Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2610/10.9TMPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA PAULA CARVALHO
Descritores: DIVÓRCIO
RUPTURA DEFINITIVA DO CASAMENTO
NECESSIDADE DE DECURSO DO TEMPO
Nº do Documento: RP201304222610/10.9TMPRT.P1
Data do Acordão: 04/22/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA.
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO.
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTº 1781, D) DO CÓDIGO CIVIL
L 61/2008, DE 31 DE OUTUBRO.
Sumário: I- A verificação da gravidade e reiteração de factos demonstrativos de que objectivamente e com carácter definitivo deixou de haver comunhão de vida entre os cônjuges permite concluir pela ruptura definitiva do vínculo matrimonial independentemente do tempo durante o qual a mesma já se verifica.
II- Quando importa apurar se os títulos dados à execução se destinavam a reformar a letra dada à execução, o que assenta nos comportamentos negociais das partes, a prova oral é o meio adequado para apurar tais factos sendo inadequada e desnecessária para tanto a prova pericial.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
Processo nº 2610/10.9tmprt.p1
Acordam no Tribunal da Relação do Porto

Relatório
B... intentou a presente acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge contra C....
Alega, no fundamental, que é casado com a ré e que há cerca de dois anos a vida do casal se alterou, tendo o A abandonado o lar conjugal, sem o propósito de reatar a vida em comum.
Conclui, pedindo que seja decretado o divórcio.
Designada tentativa de conciliação, não foi a mesma possível, em virtude de o autor pretender o divórcio, ao contrário da ré.
A ré apresentou contestação, impugnando a factualidade aduzida pelo autor e reclamando a improcedência da acção.
Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que sufragando o entendimento da necessidade de um ano para a verificação dos pressupostos aludidos no art. 1781 d) do CC julgou improcedente a acção.
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O A interpõe o presente recurso, alegando, em síntese, que o tribunal não interpretou correctamente o art. 1781 do CC e que nada obsta a que seja decretado o divórcio

Conclui as alegações:
I - Na redacção que foi dada no artº 1781 do C.C. pela Lei 61/2008, não é necessário que a separação de facto perdure por mais de 1 ano aquando da propositura da acção.
II - Porém, a al. d) do artº 1781 do C.C. prevê que são fundamento do divórcio “quaisquer outros factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a ruptura definitiva do casamento.
III - Essa ruptura desse ser demonstrada por alegação e prova de factos que demonstrem que os laços matrimoniais se romperam e de forma definitiva.
IV - E isso é independentemente da culpa dos cônjuges, só tendo que demonstrar a falência, o fracasso do vínculo conjugal.
V - E quando a acção é interposta com base na al. d) do artº 1781 do C.C. essa ruptura tem de ser caracterizada por
a) relevada por um ou mais factos.
b) que não podem ser os que constam das demais alíneas do artº 1781.
c) tais factos terão de ser reveladores da ruptura do casamento.
d) essa ruptura terá de mostrar-se definitiva e não esporádica
e) não depende de verificação de qualquer prazo.
VI - Demonstra suficientemente a ruptura definitiva do casamento quem alega e prova que o casal deixou de fazer vida em comum, que não tomam refeições juntos, não saem juntos, não fazem qualquer vida social em comum e cada um vai sempre para o seu lado visitar amigos ou familiares, que o A. em Abril de 2010 abandonou o lar conjugal e deixou de pernoitar em casa e dormir com a Ré, que não mantêm qualquer contacto íntimo e o A. não quer mais reatar a vida em comum com a Ré.
VII - Também é relevante que tenha sido regulado o poder parental em 6/2/2012, quase 2 anos após o A. ter abandonado o lar conjugal.
VIII - Todos estes factos à luz da experiência comum, são reveladores que não há casamento, não comem, não dormem, não fazem vida em comum e um dos cônjuges abandonou o lar conjugal e não quer reatar a vida em comum, o que tudo prova a ruptura do casamento.

Não foram apresentadas contra-alegações.
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Fundamentação.
Os factos provados são os seguintes:
1. O Autor e a ré contraíram matrimónio em 18.06.1995, tendo o casamento sido celebrado sem convenção antenupcial;
2. D…… nasceu a 27.07.1998 e E….. nasceu a 29.12.2001, sendo ambos filhos das aqui partes;
3. A ré afastou-se da religião católica;
4. O autor não levava com ele os filhos a visitar os avós paternos;
5. A ré dedicava horas à pratica religiosa, numa igreja local para onde se deslocava;
6. O casal deixou de fazer qualquer vida em comum;
7. O autor e a ré não tomam as refeições juntos;
8. O autor e a ré não saem juntos, não fazem qualquer vida social em comum e vai sempre cada um para seu lado para visitar amigos ou familiares;
9. Em Abril de 2010, o autor abandonou o lar conjugal e deixou de pernoitar em casa e de dormir com a ré;
10. O autor e a ré não mantêm qualquer contacto íntimo;
11. O autor não mais quer voltar nem reatar a vida em comum com a ré;
12. A ré mudou a sua orientação religiosa há mais de dez anos;
13. O autor viu-se confrontado com uma situação de desemprego;
14. O autor passa tempos livres a conviver com os seus filhos.
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2 O Direito
Delimitado o objecto do recurso em conformidade com as doutas conclusões, nos termos dos arts. 685 nº A 1 e 2, 685 B nº 1 e 2 CPC, a questão circunscreve-se a decidir se os factos provados enunciam a ruptura do casamento e se é necessário o decurso de um ano para se concluir que existe fundamento de divorcio, tal como entendeu a decisão recorrida.
Dispõe o art. 1672 do CC que “Os cônjuges estão reciprocamente vinculados pelos deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência”.
O art.1781 d) do CC determina que são fundamento de divorcio sem o consentimento do outro cônjuge “Quaisquer outros factos que independentemente da culpa dos cônjuges mostrem a ruptura do casamento”.
A lei 61/2008 de 31 de Outubro veio dotar o regime do divórcio de maior flexibilidade, prevalecendo a autonomia do cônjuge que não pretenda continuar num casamento aleatório e ao arrepio dos deveres conjugais enunciados.
Concretamente no que à alínea d) do art.1781 do CC concerne, esta é a ratio e a vocação da alteração da norma, traduzida em arredar a culpa dos cônjuges, mas sem colidir com o regime do casamento, demandando a sua simultânea ruptura.
Esta norma é genérica e abrange situações sérias e irreversíveis, que questionam o cumprimento sério dos deveres conjugais, sem exigir, porém, o lapso temporal que as restantes alíneas expressam.
Relevante é aquele incumprimento, que se impõe reiterado e definitivo, ainda que só da parte de um dos cônjuges, conforme a norma prevê.
A conjugação destes factores colmata a necessidade do decurso do tempo, tal como previsto nas restantes alíneas, pois o fundamento impõe-se determinante e causal da destruição do vínculo conjugal.
Na alínea d) do art. 1781 CC essencial é esta ruptura, não o decurso do tempo que não integra a letra da norma.
Como se decidiu no douto acórdão desta Relação, de 14.2.2013, in www.dgsi.pt,
“Não há fundamento legal que impeça que uma situação de separação de facto por período não apurado possa ser valorada, para se aferir se existe ou não uma ruptura do casamento, o que é relevante é que os factos provados sejam graves e reiterados e demonstrativos que objectivamente e com carácter definitivo deixou de haver comunhão de vida entre os cônjuges.
Quando essa separação tem a duração de 1 ano consecutivo, o legislador presume iruis et de iure que a ruptura definitiva do casamento se consumou, não sendo necessário provar outros factos mas da não prova do decurso desse prazo não se pode tirar a ilação oposta, ou seja, que não há ruptura definitiva”.
Assente esta premissa, avaliemos os factos provados que são determinantes para decidir se integram este conceito.
O casal deixou de fazer qualquer vida em comum, O autor e a ré não tomam as refeições juntos, O autor e a ré não saem juntos, não fazem qualquer vida social em comum e vai sempre cada um para seu lado para visitar amigos ou familiares;
Em Abril de 2010, o autor abandonou o lar conjugal e deixou de pernoitar em casa e de dormir com a ré;
O autor e a ré não mantêm qualquer contacto íntimo;
O autor não mais quer voltar nem reatar a vida em comum com a ré;
O autor passa tempos livres a conviver com os seus filhos.
Da articulação destes factos conclui-se que o A e a R não coabitam, não fazem vida em comum, em qualquer dos segmentos que define o casamento, reiterando a infracção aos deveres que o devem pautar, concretamente de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência.
O A e a R assumem-se como duas pessoas com vidas autónomas, sem qualquer ligação um com o outro, vivendo em casas separadas e sem qualquer convívio.
Face à gravidade da enunciada situação não temos duvidas em qualifica-la como uma ruptura definitiva do casamento, nas suas várias vertentes, precludindo a natureza deste vinculo.
Consequentemente, verificando-se o pressuposto previsto no art. 1781 d) do CC, impõe-se decretar o divórcio entre os cônjuges.
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Decisão
Em face do exposto, acorda-se em revogar a decisão recorrida e declarar o divórcio entre o autor e a ré.
Custas a cargo da recorrida.
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Porto, 22 de Abril de 2010
Ana Paula Vasques de Carvalho
Manuel José Caimoto Jácome
Carlos Alberto Macedo Domingues