Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | FERNANDES ISIDORO | ||
Descritores: | CONTRATO DE SERVIÇO DOMÉSTICO RESCISÃO ABANDONO DE TRABALHO | ||
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Nº do Documento: | RP2011112843/08.6TTLMG.P1 | ||
Data do Acordão: | 11/28/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO (SOCIAL) | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - O contrato de serviço doméstico pode cessar por rescisão com justa causa que tem de ser feita por escrito, onde constem os factos e circunstâncias que constituem justa causa de forma expressa e inequívoca; como pode configurar um despedimento de facto desde que decorra de comportamento concludente do empregador que exprima de forma unívoca e inequivocamente a vontade de rescindir o vínculo jurídico-laboral. II - A presunção de abandono do trabalho no contrato de serviço doméstico só pode ser ilidida pelo trabalhador mediante prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação da ausência e a cessação do contrato só é invocável pela entidade empregadora após comunicação registada, com aviso de recepção, para a última morada conhecida do trabalhador. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Registo 550 Proc. n.º 43/08.6TTLMG.P1 TTLMG (Sª. Ùª.) Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: I – B… intentou em 30.01.2008, a presente acção com processo comum contra C…, pedindo que, julgada procedente a acção: 1. Seja declarada a nulidade do despedimento, por ilícito, com as legais consequências: 2. Seja a R. condenada a pagar-lhe: - uma indemnização por antiguidade no valor de € 1.500,00; - a quantia de € 750,00, a título de férias não gozadas, subsidio de férias e de Natal correspondente ao período de 23 de Abril a 17 de Novembro de 2007; - as retribuições desde 30 dias antes da propositura da acção até à sentença; - a quantia de € 3.883,20, a título de trabalho suplementar; - a quantia que se vier a fixar por efeito da determinação do período de baixa médica; - Juros de mora à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento. Alega, para tanto e em síntese, que celebrou um contrato de trabalho com a Ré, com início em 23-04-2007, para sob as suas ordens, direcção e fiscalização exercer as funções de vigilância e assistência à mãe desta, mediante a remuneração mensal de € 500,00, no horário compreendido entre as 17h00 e as 9h00, de segunda a sexta-feira. Alega ainda que no dia 07-10-2007 sofreu um acidente que lhe determinou fractura de um pé e a impossibilidade de prestar o seu trabalho o que sucedeu até 17-11-2007, data em que comunicou a pretensão de o retomar; nesta data, porém, a Ré procedeu ao pagamento da quantia de € 250,00 comunicando-lhe verbalmente que estava despedida e que não lhe pagou as férias, subsídio de férias e de Natal, bem como o trabalho suplementar prestado. Frustrada a conciliação empreendida na audiência de partes, contestou a R., - e no que ao recurso releva - impugnou o alegado pela A., concluindo pela improcedência da acção, a sua absolvição do pedido e requerendo a condenação da A. em multa e indemnização no valor de € 1.000,00, por litigância de má fé. A A. apresentou resposta nos termos constantes de fls. 49 e seguintes, concluindo como na P.I. e pedindo a condenação da R. como litigante de má fé, em indemnização no valor de € 2.500,00, bem como no pagamento das despesas e honorários a liquidar em execução de sentença. A fls. 55 foi proferido despacho saneador, com dispensa da condensação do processo ao abrigo do disposto no art. 49º, nº 3 do C.P.Trabalho. Realizada a audiência de julgamento[1] (agora) com registo da prova produzida e fixada, sem censura, a matéria de facto considerada provada, foi na oportunidade proferida sentença que, julgando parcialmente procedente a acção, em consequência: - condenou a R. a pagar à A. a quantia de € 877,21, a titulo de créditos salariais vencidos, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, desde 8.Fev.2008 (fls.18) até efectivo e integral pagamento. - absolveu a as partes do pedido de condenação como litigante de má fé. Inconformada, apelou a A., pedindo o provimento do recurso, formulando para o efeito as seguintes conclusões: 1 – A decisão recorrida foi no sentido de condenar a R./recorrida parcialmente, e de absolver a R./recorrida, tendo o tribunal a quo valorado a sua decisão, com a argumentação de que não ficou provado que a R. tenha despedido a A e que o contrato de trabalho cessou por abandono do trabalho por parte da recorrente. 2 – Em primeira e fundamental linha, pensa a recorrente que a decisão sobre a matéria de facto foi incorrectamente tomada, pelo que, através do presente recurso, a impugna, tendo cumprido nas alegações o ónus a seu cargo imposto pelo art. 690º-A, nº 1 e 2 do CPC.. 3 – No nosso discernir, foram incorrectamente julgados, pelo menos, os artigos 8º, 12º, 17º, 18º a 20º, 27º, 34º, 37º e 38º da petição inicial e arts. 5º e 6º da resposta à contestação, tendo já indicado os meios probatórios em que nos baseamos para afirmar que se impunha decisão diversa sobre esses quesitos e tendo igualmente procedido à transcrição das passagens da gravação referentes a essa prova. 4 – Face ao teor dos depoimentos das testemunhas, D…, E…, mas sobretudo ao depoimento prestado pela testemunha, F… e supra transcritos, deveriam ter sido dados como provados os factos integradores da ilicitude do despedimento da A./recorrente, em conformidade com o que se encontra supra exposto e para onde remetemos a sua leitura. 5 – No caso sub Júdice, não havia qualquer motivo que determinasse a impossibilidade da manutenção da relação laboral, excepto a vontade da recorrida motivada pela contratação de uma outra funcionária que estava a ocupar o posto de trabalho da recorrente. 6 – Mas para além desta evidência, a R./recorrida não fez qualquer prova sobre a licitude daquele despedimento, nem alega qualquer motivo que justifique aquela actuação ilícita. 7 - Bem pelo contrário, dos depoimentos acima transcritos, resulta de forma clara e consistente, a nosso ver, que o despedimento foi perpetrado, verbalmente, pela R./recorrida em virtude de já ter contratado uma outra pessoa para o lugar da recorrente. 8 - Para além da prova clara e inequívoca confirmada pelos depoimentos das testemunhas acima referidas, dos seus depoimentos resulta, ainda, que a recorrente, depois do encontro que teve com a recorrida, em 17/11/2007, saiu descontente e incomodada pela forma incorrecta como a recorrida a despediu, tendo desencadeado, logo de seguida, uma série de atitudes que consistiram na procura da informação dos seus direitos, nomeadamente, ida à Inspecção do Trabalho, queixa à Segurança Social pela falta de pagamento das correspectivas prestações contributivas, uso dos serviços do Ministério Público do Tribunal do Trabalho de Vila Real, tudo reacções da recorrente à forma como a R./recorrida a despediu, factos esses que, também, não podem passar, como passaram ao tribunal a quo, despercebidos aos olhos da experiência comum, dos princípios da lógica e da intuição humana de um pater familias médio. 9 - Ademais, não pode, ainda, a recorrente aceitar a forma como a Mma. Juiz a quo, à revelia da prova produzida em auto e contra a própria lei, justifica, injustificadamente, que o contrato de trabalho cessou por abandono da recorrente. 10 - Conforme resulta da jurisprudência supra referida, para que ocorra a situação de abandono do trabalho, não basta que o trabalhador esteja ausente do serviço, é também necessário que tal seja acompanhado de factos que com toda a probabilidade revelem a intenção dele não retomar o trabalho. 11 - Ora, a presunção legal de abandono do trabalho estabelecida no nº 2, do art. 34º do D.L. nº 235/92, de 24 de Outubro, é uma presunção iuris tantum, que pode ser elidida pelo trabalhador através da comunicação do facto impeditivo da sua comparência ao trabalho. 12 - Como resulta do testemunho prestado pelas diversas testemunhas e dos factos dados como provados pela Sra. Juiz a quo, a A./recorrente, no dia do acidente, telefonou para a R./recorrida a dizer-lhe que tinha partido um pé e que não podia ir trabalhar. 13 - Deste modo, sendo do conhecimento da R./recorrida que a A./recorrente tinha sofrido um acidente incapacitante que lhe determinou a sua ausência ao trabalho, não pode haver outra interpretação que não seja a de que a presunção do abandono do trabalho foi elidida pela recorrente, cumprindo, desta forma, o disposto no nº 3 do referido art. 34º. 14 - Estando elidida a presunção de abandono do trabalho, a invocação da cessação do contrato de trabalho por parte da entidade patronal equivale a um despedimento do trabalhador, que, por não ter sido precedido do processo disciplinar, se tem de considerar ilícito. 15 - Como não foi instaurado qualquer procedimento disciplinar à A./recorrente por parte da R./recorrida, só se poderá concluir pela ilicitude do despedimento daquela, com as demais consequências legais. 16 - Por outro lado, e conforme resulta do disposto no nº 5, do art. 34º, do D.L. nº 235/92, de 24 de Outubro, para que a entidade patronal possa invocar a cessação do contrato é necessário que faça ao trabalhador a comunicação registada, com aviso de recepção, o que também não foi feito pela recorrida. 17 - Pelo que também por aqui não restava outra alternativa ao tribunal a quo que não fosse a de declarar que a recorrente fora despedida de forma ilícita. 18 - Em relação à negação do horário de trabalho da recorrente, não aceita a recorrente que a Mma. Juiz a quo tenha dado como não provado que a A. trabalhava 80 horas por semana. 19 - Face à prova produzida em sede de Audiência e julgamento e acima transcrita, permite-nos ter a certeza, e com base no rigor legal e transparência decisória, de que incumbia à Mma. Juiz a quo dar como provado que: “A A. trabalhou para a R. 80 horas por semana, durante 120 dias (desde 23 de Abril a 07 de Outubro de 2007)” 20 - E a convicção da A./recorrente advém-lhe do disposto no art. 13º, nº 1, do D.L. nº 235/92, de 24/10, que prescreve que o período normal de trabalho não pode ser superior a 44 horas semanais, bem como dos depoimentos prestados pelas testemunhas, D…, G… e E… e supra transcritos. 21 – Como ficou sobejamente provado, o estado físico e de saúde da Sra. I… era de tal forma débil, que a mesma estava, absolutamente, dependente dos cuidados de assistência e de vigilância permanente de terceiros, factos esses que foram testemunhados pelas testemunhas, G… e E…, e que a instâncias relataram alguns episódios de crises daquela Sra. que justificavam a permanência, a tempo inteiro, de uma funcionária a vigiar a Sra. acamada. 22 – Pelo que, no nosso entendimento, ficou sobejamente provado que o horário de trabalho da recorrente, que consistia em assistir a Sra. acamada na sua higiene e nos tratamentos médicos, alimentar, medicar e vigiar, começava às 17:00 horas e terminava às 9:00 horas do dia seguinte, de Segunda-Feira a Sábado. 23 - Em relação aos factos constantes nos artigos 12º e 17º da petição inicial, porque admitidos, por confissão de parte, não restava ao tribunal a quo outra alternativa, no cumprimento do nº 2, do art. 490º do CPC, que era a de dar como provados os factos confessados nos arts. 20º e 26º da contestação da R./recorrida. 24 – Mas para além da confissão de parte, estes factos foram ainda comprovados pelo testemunho de D… e de F…, bem como através da informação clínica junta aos autos. 25 – Em relação à determinação do período de incapacidade que a recorrente sofreu por causa do acidente, não pode a recorrente, face às diligências encetadas e aos requerimentos que a mesma efectuou ao tribunal a quo, concordar com a resposta negativa à matéria de facto vertida nos arts. 37º e 38º da p.i.. 26 – A prova àquela matéria de facto só pode ser produzida por relatório médico. 27 – O tribunal a quo ao aceitar a informação clínica junta aos autos pelo Sr. Director Clínico do Centro Hospitalar … sem que o mesmo tivesse respondido às questões que o próprio tribunal a quo lhe colocou, deixou de prover à descoberta da verdade material, num claro prejuízo patrimonial da A./recorrente. 28 – Com o devido respeito, a resposta negativa aos factos supra referenciados constitui uma omissão de acção em busca da verdade material e uma incongruência do tribunal a quo. 29 - Assim, nos termos do art. 712º, nºs, 3, 4 e 5 do CPC, requer-se a baixa dos autos ao tribunal de 1ª Instância, a fim de ser ordenado ao Centro Hospitalar … a determinação do período de tempo em que a recorrente esteve incapacitada para o trabalho, por efeito do acidente sofrido no dia 08 de Outubro de 2007 e para que, desta forma, se possa fazer prova ao que vem alegados nos arts. 37º e 38º da petição inicial e, consequentemente, se condene a recorrida no pagamento daqueles dias, na medida em que a recorrente não beneficiou de qualquer retribuição, porque a recorrida não tinha feito quaisquer descontos salariais para a Segurança Social. 30 – Assim sendo, a Mma. Juiz a quo errou na apreciação da prova, pelo que os elementos fornecidos pelo processo impõem uma decisão diversa da que foi tomada pelo Tribunal a quo. 31 – Depois destas conclusões e de todo o seu alcance, é lícito afirmar que o Sr. Juiz recorrido devia ter enquadrado juridicamente os factos como integrantes da ilicitude do despedimento e consequentemente, ter condenado a recorrida na indemnização devida à recorrente. 32 – Assim não se tendo entendido e decidido, não se fez a melhor e mais correcta interpretação e aplicação ao caso sub judice das pertinentes disposições legais, nomeadamente, os arts. 387º, 396º, 429º todos do C. do Trabalho, arts. 13º e 34º do D.L. nº 235/92, de 24/10, 653º, nº 2, 515º e 712º, nºs 3, 4 e 5 e todos do C.P.C.. A R. apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da sentença. O Exmº. Magistrado do Mº Pº nesta Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. II – Factos É a seguinte a factualidade dada como provada a quo: 1. Autora e Ré celebraram entre si um contrato de trabalho verbal sem limitação temporal, que teve o seu início no dia 23 de Abril de 2007. 2. Por esse contrato comprometeu-se a Autora a prestar sob as ordens, instrução e fiscalização da Ré as suas funções de vigilância e assistência á Sr.ª I…, mãe da Ré. 3. Em contrapartida, renumerava, mensalmente, a Ré a Autora com a quantia de € 500,00. 4. No exercício das suas funções a Autora procedia aos cuidados de assistência, limpeza e higiene da Sr.ª I…, que se encontrava acamada. 5. Dava-lhe o jantar e o pequeno-almoço, que lhe levada ao seu quarto, bem como lhe dava a respectiva medicação. 6. Permanecia, durante o período de trabalho, no quarto ao lado da Sr.ª I…, na casa sita no …, nº ., Vila Real. 7. E sempre tomou as refeições do jantar e pequeno-almoço em casa da Sr.ª I…. 8. A Autora entrava às 17h00 e saía às 9h00, com intervalo de descanso entre as 23h00 e as 7h00. 9. A Ré sempre pagou o salário à Autora e dinheiro nunca lhe tendo sido entregue quaisquer recibos de salário. 10. A Ré procedeu a descontos para a Segurança Social posteriormente à cessação do contrato. 11. No dia 7 de Outubro a Autora sofreu um traumatismo no pé esquerdo. 12. A Autora logo após o acidente comunicou, imediatamente, à Ré, via telefone, o sucedido. 13. Em 17 de Novembro de 2007 apesar de andar com o pé engessado, mas sentindo que poderia retomar o seu trabalho comunicou á Ré que pretendia voltar ao seu trabalho. 14. Na sequência dessa comunicação a Autora deslocou-se a casa da mãe da Ré. 15. A Ré pagou à Autora € 250,00 em dinheiro. 16. Para além da Autora, que trabalhava no período supra citado, prestavam assistência à Srª I…, a funcionária G… durante o período diário das 9h00 às 17h00, de segunda a sexta-feira. 17. E nos fins-de-semana e feriados era a funcionária E… quem lhe prestava essa assistência e cuidados. 18. A Autora não gozou férias nem recebeu o correspondente subsídio de férias. 19. Também não recebeu o respectivo subsídio de Natal. 20. A Ré é um dos sete filhos da referida D. I…. 21. Todos os filhos deste decidiram conferir a sua mãe o apoio e assistência necessários que implicariam a ministração de medicamentos, a alimentação, a higiene pessoal e a vigilância. 22. No dia 21 de Abril de 2007 a Ré recebeu a Autora em casa da mãe sita no …, ., Vila Real. 23. Foi estipulado e acordado o pagamento mensal global da quantia de € 500,00 à Autora por prestar à mãe da Ré os seguintes serviços: Entrada às 17h000, de segunda a sexta-feira. Servir o jantar à mãe da Ré, ministrando-lhe os medicamentos prescritos. Descanso a partir das 23 horas até às 7 horas do dia seguinte. Durante a noite não havia toma de qualquer medicamento. Preparar e servir o pequeno-almoço tomando a Autora essa refeição, na casa. Saída do serviço às 9 horas, momento em que chegava outra pessoa que a substituía; Durante a noite a Autora podia dormir. 24. O dinheiro para os pagamentos era pertença da mãe da Ré. 25. No dia 7 de Outubro de 2007 a Autora telefonou a dizer que tinha deslocado um pé pelo que não podia ir trabalhar. 26. Por isso foi necessário encontrar outra pessoa que a substituísse, o que veio a ser possível pela disponibilidade de J…. 27. Também a aqui Ré e seus irmãos tentaram resolver o problema, solicitando à J… que ficasse a semana toda, o que veio a acontecer. 28. E a partir dessa data a Autora não mais contactou com a Ré ou com qualquer um dos seus irmãos, bem como também não mais enviou qualquer informação para casa da D. I…. 29. No dia 16 de Novembro de 2007 informou que passaria no dia seguinte. 30. No dia 17 de Novembro a Autora foi a casa da D. I… tendo-lhe sido entregue a quantia de € 250,00, em dinheiro, que a Autora aceitou. 31. A Autora não mais compareceu ao trabalho desde o dia 7 de Outubro de 2007 nada mais informando desde esse dia. 32. A Autora dormia todas as noites em casa da Sr.ª D. I…. 33. Foi a Ré quem contratou a Autora e quem sempre lhe deu ordens e pagou o salário, sempre em dinheiro, sem que alguma vez lhe tivesse entregue qualquer recibo. 34. A Autora dirigiu-se aos serviços do Ministério Público de Vila Real. 35. Durante o tempo em que a Autora prestou assistência à mãe da Ré só ali viu as filhas da F... e K…. III – Do Direito De harmonia com o disposto nos artigos arts 684º/3 e 685º-A do CPCivil[2], aplicável ex vi do arts 1º/2, a) e 87º/1 do CPT, é consabido que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões alegatórias do recorrente, com ressalva da matéria de conhecimento oficioso que no caso em apreço se não vislumbra. Em função destas premissas, são as seguintes as questões a conhecer: 1. Questão de facto: Impugnação da matéria de facto; 2. Questão de direito: Se ocorreu despedimento ilícito e não abandono do trabalho pela A. e suas consequências, quanto à condenação na indemnização pedida. 1. Questão de facto A este propósito importa apreciar se, como diz a A/recorrente, foram incorrectamente julgados os artigos 8º, 12º, 17º, 18º a 20º, 27º, 34º, 37º e 38º da petição inicial e arts. 5º e 6º da resposta à contestação, devendo todos eles - quer os relativos à ilicitude de despedimento, horário de trabalho (8º, 34º), participação à ACT e Segurança Social (5º e 6º da resposta) - ser dados como provados. Vejamos. Dispõe a este respeito o Código de Processo Civil: -No art. 712º/1-a): “a decisão do tribunal da 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685º-B, decisão com base neles proferida”. -Por sua vez, o art. 685º-B/1, estabelece que quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: “- Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados [a)]; - Quais os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [b)].” -E o nº 2, por seu turno, acrescenta que: “No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento de erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 522º-C., incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.” -Já o referido nº 2 do art. 522º-C dispositivo do mesmo diploma precisa que “quando haja lugar a registo áudio ou vídeo, deve ser assinalado na acta o inicio e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento, de forma a ser possível uma identificação precisa e separada dos mesmos.” In casu, houve gravação da prova pessoal produzida em audiência. Para além disso, como vimos, a recorrente indicou quais os pontos de facto considerados incorrectamente julgados. Especificou também os meios probatórios pessoais (depoimentos das testemunhas, D…, E…, mas sobretudo ao depoimento prestado pela testemunha, F…, bem como relativamente ao horário também o de G… e a confissão de parte nos arts 20º e 26º da contestação) e o documental (informação clínica junta aos autos(?)). E embora o não tenha feito nas conclusões, o certo é que nas alegações, em nosso entender, procedeu à avaliação critica dos depoimentos assim prestados de modo a permitir ao tribunal aferir da bondade da sua pretensão. Por outro lado, ainda nas alegações, indicou o momento relevante dos respectivos registos a cuja transcrição dos excertos ali procedeu. Já em relação ao documento - informação clínica junta aos autos - , basta-se apenas com uma menção genérica e não situada nos autos, sem referência ao seu objecto, bem como ao local e/ou número de páginas do processo onde se encontra ou ao articulado com que eventualmente foi junto. Cremos porém tratar-se de relatório médico referido na acta de fls 199/201. E sendo-o, não obstante o seu teor, (que melhor se apreciará infra), parece-nos que em termos formais nada obsta à respectiva apreciação. Por outro lado, urge esclarecer que a reapreciação da matéria de facto em sede de 2ª instância deve ser feita com todo o cuidado e ponderação, sendo que os meios de prova indicados pelo apelante devem ser inseridos e valorizados no complexo global da prova adrede produzida, de molde a não ser postergado o princípio fundamental da livre apreciação das provas por parte do tribunal da 1ª instância (cfr. art. 655º/1 do CPC[3]), porque ancorado, como é sabido, nestoutros relevantes, da imediação e da oralidade.[4] Por isso, com esta ressalva, se dirá que a garantia de duplo grau de jurisdição, em sede de matéria de facto, determina que a Relação na reapreciação dos concretos meios probatórios deve proceder com plena autonomia, pelo que a modificação da decisão factual nos termos pretendidos só deve ocorrer se este tribunal ad quem, na percepção da prova disponível adquirir convicção diversa da firmada pelo tribunal a quo. In concretum: Desde logo, em relação ao - horário de trabalho - pretende o apelante que face à prova produzida em sede de audiência e julgamento e com base no alegado nos arts 8º e 34º da petição inicial, devia ter sido dado como provado que: “A A. trabalhou para a R. 80 horas por semana, durante 120 dias (desde 23 de Abril a 07 de Outubro de 2007).” A este propósito e com base no alegado nos mencionados artigos da p.i. foi dado como provado o facto constante do nº 8 dos ‘Factos provados’, ou seja que “A Autora entrava às 17h00 e saia às 9h00, com intervalo de descanso entre as 23h00 e as 7h00.” Ora, a factualidade que o recorrente pretende ver provada encerra matéria valorativa e conclusiva, portanto sem o concreto suporte factual, que estribe o depoimento das testemunhas, pois o que realmente importa saber é a hora de inicio e o termo da respectiva laboração e não a obtenção da conclusão de que “a A. trabalhou para a R. 80 horas por semana, durante 120 dias.” E sendo assim não pode esta materialidade ser considerada provada, e sendo-o teria sempre de reputar-se como não escrita por aplicação analógica do disposto no art. 646º/4 do CPC. E como a factualidade relevante já consta como provada (facto nº8), improcede pois a alteração pretendida. No tocante aos factos constantes dos arts 12º a 17º da p.i,. sustenta o apelante que foram admitidos por confissão de parte, nos arts 20º e 26º da contestação (art. 490º/2 do CPC) e, além disso, ainda comprovados pelo testemunho de D… e de F…, bem como através da informação clínica junta aos autos (onde?). Alega-se no art. 12º (Pi): Após o acidente, a A. foi assistida no Hospital de …, que atenta a gravidade das lesões, foi imediatamente, transferida para o Hospital …; Alega-se no art. 17º (Pi): E no quarto desta, a Ré procedeu ao pagamento à A., em dinheiro, da quantia de 250,00€ referentes a créditos de trabalho que esta tinha prestado, mas ainda não pagos. A este propósito, vem provado o que consta dos pontos de facto nº 11 e 25, quanto ao alegado em 12 da PI; e 15 e 30, quanto ao alegado em 17 da PI, que brevitatis causa aqui se dão como reproduzidos. Ora, diz-se no art. 20º da Contestação que “no dia 8.Outubro.2007, a A. telefonou a dizer que tinha deslocado um pé e que estava no Hospital … pelo que não podia ir trabalhar”; e no referido art. 26º consigna-se que “E desse modo, no dia 17 de Novembro de 2007, a A. foi a casa da D. I… para receber os dias que havia trabalhado no mês de Outubro de 2007, tendo-lhe sido entregue a quantia de € 250,00 em dinheiro.” Ora, esta materialidade - com excepção da referente ao ter “sido assistida no Hospital …” e ainda do segmento confessado pela Ré “para receber dias que havia trabalhado no mês de Outubro de 2007” -, foi acolhida na factualidade provada, sendo certo que o conteúdo da invocada informação clínica ao confirmar o traumatismo do pé esquerdo se mostra igualmente acolhido no ponto 11 dos factos provados. A assistência no Hospital … é também confirmada no depoimento do D…, companheiro da Autora; o outro segmento decorre da confissão da Ré (art. 20 da contestação). Assim, mantendo o mais altera-se a redacção dos pontos 11 e 30 dos factos provados, de modo a ficar consignado: 11. “No dia 7 de Outubro a Autora sofreu um traumatismo no pé esquerdo, tendo sido assistida no Hospital …”. 30. “No dia 17 de Novembro a Autora foi a casa da D. I… para receber dias que havia trabalhado no mês de Outubro de 2007, tendo-lhe sido entregue a quantia de € 250,00, em dinheiro, que a Autora aceitou.” Quanto ao despedimento, o recorrente traz à colação os arts 18º a 20º e 27º da Pi. que ao invés do decidido pelo tribunal a quo – não provados (cfr. fls 208) – entende que deveriam ter sido dados como provados. Sustenta tal pretensão nos depoimentos de D…, E…, mas sobretudo ao depoimento prestado pela testemunha, F…. Ali se alega, com efeito: 18. Contudo e sem que nada o fizesse prever, a R., na presença de sua mãe e de outra funcionária que também lhe presta assistência durante os fins de semana e feriados, de nome E…, 19. Depois de lhe ter entregado os 250,00 €, inesperada e inexplicavelmente, a Ré comunica à A., verbalmente, que «está despedida»; «baldou-se para o trabalho»; «partiu o pé só para lhe dar regalias sociais». 20. Tendo-lhe ainda dito que «estava proibida de falar com as restantes funcionárias que cuidavam de sua mãe» 27. A R. limitou-se a fazer cessar o contrato de trabalho mediante uma simples comunicação verbal. Antes de mais diremos que a materialidade vertida no art. 27 tem natureza valorativa e conclusiva, pelo que, tal como se disse supra relativamente ao trabalho suplementar, sempre seria subsumível ao disposto no art. 646º/4 do CPC e, para obviar à sua consideração como não escrita, é como tal de rejeitar. Relativamente à demais factualidade – arts 18º a 20º – ouvidos os depoimentos de D… e E… em simultâneo com a leitura da transcrição dos excertos dos mesmos efectuados pela recorrente verificamos no que toca ao D…, companheiro da recorrente e que sempre a acompanhou, que o mesmo porém não presenciou o despedimento da A. já que não entrou em casa da mãe da R. onde alegadamente o mesmo terá ocorrido; referiu apenas ter ouvido a conversa que a sua companheira antes, em Novembro de 2007 teve com a R. mas porque estava ao seu lado quando do contacto por telemóvel. Este depoimento, porém, dado o circunstancialismo em que ocorreu, afigura-se-nos como de outiva parcial, comprometido, e pouco credível, atento o efeito visado. Já a E…, disse que trabalha em casa da mãe da R. assistindo-a e vigiando-a e que ali se encontrava na altura em que a A. lá se deslocou, em meados de Novembro de 2007, mas que não esteve no quarto da doente onde o diálogo decorreu e não “ouviu nada da conversa”, pelo que não sabe o que se passou, apercebendo-se apenas que a A. vinha “com cara de chateada”. Também o depoimento de F… nada de relevante a este propósito acrescenta, referindo apenas que em Outubro a A. telefonou a avisar que se tinha magoado e não ia trabalhar nesse dia; porém, nunca mais apareceu nem fez qualquer contacto ou enviou qualquer informação para casa da mãe da R., perante o que tiveram que a substituir. Em meados de Novembro a A. telefonou a informar que pretendia receber pelo que fizeram as contas a pagaram-lhe € 250,00. Em sua opinião, ela quereria retomar o serviço, mas entretanto já haviam contratado outra pessoa. Parece-nos assim que esta factualidade não tem a virtualidade almejada pela recorrente e que o tribunal a quo, nesta perspectiva, decantou, também, a essência dos factos que, em nossa convicção, emergiram de tais elementos probatórios. No que tange aos factos vertidos nos arts 37º e 38º da pi, ali se alegava: 37. A A. tem ainda direito a ser indemnizada pela R. pelos períodos em que esteve de baixa médica, pois esta desde o dia 7 de Outubro até à alta médica não recebeu qualquer contribuição. 38. Desconhecendo porém qual o período de tempo em que esteve incapacitada para o trabalho e quais os graus de incapacidade atribuídos à A. durante o período de doença. Tais factos obtiveram a resposta “ Não provados.” Diz a propósito a recorrente que o tribunal a quo ao aceitar a informação clínica junta aos autos pelo Sr. Director Clínico do Centro Hospitalar … (será a de fls 203?) sem que o mesmo tivesse respondido às questões que o próprio tribunal a quo lhe colocou, deixou de prover à descoberta da verdade material, num claro prejuízo patrimonial da A./recorrente. Dir-se-à, antes de mais, que não se trata, no caso, de um acidente de trabalho, subsumível qua tale à disciplina do art. 6º e ss da L. 100/07, de 13.09(LAT) e respectivo regulamento ( DL 143/99, de 30.04), nem et pour cause contende com direitos indisponíveis e irrenunciáveis de exercício oficioso, arts 35º da LAT e 26/2 do CPT. Por outro lado, não se demonstra que a A. tenha apresentado justificação da sua situação clínica nem da necessidade ou situação de baixa médica. Na verdade, estamos perante um contrato individual de trabalho em que se trata de averiguar a existência de direitos, em regra da disponibilidade da parte que os invoca, e a quem incumbirá sempre a prova dos factos configuradores (art. 342º/1 do CC). E incumbindo à A./recorrente comprovar a sua situação clínica, quiçá através de exames e relatórios médicos, inclusivé obtidos através de serviços da assistência social ou da segurança social, não pode a respectiva omissão ou negligência ser suprida, em substituição pelo tribunal, a quem compete nesta perspectiva atento o principio da cooperação, apenas uma iniciativa suplementar daquela que originariamente incumbe sempre às partes. Aliás, neste particular, a decisão fundamentadora mostra-se bem suportada no despacho de motivação pelo que nada mais se impõe acrescentar ao ali, a este respeito, exarado. Assim sendo, inexistem os pressupostos para a requerida remessa dos autos ao tribunal a quo a fim de se proceder à notificação do Centro Hospitalar … para que seja determinado o período de tempo de incapacidade para o trabalho da recorrente por efeito do acidente tido em 8(?).Outubro.2007 -, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 712º/3, 4 e 5 do CPC, Logo, mantendo-a no mais, apenas se altera a decisão de facto quanto aos pontos e nos termos a seguir indicados: 11. “No dia 7 de Outubro a Autora sofreu um traumatismo no pé esquerdo, tendo sido assistida no Hospital …”. 30. “No dia 17 de Novembro a Autora foi a casa da D. I… para receber os dias que havia trabalhado no mês de Outubro de 2007, tendo-lhe sido entregue a quantia de € 250,00, em dinheiro, que a Autora aceitou.” Assim procede parcialmente esta suscitada questão de facto. 2. Do mérito A este propósito a questão fulcral a apreciar é tão só a de saber se ocorreu despedimento ilícito promovido pela Ré ou abandono do trabalho pela Autora. (e suas consequências, quanto à condenação na indemnização pedida) Não se questiona que estamos in casu perante um contrato de trabalho de serviço doméstico – consabidamente um contrato de trabalho com regime especial - que se encontra regulado no DL 235/92, de 24.10. Por força do art. 11º do CT/2003[5] - aprovado pelo DL 99/2003, de 27.08, a que o caso em apreço se subsume, por ser o Código em vigor à data dos factos, ou seja, Outubro/Novembro. 2007 - a este tipo de contratos aplicam-se as regras gerais do referido Código que não sejam incompatíveis com a especificidade desses contratos.[6] Segundo a «definição», do art. 2º do referido DL 235/92: “Contrato de serviço doméstico é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a outrem, com carácter regular, sob a sua direcção e autoridade, actividades destinadas à satisfação das necessidades próprias ou específicas de um agregado familiar, ou equiparado, e dos respectivos membros, nomeadamente: a)…b)…c)… d) Vigilância e assistência a crianças, pessoas idosas e doentes.” Resulta dos factos provados que Autora e Ré celebraram entre si um contrato de trabalho verbal sem limitação temporal, que teve o seu início no dia 23 de Abril de 2007, pelo qual a Autora comprometeu-se a prestar sob as ordens, instrução e fiscalização da Ré as suas funções de vigilância e assistência á Sr.ª I…, mãe da Ré, mediante a retribuição mensal de € 500,00. Efectivamente, no exercício das suas funções a Autora procedia aos cuidados de assistência, limpeza e higiene da Sr.ª I…, que se encontrava acamada, dava-lhe o jantar e o pequeno-almoço, que lhe levava ao seu quarto, bem como lhe dava a respectiva medicação. Subsumindo esta factualidade ao normativo transcrito, parece-nos não subsistirem duvidas de que entre as partes foi celebrado um contrato de serviço doméstico. Sustenta a Autora que foi despedida, verbalmente, pela Ré/recorrida em virtude de já ter contratado uma outra pessoa para o lugar da recorrente, o que leva a concluir pela ilicitude do seu despedimento. Ora, sob formas de «cessação do contrato», diz o art. 27º do referido regime legal, que “O contrato de serviço doméstico pode cessar: a) Por acordo das partes; b) Por caducidade; c) Por rescisão de qualquer das partes, ocorrendo justa causa; d) Por rescisão com aviso prévio.” E sob a epigrafe de «Rescisão com justa causa», estabelece por sua vez o art. 29º do mesmo diploma: 1-Constitui justa causa de rescisão qualquer facto ou circunstância que impossibilite a manutenção, atenta a natureza especial da relação em causa, do contrato de serviço doméstico. 2-Ocorrendo justa causa, qualquer das partes pode pôr imediatamente termo ao contrato. 3-No momento da rescisão do contrato devem ser referidos pela parte que o rescinde, expressa e inequivocamente, por escrito, os factos e circunstâncias que a fundamentem. 4-A existência de justa causa será apreciada tendo sempre em atenção o carácter das relações entre as partes, nomeadamente a natureza dos laços de convivência do trabalhador com o agregado familiar a que presta serviço. Daqui decorre que uma das formas de cessação do contrato de trabalho de serviço doméstico é a rescisão por qualquer das partes ocorrendo justa causa. Neste caso e como excepção ao regime geral, segundo Carlos Alegre[7] não é necessária a elaboração de um processo disciplinar. A única formalidade a observar, sob pena de a rescisão poder vir a ser considerada nula, é a comunicação por escrito de duas coisas: a) os factos e circunstâncias que constituem justa causa e, por isso, fundamentam a rescisão; b) a decisão de rescindir o contrato de forma expressa (não subentendida) e inequívoca de forma a não deixar duvidas no seu destinatário. Por outro lado, o despedimento pode também assumir-se como declaração negocial rescisória e receptícia, i.é, carece de ser dada a conhecer a um destinatário (neste caso o trabalhador despedido), tornando-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dela conhecida. (art. 224º/1 do CC). A declaração de despedimento pode portanto ser expressa ou tácita, sendo que neste caso se “deduz de factos que, com toda a probabilidade a revelam.”(cfr. art. 217º/1 CCivil). É o que se passa com o chamado despedimento de facto[8], o qual se verifica quando a entidade patronal impede o trabalhador de retomar o seu posto de trabalho. Necessário é porém que o trabalhador prove não só a materialidade do facto impeditivo da retoma do seu posto de trabalho por iniciativa da entidade empregadora, como também que tal facto se configura em termos tais que não seja possível qualquer dúvida quanto ao seu sentido, qual seja, o de exprimir unívoca e inequivocamente a vontade de rescindir o vínculo jurídico-laboral (art. 342º/1 do CCivil). Ora, dos factos provados não resulta que a Autora tenha sido despedida, verbalmente, ainda que sem precedência de qualquer processo disciplinar[9], conforme vem por si alegado. Com efeito, a este respeito dos factos provados apenas resulta que “no dia 17 de Novembro a Autora foi a casa da D. I… para receber os dias que havia trabalhado no mês de Outubro de 2007, tendo-lhe sido entregue a quantia de € 250,00, em dinheiro, que a Autora aceitou.” Porém, não resultou provado que a Ré lhe tenha dito que estava despedida, nem sequer se evidencia factualmente qualquer comportamento da ré que de forma clara e inequívoca denuncie o despedimento da A. por banda da recorrida. Nesta parte tem pois a pretensão da A. de soçobrar. Por seu turno, ao invés do alegado pela Ré, a A/recorrente acrescenta não poder aceitar a tese da sentença recorrida de que o contrato de trabalho cessou por abandono da recorrente. Analisemos. Sob a epigrafe “Abandono do trabalho” dispõe o artigo 34º, do citado regime legal, que: 1 - Considera-se abandono do trabalho a ausência do trabalhador ao serviço acompanhada de factos que, com toda a probabilidade, revelem a intenção de o não retomar. 2 - Presume-se abandono do trabalho a ausência do trabalhador ao serviço num período de 10 dias sem que a entidade empregadora tenha recebido comunicação do motivo da ausência. 3 - A presunção estabelecida no número anterior pode ser ilidida pelo trabalhador mediante prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação da ausência. 4 - O abandono do trabalho vale como rescisão do contrato e constitui o trabalhador na obrigação de indemnizar a entidade empregadora de acordo com o estabelecido no artigo anterior. 5 - A cessação do contrato só é invocável pela entidade empregadora após comunicação registada, com aviso de recepção, para a última morada conhecida do trabalhador. Resulta dos factos provados que no dia 7 de Outubro a Autora sofreu um traumatismo no pé esquerdo o que comunicou, imediatamente, à Ré, via telefone. Mas a partir dessa data, a Autora não mais contactou com a Ré ou com qualquer um dos seus irmãos, bem como também não mais enviou qualquer informação para casa da D. I…. No dia 16 de Novembro de 2007 informou que passaria no dia seguinte, pretendendo retomar o trabalho. Ora, não obstante no dia 7 de Outubro a Autora ter comunicado a lesão no pé esquerdo, o certo é que desde então e até ao dia 16 de Novembro não mais comunicou o motivo da sua ausência nem fez prova de se encontrar incapacitada para o trabalho durante todo aquele período. Pode assim presumir-se o abandono do trabalho, presunção só ilidível mediante prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação da ausência, o que a Autora não logrou fazer. Com efeito, não resulta dos factos provados que a Autora tenha comunicado á Ré a impossibilidade de se apresentar ao serviço durante todo aquele período levando esta a presumir que a mesma simplesmente abandonou o trabalho. Não obstante, conforme resulta do citado preceito, a cessação do contrato só é invocável pela entidade empregadora após comunicação registada, com aviso de recepção, para a última morada conhecida do trabalhador, situação que não resulta dos autos, pelo que jamais poderia operar validamente o abandono do trabalho por banda da autora/recorrente. Nesse pressuposto não se configurando factualmente terá de concluir-se pela improcedência do pedido da Autora no que tange à ilicitude do despedimento e respectivas consequências legais e outrossim pela não extinção do referido vínculo laboral entre a recorrente e recorrida. E porque assim, quer quanto à ilicitude do despedimento, quer quanto às suas consequências, mormente condenação da recorrida na vindicada indemnização[10] tem o presente recurso de soçobrar. Em conformidade, nesta perspectiva, não se acolhem as conclusões adrede formuladas pela recorrente. Em resumo e sumariando: 1. Na apreciação da matéria de facto quanto à prova documental é ónus do recorrente indicar a espécie de documento e a sua localização no processo, precisando o número da página ou páginas em que se encontra ou a acta ou o articulado com que foi junto, não bastando mera referência genérica e não situada nos autos. 2. Atento o princípio da cooperação, salvo em acções que correm oficiosamente, a actividade do tribunal deve ser sempre subsidiária ou supletiva da actividade originária da parte. 3. O contrato de serviço doméstico pode cessar por rescisão com justa causa que tem de ser feita por escrito, onde constem os factos e circunstâncias que constituem justa causa de forma expressa e inequívoca; como pode configurar um despedimento de facto desde que decorra de comportamento concludente do empregador que exprima de forma unívoca e inequivocamente a vontade de rescindir o vínculo jurídico-laboral. 4. A presunção de abandono do trabalho no contrato de serviço doméstico só pode ser ilidida pelo trabalhador mediante prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação da ausência e a cessação do contrato só é invocável pela entidade empregadora após comunicação registada, com aviso de recepção, para a última morada conhecida do trabalhador. A apelação tem, desta sorte, de improceder. IV. Decisão Perante o exposto acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação. Custas pela recorrente, sem prejuízo do beneficio do apoio judiciário de que beneficia. Porto, 2011.11.28 António José Fernandes Isidoro Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho António José da Ascensão Ramos _____________ [1] Em repetição, em consequência do deferimento pelo tribunal a quo da alegada nulidade por falta de gravação de prova na primeira audiência de julgamento realizada nos autos, cuja sentença consta de fls 117/124 (cfr. despacho de fls 317/318). [2] Versão introduzida pelo DL 303/2007, de 24.08 (cfr os arts 11º/1 a contrario e 12º, respectivamente). [3] O que significa que a prova é apreciada e valorada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou a critérios pré-estabelecidos, assim formando a sua íntima convicção sobre os factos da causa (cfr. Alberto dos Reis, CPC anotado, 1981, vol. IV, 570 e L Freitas, CPC anotado, ano 2001, vol. 2º, p. 635). [4] Ver, a propósito, Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II volume, 4ª edição, ps 267. [5] De modo idêntico prescreve também o art. 9º do CT/09, aprovado pela L 7/2009, de 12.02. [6] Vd Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 26.04.2010, in Trabalho & Segurança Social, Revista de Actualidade Laboral, Julho 2010, ps 17/20. [7] Cfr. Contrato de Serviço Doméstico, Direito e Ciência Jurídica, vega universidade, 1ª edição, 1994, p. 49. [8] Também designado por «despedimento tácito» ou «despedimento indirecto» como refere Furtado Martins, in Cessação do Contrato de Trabalho, 2ª edição revista e actualizada, p. 74 e ss e jurisprudência aí citada (nota 4). [9] Cfr a propósito o que escreveu Carlos Alegre, ob e loc. citados (supra nota 7). [10] Segundo Fraústo da Silva só no caso de reintegração (que depende de acordo do empregador) importaria o pagamento das remunerações intercalares que, de outro modo, e também ao contrário do que sucede no regime geral, não terão que ser satisfeitas. Cfr. Em Torno do Contrato de Serviço Doméstico Pront., nº60 (2001), ps 125/126; e Sobre a Exigência Legal de Forma Escrita para o Despedimento no Contrato de Serviço Doméstico, QL nº 16 (2000), p 234/235. |