Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
783/09.2TTPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDES ISIDORO
Descritores: REFORMA
CENTRO NACIONAL DE PENSÕES
Nº do Documento: RP20110321783/09.2TTPRT.P1
Data do Acordão: 03/21/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - A aquisição o estatuto de reformado por velhice depende de um acto voluntário do interessado reconhecido por acto administrativo da competência do Centro Nacional de Pensões.
II - A comunicação escrita da entidade empregadora ao trabalhador de que o seu contrato de trabalho caducava, pelo facto de atingir os 65 anos de idade, em data que indica, não tem essa virtualidade já que a reforma só opera por após a declaração nesse sentido daquele Centro.
III - Não operando a caducidade de forma automática, mantendo-se estável o referido contrato de trabalho -, sequer sem conversão em precário, nos termos do art. 348º/1 e 3 do CT/2009 -, a referida comunicação da entidade patronal configura um despedimento ilícito.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Registo 493
Proc. n. º 783/09.2TTPRT.P1
Proveniência: TTPRT (Jº. Úº. - 4ª. Sª.)

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I – B… intentou, em 2009.04.30, a presente acção com processo comum contra C…, pedindo que considerada procedente a acção, seja o R. condenado a pagar-lhe:
a) A indemnização legal, correspondente à antiguidade de 42 anos, 8 meses e 20 dias x € 576,00 - € 24.602,80;
b) A quantia de € 1.304,00 dos vencimentos de Fevereiro, Março e Abril de 2009;
c) A quantia de € 204,00 das respectivas diuturnidades e de € 175,30 do subsídio de refeição;
d) O valor das férias e subsídio de férias, referentes a 2008 e vencidas em 01/01/2009, no montante de € 1.152,00;
e) O valor dos proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal, contados até à data de 20/01/09, no montante de € 236,70;
f) O valor dos salários e restantes remunerações que se vencerem até ao trânsito em julgado da sentença;
g) O montante do subsídio de refeição em dívida de € 2.640,00 referente ao período compreendido entre Janeiro de 1995 e Maio de 1999, bem como o dos juros já vencidos de € 274,2;
h) O montante dos juros que se vencerem sobre as importâncias em dívida até ao seu efectivo pagamento;
i) A quantia de € 2.500,00 a título de danos morais;

Alega, para tanto e em síntese, que foi admitida pelo R. em 01/06/1966, e que trabalhou nas suas instalações e sob as suas ordens e orientação até 20/02/2009, altura em que detinha a categoria profissional de assistente administrativa de 1ª; nesta data a entidade patronal considerou o seu contrato caducado com base no facto de a autora ter atingido os 65 anos de idade. Alega, ainda, que com este procedimento foi despedida pelo R. de forma ilícita, uma vez que o contrato de trabalho só caduca antes dos 70 anos de idade se o trabalhador tomar a iniciativa de pedir a reforma por velhice, o que não foi o caso, pelo que lhe assiste o direito às quantias que peticiona.

Frustrada a conciliação empreendida na audiência de partes, contestou o R., impugnando parcialmente o alegado pela A. e sustentando que não ocorreu despedimento ilegítimo, antes se operou a caducidade do contrato.
Conclui pela improcedência da acção e a sua absolvição do pedido.

A A. respondeu, concluindo como na petição inicial.

Por despacho proferido a fls. 61/62, foi saneado tabelarmente o processo e dispensada a selecção da matéria de facto.

Realizada a audiência de julgamento, e decidida a matéria de facto considerada provada sem censura, foi proferida sentença, que julgando a acção parcialmente procedente, em consequência:
a) Condenou o R. a pagar à A. as retribuições que a mesma deixou de auferir desde 30 de Maio de 2009, incluindo subsídios de férias e de Natal (à razão de € 666,00 mensais), até ao trânsito em julgado da decisão final, a liquidar oportunamente, acrescida de juros de mora legais, desde a data de cada um dos respectivos vencimentos até integral pagamento;
b) Condenou o R. a pagar à A. a quantia de € 29.304,00 (vinte e nove mil e trezentos e quatro euros), a título de indemnização por despedimento, sem prejuízo de posterior modificação em função da maior antiguidade que venha a verificar-se até trânsito em julgado da presente decisão, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a presente data até efectivo pagamento;
c) Condenou o R. a pagar à A. a quantia de € 1.152,00 (mil cento e cinquenta e dois euros) a título de remuneração e subsídio das férias vencidas em 01/01/2009, acrescida de juros à taxa legal devidos desde 08/05/2009 até integral pagamento;
d) Condenou o R. a pagar à A. a quantia de € 236,70 (duzentos e trinta e seis euros e setenta cêntimos), a título de proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal, relativos ao ano de 2009, acrescida de juros de mora legais, devidos desde 08/05/2009, até efectivo pagamento;
e) Absolveu quanto ao mais o R. dos pedidos.

Inconformado, apelou o R., pedindo a revogação da sentença, formulando para o efeito e a final as seguintes conclusões:
I. Na factualidade tida por provada existe contradição, nomeadamente, entre o inserto no ponto 2.1 e no ponto 2.7 da douta sentença.
II. Na realidade, o Recorrente, na sequência das várias comunicações que, ao longo dos últimos anos, foi dirigindo à Recorrida, invocando-se, aliás, a sua inadequada prestação e a sua falta de vontade para melhorar a situação, recusando-se, inclusivamente, a submeter-se a acções de formação que lhe foram sendo oferecidas, como decorre do que ficou provado, em sede de julgamento, comunicou à Recorrida, em 18/02/09, a caducidade do seu contrato de trabalho, esta a operar a partir de 20/02/09.
III. A Recorrida veio a suspender o seu contrato de trabalho através de baixa médica iniciada a 19/02/09, tal como se alcança dos docs. juntos no decurso da audiência de julgamento, e que constituem fls. 135 a 140 dos autos.
IV. E, consequentemente, a Recorrida também interrompeu a eficácia da caducidade do seu contrato de trabalho.
V. Tal atitude da Recorrida, porque provada pelos citados documentos, constitui excepção que deveria ter sido considerada na douta sentença, tal como preceitua o art. 264.º do C. P. Civil.
VI. Esses documentos provam que a Recorrida, após lhe ser dada alta pela Junta Médica, e mau grado haja solicitado, de seguida, a atribuição do subsídio de desemprego, este veio-lhe a ser negado pela Segurança Social, com o fundamento de que aquela havia já atingido os 65 anos de idade e dispunha de um período contributivo completo.
VII. O Tribunal a quo não se pronunciou sobre questões que eram essenciais à boa decisão da causa, e, assim, não foi dado total cumprimento ao disposto no n.º 3 do art. 659.º do C. P. Civil.
VIII. A caducidade do contrato de trabalho, como causa da atribuição da pensão de velhice ao trabalhador, há-de ser enquadrada no que dispõe o Código do Trabalho, sobre o caso, mas em consonância com o que também dispõe o Dec.-Lei n.º 187/2007.
IX. O art. 348.º do C. Trabalho que prevê a “…conversão em contrato a termo após reforma por velhice ou idade de 70 anos…” ao dispor, no seu n.º 1, que “…considera-se a termo o contrato de trabalho…decorridos 30 dias sobre o conhecimento das partes da reforma por velhice…”, deixa a conclusão da conversão/novação do contrato de trabalho, caducado, em contrato de trabalho a termo, após a aquisição, pelo trabalhador, do direito à pensão de velhice, se nada fosse feito, seja por uma, seja por ambas as partes intervenientes.
X. Atento agora o que dispõe o Dec.-Lei n.º 187/2007 “…integra a eventualidade de velhice a situação em que o beneficiário tenha atingido a idade mínima legalmente presumida como adequada para a cessação do exercício da actividade profissional…com um prazo de garantia de 15 anos…e ter idade igual ou superior a 65 anos…”.
XI. Convolando-se, dessa forma, o reconhecimento do direito à pensão por velhice.
XII. A qual, por óbvio, sempre haverá que ser requerida pelo trabalhador, nos mesmos moldes em que assim terá que o fazer, tratando-se de demais subsídios - doença…, pagos pela Segurança Social, e de acordo com a respectiva eventualidade.
XIII. É que esse requerimento não é nem poderá ser diferente dos demais requerimentos que os beneficiários da Segurança Social dirigem a esta Instituição, sempre que se trate de lhe solicitar:
- o subsídio por nascimento de filho (Dec.-Lei n.º 133-B/97, de 30/05),
- o subsídio por maternidade/paternidade,
- ou até o subsídio por morte (Dec.-Lei n.º 322/90, de 18/10),
- e, ainda, o subsídio por doença.
XIV. Por outro lado, não se vê que possa ser considerado de natureza diferente o requerimento para pagamento da pensão de velhice dos pedidos para pagamento de qualquer título de crédito (cheques, letras, livranças, acções, obrigações…) apresentados à cobrança, em qualquer instituição bancária: em qualquer caso, o solicitado confere se o título preenche os requisitos para poder ser pago, e, na afirmativa, paga - assim se passa no trato comercial corrente.
XV. Ou seja, a apresentação, seja qual for a modalidade ou formalidade, a pagamento de um título de crédito não é parte integrante desse mesmo título.
XVI. Assim também acontece com o requerimento, apresentado nos serviços da Segurança Social, para a atribuição da pensão de velhice - que mais não é que um pagamento, prestação devida que não está sujeita a qualquer poder discricionário: verificados os requisitos da reforma por velhice para obtenção da pensão de velhice ou reforma (65 anos de idade e 15 anos de garantia), aqueles serviços estão vinculados à atribuição/pagamento da pensão de velhice/reforma.
XII. Ninguém se atreverá a dizer, pelo simples facto de um reformado, que habitualmente se desloca aos balcões da D… para solicitar/requerer o pagamento da sua "pensão de reforma", se não se apresentar, por si ou por interposta pessoa, devidamente credenciada, a esses balcões, por qualquer motivo voluntário ou involuntário, que a sua situação de reformado por velhice fica suspensa ou interrompida.
XIII. É que, para que o pagamento seja efectuado, também é necessário que o "beneficiário", titular do direito à prestação da pensão de reforma, requeira/solicite/peça/reclame esse pagamento, exibindo a sua legitimidade.
XIX. Não há despedimento ilícito, relativamente ao contrato inicial, porque, no concreto, se verifica, ope legis, o regime de novação contratual.
XX. Se incumprimento houvesse, o que não se admite, esse situar-se-ia já no âmbito do contrato a termo resolutivo e, como tal, deveria ser equacionado.
XXI. Aliás, vai nesse sentido a douta sentença recorrida, ao afirmar que “…Aliás, tal decorre claramente do que dispõe actualmente o art. 348º/3 do Código do Trabalho de 2009 e já decorria do art. 392º/3 do Código do Trabalho de 2003, uma vez que, caso o trabalhador se abstenha de requerer a reforma, apesar de reunir as condições para o efeito, o contrato converte-se em contrato a termo…”.
XXII. Defendendo o ora Recorrente, pelo que acima diz, reiterando o que disse na sua Contestação à P. I., a situação de reforma da ora Recorrida, resultante da cumulação dos dois requisitos, necessários e suficientes para a constituição do direito à obtenção/atribuição da pensão de velhice, de acordo com o Dec.-Lei n.º 187/2007, de 10/05, era do conhecimento quer do Recorrente, quer da Recorrida.
XXIII. Estavam, portanto, reunidos os pressupostos da caducidade do contrato.
XXIV. Estando caducado o contrato, não se pode falar em despedimento, e muito menos, ilícito, como se pretende na douta sentença recorrida, nos três parágrafos subsequentes, para que se remete, à afirmação acima transcrita (ponto XXI).
XXV. “…A reforma por velhice (…) consiste numa invalidez meramente presumida: em muitos casos os trabalhadores reformados trabalham, esclarece Lobo Xavier, “Curso de Direito do Trabalho, Verbo, 2.ª ed. Revista, p. 464…”.
XXVI. Todavia, é de presumir que a continuidade ao trabalho, não obstante a situação de reforma por velhice, pressupõe o interesse recíproco das partes nessa continuidade, assente numa prestação efectiva e adequada por parte do trabalhador, de acordo com o seu estatuto profissional.
XXVII. Ora acontece que ficou demonstrado, na audiência de julgamento, o que anteriormente se alegou quanto à manifesta inadequação da A., ora Recorrida, para prestar ao Recorrente a colaboração exigível para a categoria que aquela detinha e contrapartidas que auferia, só tendo sido mantida, por tanto tempo, ao serviço do ora Recorrente, por manifesta tolerância, como sempre lhe foi dito.
XXVIII. Logo, não era exigível, nem moral, nem legalmente, que o ora Recorrente mantivesse ao seu serviço a ora Recorrida, que por opção de prestação da própria, se transformara num "peso morto".
XXIX. Também, por força da alínea d) do n.º 2 do art. 348.º do CT: "... A caducidade não determina o pagamento de qualquer compensação ao trabalhador...",
XXX. O que a douta sentença recorrida não considerou, mas devia ter considerado.
XXX. Face ao alegado, deverá ser revogada a douta sentença Recorrida, confirmando-se a invocada caducidade do contrato de trabalho entre Recorrente e Recorrida.

A A. apresentou contra-alegações, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.
O Exmo Magistrado do Mº Pº nesta Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
O R. apresentou resposta ao parecer do Ministério Público.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

2. Factos
É a seguinte a factualidade provada a quo:
2.1. A autora entrou ao serviço do réu em 1 de Junho de 1966 e trabalhou nas suas instalações, sob as suas ordens e orientação, até ao dia 20 de Fevereiro de 2009.
2.2. Nessa altura, a autora detinha a categoria profissional de assistente administrativa de 1ª e auferia o vencimento mensal de € 576,00, bem como a quantia mensal de € 90,00 a título de diuturnidades.
2.3. A autora auferia ainda o subsídio de refeição no valor de € 4,07 por cada dia de trabalho, o qual no mês de Janeiro de 2009 perfez o montante de € 77,33.
2.4. À autora sempre foi pago pela ré, a título de subsídio diário de refeição, pelo menos o valor previsto nas Portarias de Regulamentação do Trabalho e Regulamento das Condições Mínimas aplicáveis aos trabalhadores administrativos.
2.5. Datada de 18 de Fevereiro de 2009, a ré comunicou à autora que o seu contrato de trabalho caducava, com base no facto de a autora atingir os 65 anos de idade em 20 de Fevereiro de 2009, conforme documento de fls. 13 (que aqui se dá por reproduzido).
2.6. Por via disso, a autora, que é pessoa doente, ficou abalada e com o sentimento de que não merecia tal tratamento.
2.7. A autora esteve de baixa por doença, auferindo o correspondente subsídio da segurança social, de 19/02/2009 a 22/04/2009, conforme documento de fls. 135 a 140, (que aqui se dá por reproduzido).
2.8. Com datas de 4 de Março de 2009 e de 30 de Abril de 2009, a ré comunicou à autora estar à sua disposição o pagamento do "montante das remunerações a que tem direito", conforme documento de fls. 48 e 49, (que aqui se dão por reproduzidos).
2.9. A autora nasceu em 20 de Fevereiro de 1944.

Antes de mais, no tocante à fixação da matéria de facto supra transcrita, urge salientar que os segmentos - por nós colocado a itálico e entre parêntesis - constantes da parte final dos nºs 2.5, 2.7 e 2.8 têm de se considerar como não escritos, por aplicação analógica do art. 646º/4 do CPC. E isto porque, como é sabido, os documentos não são factos mas meros elementos probatórios[1] e nem tudo o que deles consta releva factualmente.

3. Do Direito
De harmonia com o disposto nos artigos 684º/3 e 685º-A do CPCivil aplicável ex vi do art.87º/1 do CPT, é sabido que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, com ressalva das questões de conhecimento oficioso, que no caso em apreço se não vislumbram.
Em função destas premissas, são as seguintes as questões a decidir no caso sub iudice:
1. Da matéria de facto;
2. Da caducidade por reforma do contrato e/ou despedimento ilícito.

3.1. Da matéria de facto
Sustenta o recorrente que na factualidade tida por provada existe contradição, nomeadamente, entre o inserto no ponto 2.1 e no ponto 2.7 da douta sentença, porquanto - alega - como decorre do que ficou provado, em sede de julgamento, comunicou à Recorrida, em 18/02/09, a caducidade do seu contrato de trabalho, a operar a partir de 20/02/09. Porém, a recorrida veio a suspender o seu contrato de trabalho através de baixa médica iniciada a 19/02/09, tal como se alcança dos docs. juntos no decurso da audiência de julgamento, e que constituem fls. 135 a 140 dos autos, interrompendo a eficácia da caducidade do seu contrato de trabalho.
Ressalvando sempre o devido respeito - e se bem entendemos a argumentação da recorrente - afigura-se-nos que esta não questiona a matéria de facto, tal como provada pelo tribunal a quo. Nem sequer o faz nos termos e com observância do disposto nos arts 712º/1, a), b) e c) e 2 e 685º-B/ 1 e 2 do CPCivil[2].
De resto, tal como se consigna no despacho de fundamentação, aquela factualidade resultou provada por acordo das partes, documentos e prova testemunhal produzida e adrede indicada, sendo certo, convenhamos, que quanto a esta prova pessoal não houve gravação dos depoimentos que permita a sua reapreciação nesta sede.
Por outro lado, para além do acordo das partes quanto ao facto vertido no ponto 2.1, certo é que o que consta do ponto 2.7 baseou-se em documentação emitida pela segurança social, cuja junção em audiência foi efectuada e admitida a requerimento do R., ora recorrente.
Aliás, “o exame critico das provas de que lhe cumpre conhecer” exarado na parte final do art. 659º/3 do CPC, enquanto dever imposto ao juiz aquando da prolação da decisão, como patologia em que no fundo, parece-nos, se traduz a contradição alegada pelo recorrente, mais não é que o apelo a suposto erro de julgamento, decorrente da insuficiente fundamentação da sentença. Só que tal apreciação será feita a seguir no âmbito da apreciação do mérito, local próprio para o efeito.
É o que a respeito das conclusões I a VII da apelação se impõe hic et nunc realçar.

3.2. Da caducidade do contrato de trabalho
A este respeito diz o recorrente que o contrato caducou por reforma do trabalhador e – depois, acrescenta - estando caducado o contrato não se pode falar em despedimento e muito menos ilícito.

Adrede urge trazer à colação as seguintes normas do Código do Trabalho, aprovado pela L 7/2009, de 12.02, aplicável in casu.[3]

- Artigo 340º (Modalidades da cessação do contrato de trabalho)
Para além de outras modalidades legalmente previstas, o contrato de trabalho pode cessar por:
a) Caducidade;
b) Revogação;
c) Despedimento por facto imputável ao trabalhador;
d) Despedimento colectivo;
e) Despedimento por extinção de posto de trabalho;
f) Despedimento por inadaptação;
g) Resolução pelo trabalhador;
h) Denúncia pelo trabalhador.
- Artigo 343º (Causas de caducidade de contrato de trabalho)
O contrato de trabalho caduca nos termos gerais, nomeadamente:
a) Verificando -se o seu termo;
b) Por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de o empregador o receber;
c) Com a reforma do trabalhador, por velhice ou invalidez.

- Artigo 348º (Conversão em contrato a termo após a reforma por velhice ou idade de 70 anos)
1- Considera-se a termo o contrato de trabalho de trabalhador que permaneça ao serviço decorridos 30 dias sobre o conhecimento, por ambas as partes, da sua reforma por velhice.
2- No caso previsto no número anterior, o contrato fica sujeito ao regime definido neste Código para o contrato a termo resolutivo, com as necessárias adaptações e as seguintes especificidades:
a) É dispensada a redução do contrato a escrito;
b) O contrato vigora pelo prazo de seis meses, renovando-se por períodos iguais e sucessivos, sem sujeição a limites máximos;
c) A caducidade do contrato fica sujeita a aviso prévio de 60 ou 15 dias, consoante a iniciativa pertença ao empregador ou ao trabalhador;
d) A caducidade não determina o pagamento de qualquer compensação ao trabalhador.
3- O disposto nos números anteriores é aplicável a contrato de trabalho de trabalhador que atinja 70 anos de idade sem ter havido reforma. [realce a negrito nosso]

Ora, a este propósito vem provado que com data de 18 de Fevereiro de 2009 - e sob o assunto: Caducidade do contrato de trabalho -, o R. comunicou à autora que o seu contrato de trabalho caducava, com base no facto de a autora atingir os 65 anos de idade em 20 de Fevereiro de 2009.
Só que como bem esclarece a autora no articulado de resposta, “o R. parece confundir o direito à reforma - que surge com os 65 anos - com a caducidade do contrato de trabalho por velhice a qual opera automaticamente aos 70 anos [de idade].
Na verdade, é consabido que a reforma por velhice só constitui causa de caducidade do contrato de trabalho, desde que verificados determinados pressupostos[4] (em principio, 65 anos de idade e 15 anos de desconto para a segurança social), seja, voluntas sua, requerida pelo trabalhador e, na sequência do respectivo procedimento, lhe venha a ser reconhecido o respectivo status por acto administrativo do Centro Nacional de Pensões.
Ou, como referem Castro Santos e Teresa Rapoula[5] em considerações que embora reportadas à legislação pretérita mantêm plena actualidade, “ao trabalhador assiste o direito subjectivo – que ele pode livremente exercitar ou não – de desenvolver o competente processo administrativo tendente à obtenção daquele estatuto. A aquisição do estatuto de reformado, atingida a idade mínima legal, está total e exclusivamente nas mãos do trabalhador.”
E mais adiante acrescentam: “a circunstância de a entidade patronal entender que o trabalhador está em condições de vir a ser reformado não opera a caducidade do contrato, por a reforma só existir após a declaração, nesse sentido, por aquele Centro. Antes há apenas uma simples expectativa sem relevância para operar a caducidade. Conhecida que seja pela entidade empregadora a aquisição, pelo trabalhador do estatuto de reformado por velhice, deverá ela, se quiser aproveitar da extinção do contrato de trabalho por caducidade, comunicá-lo ao trabalhador (por carta registada com aviso de recepção) e não permitir que ele permaneça ao seu serviço nos trinta dias subsequentes a tal conhecimento. Caso contrário, o contrato de trabalho manter-se-á nos termos previstos no art. 5º.” (Ou seja, acrescentamos nós, agora, nos arts. 348º do CT/2009 e 392º do CT/2003).
É certo que in casu a R. entendeu que a A/recorrida perfazia, cumulativamente, quer os 65 anos de idade, quer o prazo de garantia, bastando-lhe portanto comunicar a caducidade do contrato de trabalho, o que - afirma - formalmente fez no prazo de 30 dias previstos no nº1 do art. 348º do CTrabalho vigente.(Cfr. art. 10 da contestação)
Contudo, como dissemos, e bem pondera na sentença recorrida:
«[A] caducidade do contrato depende da concessão da pensão de reforma pela autoridade administrativa competente na sequência de pedido do trabalhador nesse sentido, e não da mera reunião das condições previstas na lei para a atribuição da pensão de reforma.
Não basta, pois, que o trabalhador reúna tais condições para que de forma automática ou por comunicação da entidade empregadora, possa operar a caducidade do contrato de trabalho de forma legítima, e ao abrigo da citada disposição legal, sendo necessária a obtenção da reforma, com o reconhecimento do direito à pensão (v. neste sentido, entre outros Ac. Relação de Lisboa de 19/6/1985, CJ 85, 3º, pág. 224; Ac. Relação de Lisboa de 22/12/89, C.J. 89, 5º, pág. 167; Relação do Porto de 17/10/1994 in www.gde.mj.pt/jtrp; A. Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 12ª ed., pág. 531, nota 2; P. Romano Martinez, Direito do Trabalho, ed. 2002, pág 831; B. Gama Lobo Xavier, Curso de Direito do Trabalho, 2ª ed., pág. 464).
Aliás, tal decorre claramente do que dispõe actualmente o artº 348º/3 do Código do Trabalho de 2009 e já decorria do artº 392º/3 do Código do Trabalho de 2003, uma vez que, caso o trabalhador se abstenha de requerer a reforma, apesar de reunir as condições para o efeito, o contrato converte-se em contrato a termo.
Ora, no caso concreto, não foi alegado nem se mostra provado que a autora tenha requerido a pensão de reforma na Segurança Social, nem muito menos que tal direito lhe tenha sido reconhecido.
Consequentemente, conclui-se que não podia a ré, ao abrigo do citado artº 343º do Código do Trabalho, invocar a caducidade do contrato, porquanto a autora não se encontrava na situação de reforma.
Em conformidade, a cessação de contrato operada pela ré, de forma unilateral, não poderá deixar de considerar-se como um despedimento ilícito, conferindo à autora os direitos consignados nomeadamente nos artºs 389º/1-a) e 390º do Código do Trabalho e no artº 9º/2 do Dec. Lei 295/2009 de 13/10.»

No essencial, e perante o antes referido, não podemos deixar de corroborar o teor do segmento transcrito pelo que aqui o perfilhamos.
E sendo assim, não se configurando a caducidade do contrato de trabalho da autora por reforma, não se argumente com o facto desta, na sequência do período de baixa por doença, ter solicitado a atribuição do subsídio de desemprego, e que este lhe veio a ser negado pela Segurança Social, com o fundamento de que aquela havia já atingido os 65 anos de idade e dispunha de um período contributivo completo.
Na verdade, mesmo que a provar-se esta factualidade, a mesma não é de per si suficiente para configurar a caducidade pela reforma por velhice, do contrato de trabalho. De resto – sublinhamo-lo - a circunstância de o trabalhador estar em condições de ser reformado devido à idade não opera a caducidade do contrato por reforma, porquanto esta só existe a requerimento da interessada e após declaração nesse sentido por parte do Centro Nacional de Pensões, a entidade competente para o efeito. Trata-se aqui de uma relação bilateral entre o trabalhador beneficiário e a instituição de segurança social, relação a que a entidade patronal é juridicamente alheia.
Em consequência, mesmo após a declaração da reforma por velhice pelo CNP e o indispensável conhecimento desta por ambas as partes, a produção do efeito extintivo que aquela comporta depende ainda da vontade das partes.
Daí que, permanecendo o trabalhador ao serviço decorridos 30 dias sobre aquele conhecimento o contrato de trabalho considera-se a termo. Do mesmo modo o contrato de trabalho transforma-se automaticamente em contrato a termo, caso o trabalhador atinja 70 anos de idade sem ter havido reforma.
E mesmo nesta última situação, como bem realça Monteiro Fernandes[6], a lei opera a conversão do contrato de duração indeterminada em contrato a prazo, sem descontinuidade; nem “parece que a lei tenha querido, em rigor, a caducidade quando o trabalhador completa 70 anos de idade, mas a mera transformação, ope legis, do vinculo quanto à duração.”
Isto é, o contrato fica, portanto, sujeito a termo resolutivo de seis meses renovável por períodos iguais e sucessivos, sem limitações quanto ao número de renovações, cfr. art. 348º/1 e 3 do CT/2009.
Logo, se mesmo a reforma pode não determinar a cessação do contrato, a fortiori outrossim ocorrerá quando esta situação não se configura.

Por todas estas indicadas razões, entendemos, também, que a comunicação por escrito do empregador à A/trabalhadora de que o respectivo contrato de trabalho caducava pelo facto de atingir os 65 anos de idade - sem que esta tenha sido, a requerimento da interessada, declarada pelo Centro Nacional de Pensões, e sabendo-se, como se sabe, que a caducidade por reforma não opera automaticamente[7] – não tem virtualidades para configurar a reforma por velhice, nem sequer para converter o vinculo de estável em precário, pelo que só pode configurar, como sucede no caso, um despedimento ilícito.
E sendo assim, não se configurando a invocada caducidade do contrato de trabalho, mas antes um despedimento ilícito da autora, a sentença recorrida não merece censura, improcedendo em conformidade as conclusões pela recorrente formuladas e, em consequência, a apelação.

Concluindo e sumariando:
1. A aquisição o estatuto de reformado por velhice depende de um acto voluntário do interessado reconhecido por acto administrativo da competência do Centro Nacional de Pensões.
2. A comunicação escrita da entidade empregadora ao trabalhador de que o seu contrato de trabalho caducava, pelo facto de atingir os 65 anos de idade, em data que indica, não tem essa virtualidade já que a reforma só opera por após a declaração nesse sentido daquele Centro.
3. Não operando a caducidade de forma automática, mantendo-se estável o referido contrato de trabalho -, sequer sem conversão em precário, nos termos do art. 348º/1 e 3 do CT/2009 -, a referida comunicação da entidade patronal configura um despedimento ilícito.

4. Decisão
Perante o exposto, acordam os Juízes desta secção social em julgar a apelação improcedente e confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente.

Porto, 2011.03.21
António José Fernandes Isidoro
Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho
António José da Ascensão Ramos
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[1] Cfr, entre outros, os acórdão do STJ de 1.02.1995 e de 6.7.2004, Pº 04ª2320, respectivamente em CJ: III-1-265 e www.dgsi.pt.
[2] Na redacção dada pelo DL 303/2007, de 24-08.
[3] Atento o disposto no art. 7º/1 ‘a contrario’ da L. 7/2009, de 12.02 e porque, decorrida a vacatio legis comum de 5 dias, entrou em vigor no dia 17 de Fevereiro de 2009.
[4] Cfr a propósito arts 19º e 20º do DL 187/2007, de 10 de Maio.
[5] Vide Da Cessação do Contrato de Trabalho e Contrato a Termo, 1990, p. 37/38.
[6] Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 13ª edição, ps 531/534, designadamente a sua nota (2).
[7] Cfr., entre outros, M Fernandes, ibidem, Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, 1991, ps.793/795; Romano Martinez, Direito do Trabalho, 2ª edição, 2005, ps 896/ss e Júlio Gomes, Direito do Trabalho, volume I, Relações Individuais de Trabalho, ps 930/933; e na jurisprudência, v.g., acórdão do STJ de 20.01.1991, CJ:VII-1-261/263 e Acórdão da RP de 5.11. 2001, CJ:XXVI-5-243.