aos danos morais, mas certamente que os valores arbitrados nos presentes autos não encontram amparo jurisprudencial em qualquer ordenamento jurídico, muito menos no nosso, não tanto pela imoralidade dos montantes, mas pelo perigo de enriquecimento sem causa, que neste caso é evidente, atenta a falta de total equidade. 227. Releva aqui o n.º 1 do artigo 496.º do CC quando dispõe que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito” e o n.º 2 quando sustenta que “o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art.º 494.º (…)”, ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso. 228. A equidade, como “justiça do caso concreto” não dispensa, contudo a observância do princípio constitucional da igualdade (artigo 13.º da Constituição) e da relativa uniformização de critérios que, quanto aos montantes, a jurisprudência vai casuisticamente fixando (v. também n.º 3 do artigo 8.º do CC). 229. De facto, quer para cálculo da indemnização por dano futuro resultante (como antes se dizia) de IPP (incapacidade parcial permanente), quer da devida pelo dano biológico, considerando as variáveis envolvidas (uma das quais é a repercussão, ou não, no rendimento salarial) as tabelas em voga para uso pelas seguradoras não deixam de servir como elemento aferidor, cabendo à equidade o critério decisivo que tem sido seguido pelos Tribunais, razão pela qual o recurso à Jurisprudência nestes casos é até obrigatória para não se criarem situações aberrantemente desiguais. 230. Assim, como elemento orientador, com recurso à Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho – diploma que veio fixar os critérios e os valores orientadores das indemnizações a serem atribuídas aos lesados – estabelece-se como valor máximo, atentas as circunstâncias concretas do caso sub judice, o valor: €5.335,20 (cinco mil trezentos e trinta e cinco euros e vinte cêntimos) para o quantum doloris (grau 7) e €10.260,00 (dez mil duzentos e sessenta euros) para o dano estético (grau 7). 231. Assim, entendem os ora Recorrentes que quanto à quantia por danos morais, no caso concreto, o valor arbitrado e, por referência aos valores da justiça relativa, equidade e uniformização, é manifestamente desproporcional e desajustado com os valores que os nossos Tribunais têm arbitrado, devendo este fixar-se em montante muitíssimo inferior ao arbitrado. 232. No que concerne aos danos patrimoniais, o Tribunal recorrido fixa um valor de €551.650,00 (quinhentos e cinquenta e um mil seiscentos e cinquenta euros), por referência à incapacidade para exercício de uma atividade profissional, por um lado, e um valor de €400.000,00 (quatrocentos mil euros), referente a danos futuros. 233. Quanto à primeira dessas quantias, refere a sentença recorrida: “Em situações idênticas, a jurisprudência tem-se inclinado para um valor de referência que parte de um salário médio, pois o salário mínimo apenas se justifica para casos em que não o trabalhador não tem qualquer formação específica. Partindo do princípio que a autora, caso concluísse a formação, poderia entrar no mercado de trabalho aos 20 anos, teria um período de vida (profissional) ativa de, pelo menos, 46 anos e 3 meses, considerando a idade atualmente estabelecida para o acesso à pensão de velhice. Relativamente ao salário médio auferido pelos trabalhadores, o mesmo, em Portugal, pouco ultrapassa, mensalmente, no ano corrente (2016), os 900 euros brutos (o que corresponde a pouco mais de 800 euros líquidos), pelo que nos parece ajustado partir de um valor (estimado) de 850,00€, tanto mais que a autora irá receber, por antecipação, o capital correspondente a vencimentos futuros.” 234. Além disso, outros fatores corretivos há a ter em conta como o do recebimento antecipado de todo o montante, este particularmente relevante, já que, por regra, o dinheiro vai produzindo rendimento real. 235. Entendem os Recorrentes que andou mal o Tribunal recorrido em dois pontos essenciais relativos a esta questão. 236. Em primeiro lugar, porquanto as contas aí apresentadas não estão corretas (como, aliás, não está correta os anos para entrada na vida ativa que, mesmo com a reforma de Bolonha não permite que um quadro superior inicie a vida aos 20 anos, isto se se fizer de forma regular a escolaridade) e, em segundo lugar, porquanto é feita uma distinção infundada da situação da A. 237. Uma vez mais, é decisivo o critério do Tribunal e o respetivo controlo através desta sindicância. 238. Lê-se na sentença recorrida que existe uma distinção que tem sido o critério orientador dos nossos tribunais para determinar o valor de referência para o cálculo destes danos que ora nos ocupam: o trabalhador com formação superior (que denominaremos por trabalhador diferenciado) e o trabalhador sem formação específica (trabalhador indiferenciado). 239. De facto, a jurisprudência, na sequência também daquilo que têm sido as preocupações legislativas, designadamente, no sentido de criar uma coesão sistemática quanto a valores arbitrados, mas, mais do que isso, quanto aos pressupostos orientadores da determinação que preside aos mesmos, distinguido as situações dos trabalhadores sem uma formação específica, que não ingressam no ensino superior e que, muitas vezes, não possuem a totalidade das qualificações e que, em consequência, à partida, estarão delimitados em termos de escalão remuneratório, em valores muito aproximados ao salário mínimo nacional; e os trabalhadores com formação superior ou com qualificações mais elevadas, sendo que, a estes, presumivelmente, ser-lhes-á atribuída uma remuneração superior ao salário mínimo. 240. Neste conspecto, e por referência aos valores da PORDATA mencionados na sentença e na fonte aí citada, a indemnização para os ditos trabalhadores diferenciados será arbitrada tendo por base o salário médio mensal que, em 2016, se fixava em cerca de €900,00 brutos, sendo que, em termos líquidos se aproximaria do valor de €850,00/mês. 241. Por seu turno, refere-se que a vida profissional ativa será de cerca de 46 anos e 3 meses, atenta a atual idade de reforma. 242. O Tribunal a quo considera a A. uma trabalhadora diferenciada, determinação com a qual os Recorrentes discordam. 243. Mesmo considerando que a A. seria uma trabalhadora diferenciada – com o qual não se concorda, até por justiça relativa para com os demais casos em que efetivamente se trate de trabalhadores diferenciados – o valor a arbitrar, tendo em conta todos os fatores acima mencionados, não corresponderia aos €551.650,00, mas sim de €538.050,00 (quinhentos e trinta e oito mil e cinquenta cêntimos), numa discrepância de €13.600,00 (treze mil e seiscentos euros). 244. Entendem ainda os Recorrentes que os próprios cálculos subjacentes assentam em premissas erradas, tendo por base o critério utilizado pelo Tribunal recorrido para os aferir. 245. Não se compreende a conclusão de que a A. seria uma trabalhadora diferenciada, porque, conforme resulta da factualidade dada como provada, não ficou demonstrado que a A. exercesse qualquer atividade profissional, nem que o viesse a fazer na área em que demonstrou interesse, até porque, conforme resulta das regras de experiência comum, é uma área muito difícil de alcançar. 246. Por outro lado, e cingindo-nos à situação existente antes do acidente, a verdade é que a A. se encontrava a frequentar um curso de inglês e um curso de língua portuguesa (facto provado 42), não resultando, pelo contrário, que houvesse uma frequência em ensino secundário ou superior. Aliás, na verdade, entenda-se aqueles cursos como equivalência, porquanto a A. tinha vindo há pouco tempo para Portugal, tendo apenas como completo o 9.º ano de escolaridade (essa informação resulta, desde logo, dos elementos de avaliação clínica constantes dos autos). 247. O que, e acompanhando o raciocínio do Tribunal, até poderia fazer expectar que a mesma viesse a “exercer uma atividade remunerada”. Coisa diferente é dizer-se que essa atividade seria executada enquanto aquilo que denominámos de trabalhadora diferenciada. Aí inexistem já factos que o permitam sustentar ou sequer especular. 248. Há que não perder de linha de conta a necessidade de se responder aos valores de justiça relativa, o que obriga à distinção das situações concretizadas em face daquelas que ainda não o sejam. E, mais, impõe que se distingam os “currículos académicos” que façam crer a aposta numa carreira diferenciada, daqueles que o não façam prever. 249. E, salvo o devido respeito, mesmo que o Tribunal estivesse em crer que havia essa aposta – o que nos parece, in casu, não ser sustentável em face aos elementos probatórios que foram carreados para o processo –, não logrou densificá-lo em termos que tivessem a virtualidade de saciar o dever de fundamentação e os valores subjacentes à diferenciação salarial imposta. 250. Assim, tendo em conta tudo quanto se disse, deveria o Tribunal ter tido como valor de referência o salário mínimo ou, no limite, que não se concede, um “meio-termo” entre o salário mínimo e o salário médio. 251. De facto, em face das qualificações da A. crê-se que, e uma vez mais reiterando a necessidade de atender a critérios de justiça relativa e de adequação às circunstâncias do caso concreto, o critério terá que ser o do salário mínimo. 252. O salário mínimo à data do acidente fixava-se no valor de €485,00/mês. Admitindo aqui uma atualização de valores, fixar-se-ia o salário mínimo nos valores atuais de €557,00/mês. 253. Lidaríamos assim com um valor global de €352.581,00 (trezentos e cinquenta e dois mil quinhentos e oitenta e um euros), que resulta numa discrepância em face ao valor apurado pela sentença recorrida de €198.799,00 (cento e noventa e oito mil setecentos e noventa e nove euros). 254. Ainda que, com muitas reservas, se compreenda o caráter de “aposta” que o Tribunal faz relativamente à A. no sentido de esta vir a realizar os seus sonhos e conseguir uma formação superior (diferenciada) e como tal, ser por isso “credora” de uma remuneração acima do salário mínimo, a verdade é que, sob pena de grave injustiça relativa, o Tribunal tem de fazer a distinção de quem já o é (trabalhador diferenciado) e de quem o será (ou poderá vir a ser). 255. Não nos podemos quedar por juízos meramente especulativos sem assento nos factos vertidos na sentença recorrida e, mais, sem se atender à ótica de justiça relativa. 256. É que o valor arbitrado, mesmo em termos de ponderação com aquilo que têm sido as decisões dos nossos tribunais, não se coaduna com os princípios aí vertidos. 257. Razão pela qual se entende que deverá ser feita uma correção dos valores arbitrados em primeira instância, tendo por referência tudo quanto se disse supra. 258. No que concerne já aos danos futuros arbitrados pelo Tribunal a quo, desde logo, a necessidade de assistência por terceira pessoa, refere o Tribunal que a verba necessária para garantir a assistência a prestar por terceira pessoa se fixa no valor de €400.000,00 (quatrocentos mil euros), referindo ainda que, pese embora a mesma até possa pecar por defeito, como se entende que “durante mais algum tempo, a autora, presumivelmente não ter[á] qualquer dispêndio a este título, dada a assistência prestada pelo seu progenitor, julga-se apropriado para ressarcir este dano a verba que foi indicada no articulado inicial”. 259. Em primeiro lugar, cumpre referir que inexiste qualquer motivação para a atribuição desta verba à A., ou seja, a sentença recorrida limita-se a dizer que será arbitrado aquele valor, sem tão-pouco justificar o porquê daquele valor. Porquê aquele e não outro? E com base em quê? 260. Como pode dizer-se que o valor por um determinado dano é de X quando não se apresenta QUALQUER JUSTIFICAÇÃO factual ou jurídica, em rigor, para essa cominação. 261. Mas não se querendo levar o rigor ao extremo, porquanto se entende a situação extremamente frágil da A., a verdade é que, mesmo só pensando no auxílio que lhe será garantido pelo pai, o facto é que se desconhece quais serão as necessidades no futuro da A. referentes à extensão do auxílio da terceira pessoa. 262. E, mais, repare-se, bem sabendo que um dia o seu pai deixará de poder prover às suas necessidades, que dia será esse? Ou seja, qual é o momento de referência utilizado pelo Tribunal para determinar a partir de que momento deixará de haver uma ajuda pelo pai para passar a ser esse papel desempenhado por terceira pessoa? 263. É que só a partir desse momento, interessará determinar um valor efetivo. E, aí, qual é o valor base? 264. Salvo o devido respeito, não nos parece que o Tribunal, neste ponto, haja procedido de acordo com as exigências legais de fundamentação e de saciedade da matéria factual e de Direito. 265. Ademais, a fixar-se agora um valor indemnizatório naquele montante, e tendo presente que, como dito, quem presta auxílio à A. é o seu pai, não estará o Tribunal a quo aqui a fixar, na verdade, uma remuneração ao pai da A.? É que a ser assim, caímos numa inadmissibilidade legal, porquanto, e à semelhança daquilo que o Tribunal decidiu relativamente às obras na casa da A. – e bem – no sentido de serem uma despesa do pai da A. e não desta, não há legitimidade para se fixar a mesma! 266. Por outro lado, mesmo considerando que essa ajuda por uma terceira pessoa, e consequente dispêndio tenha lugar até ao fim da vida presumível da A., também aqui, não deixam de funcionar fatores corretivos, o principal dos quais se reporta ao recebimento antecipado de todo o montante, sendo certo que essa antecipação ainda é mais longa que no caso do ressarcimento por incapacidade laboral. 267. Posto tudo o que se deixou escrito supra, julga-se ser necessária, e requer-se desde já a V. Exas., uma redefinição dos valores arbitrados em primeira instância, porquanto os mesmos não estão em consonância nem com as exigências legais para a determinação dos valores indemnizatórios, nem com os próprios valores e critérios subjacentes à necessidade de ressarcimento de danos, nestes casos (desde logo, e à cabeça, a questão da justiça relativa), importando fazer uma redução do valor arbitrado, em valor não inferior à metade do valor previamente determinado na sentença recorrida. 268. A par destas considerações, não se pode ainda esquecer a relevância da contribuição concausal da A. para os danos sofridos, em virtude de se fazer transportar sem utilização do cinto de segurança, e que determina também uma reavaliação dos valores, a que foi incorretamente alheio o Tribunal recorrido. * Por último, o réu Fundo de Garantia Automóvel formulou as seguintesCONCLUSÕES: I. A indemnização pelo dano não patrimonial sofrido pela Autora deverá ser fixada em €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros);II. A indemnização pelo dano patrimonial emergente da perda de capacidade de ganho deverá ser fixada em €300.000,00 (trezentos mil euros); III. A indemnização pelo dano patrimonial sofrido com a contratação de uma terceira pessoa, deverá ser relegada para momento ulterior, nos termos do disposto no artigo 358.º do Código de Processo Civil, já que se trata de um dano certo e previsível mas que ainda não pode ser liquidado, já que essa ajuda tem vindo a ser prestada pelo pai da Autora sem qualquer custo; IV. Os juros moratórios que venham a incidir sobre as quantias arbitradas quer a título de indemnização pelos danos patrimoniais, quer a título de danos não patrimoniais deverão ser contados a partir da data da sentença recorrida, já que, o tribunal recorrido, ao determinar tais quantias, fê-lo atualizando-as até à data da prolação da sentença, dano cumprimento ao comando incito no artigo 566.º, n.º 2 do Código Civil, atenta a natureza das aludidas indemnizações; V. A contribuição da lesada para os danos que infelizmente veio a sofrer deverá ser fixada em 15%, atendendo a que promana dos factos provados a sujeição voluntária da lesada a um grau de risco superior ao risco médio de não utilização de cinto de segurança, quer pelo facto de o veículo circular a uma velocidade não inferior a 200 km/hora, quer pelo facto de a lesada ter sido projetada; VI. O valor da assistência hospitalar prestada pelo interveniente Centro Hospitalar G…, EPE ascende a €39.899,37, devendo ser essa a medida da condenação solidária dos Réus, contando-se os respetivos juros moratórios desde a data citação do FGA até efetivo e integral pagamento; VII. As indemnizações referidas nas conclusões 1, 2, 3 e 5 devem ser reduzidas em 15%, em face da conclusão supra, na qual se considerou que o comportamento da Autora contribuiu de forma direta e necessária para a produção ou agravamento dos danos por si sofridos, em face do previsto no artigo 570.º do CC; VIII. A Ré F…, Lda. é a proprietária do veículo de matrícula .. – JB - .., único interveniente e causador do acidente de viação em apreço nos presentes autos; IX. A Ré F…, Lda. é sujeito da obrigação de segurar nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 1 do Dec. Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, pelo que deveria o Tribunal a quo ter julgado a ação igualmente procedente contra esta Ré, condenando-a nos precisos termos em que condenou a Ré Herança e o FGA, tal como prevê os n.ºs 1, 3 e 4 do artigo 54.º do mesmo diploma legal; X. Ao não decidir assim, o Tribunal recorrido violou, entre outras disposições legais, o disposto nos artigos 562.º, 566.º, 570.º, 494.º, 804.º do CC e artigos 62.º, n.º 1 e 54.º, n.ºs 1, 3 e 4 do Dec. Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto. * Notificadas as partes dos recursos interpostos por cada um das outras, contra-alegaram a autora, o Centro Hospitalar G…, E.P.E. e a ré F…, Ldª, concluindo pelo não provimento dos recursos interpostos pelos réus C… e D… (na qualidade de herdeiros de E…) e Fundo de Garantia Automóvel.De igual modo contra-alegou o réu Fundo de Garantia Automóvel pugnando pela improcedência dos recursos interpostos pela autora e pelos réus C… e D… (na qualidade de herdeiros de E…. * Após os vistos legais, cumpre decidir.*** O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos recorrentes, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil[1].II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pelos apelantes, são as seguintes as questões solvendas: 1. Recurso interposto pelos réus C… e D… (na qualidade de herdeiros de E…): da admissibilidade da junção dos documentos apresentados de fls. 1288 a 1290; da verificação da exceção de autoridade (parcial) de caso julgado; apurar se a sentença recorrida enferma dos vícios de nulidade estabelecidos nas als. b) e c) do nº 1 do art. 615º do Cód. Processo Civil; determinar se o tribunal a quo incorreu num error in iudicando, por deficiente avaliação ou apreciação das provas e consequentemente na decisão da matéria de facto; da (in)existência de culpa do condutor do veículo com a matrícula .. – JB - .. na produção do ajuizado acidente de viação; da contribuição da autora para o agravamento dos danos pela não utilização do cinto de segurança. da inexistência de fundamento para a absolvição da ré F…, Ldª; da excessividade dos montantes arbitrados pelo tribunal a título de indemnização por danos patrimoniais e como compensação pelos danos não patrimoniais. * saber se lhe deve ser atribuída a verba despendida com o custeamento das obras de adaptação da casa onde reside, bem como o valor relativo à substituição de material/equipamento destinado a ajudas técnicas e bem assim uma verba referente a despesas médico-medicamentosas.2. Recurso interposto pela autora: * definição da medida de agravamento dos danos pela não utilização do cinto de segurança pela autora;3. Recurso interposto pelo réu Fundo de Garantia Automóvel: inexistência de fundamento para a absolvição da ré F…; Ldª; da excessividade dos montantes arbitrados a título de indemnização pelo dano patrimonial emergente da perda da capacidade de ganho e a título de compensação pelos danos não patrimoniais; da inviabilidade de fixação imediata do quantum indemnizatório devido a título de ajuda de terceira pessoa; data a partir da qual devem ser contados os juros moratórios referentes aos pedidos da autora; data a partir da qual devem ser contabilizados os juros moratórios devidos em consequência da assistência hospitalar prestada pelo Centro Hospitalar G…, E.P.E.. *** O tribunal de 1ª instância considerou provados os seguintes factos:III- FUNDAMENTOS DE FACTO 1 – No dia 25 de Junho 2011, cerca 3h15m, ocorreu um acidente de viação na A…, sentido Norte/Sul, próximo do km …,…, …, Estarreja, em que foi interveniente o veículo da marca BMW, modelo …, com a matrícula .. – JB - ... 2 – Tal veículo era conduzido por E…, o qual faleceu em consequência do acidente, tendo-lhe sucedido, como herdeiros, os seus pais, C… e D…. 3 – A autora, na altura com 17 anos de idade, seguia dentro do veículo supra identificado como passageira da retaguarda, lado esquerdo. 4 – À data, o piso encontrava-se em boas condições de circulação. 5 – O acidente traduziu-se um despiste com capotamento transversal do referido veículo, despiste que ocorreu após se ter verificado o rebentamento do pneumático do rodado esquerdo traseiro. 6 – A viatura circulava a velocidade não concretamente apurada, mas não inferior a 200Km/hora. 7 – Na sequência do rebentamento do referido pneumático, o condutor da viatura travou, tendo a mesma entrado em derrapagem, com derivação para a direita, após o que rodopiou, indo embater com os rodados do lado esquerdo na caleira de drenagem de águas pluviais existente do lado direito, atento o sentido de marcha em que o veículo seguia. 8 – Nesse seguimento, a dita viatura entrou no talude existente do lado direito, considerando o já referido sentido marcha, tendo aí capotado, após o que acabou por se imobilizar na berma direita, igualmente no sentido norte/sul, em posição oblíqua em relação à via e com a parte frontal orientada para a faixa de rodagem. 9 – O veículo, durante o acidente (derrapagem e subsequente capotamento e imobilização) percorreu uma trajectória superior a 300 metros. 10 – A autora não utilizava o cinto de segurança quando se fazia transportar no referido veículo, motivo que conduziu a que a mesma fosse projectada para o exterior do veículo na sequência do sinistro, ficando a cerca de 10 metros da viatura. 11 – Os pneus instalados no eixo traseiro do veículo tinham as dimensões …/….. …., correspondente a … mm de largura radiais, montados em jantes de .. polegadas, com índice de carga 102 (850 kg), e projectado para uma velocidade máxima de 300 km/h, apresentando sulcos na banda de rodagem, de altura inferior a 1,6 mm. 12 – Os pneumáticos respeitavam os conjuntos jante/pneu, dianteiros e traseiros, diferença proporcional, idêntica à dos que equipam veículos novos da mesma marca e modelo. 13 – O supra identificado acidente, foi objecto de inquérito que correu termos no DIAP de Aveiro, 3ª secção (processo 135/11.4GTSJM), tendo o mesmo sido arquivado. 14 – À data do acidente, o veiculo ligeiro de marca BMW modelo …, com a matrícula .. – JB - .., encontrava-se registado em nome de M…, Lda., com sede na Rua …, nº …, …. - …, …, Póvoa do Varzim, agora denominada F…, Lda., aqui Ré. 15 – A essa mesma data, o dito veículo circulava sem seguro válido e eficaz de responsabilidade civil automóvel. 16 – A autora foi assistida no local do acidente pela VMER, que relatou Glasgow 4. 17 – Após o acidente, a autora foi conduzida de ambulância para o Hospital G1… no … (Centro Hospitalar G…, E.P.E.), com lesões visíveis em várias partes do corpo, tendo sido motivo de admissão politraumatismo grave. 18 – A autora sofreu as seguintes lesões e realizou os seguintes tratamentos/exames, na referida unidade hospitalar, para além de ter sofrido as seguintes intercorrências durante o internamento: À entrada na emergência hospitalar apresentava anisocoria ligeira D>E. com pupilas não reativas, TC crânio-encefálica revelou traumatismo crânio-encefálico, com contusão hemorrágica frontal esquerda, focos hemorrágicos na cápsula externa/lenticular, sangue intraventricular e hematoma epicraneano. Tratamento conservador com sedação e ventilação, monitorização da pressão intra-craniana e pressão de perfusão cerebral. Reavaliação por Neurocirurgia sugere provável lesão axonal difusa e contusões cerebrais em contexto traumático grave. Melhoria clínica lenta e progressiva. Trauma da face com fratura cominutiva das paredes do seio maxilar direito e hemossinus associado. Trauma cervical com sangue intracanalar extramedular, sem fraturas. Contusão pulmonar direita com diminuta quantidade de derrame pleural bilateralmente. Fratura da bacia. (ramos ísquío-púbico e íleo-púbico bilateralmente) estável com hematoma pélvico associado. Fratura da omoplata direita. Desvio da apófise estilóide cubital direita com imobilização do punho. Choque hipovolémico com suporte aminérgico até 03-07-2011. Rabdomiólise. Como intercorrências no internamento teve traqueobronquite aguda, pneumonia associada ao ventilador, vulvovaginíte por gérmen não identificado e trombocitose reativa. Alta em 13-07-2011 com transferência para a Unidade de Traumatismo crânio-encefálico (TCE). 19 – Transferida para a unidade de TCE do Hospital G1… (unidade onde foi admitida a 14/7/2011) apresentou o seguinte estado clínico: Nota de Alta (Transferência) da Unidade de TCE do G1… referindo admissão a 14-07-2011 e alta em 14-09-2011. Durante este internamento teve intercorrências infecciosas: por Staphylococcus áureos meticilino susceptível e Acinetobacter radioresistens, tratados com tazobactam; Infeção do trato urinário tratada com Ciprofloxacina; a 04/08 nova infeção respiratória com Acinetobaeter baumanii e MRSA isolado nas secreções brônquicas e Sataphyloeoccus epidermidía nas hemoculturas, tratados com Colistina inalatória e bacterim endovenoso. Por espasticidade marcada e períodos de "storming'' dísauronómico simpático intenso com períodos de taquicardia, sudorese e mal estar fez em doses progressivamente crescentes tizanidina, baclofeno, clonidina, labetalol e diazepam, dos quais não tolerou doses máximas. Pelo mesmo motivo manteve obstipação aliviada com enemas e laxantes. De 05/08 a 04/09 esteve sob alimentação parentérica. Por espasticidade marcada foi realizada infiltração com toxina botulínica no bicípete direito, braquial direito e gémeos e em ambos os masséteres, com eficácia limitada. Removida cânula de traqueostomia em 29/08. TAC cerebral cm 14/09 sem intercorrências. Transferência para o Serviço de Fisiatria para reabilitação motora e cognitiva. 20 – Transferida para o serviço de fisiatria do Centro Hospitalar G… (Hospital G1…), onde esteve internada entre 15/9/2011 e 17/10/2011, para reabilitação motora e cognitiva, apresentou a seguinte evolução clínica: Nota de Alta do Serviço de Fisiatria do Centro Hospitalar G… referindo internamento entre 15-09-2011 e 17-10-2011 tendo iniciado programa de reabilitação com Cl-l ombros e cotovelo direito, US ombro, mobilização poli segmentar, massagem miorrelaxante, verticalização progressiva no plano inclinado, colocação de ortóteses de posicionamento para correção de pé equino bilateral e ortóteses dinâmicas para ganho progressivo de amplitudes a nível do cotovelo, punho, mão e dedos à direita. Discreta evolução do quadro neurológico ao longo do internamento sem reflexo em termos funcionais. Realizou terapia da fala e da deglutição. Em 09-11·2011 apresentou crise tónico-clónica generalizada que reverteu com administração de Diazepam rectal. Em 13-10-2011 repetiu crise convulsiva. Realizou EEG que revelou atividade paroxística. frente-temporal esquerda. Repetiu TAC-CE que não revelou lesões de novo. Iniciou toma de Levetiracetam. Teve alta para o Centro de Medicina e Reabilitação da Região Centro no dia 17-10-2011. 21 – Transferida para o Centro de Medicina e Reabilitação S…, esteve aí internada entre 17/10/2011 e 4/8/2012, apresentando o seguinte estado clínico e cumprindo o seguinte programa de tratamento: Relatório de Alta do Serviço de Reabilitação Geral de Adultos do S…, de internamento de 17-10-2011 a 04-08-2012 durante o qual cumpriu programa de reabilitação integral englobando Fisioterapia, Reabilitação cognitiva farmacológica, Terapia Ocupacional, Terapia da Fala, Enfermagem de Reabilitação e avaliação/seguimento por Neuropsicologia e Psicologia. Boa evolução do ponto de vista funcional, adquirindo progressivamente um melhor controlo de tronco e cervical, permitindo períodos na posição sentada progressivamente mais longos. Foi-se tornando progressivamente mais participativa e colaborante. Iniciou produção vocal (frases curtas) com hipofonia. Na fase final do internamento iniciou treino de marcha com facilitação. Realizados durante o internamento radiografia da bacia que revelou fraturas consolidadas de forma 'viciosa, desalinhadas, com desalinhamento da sínfise púbica e esclerose dos tetos acetabulares; radiografia do ombro esquerdo com discreta esclerose do troquiter; radiografia do antebraço direito com ligeiro componente esclerótico radio-cárpico. Como intercorrências teve Infeções do Trato Urinário em 24-11-2011, 14-02-2012, 21-03-2012, 03-05-2012 e 18-05-2012 e infeção respiratória em 30-07-2012. Apresentava à data de alta um quadro neuro-motor de tetraplegia espástica, à esquerda com movimentos globais e movimentos pouco seletivos, à direita sem movimentos ativos. Alta para o domicílio com reinternamento programado para 05-09-2012. 22 – No período compreendido entre 5/9/2012 e 22/12/2012, voltou a estar internada no Centro de Medicina e Reabilitação S…, apresentando o seguinte estado clínico e cumprindo o seguinte programa de tratamento: Relatório de Alta do Serviço de Reabilitação Geral de Adultos do S…, de internamento de 05-09-2012 a 22-12-2012 para continuação de programa de reabilitação com objetivo de marcha domiciliária modificada, estimulação perceptiva-cognitiva, melhoria da participação nas atividades de vida diária, melhoria da linguagem e tratamento da espasticidade. Cumpriu programa de reabilitação integral englobando Fisioterapia, Reabilitação cognitiva, Terapia Ocupacional, Terapia da Fala, Enfermagem de Reabilitação e seguimento por Psicologia. Realizou tratamento para a espasticidade com toxina botulínica a nível do membro inferior direito. Aplicação de fenol 6% no nervo obturador, nervo músculo-cutâneo e nervo do grande peitoral. Em 03-12-12 avaliada por Ortopedia para cirurgia de alongamento do tendão de Aquiles. Boa evolução do ponto de vista cognitivo, motor c funcional continuando a apresentar quadro de tetraplegia espástica de predomínio direito, incontinência urinária e trânsito intestinal regular com medicação. Como intercorrências teve ITU a 26-09 e episódio convulsivo em 17-12 que reverteu com administração de Diazepam rectal. Alta para o domicilio ..... 23 – Novamente internada no Centro de Medicina e Reabilitação S…, no período compreendido entre 24/6/2013 e 26/4/2014, apresentou o seguinte estado clínico e cumpriu o seguinte programa de tratamento: Relatório de Alta do Serviço de Reabilitação Geral de Adultos S…, de internamento de 24-06-2013 a 26-04-2014 com o objetivo de melhorar da espasticidade, ganho de amplitudes articulares, prescrição de produtos de apoio para melhoria do padrão de marcha, estimulação perceptivo-cognitiva e melhoria da participação nas atividades devida diária. Cumpriu programa de reabilitação integral englobando Fisioterapia, Reabilitação cognitiva, Terapia Ocupacional, Terapia da Fala, Enfermagem de Reabílitaçào e seguimento por Psicologia. A 28-08-2013, por marcada espasticidade nos membros direitos iniciou tiazídina 6 mg comprimido de libertação prolongada e aumentou a dose de baclofeno de 25 mg 2 id para 3id. A 15-11-2013 e 07-04-2014 realizou aplicação de toxina botulínica nos membros direitos. Assim como infiltração com fenol 6% no nervo musculo-cutâneo, no nervo obturador e nervo grande peitoral à direita. Como intercorrências teve ITU em 28-02-2014 e episódio único convulsivo, de curta duração e resolução espontânea durante o internamento. Durante o internamento verificou-se boa evolução a nível cognitivo, motor e funcional. Bom equilíbrio de tronco estático e dinâmico sentada. Ortostatismo com ajuda de 3ª pessoa e alguns passos com tripé. Melhoria do padrão de marcha com uso de dyna ankle no pé direito. Apôs tratamento com toxina botulínica ocorreu melhoria da espasticidade, nomeadamente facilitação da flexão anterior da anca. Na fase de balanço consegue elevação da hernibacia direita e fazer o avanço do membro. Requer ajuda moderada nas atividades da vida diária, nomeadamente higiene pessoal, vestuário e banho. Apresenta controlo de esfincteres durante o período diurno, durante a noite usa fralda como prevenção. Regime intestinal: regular com recurso a medicação. 24 – A autora esteve ainda internada no Centro Hospitalar T…, entre 2/5/2013 e 7/5/2013, tendo sido sujeita a tratamento cirúrgico em 3/5/2013, com alongamento do tendão de Aquiles, flexor curto dos dedos, flexor curto do hálux e transferência do hemi-tibial anterior para o bordo externo e tenodese curto peroneal. 25 – À data de 14/01/2013 a autora inicia fisioterapia na Clínica U…, com sede na Av. …, nº .., em …, onde efectuou 32 sessões de fisioterapia, tendo terminado as mesmas a 25/02/2013. 26 – Em consequência do acidente, a autora apresenta as seguintes sequelas: -Tórax: cicatriz linear, com 2 cm, localizada no terço superior da metade esquerda da região dorsal; complexo cicatricial, de forma irregular, com 4 por 3 cm, localizado no terço médio da metade esquerda da região dorsal; complexo cicatricial, de forma irregular, com 11,5 por 6 cm, localizado no terço inferior da metade esquerda da região dorsal; complexo cicatricial, de forma irregular, com 13 por 8 cm, localizada também no terço inferior da metade esquerda da regiãodorsal. - Abdómen: cicatriz, de forma Irregular, com 6 por 3 cm, localizada no flanco esquerdo. - Membro superior direito: cicatriz de forma irregular, com 24 por 10 cm localizada desde a face postero-lateral inferior do braço até ao terço superior da face postero-lateral do antebraço; cicatriz de forma irregular com 5 por 1 cm localizada no terço distal da face posterior do antebraço; cicatriz de forma irregular com 2 por 1 cm localizada na face posterior do ombro. Não efetua movimentos ativos do membro. Ombro: passivamente efetua flexão 0-50º e abdução 0-30° com dor a partir dos maiores graus. Cotovelo: défice de 70º de extensão, aumento do tónus muscular dos flexores do cotovelo. Punho: tónus muscular aumentado dos flexores do carpo. Dedos: tónus muscular aumentado dos flexores dos dedos com manutenção dos dedos em garra com difícil abertura forçada da mão. Reflexos osteotendinosos aumentados. - Membro superior esquerdo: cicatriz de forma irregular com 8 por 2,5 cm localizada na face dorsal da mão na região do 2° metacarpiano; cicatriz de forma irregular com 13 por 8 cm localizada na metade superior da face posterior do antebraço; complexo cicatricial de forma irregular com 7,5 por 2 cm localizado na face supero - lateral do ombro; força muscular global do membro superior grau. 5 em 5 nos principais segmentos; sem limitação das amplitudes articulares mas realizando movimentos lentos, sem precisão. Reflexos osteotendínosos aumentados. - Membro inferior direito: cicatriz de forma irregular com 12 por 10 cm localizada no terço superior da face lateral da coxa; cicatriz de forma irregular, com 4 por 4 cm localizada na face antero-lateral da perna; cicatriz de forma irregular com 5 por 2 cm localizada no terço médio da face anterior da perna; cicatriz linear, do tipo cirúrgico, com 3 cm, localizada no terço inferior da face anterior da perna; cicatriz linear, do tipo cirúrgico, com 10 cm, localizada na face postero-interna da perna; cicatriz linear, do tipo cirúrgico, com 4 cm, localizada na face lateral do pé; complexo cicatricial, de forma irregular, com 6 por 5 cm localizado no quadrante infero-medial da nádega; Não efetua movimentos ativos do membro; Anca e joelho: tónus muscular aumentado dos extensores do joelho; Tibiotársica: dorsiflexão de 0º com joelho em extensão e 5° com joelho em flexão. Reflexos osteotendinosos aumentados. - Membro inferior esquerdo: cicatriz de forma irregular, com 9 por 4 cm, localizada na face interna do joelho; Anca e joelho: força muscular global grau 5 em 5 dos flexores da anca e extensores do joelho; Sem limitação das amplitudes articulares mas realizando movimentos lentos, sem precisão; Tibiotársica: dorsiflexão de 0º com joelho em extensão e de 10º com joelho em flexão. Reflexos osteotendinosos aumentados. 27 - E, também em consequência do acidente, efectua todos os gestos com a esquerda e deambula em cadeira de rodas, conseguindo colocar-se na posição ortostática com a ajuda de 3ª pessoa, com pouco equilíbrio, dando alguns passos completamente apoiada em 3ª pessoa e com “arrastamento” do membro inferior direito. 28 - Apresenta, ainda, tetraparésia espástica com predomínio/paralisia direita e envolvimento orofacial aparente. 29 - Encontra-se, de forma permanente, totalmente dependente da ajuda de uma 3ª pessoa para realizar os actos da vida diária (higiene – banho –, vestuário, etc.), conseguindo apenas, autonomamente, levar a comida com o garfo à boca (estando esta já partida no prato à sua frente), lavar a cara e escovar os dentes (depois de tudo preparado). 30 - Ficou a padecer, em consequência das lesões/sequelas que a afectam, de um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 91 (noventa e um) pontos. 31 - Teve um período de défice funcional temporário total de 1037 dias, com total impedimento, durante o mesmo período, do exercício de qualquer actividade profissional (actividade profissional total). 32 - Encontra-se, a título permanente, dependente de ajudas medicamentosas, neste caso medicação habitual e futuramente prescrita por Ortopedia, Neurologia/Neurocirurgia, Psiquiatria e Medicina Física e Reabilitação. 33 - Tem necessidade de tratamentos médicos regulares para evitar o retrocesso ou agravamento das sequelas, neste caso consultas médicas em Ortopedia, Neurologia/Neurocirurgia, Psiquiatria e Medicina Física e Reabilitação, bem como tratamentos de fisioterapia, terapia da fala, terapia ocupacional e reabilitação neuro-psicológica. 34 - Necessita, permanentemente, de recurso a ajudas técnicas para prevenir, compensar ou neutralizar o dano pessoal (do ponto de vista anatómico, funcional e situacional), com vista à obtenção a maior autonomia e independência possível nas actividades da vida diária, neste caso almofada anti-escaras, colchão anti-escaras, cadeira de rodas eléctrica com comando de acompanhante, talas de posicionamento dos membros inferior e superior direito, banco para duche, poltrona e estrado articulado na sua cama actual. 35 - As limitações de que padece, supra-referidas, implicaram a necessidade de realizar obras de adaptação da casa onde a mesma reside (acessos à habitação, piso adaptado a cadeira de rodas, alteração da largura das portas, etc.), o que implicou que dispêndio da importância total de 24.787,30€ (vinte e quatro mil setecentos e oitenta e sete euros e trinta cêntimos), quantia essa que foi suportada pelo seu progenitor. 36 - As sequelas que a autora apresenta são impeditivas do exercício da actividade profissional de modelo, assim como de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional. 37 - Encontra-se, a título permanente, impedida de praticar qualquer desporto, atentas as sequelas que apresenta, de dançar e de fazer caminhada, sendo que a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer, aquando da perícia a que se procedeu nos autos, foi fixada no grau 7, numa escala de sete graus de gravidade crescente. 38 - A repercussão das sequelas ao nível estético, aquando da perícia a que se procedeu nos autos, foi fixada no grau 6, numa escala de sete graus de gravidade crescente. 39 - A autora teve e tem dores em consequência das lesões/sequelas que a afectam, tendo o quantum doloris, aquando da perícia a que se procedeu nos autos, sido fixado no grau 6, numa escala de sete graus de gravidade crescente. 40 - As sequelas que sofreu têm uma repercussão permanente na actividade sexual (correspondendo à limitação do nível de desempenho/gratificação de natureza sexual) de grau 7, numa escala de sete graus de gravidade crescente (avaliação que também ocorreu aquando da perícia a que se procedeu nos autos). 41 - Desde a altura do acidente, passou a ter, de forma permanente, a ajuda de seu pai, I…. 42 - A autora, à data do acidente, frequentava um curso de inglês e um curso de língua portuguesa, em Lisboa. 43 - Como consequência do acidente, nunca mais voltou a estudar. 44 - A autora não tem capacidade cognitiva suficiente para frequentar uma escola com o programa normal de qualquer estudante, atentas as lesões/sequelas que apresenta. 45 - Sofre de défice a nível de atenção/concentração e memória a curto prazo. 46 - Desde a data do acidente que não trabalha e não estuda. 47 - A autora pretendida fazer um curso na área de hotelaria e seguir a carreira de modelo. 48 - O facto de não poder seguir essa carreira, causa-lhe um grande desgosto. 49 - Manifestava o propósito de casar e ter filhos. 50 - Sofreu o afastamento de amigos, atentas as lesões/sequelas que apresenta. 51 - Era uma pessoa sem qualquer limitação de ordem física. 52 - Era uma pessoa bem-disposta e com autoestima elevada. 53 - Gostava de viajar, de sair, de se divertir e de conviver com familiares e amigos. 54 - Deixou de poder efectuar caminhadas, actividade que gostava muito de realizar. 55 - Deixou de frequentar a praia. 56 - A autora reclamou ao réu Fundo de Garantia Automóvel o pagamento de despesas medico-medicamentosas, no valor total de 1.001,48€, tendo o réu liquidado a importância de 667,36€. 57 - O custo da assistência prestada à autora pelo Centro Hospitalar G…, E.P.E., em consequência das lesões, resultantes do acidente, que determinaram o seu internamento nessa instituição, importou em 39.899,37€. * O Tribunal de 1ª instância considerou ainda não provados dos seguintes factos:- Quando se deu o acidente a visibilidade era reduzida. - O E… conduzia a uma velocidade situada entre os 206,81Km/h e 237,30 Km/h. - O mesmo utilizava durante a condução chinelos havaianos. - O veículo circulava a cerca de 180Km/hora; - A ré F…, Ldª (anteriormente designada M…, Ldª) vendeu ao referido E…, em 21/6/2011, o veículo da marca BMW, modelo …, com a matrícula .. – JB - ... - A autora levava o respectivo cinto de segurança. - A autora não poderá ter filhos. - A autora tinha como sonho ter pelo menos 3 filhos. - A autora necessita que a cadeira de rodas e a cama articulada sejam substituídas de 3 em 3 anos. - A autora, a seguir a carreira de manequim/modelo/estilismo/design/gestão hoteleira teria uma remuneração mensal não inferior a três mil euros. - Nos últimos 4 anos (desde os 14 anos), até à data do acidente, efectuou várias sessões fotográficas, castings e actividades de modelo, manequim e estilismo. - A autora tem que ter no mínimo 3 pessoas disponíveis para lhe prestar assistência. - A autora praticava desporto com frequência. - A autora sofre de perturbação de stress pós traumático crónico, que se traduz em sintomas persistentes, como resultado directo e necessário do acidente, que se traduz em dificuldade em adormecer e manter o sono, irritabilidade, híper-vigilância e resposta de sobressalto exagerada, com o reviver persistente do evento traumático e fuga persistente a estímulos associados com trauma. - As lesões que a autora sofreu não teriam ocorrido caso a mesma viajasse com o cinto de segurança colocado. - O E… firmou um acordo com o gerente da ré F…, nos termos do qual este disponibilizava viaturas de alta gama e cilindrada do referido stand mediante a contrapartida da publicidade que o E… fazia ao dito stand. *** Do enunciado das questões a abordar deduz-se que, por uma razão de ordem lógica, cabe apreciar em primeiro lugar o recurso dos réus C… e D… (na qualidade de herdeiros de E…), já que algumas das questões nele suscitadas, do modo como estão estruturadas (que podem contender, designadamente, com a definição do quadro factual a atender e bem assim com a delimitação subjetiva dos responsáveis pela reparação das consequências do ajuizado acidente de trânsito), têm reflexo no conhecimento de algumas das demais questões que balizam o objeto dos demais recursos interpostos.IV – FUNDAMENTOS DE DIREITO *** Com as suas alegações de recurso os apelantes C… e D… (na qualidade de herdeiros de E…) ofereceram os documentos que se mostram juntos a fls. 1288 a 1290 dos autos.IV.1 - Da admissibilidade da junção de documentos Cumpre, assim, apreciar da admissibilidade da junção de tais suportes documentais em sede recursória, sendo certo que nesta fase processual essa junção obedece, compreensivelmente, a regras particularmente restritivas. Com efeito, como emerge dos arts. 425º e 651º, nº 1, 2ª parte, com as suas alegações de recurso as partes só podem juntar documentos, subjetiva ou objetivamente, supervenientes – isto é, “cuja apresentação não tenha sido possível” até ao encerramento da discussão – ou cuja junção se torne necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância. Do exposto resulta que a possibilidade de junção de documentos não compreende, em hipótese alguma, o caso de a parte pretender oferecer um documento que poderia – e deveria – ter oferecido em 1ª instância[2]. A superveniência pode ser objetiva ou subjetiva: é objetiva quando o documento foi produzido posteriormente ao momento do encerramento da discussão; é subjetiva quando a parte só tiver conhecimento da existência desse documento depois daquele momento. A parte que pretenda, nas condições apontadas, oferecer o documento deve, portanto, demonstrar a impossibilidade da junção do documento no momento normal, ou seja, alegando e demonstrando o carácter objetiva ou subjetivamente superveniente desse mesmo documento. No tocante à superveniência subjetiva não basta, porém, invocar que só se teve conhecimento da existência do documento depois do encerramento da discussão em 1ª instância, impondo-se outrossim a demonstração da impossibilidade da sua junção até esse momento e, portanto, que o desconhecimento da existência do documento não deriva de culpa sua. No entanto, conforme se vem entendendo[3], só o desconhecimento tempestivo da existência do documento assente numa negligência grave deve obstar à sua alegação como documento subjetivamente superveniente, pelo que, sempre que a parte desconheça sem negligência grave um documento e, por esse motivo, não o tenha oferecido no momento próprio, a sua junção não fica irremediavelmente precludida e aquele documento pode ser invocado como documento subjetivamente superveniente. Em qualquer caso, a parte deve alegar e demonstrar que o desconhecimento do documento não ficou a dever-se a negligência sua, posto que só desse modo o documento pode ter-se por subjetivamente superveniente. Já no concernente à superveniência objetiva a mesma é facilmente determinável, porquanto o documento foi produzido depois do encerramento da discussão em 1ª instância. Na espécie é manifesto que os documentos oferecidos pelos apelantes não são objetivamente supervenientes, dado que foram produzidos em momento anterior à prolação da decisão recorrida. Portanto - tal como, aliás, os recorrentes defendem -, a admissibilidade dessa apresentação somente poderá estar adjetivamente legitimada à luz do disposto no art. 651º, nº 1, 2ª parte, ou seja por essa junção “se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância”, segmento normativo que, como é consabido, tem sido alvo de interpretações não inteiramente consonantes. Assim, segundo alguma doutrina, a junção do documento será admissível sempre que a decisão se baseie numa norma jurídica com cuja aplicação as partes não tivessem contado[4]. Outros[5] advogam que a admissibilidade da junção dos documentos, pela razão apontada, está ordenada por esta finalidade: contraditar, pelo documento, meios probatórios introduzidos de surpresa no processo, que venham a pesar na decisão, que determinem, embora não necessariamente de forma exclusiva, o seu sentido; em face da liberdade do tribunal no tocante à indagação, interpretação das regras de direito é mais exato – diz-se - assentar em que a junção é admissível sempre que a aplicação da norma jurídica com que as partes justificadamente não contavam seja o reflexo da introdução no processo, pelo juiz, de um meio de prova com que as partes foram, inesperadamente, surpreendidas (art. 5, nº 3). Quando isso suceda, a junção será sempre possível; se, pelo contrário, a aplicação, pela sentença, de norma com que as partes não contavam, não resulta da consideração de um novo meio de prova, a apresentação deve ter-se por inadmissível. Uma terceira posição – mais restritiva -, defende que manifestamente o legislador quis cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objeto da condenação, se tornou necessário fazer a prova de um facto ou factos com cuja relevância a parte não podia, razoavelmente, contar antes do proferimento da decisão[6]. Há, no entanto, um ponto em que todas estas orientações são consonantes: o de que a aludida previsão normativa não abrange o caso de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da causa e visar, com esse fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter oferecido na 1ª instância. Ora, como se deu nota, os documentos foram produzidos em momento anterior à prolação do ato decisório sob censura, sendo certo que os mesmos, na alegação dos recorrentes, se destinar-se-iam a sustentar que o condutor do veículo interveniente no ajuizado acidente de trânsito não circularia à velocidade afirmada pelo tribunal recorrido na decisão de facto, matéria essa amplamente discutida no decurso da audiência final. Conclui-se, assim, que, atento o critério plasmado no nº 1 do art. 651º, carece de fundamento legal e não se mostra pertinente a requerida junção de documentos, motivo pelo qual se determina o seu desentranhamento e devolução aos respetivos apresentantes (sendo que o incidente gerado está sujeito a tributação nos termos dos arts. 543º, nº 1 e art. 27º, nº 3 do Regulamento das Custas Processuais). * IV.2. - Da verificação da autoridade (parcial) de caso julgadoOs apelantes C… e D… (na qualidade de herdeiros de E…) advogam, nesta sede, que se regista a exceção da autoridade (parcial) do caso julgado em resultado do sentenciamento proferido no âmbito do ação declarativa que, sob o nº 424/13.3T2AVR, igualmente corre seus termos pelo Juízo Central Cível de Aveiro. Ora, como é suposto para operância da invocada exceção dilatória, tornar-se-ia mister que a decisão proferida no aludido processo declaratório já tivesse transitado em julgado, o que, como deflui do art.º 628.º, apenas ocorre quando a decisão «não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação». Consequentemente, considerando que - como se noticia nos autos - o aludido ato decisório ainda não transitou em julgado no sentido definido (posto que está pendente recurso de revista), não pode, pois, falar-se com propriedade em autoridade do caso julgado, sendo certo outrossim que entre o presente processo e aqueloutra ação não se verifica sequer identidade subjetiva nem identidade das concretas pretensões de tutela jurisdicional que são aduzidas em cada uma delas. Improcedem, assim, as conclusões 1ª a 23ª do respetivo recurso. * IV.3.1. - Da nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisãoIV.3 - Das (alegadas) nulidades da sentença Os apelantes (C… e D…, na qualidade de herdeiros de E…) começam por imputar à decisão recorrida o vício de nulidade previsto na alínea b) do nº 1 do art. 615º, porquanto, na sua perspetiva, o tribunal recorrido não enunciou os fundamentos de facto e de direito que justificam a conclusão nela vertida de que o ajuizado acidente de viação ocorreu por culpa de E…, condutor do único veículo interveniente nesse sinistro. Dispõe o citado preceito legal que “é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”. Como refere TEIXEIRA DE SOUSA[7], esta causa de nulidade verifica-se “quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido (e, por isso, não comete, nesse âmbito, qualquer omissão de pronúncia), mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão. Nesta hipótese, o tribunal viola o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (art. 208º, n.º 1, CRP; art. 158º, n.º 1)”. E, acrescenta o mesmo autor, “o dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo (...) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (...); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível”. No mesmo sentido militam ainda LEBRE DE FREITAS et alii[8] quando afirmam que “há nulidade quando falte em absoluto indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação”. Neste conspecto mostram-se, como sempre, proficientes as considerações de ALBERTO DOS REIS[9] para quem “há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade (…). Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade do n.º 2 do art. 668° [a que corresponde a atual al. b) do nº 1 do art. 615º]”. Deste modo, face à doutrina exposta, conclui-se que a nulidade da sentença com o aludido fundamento não se verifica quando apenas tenha havido uma justificação deficiente ou pouco persuasiva, antes se impondo, para a verificação da nulidade, a ausência de motivação que impossibilite o anúncio das razões que conduziram à decisão proferida a final. Assim se a decisão proferida pelo tribunal de 1ª instância contiver os elementos de facto e de direito suficientes para a declaração dos fundamentos da decisão final, não há falta de motivação. Procedendo à análise do ato decisório sob censura, não se antolha em que medida o mesmo enferme do apontado vício, posto que nele o juiz a quo revelou as razões de facto (enunciando quer a materialidade que considerou provada a respeito da forma como se processou o acidente, quer a facticidade que, sobre a dinâmica do mesmo, entendeu não ter logrado demonstração) e de direito (afirmando, designadamente, que, no caso em apreço, se verificam os pressupostos que permitem fazer despoletar a responsabilidade civil dos réus C… e D… - na qualidade de herdeiros de E… -, porquanto o ajuizado sinistro se ficou a dever ao comportamento deste último, dado que, nas circunstâncias em que tal evento ocorreu, animava o veículo por si conduzido de uma velocidade superior à legalmente permitida) que conduziram à decisão condenatória constante do respetivo dispositivo. Consequentemente a decisão recorrida não pode ser havida por não motivada no sentido supra considerado, não incorrendo, pois, no vício de falta de fundamentação. * IV.3.2 - Da nulidade da sentença recorrida por oposição entre os fundamentos e a decisãoOs referidos apelantes argumentam ainda que a decisão recorrida padece do vício cominado na al. c) do nº 1 do art. 615º, posto que os factos provados não permitem concluir - como erroneamente o faz o juiz a quo – que o condutor da viatura adotou um conduta culposa que esteve na origem do acidente em causa. Verifica-se o referido vício formal quando há contradição lógica entre os fundamentos e a decisão, isto é, a fundamentação conduz logicamente a resultado distinto do que consta do dispositivo da decisão judicial. Dito de outro modo, a fundamentação seguiu uma determinada linha de raciocínio, apontando num dado sentido, e depois a decisão segue outro oposto, chegando a uma conclusão completamente diferente da apontada pela fundamentação. A razão de ser desta causa de nulidade ancora-se primordialmente na ideia de que a sentença deve constituir um silogismo judiciário, em que a norma jurídica constitui a premissa maior, os factos a premissa menor e a decisão será a consequência lógica de tais premissas, não devendo, pois, existir qualquer contradição ou oposição entre os fundamentos e a decisão. Portanto, o vício em questão ocorre quando se verifique contradição real entre os fundamentos e a decisão: a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente. Ora, para além de os apelantes não terem identificado, de forma cabal, a concreta contradição que imputam ao ato decisório sob censura, da sua exegese resulta que o juiz a quo, nos respetivos fundamentos, como já se referiu, considerou – estribando-se, para tanto, no tecido fáctico apurado - estarem reunidos os requisitos necessários para fazer despoletar a responsabilidade civil dos apelantes (na sua qualidade de herdeiros de E…), dado que a eclosão do acidente de viação em apreciação nestes autos - que esteve na génese dos danos cuja reparação a demandante impetra na presente ação - se ficou a dever ao comportamento negligente deste último, pelo que, na decorrência dessa argumentação, decidiu condená-los no pedido. Resulta, assim, do exposto inexistir qualquer contradição intrínseca entre os fundamentos e o dispositivo da sentença recorrida, sendo certo que, como tem sido salientado[10], a oposição entre os fundamentos e a decisão não se reconduz a uma errada subsunção dos factos à norma jurídica nem, tão-pouco, a uma errada interpretação dela. Situações destas configuram-se antes como erro de julgamento. * Conforme resulta das alegações apresentadas pelos apelantes C… e D… (na qualidade de herdeiros de E…), o presente recurso tem igualmente por objeto a reapreciação da matéria de facto relativamente a algumas proposições factuais que entendem incorretamente julgadas, discordando da forma como o tribunal a quo considerou provada a materialidade vertida nos pontos nºs 3, 6 e 12 e bem assim considerou não provadas as afirmações de facto constantes dos arts. 46º e 47º da contestação que ofereceram.IV.4 - Erro na apreciação e valoração da prova No presente processo a audiência final processou-se com gravação dos depoimentos prestados nesse ato processual, sendo que, no caso vertente, se encontram reunidos os pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação da decisão de facto estabelecidos no art. 640º. A respeito da gravação da prova e sua reapreciação, haverá que ter em consideração, como sublinha ABRANTES GERALDES[11], que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, nessa reapreciação tem autonomia decisória, devendo consequentemente fazer uma apreciação crítica das provas, formulando, nesse julgamento, com inteira autonomia, uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova. Assim, competirá ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações do recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados. Decorre deste regime que o Tribunal da Relação tem acesso direto à gravação oportunamente efetuada, mesmo para além dos concretos meios probatórios que tenham sido indicados pelo recorrente e por este transcritos nas alegações, o que constitui uma forma de atenuar a quebra dos princípios da imediação e da oralidade suscetíveis de exercer influência sobre a convicção do julgador, ao mesmo tempo que corresponderá a uma solução justificada por razões de economia e celeridade processuais[12]. Cumpre ainda considerar a respeito da reapreciação da prova, em particular quando se trata de reapreciar a força probatória dos depoimentos prestados pelas partes ou por testemunhas, que neste âmbito vigora o princípio da livre apreciação[13], conforme decorre do disposto no art. 396º do Cód. Civil. Daí compreender-se o comando estabelecido na lei adjetiva (cfr. art. 607º, nº 4) que impõe ao julgador o dever de fundamentação da materialidade que considerou provada e não provada. Esta exigência de especificar os fundamentos decisivos para a convicção quanto a toda a matéria de facto é essencial para o Tribunal da Relação, nos casos em que há recurso sobre a decisão da matéria de facto, poder alterar ou confirmar essa decisão. É através dos fundamentos constantes do segmento decisório que fixou o quadro factual considerado provado e não provado que este Tribunal vai controlar, através das regras da lógica e da experiência, a razoabilidade da convicção do juiz do Tribunal de 1ª instância. Contudo, nesta apreciação, não pode o Tribunal da Relação ignorar que, na formação da convicção do julgador de 1ª instância, poderão ter entrado elementos que, em princípio, no sistema da gravação sonora dos meios probatórios oralmente prestados, não podem ser importados para a gravação, como sejam aqueles elementos intraduzíveis e subtis, como a mímica e todo o processo exterior do depoente que influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe, existindo, assim, atos comportamentais ou reações dos depoentes que apenas podem ser percecionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que não podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal, que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador. De qualquer modo, atenta a posição que adrede vem sendo ultimamente expressa na doutrina e na jurisprudência, quando o Tribunal da Relação é chamado a pronunciar-se sobre a reapreciação da prova, no caso de se mostrarem gravados os depoimentos, deve considerar os meios de prova indicados pela partes e confrontá-los com outros meios de prova que se mostrem acessíveis, a fim de verificar se foi cometido ou não erro de apreciação que deva ser corrigido[14]. Tendo presentes estes princípios, vejamos agora se assiste razão aos apelantes, neste segmento recursório da impugnação da matéria de facto, nos termos por eles preconizados. Desde logo consideram ter sido incorretamente julgado o ponto nº 3 dos factos provados que tem a seguinte redação: “A autora, na altura com 17 anos de idade, seguia dentro do veículo supra identificado como passageira da retaguarda, lado esquerdo”. Entendem os apelantes que o tribunal a quo deveria ter antes dado como provado que a autora seguia “como passageira da retaguarda, lado direito”. Para tanto convocam o depoimento da testemunha J… que, sendo a única testemunha presencial do acidente (dado que seguia como passageiro na parte da frente do veículo nele interveniente), adiantou que, aquando da ocorrência do mesmo, a autora seguia no banco da retaguarda, do lado direito, no veículo sinistrado. Para fundamentar o sentido decisório referente à aludida afirmação de facto, o tribunal recorrido relevou a “participação de acidente de viação de fls. 81 a 87 e o relatório do NICAV (Núcleo de Investigação de Acidentes de Viação da Guarda Nacional Republicana) junto a fls. 450 a 496, em conjugação com os depoimentos das testemunhas L… e K… – autores da referida participação e relatório, respetivamente -, elementos estes que nos ajudam a compreender a dinâmica do sinistro, [designadamente quanto ao] local onde os sinistrados se encontravam”. Procedeu-se à audição do registo fonográfico do depoimento da referida testemunha J…, confirmando-se que o mesmo referiu que, aquando da eclosão do acidente, a autora seguia no lado direito da retaguarda do veículo (cfr. registo fonográfico a partir do minuto 1 e 57 segundos). No entanto, no relatório do NICAV (elaborado pela testemunha K…, cabo da GNR, que exercia funções no Destacamento de Trânsito de Aveiro), no seu ponto 6.5., é expressamente referido que “no veículo de matrícula .. – JB - .., para além do condutor, viajavam mais três passageiros, o J…, sentado no banco da frente, lado direito, o V… sentado no banco da retaguarda, lado direito e a B… sentada no banco da retaguarda, lado esquerdo”. Nesse relatório o agente que o elaborou dá nota das diversas diligências que levou a cabo para firmar as conclusões nele vertidas, mormente a inquirição de diversas testemunhas, entre as quais o referido J…. Perante tal discrepância naturalmente que cabe perguntar: afinal em qual das ocasiões a referida testemunha presencial terá transmitido a correta versão do facto em causa? Ora, para que se altere a resposta dada pelo decisor de 1ª instância a determinado ponto de facto, não basta a mera indicação, sem mais, de um determinado meio de prova, e também se revela insuficiente no que respeita à prova pessoal, o extrato de uma simples declaração da testemunha que não permita consolidar uma determinada convicção acerca de matéria controvertida. Ao invés, tal como se impõe que o tribunal faça a análise crítica das provas (de todas as provas que se tenham revelado decisivas, nos termos do art. 607º, nº 4), também os recorrentes, ao enunciarem os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa, deveriam fundar tal pretensão numa análise (crítica) dos meios de prova, não bastando reproduzir um ou outro segmento descontextualizado de um dado depoimento. Como assim, considerando que os recorrentes não convocam quaisquer outros subsídios para confirmar a reclamada alteração factual nem aduziram quaisquer argumentos consistentes para contrariar os elementos probatórios em que o tribunal recorrido se ancorou para fixar a matéria de facto da forma descrita (designadamente o depoimento do agente de autoridade que esteve no local do acidente na noite em que o mesmo ocorreu e que procedeu à elaboração do aludido relatório), não se antolha fundamento válido para a preconizada alteração da redação do facto plasmado no ponto nº 3 que, assim, se deve manter tal qual o tribunal a quo o deu como provado. * O ponto nº 6 dos factos provados tem a seguinte redação: “A viatura circulava a velocidade não concretamente apurada, mas não inferior a 200Km/hora”.Pretendem os apelantes que seja alterada a referida redação através da supressão da expressão “mas não inferior a 200Km/hora”. Vejamos, antes do mais, em que termos o decisor de 1ª instância fundamentou o sentido decisório referente à referida afirmação de facto. A este propósito escreveu-se na sentença recorrida que «os elementos que se afiguraram relevantes para formar a convicção do Tribunal, relativamente (…) à matéria referente ao circunstancialismo que envolveu o acidente dos autos, nomeadamente às causas que o motivaram [foram] a participação de acidente de viação de fls. 81 a 87 e relatório do NICAV (Núcleo de Investigação de Acidentes de Viação da Guarda Nacional Republicana) de fls. 450 a 496, em conjugação com os depoimentos das testemunhas L… e K… – autores da referida participação e relatório, respectivamente , elementos estes que nos ajudam a compreender a dinâmica do sinistro, em particular quanto ao facto de ter ocorrido o rebentamento de um pneumático, à trajectória que o veículo percorreu até se imobilizar, à circunstância de os ocupantes utilizarem – ou não – o respectivo cinto de segurança, à velocidade imprimida à viatura e a todos os demais elementos que permitem apurar a factualidade inerente ao modo como acidente ocorreu (vestígios de travagem/derrapagem, destroços existentes na via, posição e estado do veículo, local onde os sinistrados se encontravam, etc.) De salientar ainda, relativamente a esta matéria – causas do sinistro – que também se mostrou relevante o depoimento da testemunha J…, o qual viajava na viatura acidentada, no banco dianteiro ao lado do condutor, testemunha esta que confirmou o rebentamento do pneumático a que se fez alusão e o facto de o veículo circular a uma velocidade que excedia os limites legalmente previstos para o local (120Km/h), velocidade, contudo, que não sabe concretizar, mas que da percepção que teve não lhe parece que ultrapasse o valor que indicámos (não inferior a 200Km/h). Sendo certo que não há elementos objectivos que permitam estabelecer a velocidade exacta a que o veículo sinistrado seguia, formámos a convicção segura de que a mesma (velocidade) não se cifra num valor inferior ao que apontámos, pela seguinte ordem de razões. A primeira, extremamente relevante no caso concreto, decorre da dimensão dos rastos de derrapagem/travagem que ficaram marcados no pavimento e da distância que o veículo percorre até se imobilizar. Tais vestígios, de centenas de metros, indiciam fortemente que a viatura iria animada de uma velocidade que ascende à ordem de grandeza em questão, tanto mais que se trata de um veículo desportivo cuja capacidade de travagem excede em muito a das viaturas que não possuem essas características. Recorde-se que o relatório elaborado pelo NICAV é bastante claro a este propósito, sendo que os cálculos efectuados, com recurso a elementos de ordem técnica que vêm referenciados no mesmo, até poderão pecar por defeito, conforme referiu o militar da GNR (testemunha supra-indicada) que o elaborou. A segunda circunstância decorre do facto de ter concorrido para a imobilização do veículo, em centenas de metros, um elemento externo à faixa de rodagem, a par da travagem que é efectuada, ou seja, não foi suficiente, para imobilizar a viatura, em centenas de metros, a distância que foi percorrida no piso (alcatroado) da auto-estrada, sendo necessário um talude, com as características que estão plasmadas nas fotos incorporadas no relatório do NICAV, para conseguir deter a marcha do veículo. A terceira razão decorre do elevado grau de destruição que a viatura acidentada apresenta (cf., mais uma vez, as fotos juntas com o relatório do NICAV), sendo de referir que ocorreu o desprendimento dos rodados do lado esquerdo do veículo, quer o da frente, quer o traseiro, em virtude da quebra dos respectivos elementos de suporte. No rodado traseiro, do lado esquerdo, o impacto causado foi tão forte que implicou o seccionamento de parte da estrutura da suspensão (cf. foto incorporada no referido relatório), sendo que no rodado da parte dianteira (também esquerdo) verifica-se a destruição (quebra) da própria jante, junto ao disco do travão, ou seja, a jante foi seccionada nesse ponto, em virtude das forças causadas, e desprendeu-se da viatura. Trata-se de elementos que, consabidamente, são altamente resistentes, pois destinam-se a suportar o peso do veículo e a garantir que o mesmo não apresenta um comportamento instável, pelo que a sua destruição, nos termos em que ocorreu, deve-se, salvo melhor entendimento, e conjugando os demais elementos já referenciados, a uma velocidade dentro do valor que indicámos. Em quarto lugar, os contributos de ordem técnica publicados relativamente a esta matéria – distâncias de reacção/travagem – também nos permitem chegar à conclusão que a velocidade imprimida ao veículo não podia ser inferior à apontada». Colocados perante a transcrição motivação, os apelantes dela divergem argumentando que os meios probatórios que foram produzidos no âmbito do presente processo conduziriam antes a dar como não provada a expressão “mas não inferior a 200Km/hora” que consta do impugnado facto nº 6. Estribam, primordialmente, a sua discordância convocando o depoimento das testemunhas J… (que circulava no interior do veículo e que, no decurso do seu depoimento, referiu que o mesmo não seguiria a velocidade superior a 200 Km/hora) e O…, que, malgrado a sua específica formação profissional nesta área, não foi (na perspetiva dos apelantes) devidamente valorado pelo tribunal recorrido, já que o mesmo, na leitura que faz dos elementos objetivos disponíveis nos autos (v.g. rastos de travagem, vestígios do acidente, danos no veículo), afirma não poder formar-se qualquer juízo exato a respeito da velocidade a que circularia o veículo automóvel interveniente no acidente em causa, já que essa conclusão estaria dependente de diversas condicionantes que, no caso, não se mostram apuradas e esclarecidas. De igual modo, ancorando-se essencialmente neste último depoimento, acabam outrossim por procurar evidenciar que os mencionados elementos objetivos não permitem corroborar o posicionamento adrede acolhido na decisão recorrida a respeito da velocidade que animava o veículo por ocasião da ocorrência do ajuizado acidente de trânsito. É certo que não existe nos autos qualquer subsídio probatório que permita afirmar a exata velocidade a que circularia o referido veículo. No entanto, como pertinentemente se escreve no acórdão desta Relação de 3.03.2005[15], para se fazer um juízo adequado quanto à velocidade a que seguia um veículo não é necessário fazer uso de um velocímetro, já que “a prova é certeza, sim, mas não certeza lógica absoluta, ou quase absoluta, própria das ciências matemáticas ou experimentais, mas uma certeza empírica, relativa, história, que é suficiente para as necessidades da vida e que se reconduz a um alto grau de probabilidade”. Daí que, neste domínio, se venha especialmente apelando aos denominados factos indiciários da velocidade, mormente os rastos de travagem, as condições da via, as condições meteorológicas, estado do veículo (v.g. travões, pneus, danos nele produzidos), inclinação da via, volume do veículo, etc., elementos esses que permitirão justificar que o julgador faça uso de presunções naturais, estribadas em regras da experiência. Da análise do auto de participação elaborado pela autoridade policial[16] (cfr. fls. 81/87) nele se menciona existirem marcas de tela do rodado traseiro do JB a tentar sair do pneu numa extensão de 77,40 m, registando marcas de derrapagem do mesmo veículo numa extensão superior a 100 metros, assinalando, de igual modo, o estado em que ficou tal veículo e os vestígios existentes no local do acidente e que ficaram dispersos por várias centenas de metros. De igual modo constam dos autos suportes documentais (designadamente registos fotográficos) que evidenciam a violência do acidente, designadamente pelos significativos danos verificados no veículo e bem assim pela gravidade das lesões que sofreram as quatro pessoas que se seguiam no seu interior, duas das quais faleceram. O tribunal recorrido, ainda que de forma não expressa, extraiu desse conjunto de factos uma presunção judicial no sentido que veio a ser acolhido no ponto nº 6 dos factos provados, sendo certo que, na ausência de prova direta da exata velocidade a que seguiria o JB, nada obstaculiza a que o excesso de velocidade possa, como se assinalou, alcançar-se com recurso à prova indireta, conjugando todos os assinalados elementos objetivos entre si e com as regras da experiência comum. Com efeito, ao invés do que parece ser entendimento dos apelantes, o tribunal recorrido não estava impedido de afirmar que o condutor circularia com excesso de velocidade por apelo a uma presunção judicial estribada em factos indiciários, sendo que se é certo que as presunções judiciais não se sobrepõem à prova testemunhal, também não é menos certa a situação inversa, ou seja, que a prova testemunhal se sobreponha às presunções judiciais, havendo, aliás, coincidência no seu âmbito de aplicação (cfr. art. 351º do Cód. Civil). Por isso, a prova dos factos tanto pode resultar de presunções judiciais como do depoimento das testemunhas, dependendo sempre da prudente convicção do julgador. Como assim, lendo os elementos acima referenciados à luz das regras da experiência comum (com particular destaque para os rastos de travagem – sendo que, neste conspecto, não se nos afigura que a diminuição de atrito resultante do rebentamento do pneu possa abalar, de forma significativa, o indício resultante desses rastos -, a dispersão dos vestígios, as graves lesões sofridas pelas pessoas que seguiam no veículo e o estado em que este ficou), constituem os mesmos indícios sobre os quais se podem retirar razoavelmente uma ilação no sentido de que o condutor do JB circularia a uma velocidade “considerável”. Consequentemente não se revela desajustado o raciocínio dedutivo a que o juiz a quo recorreu para dar como demonstrada a materialidade que fez verter no mencionado ponto nº 6, não se vendo qualquer incoerência lógica na forma como o mesmo se mostra redigido, já que o seu primeiro segmento (“a viatura circulava a velocidade concretamente não apurada”) não exclui ou impede que o tribunal pudesse afirmar que, apesar da não determinação exata da velocidade, ainda assim os elementos probatórios produzidos nos autos apontam para uma velocidade não inferior a 200 Km/hora. Ora, para que a decisão da 1ª instância seja alterada, haverá que averiguar se algo de “anormal” se passou na formação da “prudente convicção” do julgador, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação dessa convicção foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente aferir da razoabilidade da convicção que o mesmo firmou, face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, sem prejuízo do poder conferido à Relação de formular, nesse julgamento, com inteira autonomia, uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova. De qualquer modo, não obstante se garantir no atual sistema processual civil um duplo grau de jurisdição, nomeadamente quanto à reapreciação da matéria de facto, não podemos ignorar, como anteriormente se referiu, que continua a vigorar entre nós o princípio da livre apreciação da prova, conforme decorre do art.º 607º, nº 5, ao estatuir que “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (…)” Assim, apesar da distância entre esta Relação e as provas e o modo como conheceu de algumas delas – no tocante à prova pessoal, através da audição do registo fonético – não há motivo para concluir que o tribunal de que provém o recurso, ao decidir julgar provada à facticidade vertida no ponto nº 6 nos moldes dele constantes, tenha incorrido – por violação das regras da ciência, da lógica ou da experiência – em qualquer error in iudicando, por erro na avaliação das provas. * No ponto nº 12 deu-se como provado que “Os pneumáticos respeitavam os conjuntos jante/pneu, dianteiros e traseiros, diferença proporcional, idêntica à dos que equipam veículos novos da mesma marca e modelo”.Pretendem os apelantes que ao referido facto seja aditado que “são pneus de dimensões diversas das inscritas no livrete”. Questão que imediatamente se coloca é a de saber qual o efetivo relevo da impugnação para a decisão do presente pleito. Com efeito, como é consabido, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, visa, em primeira linha, alterar o sentido decisório sobre determinada materialidade que se considera incorretamente julgada. Mas este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal recorrido considerou provada ou não provada, para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que, afinal, existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu. O seu efetivo objetivo é, portanto, conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante. Se, por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a atividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente. Quer isto dizer - conforme vem sendo recorrentemente entendido[17] -, que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação não for suscetível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente. Alinhando por igual visão das coisas, entendemos que a expressão cujo aditamento é requerido se revela concretamente inócua, posto da mesma não se extrai qualquer consequência jurídica com reflexo na decisão das concretas questões que se colocam no âmbito do presente processo. Idênticas considerações são válidas relativamente ao facto que os recorrentes pretendem seja considerado provado, ou seja que: “O E… firmou um acordo com o gerente da ré F…, nos termos do qual este disponibilizava viaturas de alta gama e cilindrada do referido stand mediante a contrapartida da publicidade que o E… fazia ao dito stand”. Na verdade, na economia da respetiva alegação, não se vislumbra o efetivo interesse da aludida proposição factual na decisão do presente pleito, como, aliás, os próprios recorrentes acabam por reconhecer no respetivo corpo alegatório. Consequentemente, não há, pois, que apreciar os referidos segmentos impugnatórios, já que o seu conhecimento se revela espúrio e desnecessário para a decisão do presente recurso. Improcedem, assim, as conclusões 78 a 122. * IV.5 - Da culpa do condutor do veículo com a matrícula .. – JB - .. na produção do acidenteNa sentença recorrida considerou-se que a culpa na produção do ajuizado acidente de trânsito se ficou a dever ao comportamento do condutor do veículo com a matrícula .. – JB - .., porquanto imprimia ao mesmo uma velocidade superior ao limite legalmente permitido. Os apelantes C… e D… (na qualidade de herdeiros de E…, condutor do mencionado veículo) rebelam-se contra o referido sentido decisório, argumentando, fundamentalmente, que na génese do acidente não esteve qualquer comportamento do condutor do veículo mas antes um facto externo, imprevisível e a ele não imputável. Com relevo para a apreciação da enunciada questão, resultou provado que: O acidente traduziu-se num despiste com capotamento transversal do referido veículo, despiste que ocorreu após se ter verificado o rebentamento do pneumático do rodado esquerdo traseiro (ponto nº 5); A viatura circulava a velocidade não concretamente apurada, mas não inferior a 200Km/hora (ponto nº 6); Na sequência do rebentamento do referido pneumático, o condutor da viatura travou, tendo a mesma entrado em derrapagem, com derivação para a direita, após o que rodopiou, indo embater com os rodados do lado esquerdo na caleira de drenagem de águas pluviais existente do lado direito, atento o sentido de marcha em que o veículo seguia (ponto nº 7); Nesse seguimento, a dita viatura entrou no talude existente do lado direito, considerando o já referido sentido de marcha, tendo aí capotado, após o que acabou por se imobilizar na berma direita, igualmente no sentido norte/sul, em posição oblíqua em relação à via e com a parte frontal orientada para a faixa de rodagem (ponto nº 8); O veículo, durante o acidente (derrapagem e subsequente capotamento e imobilização) percorreu uma trajetória superior a 300 metros (ponto nº 9); Os pneus instalados no eixo traseiro do veículo tinham as dimensões …/….. …., correspondente a … mm de largura radiais, montados em jantes de .. polegadas, com índice de carga 102 (850 kg), e projetado para uma velocidade máxima de 300 km/h, apresentando sulcos na banda de rodagem, de altura inferior a 1,6 mm (ponto nº 11); Os pneumáticos respeitavam os conjuntos jante/pneu, dianteiros e traseiros, diferença proporcional, idêntica à dos que equipam veículos novos da mesma marca e modelo (ponto nº 12). Do descrito quadro factual emerge que a causa do despiste do JB se ficou a dever ao rebentamento do pneumático do rodado esquerdo traseiro. Ora, sendo esta a causa do despiste do veículo, primo conspectu, não se antolha como se pode afirmar que o condutor do JB teve culpa na produção do acidente porque circulava a uma velocidade superior à legalmente permitida. Na verdade, tal como se afirma no acórdão desta Relação de 14.03.2016[18] (em que estava em causa o mesmo de acidente de trânsito que se discute no âmbito do presente processo), essa asserção só se podia tirar se estivesse provado nos autos que o rebentamento do pneu se deveu ao excesso de velocidade com que o referido veículo circulava. Certo é que uma proposição factual com esse sentido não resultou provada nos autos, sendo que a materialidade apurada não permite, quanto a nós, extrair presunção judicial que confirme essa realidade. Nesta matéria, constitui entendimento claramente majoritário que o nosso sistema jurídico acolheu a doutrina da causalidade adequada (na sua formulação negativa), a qual não pressupõe a exclusividade de uma causa ou condição, no sentido de que esta tenha só por si determinado o dano. O nexo de causalidade que se exige apresenta-se, a um tempo, como pressuposto da responsabilidade e como medida da obrigação de indemnizar. Vem-se entendendo que o facto que atuou como condição do dano só não deverá ser considerado causa adequada do mesmo se, dada a sua natureza geral e em face das regras da experiência comum se mostra indiferente para a verificação do dano, não modificando o “círculo de riscos” da sua verificação, tendo presente que a causalidade adequada não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano no âmbito da aptidão geral ou abstrata desse facto para produzir o dano. Hão-de ser, deste modo, as circunstâncias a definir a adequação da causa, mas sem perder de vista que para a produção do dano pode ter havido a colaboração de outros factos, contemporâneos ou não, e que a causalidade não tem de ser necessariamente direta e imediata, bastando que a ação condicionante desencadeie outra condição que, diretamente, suscite o dano-causalidade indireta. Pode também acontecer que a lesão resulte de duas ou mais causas, que vários factos tenham contribuído para a produção do mesmo dano, isto é, que haja um concurso real de causas, o que sucede, designadamente, quando nenhum dos factos, singularmente considerado, é suficiente, só por si, para produzir o efeito danoso, mas o primeiro é causa adequada do facto que se lhe sucede, praticado por outro sujeito. Relevará, nessa aferição global da adequação, a necessidade de, num juízo de prognose posterior objetiva, formulado a partir das circunstâncias conhecidas e cognoscíveis de um observador experiente, se poder afirmar que certo facto do lesante, quando em colaboração com outro ou outros, provocaria ou favoreceria a espécie de dano em causa, surgindo este, pois, como uma consequência provável ou típica daquele facto. Em matéria de ónus da prova da culpa no domínio da responsabilidade civil extracontratual rege o disposto no nº 1 do art. 487º do Cód. Civil, nos termos do qual «é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção de culpa em contrário» (ressalva esta que não ocorre in casu, sendo certo que, conforme constitui jurisprudência pacífica, o disposto no artigo 493º nº 2 do Código Civil, não tem aplicação em matéria de acidentes de circulação terrestre, razão pela qual a condução do automóvel não é considerada perigosa para fazer presumir a culpa em quem a exerce). No cumprimento desse ónus o lesado terá, desde logo, de demonstrar ter o lesante praticado voluntariamente atos integradores de negligência simples - v.g., omissão dos deveres normais gerais de diligência - ou, de negligência presumida -violação de preceitos destinados proteger interesses alheios. Questão que naturalmente se coloca é a de saber se deverá ter-se como provada a culpa quando o lesado apenas consegue demonstrar uma situação objetiva de culpa, no campo da negligência presumida - v.g., apenas resulta provado que o condutor lesante causou o dano estando fora da sua meia faixa de rodagem e invadido a contrária, ou por, seguindo atrás do veículo lesado, nele ter embatido. Nestes casos meramente objetivos de violação de um preceito de disciplina de trânsito, a culpa, a existir, não pode ser afirmada pela forma positiva correspondente àqueles outros em que apurado ficou ter a averiguada conduta resultado da vontade do lesante. Está visto que, provado ter aquela conduta resultado de um evento imprevisto e adequado a tal – por exemplo, ter-se partido a manga de eixo, rebentamento de um pneu, ocorrer súbita ineficácia de travões - não pode falar-se em culpa. Mas, entre esta hipótese e aquela outra da prova positiva da culpa, existe uma gama de casos em que a verificação ou não da culpa há-de resultar da ponderação de outras circunstâncias. E a primeira destas será a de que a regra do nº 1 do citado art. 487º deve ser entendida cum grano salis sob pena de se lançar sobre o lesado um ónus de prova excessivamente gravoso ou até incomportável. Para que tal não aconteça tem sido defendido que, nas ações por facto ilícito, embora caiba ao lesado a prova da culpa do lesante, a posição daquele será frequentemente aliviada por intervir aqui, facilitando-lhe a tarefa, a chamada prova da primeira aparência (presunção simples)[19]. Como a este propósito escreve VAZ SERRA[20] “a jurisprudência tem facilitado a prova da culpa: basta para provar a culpa que o prejudicado possa estabelecer factos que, segundo os princípios da experiência geral, tornem muito verosímil a culpa. Mas o autor do prejuízo pode afastar esta chamada prova prima facie, demonstrando, por seu lado, outros factos que tornem verosímil ter-se produzido o dano sem culpa sua. Com isto, destrói a aparência a ele contrária e força o prejudicado a demonstrar completamente a culpa, já que ao admitir-se a prova prima facie, só se dá uma facilidade para produção da prova e não uma total inversão do encargo da prova”. As presunções simples, também chamadas judiciais ou de experiência, ao contrário das legais, isto é, das estabelecidas na lei, segundo esclarecem PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA[21], “assentam no simples raciocínio de quem julga, inspiram-se nas máximas da experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana (...) cuja força persuasiva pode, por isso mesmo, ser afastada por simples contraprova”. Quer dizer: se a prova prima facie ou por presunção judicial, produzida pelo lesado, apontar no sentido da culpa do lesante, cabe a este o ónus da contraprova, ou seja, fazer a prova que invalide aquela, que a neutralize, criando no espírito do juiz um estado de dúvida ou incerteza (convicção negativa), sem que, no entanto, careça de persuadir o juiz de que o facto em causa não é verdadeiro (convicção positiva). Se aproximarmos as precedentes considerações do que normalmente acontece nos acidentes de viação, temos à partida que considerar o ato de conduzir viatura um ato voluntário, voluntariedade que, sendo normal, em princípio se repercute em todo o seu desenvolvimento, a menos que um facto anormal, no sentido excecional, intervenha no processo. Significa isto que o facto de conduzir permite tirar a ilação de ele traduzir uma atuação normalmente voluntária, mesmo quando revista a forma contravencional, a menos que através dos factos alegados e provados se crie, pelo menos, uma situação de incerteza sobre a verificação daquela normalidade. Na esteira dessa visão das coisas, vem-se firmando na casuística o entendimento de que em princípio procede com culpa o condutor que, em contravenção aos preceitos estradais, causar danos[22]. Isto dito, dúvidas não existem de que, a responsabilidade do condutor do JB só poderá derivar da circunstância de circular a velocidade superior à legalmente permitida. Portanto, como se sublinha no citado aresto desta Relação (que aqui seguimos de perto), o que releva, neste conspecto, é apreciar o reflexo da velocidade instantânea imprimida ao veículo em causa e que infringia o limite máximo fixado pela legislação estradal. E, nessa apreciação, há-de levar-se em linha de conta a análise da dinâmica do acidente por forma a surpreender o respetivo processo causal em ordem à determinação da existência de uma única causa ou duas ou mais concausas. Ora, é certo que o veículo JB transitava com velocidade instantânea objetivamente excessiva, o que constituindo violação da norma do disposto no art. 27º do Código da Estrada implica, em regra, presunção juris tantum de culpa (negligência), em concreto, do respetivo condutor, autor da contraordenação. Porém, a validade da regra ou princípio pressupõe que o comportamento contravencional objetivamente verificado seja enquadrável no espectro das condutas passíveis de causarem acidentes do tipo daqueles que a lei quer prevenir e evitar ao tipificá-las como infracções[23]. Como supra referido, em tese geral, em termos de adequação, o facto apenas pode considerar-se causal na medida em que, considerado no desenvolvimento do processo que conduziu ao dano e em face das regras da experiência comum, modifique o “círculo de riscos” da verificação do dano. Acontece que, tendo em conta a dinâmica do acidente e o concreto circunstancialismo que contribuiu para a sua produção, temos por incontornável a conclusão que a sua causa naturalística se situa no referido rebentamento do pneu (como, aliás, expressamente reconheceu o decisor de 1ª instância[24]) e não no excesso de velocidade com que o JB circulava. Com efeito, as normas que estabelecem limites de velocidade instantânea em função dos vários tipos de via, visam genericamente proteger o interesse de circulação com segurança dos vários utentes em atenção à respetiva localização ou características. Ausente, como causa do evento, qualquer outra irregularidade na circulação do JB, não se vê que a circunstância de a velocidade ser superior ao máximo instantâneo em abstrato estabelecido para o local, interfira, na concreta circunstância com o círculo de interesses que a norma limitativa da mesma visa proteger. É certo que está provado nos autos que os dois pneus instalados no eixo traseiro do veículo apresentavam sulcos na banda de rodagem, de altura inferior a 1,6 mm e, portanto, em contravenção ao estabelecido no nº 1 do art. 6.º do Decreto Regulamentar nº 7/98, de 06/05. Questão que naturalmente se coloca é a de saber se foi devido a esse facto e à velocidade superior ao legalmente permitido que era imprimida ao JB que ocorreu o rebentamento do pneu. Ora, neste conspecto, os elementos constantes dos autos não permitem formular conclusão consistente nesse sentido. Efetivamente, embora os dois pneus instalados no eixo traseiro padecessem dessa irregularidade a verdade é que também está provado que esses pneus tinham as dimensões …/….. …., correspondente a … mm de largura radiais, montados em jantes de … polegadas, com índice de carga 102 (850 kg), estando projetados para uma velocidade máxima de 300 km/hora, sendo que esses pneumáticos respeitavam os conjuntos jante/pneu, dianteiros e traseiros, diferença proporcional, idêntica à dos que equipam veículos novos da mesma marca e modelo (cfr. factos provados nºs 11 e 12). Significa, portanto, que os pneus que equipavam o JB eram os adequados para as características do veículo e, pese embora os rodados de trás tivessem na zona de rodagem uma altura inferior à legal, o certo é que eles estavam projetados para uma velocidade máxima de 300 km/hora. Nessas circunstâncias não pode razoavelmente afirmar-se que o rebentamento do pneu tenha sido provocado pelo excesso de velocidade que o condutor JB imprimia a esse veículo, já que esse rebentamento poderá ter sido provocado por qualquer causa ou mesmo artefacto (pedaço de metal, pedra pontiaguda etc.) existente na via. De todo o exposto, decorre, que se não estivesse provado nos autos que o despiste se deveu ao rebentamento do pneu, sem dúvida que seria de atribuir a culpa pela produção do acidente, nos termos supra referidos, ao condutor do referido veículo, pois que, circulando em manifesta infração ao disposto no já citado artigo 27.º, nº 1 do Cód. da Estrada (velocidade acima da legalmente imposta para o local) e, portanto, com excesso de velocidade, era legítimo presumir que o despiste se deveu a imperícia do condutor que, por circular naquelas condições, não logrou controlar o veículo. Todavia, estando provado nos autos que foi o rebentamento do pneu que provocou o despiste do JB, não se poderá assacar qualquer culpa no eclodir do acidente ao seu condutor, sendo que esse rebentamento terá de ser considerado um facto que interrompe a dinâmica que poderia estar subjacente a qualquer outra infração e mesmo ao excesso de velocidade. Consequentemente, não podendo ser atribuída ao malogrado E… qualquer culpa, efetiva ou presumida, na eclosão do sinistro, tal implicará a revogação da decisão recorrida na parte em que condenou os respetivos herdeiros no pagamento dos quantitativos pecuniários peticionados pela autora e pelo Centro Hospitalar G…, E.P.E.. Procedem, desta forma, as conclusões nºs 138 a 213 do respetivo recurso. * IV.6 – Da contribuição da autora para o agravamento dos danos por si sofridos em resultado de não ter o cinto de segurança colocado na altura do acidenteA propósito da enunciada questão, na sentença recorrida considerou-se que o simples facto de a autora não utilizar o cinto de segurança quando ocorreu o acidente não permite (na ausência de elementos factuais relevantes, mormente de “um juízo pericial que, decisivamente, se pronunciasse relativamente a este ponto”) afirmar que esse comportamento tenha contribuído para a produção das lesões/sequelas que apresenta. Contra o referido segmento decisório insurgem-se agora os réus Fundo de Garantia Automóvel e C… e D… (estes dois últimos na qualidade de herdeiros de E…) por entenderem que a materialidade provada permite suportar conclusão no sentido de que a demandante, com a referida omissão, contribuiu para os danos que infelizmente veio a sofrer. Como é consabido, em matéria de concurso do facto culposo do lesado para a produção dos danos ou para o seu agravamento rege o nº 1 do art. 570º do Cód. Civil, no qual se faculta que o tribunal conceda, reduza, ou, mesmo, exclua a indemnização devida àquele se um facto seu «tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos», sendo que, em consonância com tal normativo, essa decisão deve estar balizada pela gravidade das culpas de ambas as partes e pelas consequências que delas resultaram. De acordo com a regra vertida no art. 82º, nº 1 do Código da Estrada (na redação que lhe foi aportada pelo DL nº 44/2005, de 23.02, em vigor à data do ajuizado acidente de trânsito) “[o]s passageiros transportados em automóveis são obrigados a usar os cintos e demais dispositivos de segurança com que os veículos estejam equipados”. Tendo presente tal regra estradal, é indiscutível que a finalidade primacial da imposição do uso de cinto de segurança é a de preservar a integridade física do respetivo obrigado, sendo a sua falta idónea a causar um agravamento dos inerentes danos provocados, com direta repercussão na redução do correspondente montante indemnizatório, filiada na concorrência de um facto culposo do lesado para o agravamento dos danos. Portanto, a esta luz, o que releva, por via do disposto no nº 1 do citado art. 570º, é a circunstância de a falta de colocação do cinto ter (ou não) contribuído para o agravamento dos danos causados pelo acidente. Determinando a redução da indemnização em função da gravidade da respetiva culpa, a lei sanciona a desconsideração da defesa dos próprios interesses do lesado[25] do mesmo passo que preserva uma certa adequação entre a culpa do lesante e a responsabilidade pelos danos provocados. Isto posto, importa agora apelar ao substrato factual que relativamente a esta questão logrou demonstração, de molde a determinar se deve, ou não, ser atribuída qualquer culpa à autora no agravamento dos danos que sofreu. A este respeito ficou provado que: a autora seguia dentro do veículo como passageira da retaguarda (ponto nº 3); a autora não utilizava o cinto de segurança quando se fazia transportar no referido veículo, motivo que conduziu a que a mesma fosse projetada para o exterior do veículo na sequência do sinistro, ficando a cerca de 10 metros da viatura (ponto nº 10). Para além das referidas proposições factuais, haverá que atentar que em consequência do ajuizado acidente de trânsito a autora sofreu diversas lesões, mormente traumatismo crânio-encefálico, com contusão hemorrágica frontal esquerda, focos hemorrágicos na cápsula externa/lenticular, sangue intraventricular e hematoma epicraniano (ponto nº 18º). Tais lesões levam-nos a questionar, como o fazem os recorrentes, se a autora seguisse no mesmo veículo mas com o cinto de segurança colocado, se teria sofrido as mesmas lesões naquele acidente. É certo que não resulta expressamente da matéria de facto que a falta de uso de cinto de segurança por banda da demandante tenha contribuído para os danos verificados, sendo que a prova direta desse facto sempre seria muito difícil, porquanto, na prática, não é possível determinar quais as concretas lesões que ela teria (ou não) sofrido caso tivesse colocado esse cinto, já que as lesões sofridas por cada um dos ocupantes de um veiculo interveniente em acidente de viação (que, frequentemente, apresentam gravidade substancialmente diferente) são o produto de múltiplos fatores, tais como a forma e o local como o veículo embateu ou foi embatido, o posicionamento de cada um dos ocupantes dentro do veículo, e até a concreta posição em que se encontravam no momento do embate ou os movimentos que efetuaram como reação e, na maioria dos casos, não é possível determinar quais as concretas razões que determinam que, em consequência do mesmo embate, um dos ocupantes sofra lesões muito graves ou mesmo a morte, ao passo que outro sai dele ileso, como, aliás, se verificou no ajuizado acidente de trânsito. Enfim, há toda uma variedade de fatores que nem sequer são apuráveis e que impediriam sempre a obtenção de uma resposta com um grau de certeza absoluta que permitisse afirmar que a falta de cinto de segurança foi causa adequada dos danos sofridos, ou de parte deles. Essa falta de prova, baseada em elementos probatórios convencionais, não nos pode impedir, no entanto, de discorrer em termos de normalidade e de razoabilidade, ponderando, à luz dos factos apurados, o que seria normal e razoável acontecer, ou seja, retirando deles a devida ilação, em termos de presunção judicial. Urge então perguntar: sabendo-se que o cinto é um elemento de segurança que pretende reter o ocupante do veículo ao lugar que ocupa, teria a autora sofrido as lesões que sofreu, nomeadamente o traumatismo craniano? Na resposta a essa pergunta poderemos encontrar um relevante auxílio nos estudos técnico-científicos que têm sido levados a cabo por entidades credenciadas nessa matéria. Num desses estudos técnicos, realizado pelo Instituto de Mobilidade e dos Transportes Terrestres[26], regista-se a seguinte conclusão: «Diferentemente daquilo que é chamado de “segurança ativa” – que atua na condução com vista à prevenção do acidente – a segurança passiva atua essencialmente na proteção dos ocupantes em caso de acidente. O veículo e o organismo humano estão sujeitos às mesmas leis da física. Ambos sofrem as mesmas forças quando sujeitos a acelerações. A indústria automóvel, ao longo de décadas, tem sofrido positivamente as inovações tecnológicas no que toca à proteção dos ocupantes: desde os cintos de segurança à estrutura deformável do veículo, passando por dispositivos atualmente obrigatórios como o “airbag”.Não sendo responsável direto pela redução da sinistralidade rodoviária, o aumento da segurança passiva é, contudo, responsável por uma redução substancial da vitimização que ocorre durante (e após) o acidente, incluindo em situações de colisão e capotamento (…). Ao nível dos sistemas primários, “o cinto de segurança é um sistema de retenção para o corpo dos ocupantes dum veículo. Ele retém o corpo em situação de aceleração, impedindo que o corpo saia da sua posição sobre o assento. O cinto de segurança faz com que o corpo acelere e/ou desacelere juntamente com a massa do veículo, em qualquer situação: travagem, colisão ou durante uma curva, atuando como força centrípeta no corpo dos ocupantes. Desta forma, o cinto de segurança proporciona, ainda, uma aceleração/desaceleração relativamente homogénea e progressiva do corpo em caso de colisão frontal ou lateral do veículo, em relação a um embate direto e violento do corpo contra uma superfície sólida do interior da carroçaria (…). Em termos físicos, em caso de colisão, o cinto-de-segurança atua aumentando o tempo de desaceleração no impulso, reduzindo assim a força sobre o corpo. O organismo humano não suporta forças muito intensas. Assim, o risco de lesões graves ou morte é substancialmente reduzido. O cinto de segurança é o principal sistema de segurança passiva dum veículo, e aquele que mais garante a integridade física do organismo humano em caso de colisão. A sua utilização é obrigatória, tanto à frente como atrás e para todos os passageiros (…)». Conclui-se do estudo citado que o sistema de retenção do sinistrado ao assento funciona quando os veículos capotam (como ocorreu no caso sub judicio), fixando o ocupante ao seu lugar e evitando dessa forma, quer a projeção do corpo para fora do veículo, quer o embate do corpo contra as paredes internas da viatura, evitando ou minimizando lesões, mormente na cabeça do sinistrado. Perante tal constatação – firmada em estudos técnico-empíricos – não será, pois, de estranhar que a jurisprudência pátria venha considerando que a falta do uso de cinto de segurança se não é causa adequada para os danos sofridos – uma vez que essa causa é o acidente, provocado pelo condutor da viatura - é motivo para contribuir para o agravamento dos danos sofridos, os quais, em caso de uso daquele dispositivo, seriam, necessariamente minimizados. Como a este propósito se decidiu no acórdão do STJ de 21.02.2013[27], “é indiscutível que a falta de colocação do cinto de segurança – cuja obrigatoriedade protege, em primeiro lugar, o próprio passageiro, mas tem igualmente em vista o interesse público de minorar as consequências dos acidentes de viação e as suas repercussões, por exemplo, no sistema de saúde, e não só –, não é causa adequada do acidente e, portanto do dano, no sentido do artigo 563º do Código Civil; não se pode falar, assim, de uma situação de concorrência de causas do dano. O que releva, por via do disposto no nº 1 do artigo 570º do Código Civil, é a circunstância de a falta de colocação do cinto ter contribuído para o agravamento desse mesmo dano, causado pelo acidente (…). E releva, ainda, porque se trata de uma omissão de cuidado claramente culposa, ostensivamente reveladora da inobservância do cuidado e diligência exigíveis a uma pessoa medianamente diligente e cuidadosa, colocada na situação do lesado. É efetivamente do conhecimento geral que é perigoso fazer-se transportar num veículo automóvel sem ter o cinto de segurança colocado (…). Certa e segura é, de qualquer modo, a contribuição causal do facto culposo do lesado, não para a produção, mas apenas para o aprofundamento das lesões, circunstância que também não pode deixar de ser sopesada na avaliação global das condutas de lesante e lesado para que a lei aponta…”. Idênticas considerações são tecidas no acórdão da Relação de Coimbra de 15.09.2015[28], onde se afirma que “parece-nos, de qualquer forma, que a falta de colocação do cinto de segurança dificilmente terá deixado de contribuir para o agravamento dos danos (…), já que, como é sabido, o uso do cinto de segurança - cuja obrigatoriedade é imposta por lei - tem como função evitar a projeção do corpo para a frente e os danos de maior gravidade que essa projeção propicia, seja pela possibilidade de o corpo ser projetado para o exterior do veículo, seja pela possibilidade de embater com maior força em qualquer ponto do interior do veículo (...). Aqui, está claramente em causa o incumprimento de uma obrigação legal- imposta pelo art. 80º do Código da Estrada (…). O passageiro/lesado podia e devia ter colocado o cinto de segurança, evitando, dessa forma, as lesões de maior gravidade que acabou por sofrer e, portanto, atuou culposamente, contribuindo com tal conduta para o agravamento dos danos (…)”. Nos casos objeto de apreciação nos mencionados arestos, à semelhança do que se passou no caso dos autos, em nenhum deles se conseguiu fazer prova absoluta de que a falta do cinto de segurança possa ter concorrido para o agravamento dos danos, mas em todos eles se admite, como forte probabilidade, que a violação grave dessa regra de segurança é, de per si, apta a agravar tais danos. De facto, servindo o cinto de segurança para proteger o próprio passageiro e, desse modo, prevenir ou mitigar as lesões que possam ocorrer por força de choque, colisão ou capotamento do veículo onde circule, é lógico pensar, recorrendo ao que é habitual acontecer (id quod plerumque accidit), que quando em resultado de um destes sinistros o passageiro venha a sofrer lesões em partes do corpo que, em condições normais, estariam protegidas pelo uso desse elemento de segurança, será razoável considerar que essa omissão contribuiu para o agravamento dos danos por ele sofridos[29]. Concluímos do que fica exposto, por recurso a uma presunção judicial (estribada na materialidade supra considerada), que a falta de uso do cinto de segurança por parte da autora determinou um agravamento dos danos por ela sofridos, que deveria ter sido considerada pelo tribunal recorrido, nos termos consagrados no art. 570º do Cód. Civil, o que conduzirá a que a indemnização a que tenha direito terá de ser reduzida na medida dessa agravação. Essa medida, à semelhança do que foi decidido no já citado acórdão desta Relação de 14.03.2016 (em que, como se deu nota, estava em causa o mesmo acidente de trânsito), deverá estimar-se em 10%, percentagem que – até por razões de igualdade e equidade - nos parece equilibrada, dadas as circunstâncias que envolveram o acidente e as consequências que do mesmo advieram para a demandante. Em face do que antecede, entende-se que, por aplicação do disposto no artº 570º, nº 1, do Cód. Civil, a indemnização que lhe é devida deve ser reduzida em 10% (redução essa que se reflete em igual medida do pedido de reembolso aduzido pelo Centro Hospitalar G…, E.P.E.). Procedem, assim, ainda que parcialmente, a conclusão V do recurso interposto pelo réu Fundo de Garantia Automóvel e as conclusões 123 a 137 do recurso dos réus C… e D… (na qualidade de herdeiros de E…). * IV.7 - Da responsabilidade civil da ré F…, Ldª na reparação dos danos resultantes do acidente de trânsitoNo dispositivo da sentença recorrida foi a ré F…, Ldª absolvida do pedido que a autora contra si direcionava. Os apelantes Fundo de Garantia Automóvel e C… e D… (estes dois últimos na qualidade de herdeiros de E…) insurgem-se contra o referido segmento decisório por considerarem que aquela demandada é igualmente responsável pela reparação das consequências resultantes do ajuizado acidente de trânsito, porquanto é a proprietária do único veículo interveniente no mesmo, sendo certo que não cumpriu a obrigação de segurar estabelecida no nº 1 do art. 6º do DL nº 291/2007, de 21.08. Considerando que de acordo com o substrato factual apurado a ré F…, Ldª era, à data do sinistro, a proprietária do veículo automóvel com a matrícula .. – JB - .., a questão que agora se coloca é a de saber se, nessa data, tinha a direção efetiva do mesmo e o utilizava no seu próprio interesse, pois que, somente na afirmativa, é que ela será passível de ser civilmente responsabilizada à luz do disposto no nº 1 do art. 503º do Cód. Civil. Dispõe, com efeito, tal preceito legal que «[A]quele que tiver a direção efetiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação». Portanto, como emerge da exegese do transcrito inciso normativo, nele se responsabiliza, objetivamente, o proprietário do veículo pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, seja o veículo conduzido por ele seja o veículo conduzido por comissário, desde que a utilização seja feita: i) sob a sua direção efetiva e ii) no seu próprio interesse. Como tem sido sublinhado pela doutrina[30], a expressão legal tiver a direção efetiva do veículo destina-se a abranger todos aqueles casos em que, com ou sem domínio jurídico, parece justo impor a responsabilidade objetiva, por se tratar das pessoas a quem especialmente incumbe, pela situação de facto em que se encontrem investidas, tomar providências para que o veículo funcione sem causar danos. Portanto, tem a direção efetiva do veículo aquele que pode dispor dele, no momento, conforme bem entender, conduzindo-o ou facultando a sua condução a terceiro sem se demitir de controlar a sua circulação, sem se alhear do uso dado pelo terceiro a quem o faculta. Por regra, tem a direção efetiva do veículo o proprietário deste. A propriedade faz presumir a direção efetiva e o interesse na utilização do veículo pelo seu proprietário. Sendo tais requisitos de verificação cumulativa é, pois, sobre o proprietário do veículo que incide o ónus de demonstrar o contrário, já que, como se vem decidindo[31], é de admitir a existência de uma verdadeira presunção de direção efetiva e interessada do veículo a favor do seu proprietário, posto que o conceito de direção efetiva e interessada cabe perfeita e legalmente dentro do conceito do direito de propriedade. Por outro lado, o veículo circula no interesse de quem tira vantagens da sua circulação. O interesse não tem de ser necessariamente económico. Pode ser de outra ordem, designadamente espiritual, de simples gentileza ou cortesia. No tocante à utilização no próprio interesse, não tem a mesma que ser necessariamente uma utilização proveitosa ou lucrativa, em sentido económico; pode haver nela um mero interesse de gentileza, como quando se cede a viatura a um amigo, um interesse meramente recreativo, o que não deixa de constituir aquela posição favorável à satisfação de uma necessidade. Como a este respeito escreve DARIO MARTINS DE ALMEIDA[32], “normalmente, quem empresta a viatura a um amigo, gratuitamente, fá-lo, portanto, no seu interesse; e, porque não deixa de manter a direção efetiva, responde solidariamente com aquele por danos causados nessa viagem”. E, como anotam PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA[33], “o segundo requisito - utilização no próprio interesse - visa afastar a responsabilidade objetiva daqueles que, como o comissário, utilizam o veículo não no seu próprio interesse, mas em proveito ou às ordens de outrem”. Na decorrência do descrito regime normativo e considerando que, como se sublinhou, a propriedade do veículo faz presumir (presunção natural) a direção efetiva e a circulação no interesse do respetivo proprietário, competia, pois, à ré F…, Ldª – na sua qualidade de proprietária do mencionado veículo -, o ónus de provar que, nas circunstâncias espácio-temporais em que o ajuizado acidente de trânsito ocorreu, não tinha a direção efetiva nem o mesmo circulava no seu interesse o que, todavia, não logrou demonstrar. Acresce que, para que fosse excluída a responsabilidade emergente do nº 1 do citado art. 503º, tornar-se-ia mister que o acidente pudesse considerar-se imputável ao próprio lesado ou a terceiro ou que resultasse de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo (art 505.º do Cód. Civil), sendo que, como referem PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA[34], neste último normativo não se coloca um problema de culpa, mas de causalidade, pois “trata-se de saber se os danos verificados no acidente devem ser juridicamente considerados, não como um efeito do risco próprio do veículo, mas sim como uma consequência do facto praticado pela vítima ou por terceiro”. Ora, no caso vertente - como supra se considerou - na génese do acidente não esteve um facto praticado pelo condutor do JB ou por terceiro, mas sim o rebentamento de um pneu que acarretou a perda do domínio do veículo, eventualidade inerente ao seu funcionamento e, qua tale, compreendida no risco, como recorrentemente tem sido afirmado pela doutrina pátria[35]. Como assim, a ré F…, Ldª, por mor do disposto no nº 1 do art. 503º, responderá objetivamente pelas consequências resultantes do ajuizado acidente de trânsito[36]. Procedem, pois, as conclusões VIII e IX do recurso do réu Fundo de Garantia Automóvel e as conclusões 214 a 221 do recurso interposto pelos réus C… e D… (na qualidade de herdeiros de E…). * IV.8 - Da impetrada atribuição à autora da verba despendida com o custeamento das obras de adaptação da casa onde reside e do valor relativo à substituição de material/equipamento destinado a ajudas técnicas e bem assim uma verba referente a despesas médico - medicamentosas.A autora delimitou objetivamente o recurso que interpôs ao segmento da sentença no qual se decidiu julgar improcedentes os pedidos relativos: i) ao reembolso do montante despendido na realização das obras de adaptação da casa onde reside; ii) ao valor referente à substituição de material/equipamento destinado a ajudas técnicas e às despesas médico-medicamentosas que terá de suportar. No concernente ao pedido identificado em i) a autora alegou na petição inicial (cfr. art. 105º) ter sido ela a realizar as obras de adaptação da residência (ainda que com a ajuda de familiares) e que nelas despendeu a verba de €24.787,30. No entanto, tal proposição factual não logrou demonstração, resultando antes provado (cfr. facto nº 35) que o custo dessas obras (acessos à habitação, piso adaptado a cadeira de rodas, alteração da largura das portas, etc.) - que implicaram um dispêndio da importância total de €24.787,30 -, foi efetivamente suportado pelo progenitor da autora (afirmação de facto que não foi alvo de impugnação em sede recursória). Assim sendo - independentemente de se entrar na análise da questão de saber se a realização das obras de adaptação por banda do pai da autora é (como nos parece), ou não, uma despesa passível de ser subsumida à previsão normativa do nº 2 do art. 495º do Cód. Civil[37] (no qual se consagra uma exceção à regra de que só o lesado goza do direito de exigir a indemnização) - a variação patrimonial negativa decorrente do pagamento das mesmas registou-se diretamente na esfera jurídica do seu progenitor. Desse modo, não tendo a demandante suportado tal despesa, carece, à luz do disposto nos arts. 562º, 563º e 564º do Cód. Civil, de título (entendida a expressão no seu sentido civilístico, isto é, enquanto fundamento ou causa da titularidade de determinado direito) que legitime o aludido pedido condenatório. Improcedem, assim, as conclusões 10ª a 15ª do seu recurso. * No articulado com que deu início à presente demanda a autora não aduziu qualquer pedido líquido quanto aos danos que identificou nos arts. 104º[38] e 106º[39], formulando antes um pedido genérico nos moldes constantes das als. h) e i) da conclusão dessa peça processual.É certo ter ficado provado que a autora “encontra-se, a título permanente, dependente de ajudas medicamentosas, neste caso medicação habitual e futuramente prescrita por Ortopedia, Neurologia/Neurocirurgia, Psiquiatria e Medicina Física e Reabilitação” (ponto nº 32) e que “necessita, permanentemente, de recurso a ajudas técnicas para prevenir, compensar ou neutralizar o dano pessoal (do ponto de vista anatómico, funcional e situacional) com vista à obtenção da maior autonomia e independência possível nas atividades da vida diária, neste caso almofada anti-escaras, colchão anti-escaras, cadeira de rodas elétrica com comando de acompanhante, talas de posicionamento dos membros inferior e superior direito, banco para duche, poltrona e estrado articulado na sua cama atual” (ponto nº 34). Certo é também que, no decurso do processo, a demandante não lançou mão do incidente de liquidação tendente a quantificar os referidos danos que, em consonância com o substrato factual apurado, assumem natureza de danos futuros previsíveis mas ainda não determináveis. Nessas circunstâncias, em conformidade com o disposto no nº 2 do art. 564º do Cód. Civil, impunha-se uma condenação genérica como a que se consta da alínea b) do dispositivo da sentença, que, pela sua amplitude, comporta inequivocamente o reclamado ressarcimento de despesas com ajudas técnicas e despesas médico-medicamentosas. Consequentemente, improcedem as demais conclusões recursivas. * No ato decisório sob censura fixou-se em €551.650,00 o montante devido à autora a título de indemnização pelo dano patrimonial futuro, sendo que na determinação desse quantum se atendeu a um salário médio de €850,00 e bem assim que aquela teria um período de vida profissional ativa de, pelo menos, 46 anos e 3 meses.IV.9 - Da indemnização pelo dano patrimonial futuro Pese embora não tenha enunciado o iter seguido para o apuramento do aludido quantitativo, depreende-se que o decisor de 1ª instância ter-se-á limitado a multiplicar o valor do salário mensal considerado pelo número de meses que previsivelmente a demandante trabalharia no período compreendido entre a entrada no mercado de trabalho (que estimou nos 20 anos) e a reforma por velhice. Quer o réu Fundo de Garantia Automóvel, quer os réus C… e D… (na qualidade de herdeiros de E…) se rebelam contra o referido segmento decisório, preconizando que o montante indemnizatório devido pelo dano futuro decorrente da perda da capacidade de ganho da autora não deverá exceder a quantia de €300.000,00 (conforme defende o réu Fundo de Garantia Automóvel ) ou €352.581,00 (na tese dos réus C… e D…). Como emerge da materialidade apurada, aquando da ocorrência do ajuizado acidente de trânsito a autora não desenvolvia qualquer atividade profissional remunerada, estando, assim, em causa a indemnização pelo que se vem denominando de dano biológico. Como é consabido, entre nós, inexiste um consenso sobre a categoria em que deve ser inserido e, consequentemente, ressarcido tal dano[40]. Uma primeira posição (que se vem perfilando como claramente maioritária) configura-o como dano patrimonial, muitas vezes reconduzido ao dano patrimonial futuro; um outro posicionamento admite que pode ser indemnizado como dano patrimonial ou compensado como dano não patrimonial, segundo uma análise casuística, pelo que, em função das consequências da lesão (entre patrimoniais e não patrimoniais), variará também o próprio dano biológico; por último, uma terceira posição que o qualifica como dano base ou dano-evento que deve ser ressarcido autonomamente. Como quer que seja, independentemente da sua integração jurídica nas categorias do dano patrimonial ou do dano não patrimonial - ou eventualmente como tertium genus, como dano de natureza autónoma e específica, por envolver prioritariamente uma afetação da saúde e plena integridade física do lesado -, o certo é que a perda genérica de potencialidades laborais e funcionais do lesado constitui inequivocamente um dano ressarcível, englobando-se as sequelas patrimoniais da lesão sofrida seguramente no domínio dos lucros cessantes, ressarcíveis através da aplicação da denominada teoria da diferença. Daí que a posição majoritária (que igualmente sufragamos) venha considerando que este dano deve ser calculado como se de um dano patrimonial futuro se tratasse: há uma perda de utilidade proporcionada pelo bem corpo, nisso constituindo o prejuízo a indemnizar. Postas estas breves considerações, debrucemo-nos sobre as particularidades do caso concreto. Como supra se referiu, o tribunal recorrido fixou a este nível um montante indemnizatório de €551.650,00, divergindo deste valor os recorrentes entendem que tal montante se devia situar em €300.000,00 ou em €352.581,00. Analisando. Como deflui do regime vertido nos arts. 564.º e 566.º, nº 3 do Cód. Civil, o princípio geral a presidir à tarefa de determinação do aludido quantum indemnizatório deve assentar em critérios de equidade, sendo tal noção absolutamente indispensável para que a justiça do caso concreto funcione, assim, portanto, devendo ser rejeitados puros critérios de legalidade estrita. É certo que a equidade não corresponde a arbitrariedade. Por isso, de há longo tempo, a jurisprudência pátria[41], num esforço de clarificação na matéria, tem procurado definir critérios de apreciação e de cálculo do dano em causa, assentando fundamentalmente nas seguintes ideias-força: 1ª) A indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida; 2ª) No cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equidade, o que implica que deve conferir-se relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável; 3ª) As tabelas financeiras por vezes utilizadas para apurar a indemnização têm um mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo de modo algum a ponderação judicial com base na equidade; 4ª) Deve ponderar-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros; logo, haverá que considerar esses proveitos, introduzindo um desconto no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia; 5ª) E deve ter-se preferencialmente em conta, mais do que a esperança média de vida ativa da vítima, a esperança média de vida, uma vez que, como é óbvio, as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma (em Portugal, no momento presente, a esperança média de vida das mulheres já ultrapassa os 83 anos, e tem tendência para aumentar[42]). Acolhendo tais diretrizes, revertendo ao caso sub judicio, temos ainda que ter em consideração, fundamentalmente, os seguintes factos relativos à autora: a sua idade à data do acidente (17 anos, posto que nasceu a 6 de agosto de 1993) e o défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 91 pontos de que ficou afetada em consequência desse evento súbito. Já se deu nota, que na data do acidente, a demandante não exercia ainda atividade remunerada. Nestas circunstâncias vêm-se advogando que para efeito de apuramento do quantum indemnizatur há que partir de um vencimento superior ao salário mínimo, de preferência de um valor próximo do salário médio nacional[43] –[44], não se nos afigurando, por isso, desajustado o valor do rendimento mensal considerado pelo juiz a quo na decisão recorrida (€850,00), sendo certo que, nos casos como o presente, em que não há (imediata) perda de capacidade de ganho, não existindo, como não existe, qualquer razão para distinguir os lesados no valor base a atender, deverá usar-se, no cálculo do dano biológico, um valor de referência comum sob pena de violação do princípio da igualdade. Como assim, tomando por base um rendimento de €850,00 (x 14), a indemnização a arbitrar deve corresponder a um capital produtor do rendimento que se extinguirá no termo do período provável da vida da lesada, determinado com base na esperança média de vida (e não apenas em função da duração da vida profissional ativa), com uma dedução que razoavelmente se pode estimar em 1/4, dado o facto de ocorrer uma antecipação do pagamento de todo o capital. Sopesados estes elementos de facto à luz das precedentes considerações[45], entende-se que a indemnização arbitrada pelo tribunal de 1ª instância (ainda que utilizando uma solução não totalmente coincidente) deve ser mantida por se revelar aceitável[46], quer na vertente da justiça do caso, quer na ótica da justiça comparativa, pelo que não há que censurá-lo nem, consequentemente, a decisão que o determinou. * IV.10 - Da adequação do montante arbitrado a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pela autoraComo emerge das respetivas alegações de recurso, os apelantes Fundo de Garantia Automóvel, C… e D… (estes dois últimos na qualidade de herdeiros de E…) questionam a justeza do montante (€500.000,00) que foi fixado na decisão sob censura para compensar os danos não patrimoniais sofridos pela demandante em consequência do ajuizado acidente de viação, considerando mais ajustada à situação retratada nos autos a fixação de um montante de €150.000,00. De acordo com os ensinamentos colhidos na dogmática, os danos da referida natureza são aqueles que não atingem os bens materiais do lesado ou que, de qualquer modo, não alteram a sua situação patrimonial - formulação negativa -, ou seja, aqueles danos que têm por objeto um bem ou interesse sem conteúdo patrimonial, insuscetível, em rigor, de avaliação pecuniária. Daí que, como tem sido enfatizado pela doutrina pátria[47], a indemnização não visa propriamente ressarcir, tornar indemne o lesado, mas oferecer-lhe uma compensação que contrabalance o mal sofrido. Nesta categoria de danos incluem-se, entre outros, as dores físicas e psíquicas, a perturbação da pessoa, os sofrimentos morais, os prejuízos na vida de relação. No concernente à sua quantificação, o nº 3 do art. 496º do Cód. Civil determina que o montante da respetiva indemnização deve ser fixado equitativamente[48], tendo em atenção as circunstâncias referidas no art. 494º do mesmo Corpo de Leis, ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, entre as quais se contam as lesões sofridas e os correspondentes sofrimentos, não devendo esquecer-se ainda, para evitar soluções demasiadamente marcadas pelo subjetivismo, os padrões de indemnização geralmente adotados na jurisprudência, sendo que, neste particular, a jurisprudência, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, tem evoluído no sentido de considerar que a indemnização, rectius compensação, deverá constituir um lenitivo para os danos suportados, não devendo, portanto, ser miserabilista. A este propósito, ANTUNES VARELA[49] desenvolve algumas reflexões que é útil recordar: “o montante da indemnização deve ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras de prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida”. Destarte embora a determinação dos danos não patrimoniais indemnizáveis dependa do prudente arbítrio do juiz, deve este referir sempre com a necessária precisão o objeto do dano para evitar que a sua liquidação se converta num ato puramente arbitrário do tribunal. Quando se faz apelo a critérios de equidade, pretende-se encontrar somente aquilo que, no caso concreto, pode ser a solução mais justa. A equidade está assim limitada sempre pelos imperativos da justiça real (a justiça ajustada às circunstâncias) em oposição à justiça meramente formal. Por isso se entende, tal como nota DARIO MARTINS DE ALMEIDA[50], que “a equidade é sempre uma forma de justiça. A equidade é a resposta àquelas perguntas em que está em causa o que é justo ou o que é mais justo”. Ora os interesses cuja lesão desencadeia um dano não patrimonial são infungíveis; não podem ser reintegrados mesmo por equivalente. Mas é possível, em certa medida, contrabalançar o dano, compensá-lo mediante satisfações derivadas da sua utilização. Como salienta CARLOS MOTA PINTO[51], não se trata, portanto, de atribuir ao lesado um “preço de dor” ou um “preço de sangue”, mas de lhe proporcionar uma satisfação em virtude da aptidão do dinheiro para propiciar a realização de uma ampla gama de interesses, na qual se podem incluir mesmo interesses de ordem refinadamente ideal. Resulta do exposto que o juiz, para a decisão a proferir no que respeita à valoração pecuniária dos danos não patrimoniais, em cumprimento da prescrição legal que determina que o julgamento seja feito de harmonia com a equidade, deverá, pois, atender aos fatores expressamente referidos na lei e, bem assim, a outras circunstâncias que emergem da factualidade provada. Tudo com o objetivo de, após adequada ponderação, poder concluir a respeito do valor pecuniário que considere justo para, no caso concreto, compensar o lesado pelos danos não patrimoniais que sofreu. Assim se compreende que a atividade do juiz no domínio do julgamento à luz da equidade, não obstante se veja enformada por uma importante componente subjetiva não se reconduza ao puro arbítrio, mas claro que o julgador ao atribuir esta compensação não está subordinado a critérios normativos fixados na lei. O que aqui tem força são razões de conveniência, de oportunidade, de justiça concreta em que a equidade se funda. De qualquer modo, haverá que sublinhar que, neste domínio, se tem considerado que os componentes mais importantes do dano não patrimonial são, primordialmente, os seguintes: o dano estético - que simboliza o prejuízo anatomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima; o prejuízo de afirmação social - dano indiferenciado que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, afetiva, recreativa, cultural, cívica); o prejuízo da saúde geral e da longevidade - em que avultam o dano da dor e o défice de bem-estar, e que valoriza os danos irreversíveis na saúde e bem-estar da vítima e o corte na expectativa de vida; o pretium juventutis - que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a chamada primavera da vida; o pretium doloris - que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária; o prejuízo sexual, consistente nas mutilações, impotência, resultantes de traumatismos nos órgãos sexuais; o prejuízo da autossuficiência, caraterizado pela necessidade de assistência de terceira pessoa para os atos correntes da vida diária, decorrentes da impossibilidade de caminhar, de se vestir, de se alimentar. No caso vertente, na formulação do juízo de equidade para a fixação do montante compensatório, haverá que atentar ao quadro factual que logrou demonstração (pontos de facto nºs 18 a 30, 36 a 55), com especial ênfase para a seguinte materialidade: a autora ficou portadora de um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica (na parte em que se repercute na esfera não patrimonial) fixável em 91 pontos, implicando que necessite, permanentemente, do auxílio de terceira pessoa para a auxiliar nas atividades da vida diária; relativamente às dores resultantes das lesões/sequelas e tratamentos efetuados (quantum doloris) foi fixado no grau seis, numa escala de sete graus de gravidade crescente; o dano estético permanente foi fixado no grau seis, numa escala de sete graus de gravidade crescente; a repercussão permanente na atividade sexual e nas atividades desportivas e de lazer, em ambos os casos fixados no grau máximo que a escala atualmente em vigor comporta (sete pontos); como consequência do acidente, nunca mais voltou a estudar; não tem capacidade cognitiva suficiente para frequentar uma escola com o programa normal de qualquer estudante, atentas as lesões/sequelas que apresenta; pretendia fazer um curso na área de hotelaria e seguir a carreira de modelo, sendo que o facto de não poder seguir essa carreira, causa-lhe um grande desgosto; manifestava o propósito de casar e ter filhos; sofreu o afastamento de amigos, atentas as lesões/sequelas que apresenta; era uma pessoa sem qualquer limitação de ordem física, bem-disposta e com autoestima elevada; gostava de viajar, de sair, de se divertir e de conviver com familiares e amigos; deixou de frequentar a praia e poder efetuar caminhadas, atividade que gostava muito de realizar. O tribunal a quo, apelando aos fatores enunciados no citado art. 494º, e tendo por base a descrita factualidade, decidiu, como se referiu, fixar em €500.000,00 a compensação devida à autora por esses danos de natureza não patrimonial. Num bosquejo, ainda que breve, pela jurisprudência[52] –[53] - com o que se procura dar expressão à preocupação da normalização ou padronização quantitativa da compensação devida por esta espécie dano, e, por essa via, aos princípios da igualdade e da unidade do direito e ao valor eminente da previsibilidade da decisão judicial – verifica-se que em situações análogas à dos presentes autos (mormente no que tange ao coeficiente de desvalorização e quantum doloris) têm sido fixados valores indemnizatórios que se situam entre €250.000,00 e €400.000,00. Tais considerações aliadas ao quadro factual conhecido, globalmente considerado, mas com particular relevo para o sofrimento experimentado pela demandante quer aquando da produção da lesão, quer posteriormente, designadamente com os numerosos internamentos hospitalares e tratamentos médicos a que foi submetida (sendo que a este respeito o quantum doloris foi estimado no grau 6 numa escala de sete graus de gravidade crescente), o dano estético permanente de que ficou portadora (fixável no grau 6 numa escala de sete graus de gravidade crescente) e bem assim o prejuízo de afirmação pessoal (mormente traduzido na repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer, sendo fixável no grau 7 numa escala de sete graus de gravidade crescente), e considerando outrossim que em resultado das graves e irreversíveis lesões (designadamente tetraplegia espástica, à esquerda com movimentos globais e pouco seletivos e à direita sem movimentos) de que ficou a padecer, a autora, com apenas 17 anos de idade, viu-se de um momento para o outro e, infelizmente, até ao final dos seus dias, privada quer da possibilidade de realizar os seus sonhos quer da qualidade mínima a que qualquer pessoa, pelo simples facto de o ser, tem pleno direito, levam-nos a considerar como razoável e équo, nos termos do art. 566º, nº 3 do Cód. Civil, o montante de €350.000,00, mais ajustado aos valores que, em casos similares, têm sido fixados na casuística, mormente do Supremo Tribunal de Justiça. * IV.11 - Da indemnização arbitrada para assistência de terceira pessoaRelativamente a este concreto dano escreveu-se na sentença recorrida que «[a] sinistrada alegou – matéria não provada – que a referida assistência iria implicar a disponibilidade de três pessoas para assegurarem as tarefas que se encontra impossibilitada de realizar. Quem tem garantido tais tarefas tem sido, desde o acidente, o seu progenitor, mas, como é evidente, não é exigível nem expectável que a situação se mantenha, tanto mais que, a partir de determinada altura, o avanço da idade irá impedi-lo de continuar a desempenhar uma função tão esgotante e difícil. O critério a que temos de atender, para este efeito, é o salário que irá, presumivelmente, auferir um profissional (prestador dos serviços de assistência) durante um período de quase 60 (sessenta) anos, atendendo à idade da sinistrada e à esperança média de vida que atualmente se conhece. O valor peticionado, a este propósito, ascende a 400.000,00€, montante que poderá, até, pecar por defeito, uma vez que se atendermos a um salário médio mensal o valor será significativamente superior. No entanto, atendendo aos demais valores que são atribuídos e à circunstância de, durante mais algum tempo, a autora, presumivelmente, não ter qualquer dispêndio a este título, dada a assistência prestada pelo seu progenitor, julga-se apropriado para ressarcir este dano a verba que foi indicada no articulado inicial». Os apelantes, mormente o Fundo de Garantia Automóvel, discordam da linha de raciocínio seguida no ato decisório sob censura, argumentando fundamentalmente que, por um lado, a despesa em causa ainda não existe (dado que a assistência vem sendo prestada pelo progenitor da autora) e, por outro, também se desconhece o custo da mesma. Nessa decorrência advoga que se está em presença de um dano certo e previsível mas que ainda não se concretizou, pelo que não pode ainda ser liquidado. Apelando ao quadro factual apurado dele emerge que a autora necessita, de forma permanente e vitalícia, do auxílio de terceira pessoa (factos nºs 27 e 29), sendo que quem lhe vem prestando esse auxílio, desde a altura do acidente, é o seu progenitor (cfr. facto provado nº 41). Ora, contrariamente ao entendimento preconizado pelo apelante, a jurisprudência tem reconhecido assistir ao lesado direito a verba indemnizatória para compensar a sua necessidade do apoio de terceiro, mesmo quando sejam os familiares a prestar esse apoio, podendo, assim, dispor dessa verba para pagar a assistência prestada[54]. De igual modo, entende-se que não há necessidade de relegar para posterior incidente de liquidação a fixação do respetivo quantum indemnizatur, dado que a circunstância de a autora estar impossibilitada de autonomamente fazer a sua vida, ao ponto de carecer do auxílio de terceira pessoa para todas as tarefas quotidianas (designadamente atos tão vitais como cuidar da sua higiene), constitui um dano – que alguns consideram assumir natureza não patrimonial[55] - cuja compensação deve ser atribuída, mais uma vez, com base em critérios de equidade, não se justificando, nessa medida, o recurso ao mecanismo estabelecido no art. 358º. Porque assim, improcede a conclusão 3ª do recurso do réu Fundo de Garantia Automóvel e bem assim as conclusões 258 a 268 do recurso interposto pelos réus C… e D… (na qualidade de herdeiros de E…. * IV.12 – Determinação do momento a partir do qual são devidos os juros moratóriosNo dispositivo da sentença recorrida foram os réus condenados, para além do mais, no pagamento “de juros de mora, à taxa legal, calculados desde a citação até integral pagamento” sobre as quantias arbitradas quer a título de indemnização pelos danos patrimoniais, quer a título de compensação pelos danos não patrimoniais. Com o assim decidido não concorda o recorrente Fundo de Garantia Automóvel, o qual advoga que somente serão devidos juros sobre os diferentes tipos de danos (patrimoniais e não patrimoniais) a partir da data da sentença, já que, o tribunal recorrido, ao determinar os respetivos montantes indemnizatórios, fê-lo atualizando tais quantitativos até à data da prolação da sentença. Cremos que não lhe assiste razão. Com efeito, há que chamar, neste domínio, à colação a doutrina ínsita no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, n°4/2002, de 9 de Maio, publicado no DR, 1ªA Série de 27-1-02, pág. 5057 e seguintes, no qual se decidiu que “sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objeto de cálculo atualizado, nos termos do n° 2 do artigo 506.° do Cód. Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.°, n° 3 (interpretado restritivamente) e 806.°, n° 1, também do Cód. Civil, a partir da decisão atualizadora e não a partir da citação”. No caso sub judicio, e tanto quanto decorre da sentença de 1ª instância, não se operou, ex professo, um cálculo atualizado ao abrigo do n° 2 do art. 566.° do Cód. Civil. Não se surpreende, com efeito, nessa decisão uma qualquer decisão atualizadora da indemnização, com apelo também expresso, v.g. aos “índices de inflação” entretanto apurados no tempo transcorrido desde a propositura da ação, logo, os juros moratórios devem ser contabilizados a partir da data citação que não a contar da data da decisão condenatória de 1ª instância. Diga-se ainda que, nesta problemática da cumulação dos juros com a atualização operada por qualquer instância - tudo nos termos do citado acórdão uniformizador e segundo os próprios termos deste aresto -, não há que distinguir entre danos não patrimoniais e danos não patrimoniais e ainda entre as diversas categorias de danos indemnizáveis em dinheiro e suscetíveis, portanto, do cálculo atualizado constante do nº 2 do artigo 566.º[56]. Em princípio, os montantes indemnizatórios deverão ser, todos eles, reportados à data da citação, de harmonia com a regra geral plasmada nos artigos 804.º, nº 1 e 805.º, nº 3 do Cód. Civil. Só não será assim se, em data subsequente à da citação, vier a ser emitida uma qualquer decisão judicial atualizadora expressa que contemple, por majoração (e com base na estatuição-previsão do nº 2 do artigo 562.º do Cód. Civil), esses cômputos indemnizatórios, com apelo aos fatores/índices da inflação e/ou da desvalorização ou correção monetária. E tem de ser assim para arredar duplicações ou cumulações que colidam com critérios de justiça material, ademais ao arrepio dos fundamentos da alteração ao disposto no artigo 805.º do Cód. Civil, operada pelo DL nº 262/83, de 10.6 e da aludida interpretação jurisprudencial uniformizada. Como assim, não há que fazer apelo a supostas atualizações implícitas, presumidas ou fictas com reporte à data do encerramento da discussão em 1ª instância ou da data da prolação da decisão final em 1ª instância, sob invocação de um abstrato cumprimento do poder-dever postulado no nº 2 do artigo 566.º do Cód. Civil. Destarte, improcede a conclusão 4ª formulada pelo recorrente Fundo de Garantia Automóvel. * IV.13 - Do dies a quo da contagem dos juros moratórios referentes ao pedido formulado pelo Centro Hospitalar G…, E.P.E.Uma última questão que o apelante Fundo de Garantia Automóvel traz à apreciação deste tribunal de recurso prende-se com a determinação do início do prazo de contagem dos juros moratórios relativos ao pedido de pagamento da assistência hospitalar prestada pelo Centro Hospitalar G…, E.P.E.. A este respeito o apelante preconiza que esses juros apenas podem ser contabilizados a partir da sua citação para contestar o pedido aduzido pela referida instituição hospitalar e não, conforme se determinou na sentença recorrida, em momento anterior à realização de tal ato processual. Não lhe assiste, contudo, razão. Com efeito, nesta matéria rege o disposto no art. 2º do DL nº 218/99, de 15.06 (na redação da Lei nº 64-B/2011, de 30.12), nos termos do qual «o pagamento dos cuidados de saúde prestados (…) deve efetuar-se no prazo de 30 dias a contar da interpelação, a realizar por quaisquer das formas previstas no artigo 70º do Código do Procedimento Administrativo». Ora, como emerge do documento junto a fls. 14 da ação que foi apensada aos presentes autos (a que coube o nº 1463/14.2T2AVR[57]), o apelante foi notificado, por carta datada de 13 de abril de 2012, para proceder ao pagamento do valor da assistência hospitalar prestada à ora autora. Deste modo, em consonância com a determinação legal constante do transcrito normativo e bem assim nos arts. 805º, nº 1 e 806º, ambos do Cód. Civil, o apelante ficou em situação de mora debitoris decorridos que foram trinta dias após se ter operado a referida interpelação extrajudicial, sendo, pois, esse o momento (e não a data em que se concretizou a sua citação para os termos da mencionada ação declarativa) que marca o início do prazo de contagem dos respetivos juros moratórios. Improcede, pois, a conclusão VI. *** Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em:V- DECISÃO i)- julgar a apelação interposta pelos réus C… e D… (na qualidade de herdeiros de E…) parcialmente procedente e consequentemente revogando a decisão recorrida, absolvem-se os mesmos dos pedidos contra si aduzidos pela autora; ii)- julgar parcialmente procedente a apelação interposta pelo réu Fundo de Garantia Automóvel, em consequência do que se altera a decisão recorrida, condenando-se, solidariamente, a ré F…, Ldª e o réu Fundo de Garantia Automóvel no pagamento na quantia de €1.171.485,00 (um milhão cento e setenta e um mil quatrocentos e oitenta e cinco euros) a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo autora, mantendo-a no mais; iii)- julgar parcialmente procedente a apelação interposta pelo réu Fundo de Garantia Automóvel, em consequência do que se altera a decisão recorrida, condenando-se, solidariamente, a ré F…, Ldª e o réu Fundo de Garantia Automóvel no pagamento ao Centro Hospitalar G…, E.P.E. da quantia de €39.079,82 (trinta e nove mil e setenta e nove euros e oitenta e dois cêntimos), mantendo-a no mais; iv)- julgar improcedente a apelação interposta pela autora; v)- manter o restante decidido; vi)- determinar o desentranhamento e a devolução aos apelantes C… e D… (na qualidade de herdeiros de E…) dos documentos que ofereceram com as suas alegações, condenando-os na multa de uma Uc pelo incidente a que deram causa. Custas pelos recorrentes e recorridos, na proporção do decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário de que a autora beneficia. Porto, 24.01.2018 Miguel Baldaia de Morais Jorge Seabra Fátima Andrade _______ [1] Diploma a atender sempre que se citar disposição legal sem menção de origem. [2] Cfr., neste sentido, acórdão do STJ de 3.03.89, BMJ nº 385, pág. 545 e JOÃO ESPÍRITO SANTO, O documento superveniente para efeitos de recurso ordinário e extraordinário, págs. 47 e seguintes. [3] Cfr., por todos, acórdão da Relação de Coimbra de 20.01.2015 (processo nº 2996/12.0TBFIG.C1), disponível em www.dgsi.pt. [4] Neste sentido, ANTUNES VARELA, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 115º, pág. 95. [5] Assim JOÃO ESPÍRITO SANTO, ob. citada, pág. 50. Este posicionamento tem sido igualmente trilhado por alguma jurisprudência – v.g. acórdãos do STJ de 12.01.94, BMJ nº 433, pág. 467 e de 26.09.12 (processo nº 174/08.2TTVFX.L1.S1), este último acessível em www.dgsi.pt -, afirmando-se que a admissibilidade da junção só se verifica quando a necessidade dela tenha sido criada, pela primeira vez, pela sentença da 1ª instância, necessidade que é criada tanto no caso de aquela sentença se ter baseado num meio de prova não oferecido pelas partes, como no caso de se ter fundado em regra de direito com cuja aplicação as partes, justificadamente, não contavam. [6] Neste sentido, ANTUNES VARELA et al., Manual de Processo Civil, pág. 533 e seguinte. [7] In Estudos sobre o Processo Civil, pág. 220 e seguinte. [8] In Código de Processo Civil Anotado, vol. I, pág. 297; em análogo sentido, RODRIGUES BASTOS (in Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, pág. 194), ressaltando que «a falta de motivação a que alude a alínea b) do n.º 1 é a total omissão dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito em que assenta a decisão; uma especificação dessa matéria apenas incompleta ou deficiente não afeta o valor legal da sentença». [9] In Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 140. [10] Assim, LEBRE DE FREITAS, A ação declarativa comum, pág. 298 e AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, pág. 54. [11] In Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 225; no mesmo sentido milita REMÉDIO MARQUES (in A ação declarativa, à luz do Código Revisto, 3ª edição, págs. 638 e seguinte), onde critica a conceção minimalista sobre os poderes da Relação quanto à reapreciação da matéria de facto que vem sendo seguida por alguma jurisprudência. [12] Isso mesmo é ressaltado por ABRANTES GERALDES, in Temas da Reforma de Processo Civil, vol. II, 3ª ed. revista e ampliada, pág. 272. [13] Como bem ensinava ALBERTO DOS REIS (in Código de Processo Civil Anotado, vol. IV, pág. 569), prova livre “quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei” [14] Assim ABRANTES GERALDES Recursos, pág. 299 e acórdãos do STJ de 03.11.2009 (processo nº 3931/03.2TVPRT.S1) e de 01.07.2010 (processo nº 4740/04.7TBVFX-A.L1.S1),ambos acessíveis em www.dgsi.pt. [15] Processo nº 0530278, acessível em www.dgsi.pt. [16] Sobre o valor probatório deste documento veja-se PIRES DE SOUSA, in Prova por presunção no Direito Civil, 2012, pág. 267 e seguinte, que o cataloga como documento autêntico na precisa medida em que emana de um órgão de polícia criminal a quem é reconhecida competência para a sua elaboração, na decorrência do que considera que “se o agente da autoridade efetua medições de rastos de travagem e os localiza, mede e anota a largura da faixa de rodagem, anota os sinais de trânsito e sua localização, anota o local onde ficaram os veículos imobilizados após o acidente, descreve os danos externos visíveis nos veículos, todos estes factos passam a estar abrangidos pela força probatória plena do documento autêntico em causa”. [17] Cfr., inter alia, acórdãos da Relação de Coimbra de 27.05.2014 (processo nº 1024/12) e de 24.04.2012 (processo nº 219/10), acórdão da Relação de Lisboa de 14.03.2013 (processo nº 933/11.9TVLSB-A.L1-2), acórdãos da Relação de Guimarães de 15.12.2016 (processo nº 86/14.0T8AMR.G1) e de 13.02.2014 (processo nº 3949/12.4TBGMR.G1) e acórdão desta Relação de 17.03.2014 (processo nº 7037/11.2TBMTS-A.P1), todos acessíveis em www.dgsi.pt. No mesmo sentido se pronuncia ABRANTES GERALDES, Recursos, pág. 297, onde escreve que “de acordo com as diversas circunstâncias, isto é, de acordo com o objeto do recurso (alegações e, eventualmente, contra-alegações) e com a concreta decisão recorrida, são múltiplos os resultados que pela Relação podem ser declarados quando incide especificamente sobre a matéria de facto. Sintetizando as mais correntes: (…) abster-se de conhecer da impugnação da decisão da matéria de facto quando os factos impugnados não interfiram de modo algum com a solução do caso, designadamente por não se visionar qualquer solução plausível da questão de direito que esteja dependente da modificação que o recorrente pretende operar no leque de factos provados ou não provados”. [18] Prolatado no processo nº 424/13.3T2AVR.P1, processo no qual o ora relator e o 1º adjunto tiveram intervenção. [19] Sobre esta temática, veja-se, para maior desenvolvimento, CASTRO MENDES, Do conceito de prova em processo civil, págs. 669 e seguintes e PIRES DE SOUSA, Prova por presunção no Direito Civil, 2012, págs. 57 e seguintes. [20] In BMJ nº 68, pág. 87. [21] In Código Civil Anotado, vol. I, 4ª ed., pág. 312. [22] Cfr., por todos, acórdãos do STJ de 23.02.2016 (processo nº 74/12.1SRLSB.L1.S1) e de 26.02.92 (processo nº 081804), acessíveis em www.dgsi.pt. [23] Cfr., neste sentido, acórdãos do STJ de 6.01.87 (BMJ nº 363, pág. 488) e de 7.11.2000 (CJ, acórdãos do STJ, ano VIII, tomo 3º, pág. 104). [24] Com efeito, escreveu-se na decisão recorrida o seguinte: “do que resulta provado – e é essa a factualidade que devemos ater-nos – dúvidas não podem restar que a causa naturalística do acidente reside no rebentamento de um pneumático que equipava o eixo traseiro da viatura, sendo certo, no entanto, que se ignora se esse rebentamento se deveu ao estado de conservação do mesmo ou devido a uma causa externa à viatura, como seria um objeto no pavimento que tivesse provocado o corte da respetiva tela. Tudo o que possa dizer-se ou afirmar-se a este propósito, salvo melhor entendimento, é pura especulação, uma vez que não existem elementos de ordem científica (pericial) que nos ajudem a esclarecer por que razão ou motivo o referido pneumático se degradou até ao ponto de ocorrer o rebentamento”. [25] Assim, ANTUNES VARELA em anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Fevereiro de 1968, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 102º, pág. 43 e seguinte, em especial pág. 60. [26] Acessívelemhttp://www.imtt.pt/sites/IMTT/Portugues/EnsinoConducao/ManuaisEnsinoConducao/Documents/Fichas/FT_SistemasSegurancaPassiva.pdf - [27] Prolatado no processo nº 2044/06.0TJVNF.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt. [28] Processo nº 744/14.0TBVIS.C1, disponível em www.dgsi.pt; em análogo sentido se decidiu no acórdão do STJ de 3.03.2009 (CJ, ASTJ, ano XVII, tomo 1º, pág. 112), no acórdão desta Relação de 24.04.2012 (processo nº 2044/06.0TJVNG.P1) e no acórdão da Relação de Guimarães de 12.07.2016 (processo nº 23/10.1TBMUR.G1), acessível em www.dgsi.pt. [29] Registe-se, aliás, que relativamente a outro dos elementos de segurança legalmente prescritos (o capacete), a jurisprudência, mormente do STJ, vem considerando que competirá ao autor o ónus de alegar e provar que, não obstante a falta de uso do mesmo, as lesões, com a gravidade atingida, teriam, na mesma, ocorrido caso levasse o capacete protetor e que só perante a prova inequívoca e segura de que as lesões sofridas nada têm a ver com o seu uso é que será de excluir o nexo de causalidade entre o não uso de tal acessório e as lesões – cfr., inter alia, acórdão do STJ de 3.04.2014 (processo nº 856/07.6TVPRT.P1.S1), acessível em www.dgsi.pt. [30] Cfr., por todos, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, ob. citada, pág. 513 e MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol. I, 4ª ed, pág. 351. [31] Cfr., inter alia, acórdãos do STJ de 27.10.88 (BMJ nº 469, pág. 257), de 6.11.2001 (CJ, ASTJ, ano X, tomo 3º, pág. 141) e de 29.01.2014 (processo nº 249/04.7TBOBR.C1.S1), acessível em www.dgsi.pt, onde se considerou que “a simples alegação da propriedade do veículo, sem a invocação expressa de quem tem a sua direção efetiva e interessada, é suficiente para poder conduzir à procedência do pedido de indemnização emergente de acidente de viação contra a proprietária do veículo”. [32] In Manual dos acidentes de viação, 3ª ed., pág. 317. [33] Ob. citada, pág. 514. [34] Ob. citada, pág. 491. [35] Cfr., por todos, VAZ SERRA, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 118º, pág. 209, ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. I, 4ª ed., pág. 589 e MENEZES LEITÃO, ob. citada, pág. 354, onde elenca como circunstâncias relativas ao funcionamento do veículo, ainda que provocadas por um facto externo, a derrapagem, o rebentamento de pneus, a quebra da direção ou o incêndio por curto-circuito do motor. [36] Sem prejuízo da obrigação de reembolso em que igualmente fica constituída por mor do disposto no art. 54º do DL nº 291/2007, de 21.08, em resultado de não ter cumprido a obrigação de segurar estabelecida no nº 1 do art. 6º do mesmo diploma legal. [37] Cfr., sobre a questão, VAZ SERRA, O dever de indemnizar e o interesse de terceiros, in BMJ nº 86, págs. 103 e seguintes. [38] Onde alega que «necessita para toda a vida de ajudas técnicas, consultas médicas, cirurgias, exames, próteses, ortóteses, camas e colchões adaptados à sua condição física, entre outros e tratamentos subsequentes no presente e no futuro da sua duração de vida». [39] Que tem o seguinte teor: «A autora necessita em permanência durante a sua vida: a) de cadeira de rodas e as canadianas sejam substituídas de 3 em 3 anos; b) de cama articulada com colchão adequado, a ser substituída de 3 em 3 anos; c) de ortóteses de posicionamento dos membros superiores e inferiores direitos; d) de ajudas de medicamentos; e) de assistência médica e de enfermagem nas áreas de medicina geral, neurocirurgia, ortopedia, fisioterapia, psicologia, terapeuta da fala, terapeuta ocupacional e reabilitação cognitiva; f) mesinha de cabeceira e tabuleiro de apoio; g) cadeira de banho». [40] Cfr., sobre a questão e por todos, ANA LUÍSA MONTEIRO DE QUEIROZ, Do Dano Biológico, 2013, págs. 34 e seguintes; ÁLVARO DIAS, Dano Corporal – Quadro epistemológico e aspectos ressarcitórios, 2001, pág. 123 e seguintes e MARIA DA GRAÇA TRIGO, Adoção do conceito de dano biológico pelo Direito Português, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda, vol. VI, 2012, pág. 653 e seguintes. [41] Cfr., inter alia, acórdãos do STJ de 10.02.98 e de 25.06.02, publicados na CJ, Acórdãos do STJ, ano VI, tomo 1º, pág. 66 e ano X, tomo 2º, pág. 128. [42] Segundo as Tábuas de Mortalidade relativas ao triénio 2014-2016, a esperança de vida à nascença em Portugal foi estimada em 77,61 anos para os homens e de 83,33 anos para as mulheres. [43] Cfr., neste sentido, ÁLVARO DIAS, ob. citada, pág. 297 e acórdãos do STJ de 3.06.2003 (processo nº 03A1270), de 18.12.2003 (03A3897), de 25.11.2009 (processo nº 397/03.0GEBNV.S1) e de 9.07.2014 (processo nº 686/05.0TBPNI.L1.S1), acessíveis em www.dgsi.pt. [44] De acordo com a informação colhida na base de dados PORDATA, o salário médio nacional no ano de 2011 cifrou-se no valor de €905,10. [45] De acordo com os enunciados fatores, considerando que a autora ficou afetada de um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica fixável em 91 pontos, temos que a perda patrimonial anual corresponde a €10.829,00 (€850,00 x 14) x 91%, o que permitiria alcançar, ao fim de 66 anos de vida (considerando-se, neste ponto, que à data do acidente a autora contava 17 anos de idade e que a sua esperança média de vida se situa nos 83 anos de idade), o montante de €717.714,00, apurando-se um valor indemnizatório de cerca de €540.000,00 após se operar o apontado desconto de ¼. [46] A montante aproximado se chega através da solução preconizada pelo Conselheiro SOUSA DINIS, em trabalho publicado na CJ, Acórdãos do STJ, ano V, tomo 2º, págs. 15 e seguintes e bem assim por RITA SOARES, O dano biológico quando da afetação funcional não resulte perda da capacidade de ganho – o princípio da igualdade, in Julgar, nº 33, pág. 126 e seguintes. [47] Cfr., por todos, ANTUNES VARELA, ob. citada, pág. 560 e MENEZES LEITÃO, ob. citada, pág. 318. [48] Sendo que, contrariamente ao que os apelantes preconizam, não haverá, neste domínio, que atender aos critérios enunciados na Portaria nº 377/2008, de 26.05 (com as alterações da Portaria nº 679/2009, de 25.06), dado que, conforme pacificamente se vem entendendo na casuística, os mesmos não são aplicáveis na fixação judicial da indemnização já que não são vinculativos, dada a sua natureza de indicadores da negociação extracontratual das indemnizações. [49] Ob. citada, pág. 561. [50] Ob. citada, pág. 103. [51] In Teoria Geral do Direito Civil, 2005, pág. 107. [52] Cfr., v.g., acórdãos do S.T.J. de 2.03.2011 (processo nº 1639/03.8TBBNV.L1-6ª secção) - arbitrou uma compensação de €400.000,00 a um lesado de 19 anos, com uma incapacidade funcional permanente de 95 pontos, com incapacidade total e permanente para o trabalho, necessitando de assistência permanente de terceira, em que as lesões sofridas, os seus tratamentos e suas sequelas provocaram dores lancinantes; não pode ter relações sexuais, nem prazer sexual, nem procriar; vive em permanente estado de amargura e angústia, tendo ficado com a expetativa de vida encurtada-, de 30.10.2014 (revista n.º 2313/08.4TVLSB.L1.S1 – 2.ª Secção, no qual se fixou idêntico valor), de 8.03.2005 (revista 4486/04-6ª) – fixou uma compensação de €250.000,00 a um lesado com 27 anos de idade que ficou na situação de tetraparésia -, de 29.10.2008 (processo nº 3380/05) – fixou uma compensação de €250.000,00 a um lesado de 17 anos, com um coeficiente de desvalorização de 45 pontos, dano estético de grau 6 e quantum doloris de grau 6, que deixou de poder descer e subir escadas, deixou de poder tomar banho sozinho, perda de relacionamento com o seu grupo de amigos, ansiedade e depressão clínica-, de 25.11.2009 (processo nº 397/03.0GEBNV.S1 – 3ª Secção), fixou uma compensação de €250.000,00 a um menor que ficou paraplégico, com quantum doloris de grau 6, de dano estético de grau 5, necessitando do apoio de terceira pessoa. [53] Para uma análise da casuística sobre esta temática, vide ANA PINHEIRO LEITE, A equidade na indemnização dos danos não patrimoniais, em especial págs. 65 e seguintes, trabalho acessível em https://run.unl.pt/bitstream/10362/16261/1/Leite_2015.pdf. [54] Cfr., neste sentido, acórdão do STJ de 8.05.2008, na revista 3818/07 – 7ª Secção; em idêntico sentido se pronuncia LAURINDA GEMAS, A indemnização dos danos causados por acidentes de viação – algumas questões controversas, in Julgar, nº 8, 2009, pág. 59. [55] Cfr., neste sentido, acórdãos do STJ de 19.05.2009 (processo nº 298/06.0TBSJM.S1), de 9.07.2014 (processo nº 686/05.0TBPNI.L1.S1), acessíveis em www.dgsi.pt. [56] Cfr., neste sentido, acórdãos do STJ de 8.05.2003 (processo nº 810/03), de 13.11.2003 (processo nº 3088/03) e de 4.12.2003 (processo nº 3512/03), acessíveis em www.dgsi.pt. [57] Em que é autor o Centro Hospitalar G…, E.P.E. e réus as entidades que igualmente foram demandadas no presente processo. |