Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
7725/15.4T8MAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO DAMIÃO E CUNHA
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO
Nº do Documento: RP202001137725/15.4T8MAI.P1
Data do Acordão: 01/13/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Encontrando-se os créditos peticionados pelo Recorrente vencidos à data da propositura do PER, tendo sido aprovado e homologado plano de revitalização e não estando previsto nesse plano a continuação da presente acção executiva, por força do disposto no n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE, bem andou o Tribunal recorrido em julgar extinta a instância executiva (por impossibilidade legal de prosseguir), ainda que esteja em causa um crédito não reconhecido naquele processo (mas que aí foi reclamado).
II - Nestas circunstâncias, esta extinção da execução não significa que o Recorrente fique impedido de obter a satisfação do seu crédito, pois que a exequente dispõe sempre de título executivo caso o revitalizado/executado não lhe satisfaça voluntariamente o crédito exequendo nos termos e condições que foram aprovados no plano de recuperação, sendo que esse título executivo será constituído pela sentença homologatória do plano de recuperação e plano de pagamentos (conjuntamente com o titulo executivo dado à presente execução).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO Nº 7725/15.4T8MAI.P1
Comarca do Porto – Maia – Juízo de execução – J1
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Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto.
I. RELATÓRIO.
Recorrente: - B…, S. A.;
Recorrido: C…;
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Veio a exequente B…, S. A., a fls. 189, pedir a prossecução dos autos com vista ao pagamento da quantia exequenda.
Notificado, o executado C… pronunciou-se a fls. 192, pedindo que se indeferisse o requerimento da exequente.
Para tal, alegou que intentou plano especial de revitalização que correu termos pelo Juízo de Comércio de Santo Tirso, onde foi proferida sentença transitada em julgado que homologou o plano de pagamento do devedor, concluindo que a execução se deve extinguir, ao abrigo do disposto no art. 17º-E, do CIRE, uma vez que nem ocorre incumprimento do plano.
Juntou certidão da sentença homologatória do plano de pagamento (cfr. Art. 222º-F, nº 5 e 8 do CIRE), contendo ainda o plano de revitalização.
Notificada, a exequente pronunciou-se a fls. 216 e segs., alegando, para tal e em síntese, que a D… reclamou os créditos que detinha sobre o executado naquele processo, mas que os mesmos foram impugnados pelo devedor, não tendo sido reconhecidos judicialmente e em virtude de o Tribunal ter entendido que esses créditos haviam sido cedidos pela D… à cessionária B…, S.A., por contrato de cessão de créditos de 2 de Novembro de 2017 e que por isso não podiam ser reconhecidos ao cedente, determinando a sua exclusão dos créditos reconhecidos.
Alegou depois que o ali credor ora exequente interpôs recurso dessa decisão, mas que o mesmo não foi admitido e o plano foi aprovado e homologado conforme o executado demonstra, concluindo que estamos perante uma situação em que os créditos da ora exequente não foram contemplados no âmbito dos pagamentos previstos naquele plano.
Alegou de seguida que à presente situação não tem aplicação o disposto no art. 17º-F, nº 10, do C.I.R.E., concluindo que a exequente não está impossibilitada de prosseguir a execução para pagamento do seu crédito não contemplado no âmbito do PER.
Notificado, o executado veio a fls. 226, dizer que o crédito que a exequente se arroga é o mesmo que a D… reclamou no referido PER, que o Tribunal não aceitou a reclamação por aquela já ter cedido o seu crédito, que a B… interpôs recurso daquela decisão, que o recurso não foi admitido naquela fase, mas para ser analisado com a sentença de homologação.
Alegou depois que a B… não o fez, e que por isso não é credora reconhecida no PER e que a execução deve extinguir-se, nunca prosseguindo, pois, no mínimo, a requerente está vinculada ao plano aprovado.
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De seguida, o Tribunal Recorrido proferiu, na sequência, a seguinte decisão:
“Assim sendo, uma vez que o plano de pagamento não prevê a continuação das acções para cobrança das dívidas, a presente execução deverá extinguir-se, sem prejuízo de aquela decisão vincular a ora exequente, sendo por isso aplicáveis aos créditos da exequente as condições previstas no referido plano de pagamento.
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Pelo exposto:
- Determino que a Sr.ª Agente de Execução proceda à extinção da execução.
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Notifique.”
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É justamente desta decisão que a Exequente/Recorrente veio interpor o presente Recurso, concluindo as suas alegações da seguinte forma:
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O executado apresentou contra - alegações, onde pugna pela improcedência do Recurso.
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Cumpridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
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No seguimento desta orientação, o Recorrente coloca a seguinte questão que importa apreciar:
- Saber se, tendo sido aprovado e homologado um plano de pagamentos em processo de revitalização, o art. 17º-E, nº 1, do CIRE não se aplica aos credores cujos pagamentos não estejam previstos no plano, pelo que não podia o Tribunal Recorrido determinar a extinção da presente acção executiva, sob pena de ficar impedido de cobrar e obter o ressarcimento do seu crédito, culminando numa situação de inconstitucionalidade por violação do princípio do acesso ao direito e aos tribunais consagrado na Constituição da República Portuguesa.
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Nota: a definição do objecto do recurso é efectuada em função das alegações do Recorrente, do Recorrido (e do teor da decisão do próprio Tribunal Recorrido) que fazem alusão à aplicação das regras do Processo especial de Revitalização previstas nos arts. 17º-A e ss. do CIRE.
No entanto, compulsada a certidão da sentença homologatória do plano de pagamento, constata-se que o seu teor é o seguinte:
“Pelo exposto:
Homologo por sentença, nos termos do art. 222º-F/5 e 8 do Código da Insolvência e de recuperação de empresa, o plano de pagamento do devedor C…, empresário em nome individual…
A presente decisão vincula todos os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações – art. 222º-F /8 do CIRE”.
Nesta conformidade, apesar de as partes (e o Tribunal Recorrido) terem desenvolvido a sua argumentação em função dos normativos legais previstos no regime geral do Processo especial de Revitalização (arts. 17º- A do CIRE), a verdade é que a citada decisão invoca dispositivos legais do “Processo especial para acordo de pagamento” que, como é sabido, se encontra previsto nos arts. 222º-A e ss. do CIRE.
No entanto, a verdade é que, independentemente dessas referências legais, o que foi aprovado e homologado foi o plano de revitalização apresentado nos termos do nº 1 do art. 17º-F do CIR., plano esse que consta de fls. 201 e ss. e em que se prevê um plano de recuperação que consiste “no pagamento a 100 % do capital a todos os credores e moratória dos créditos detidos pelos mesmos” (fls. 206 dos autos), embora através do seu pagamento em prestações mensais ou diferido.
De qualquer forma, a constatação da referência às regras legais previstas no PEAP não tem especial relevância, pois que este Processo encontra-se “totalmente moldado sobre o regime daquele, às vezes com reprodução quase integral dos preceitos relativos ao PER… Melhor seria, por isso, ter deixado o processo de revitalização aplicar-se aos devedores não empresários, o que era, aliás, a doutrina maioritária, evitando assim uma desnecessária duplicação de processos”[1]. Com efeito, “é difícil, aliás, entender a justificação para a autonomização do PEAP, atendendo ao facto de o mesmo pouco se distinguir do PER”[2].
Nessa conformidade, por assim ser, sempre o enquadramento jurídico a que iremos proceder não se alteraria se se entendessem aplicáveis as disposições legais previstas para o PEAP.
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A) - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
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Como factualidade relevante interessa aqui ponderar os trâmites processuais, nomeadamente, os consignados no relatório do presente Acórdão e o teor da decisão proferida que aqui se dá por reproduzida para todos os efeitos legais.
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B) - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Já se referiu em cima a única questão que importa apreciar e decidir.
Ponderada a argumentação do Recorrente, julga-se que o mesmo não terá interpretado devidamente a decisão recorrida, pois que a mesma não tem a consequência que aponta, ou seja, que decorra da mesma que o exequente tenha ficado impedido de cobrar e obter o ressarcimento do seu crédito.
Com efeito, e como decorre da decisão proferida, a extinção da presente execução foi determinada, “sem prejuízo de aquela decisão (proferida no processo de revitalização) vincular a ora exequente, sendo por isso aplicáveis aos créditos da exequente as condições previstas no referido plano de pagamento”.
Esta última ressalva significa justamente o contrário daquilo que o Recorrente conclui, ou seja, o exequente mantém o seu direito de instaurar nova execução, desde que conforme o seu direito de crédito àquilo que ficou determinado no plano de pagamentos aprovado e homologado no Processo de Revitalização - como decorre expressamente do art. 17º-F, nº 10 do CIRE.
O que, aliás, também já tinha ficado evidenciado na decisão homologatória proferida no PER: “A presente decisão vincula todos os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações - art. 222º-F /8 do CIRE”.
Como é consabido, o processo de revitalização constitui uma novidade da reforma do CIRE, operada pela Lei n.º 16/2012, de 20/04, ao introduzir um remédio – o processo especial de revitalização – a que o credor que se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente eminente, mas ainda susceptível de ser recuperado, pode lançar mão com vista a estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir, com estes, acordo conducente à sua revitalização (art. 17º-A, nº 1).
O processo de revitalização não constitui uma modalidade do processo de insolvência, “mas uma espécie que vive em paralelo e autonomamente àquele, construído para a obtenção de resultados distintos”, constituindo o meio que se destina a evitar que o credor chegue à situação de insolvência e, nessa medida, visa satisfazer os interesses do credor, mas também o dos seus credores[3].
Trata-se de um processo de carácter urgente (artigo 17º-A, nº 3), que se caracteriza pela sua celeridade, simplicidade e norteado para atingir o escopo que o anima e que é o acordo de revitalização.
O processo inicia-se com uma declaração escrita, apresentada pelo devedor junto do tribunal competente para declarar a sua insolvência, manifestando, juntamente com pelo menos, um dos seus credores, o propósito de encetarem negociações conducentes à revitalização do primeiro por meio de aprovação de um plano de recuperação - artigo 17º-C, nº 1, al. a).
O juiz nomeia, de imediato, ao devedor, administrador judicial provisório (artigo 17º-C, nº 3), obstaculizando este despacho à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação (artigo 17º-E, nº 1).
Na tramitação subsequente do processo de revitalização, o devedor deve comunicar por carta registada, a todos os seus credores que não tenham subscrito o pedido de revitalização, notificando-os que deu início às negociações com vista à sua revitalização e convidando-os a participar nessas negociações, caso assim o entendam, informando-os que a documentação a que se refere o nº 1 do art. 24º se encontra na secretaria do tribunal para consulta (artigo 17º-D, nº 1).
Qualquer credor dispõe do prazo de vinte dias a contar da publicação no portal Citius do despacho a que se refere a al. a), do n.º 3 do artigo 17.º-C – despacho nomeando administrado judicial provisório ao devedor – para reclamar os seus créditos, devendo essas reclamações serem remetidas ao administrador judicial provisório que, no prazo de cinco dias, elabora uma lista provisória de créditos, que é imediatamente apresentada na secretaria no portal Citius, podendo ser impugnada no prazo de cinco dias, sob pena de se converter em lista definitiva (artigo 17.º-D, n.ºs 2, 3 e 4).
Em caso de existir impugnações, o juiz dispõe do prazo de cinco dias para decidir as impugnações formuladas (artigo 17.º-D. n.º 3).
Note-se que as impugnações de que sejam alvo os créditos incluídos pelo administrador judicial na lista provisória de créditos e as decisões que sobre essas reclamações recaírem não operam caso julgado material, uma vez que as reclamações de crédito no âmbito do PER têm como único objectivo, por um lado, legitimar a intervenção do credor no PER e, por outro, calcular o quórum deliberativo e a maioria prevista no nº 3 do artigo 17º-F, além de que a natureza célere e simplificada do PER é incompatível com a operância do caso julgado material.
Como decorre do exposto, em termos legais, está em causa a interpretação do disposto no art. 17º-E, nº 1, do CIRE (e no nº 1 do art. 222º-E do PEAP).
De acordo com este preceito legal:
“A decisão a que se refere a alínea a) do nº 3 do artigo 17º-C (nº 4 do art. 222º-C) obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação”.
No que concerne à elucidação do conceito “acção para cobrança de dívidas” a posição maioritária na jurisprudência[4] é a de que esse conceito abarca também as acções declarativas, designadamente as relativas ao cumprimento de obrigações pecuniárias.
No entanto, como informa Pestana Vasconcelos quer a Jurisprudência, quer a Doutrina mostram-se divididas[5].
Este autor defende na obra citada que, neste âmbito, apenas estão abrangidas as acções executivas.
“Não sendo embora a letra da lei clara, o aspecto decisivo é, sempre, a sua ratio, que aqui consiste em evitar que nesse período de tempo o sujeito fique privado dos seus bens no seio de uma execução, o que poderia inviabilizar a sua actividade e, portanto, qualquer recuperação. Basta pensar nos efeitos para a continuação daquela da penhora das contas bancárias do devedor.
As acções declarativas, pelo contrário, não comportam qualquer prejuízo para a recuperação do devedor. Ao invés, a sua suspensão prejudicaria, de forma desnecessária, o demandante (…)”.
Já Menezes Leitão[6] defende a inclusão das acções declarativas no conceito de “acção para cobrança de dívidas” previsto no citado preceito legal.
No mesmo sentido, se pronunciam Ana Prata/Jorge Morais Carvalho/Rui Simões[7], que defendem que: “Cabem neste conceito quer as acções declarativas de condenação quer acções executivas.”.
Como quer que seja, é inequívoco que a presente acção executiva se inclui naquele conceito de “acção para cobrança de dívidas”, pelo que, por força do referido comando legal, ter-se-ia de extinguir “… logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação” (ressalva que não se verifica no caso concreto).
Como se referiu, o processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com este acordo conducente à sua revitalização (art. 17º-A, nº 1, do CIRE); deste modo, a impossibilidade de instaurar acções para cobrança de dívidas contra o devedor enquanto decorrerem as negociações, ou a suspensão das acções existentes, destina-se justamente a prevenir uma eventual inviabilização de um acordo por força do aparecimento de credores que invocam créditos ainda por definir (mas anteriores a esse momento).
“Este regime de “protecção perante os credores”, apesar de susceptível de abusos, é fundamental para garantir a eficácia de qualquer medida de recuperação, pois se os actos de agressão do património do devedor continuassem, estaria provavelmente inviabilizada qualquer possibilidade de condução bem sucedida de negociação com credores”[8].
Da análise do artigo 17.º E, n.º 1 do CIRE (e do nº 1 do art. 222º-E do PEAP), resulta que os efeitos da decisão de nomeação do administrador judicial provisório no âmbito do PER podem conduzir a três distintas situações, a saber:
- obstar à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor;
- suspender quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade;
- extinguir aquelas acções logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação.
No que respeita à extinção de acções, resulta ainda do citado no art.º 17°-E, n.º 1, do CIRE, que, para ser decretada a extinção da acção destinadas à cobrança de créditos de devedores que apresentem PER, é necessário o preenchimento de dois requisitos cumulativos:
- que seja aprovado, por decisão transitada em julgado, plano de recuperação apresentado;
- que não se preveja no plano de recuperação a continuação da acção.
Ora, estes requisitos estão totalmente preenchidos no caso concreto.
Nesta conformidade, outra decisão não podia ter sido proferida pelo Tribunal Recorrido, uma vez que o legislador impõe (“ope legis”) que, uma vez que seja aprovado e homologado o plano de recuperação, a presente execução se extinga.
Esta extinção da execução não significa, no entanto, que o Recorrente fique impedido de obter a satisfação do seu crédito.
Com efeito, a exequente dispõe sempre de título executivo caso o revitalizado/executado não lhe satisfaça voluntariamente o crédito exequendo nos termos e condições que foram aprovados no plano de recuperação, sendo que esse título executivo será constituído pela sentença homologatória do plano de recuperação e plano de pagamentos (conjuntamente com o titulo executivo dado à presente execução)[9].
Não há, assim, dúvidas que uma vez homologado o plano de recuperação, em sede de PER, se impõe extinguir os processos executivos, salvo se o plano de recuperação previr a respectiva continuação, mesmo que o crédito exequendo não tenha sido reconhecido naquele processo (mas tenha sido reclamado –como sucedeu no caso concreto)[10] – isso aliás está expressamente previsto seja no nº 10 do art. 17º-F, seja no nº 8 do art. 222º-F do CIRE (“… mesmo que não hajam reclamado os seus créditos ou participado nas negociações, relativamente aos créditos constituídos à data em que foi proferida a decisão prevista no nº 4 do art. 17º-C ( ou nº 4 do art. 222º-C…”), respectivamente).
Importa assinalar, no entanto, que o afastamento dos credores por parte daquele que agora é revitalizado só poderá ser feito em relação aos que podiam reclamar o seu crédito no processo de revitalização; aos demais deverá sempre ser-lhes oferecida tal possibilidade, sob pena de lhes ser negado um direito que, naturalmente, sempre lhes assistiria.
O artigo 17-E, nº 1 parte final do CIRE quando refere, “extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação” apenas deve ser aceite, de modo irrestrito e com o sentido que acima referimos, para aquelas “acções para cobrança de dívidas” cujo prosseguimento não teria sentido dado que o pagamento do crédito exequendo ficou abrangido pelo plano aprovado.
No caso em que tal crédito não esteja abrangido no dito plano, por motivos não imputáveis ao credor – designadamente por não se encontrar o crédito constituído (e vencido) aquando do prazo para a sua reclamação previsto no nº 2 do artigo 17-D, no âmbito do PER -, sempre terá de se possibilitar a esse credor a instauração da acção executiva, entendendo-se o crédito como pendente de decisão no momento da sua reclamação, sob pena de despojar este credor de meios para cobrar o seu crédito[11].
Isso, aliás, resulta, de uma forma clara, do facto da cessação da proibição da instauração de acções ocorrer justamente com o encerramento do processo de negociação estabelecido no âmbito do PER (cfr. art. 17-E, nº 1 do CIRE)[12], pelo que os créditos que sejam constituídos após aquela data poderão obviamente ser reclamados inclusivamente através de uma acção executiva.
Com efeito, a não ser deste modo, ao, interpretar o estatuído no art. 17º-E, nº 1, do CIRE, no sentido de ser aplicável às acções executivas instauradas após a homologação do plano de recuperação do devedor e tendo por objecto créditos constituídos (e vencidos) posteriormente à data em que poderiam ser reclamados em sede de PER, tal solução configuraria – aí, sim - uma situação de inconstitucionalidade por violação do princípio do acesso ao direito e aos tribunais - cfr. art. 20° da Constituição da República Portuguesa[13].
Neste ponto, importa realçar, por isso, que, ao contrário do defendido pelo Recorrente, consideramos que a interpretação a que aqui chegamos não viola a Constituição da República Portuguesa, pois não existe qualquer discriminação ou violação de direitos do Recorrente, nem limitação ao acesso ao Direito e aos Tribunais em defesa dos seus interesses e direitos legalmente protegidos[14].
Na verdade, como já resultava da decisão recorrida (e resulta do que se acaba de expor), o Recorrente não fica impedido de obter a satisfação do seu crédito, uma vez que, nestas situações, o exequente mantém o seu direito de instaurar nova execução, desde que conforme o seu direito de crédito àquilo que ficou determinado no plano de pagamentos aprovado e homologado no Processo de Revitalização - como, decorre expressamente do art. 17º-F, nº 10 do CIRE e do nº 8 do art. 222º-F do CIRE.
Concluindo: encontrando-se vencidos à data da propositura do PER / reclamação de créditos, os créditos peticionados pelo Recorrente, tendo sido aprovado e homologado plano de revitalização e não estando previsto nesse plano a continuação da presente acção executiva, por força do disposto no n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE, bem andou o Tribunal recorrido em julgar extinta a instância executiva (por impossibilidade legal de prosseguir), ainda que esteja em causa um crédito não reconhecido no PER (mas que aí foi reclamado).
Nestas circunstâncias, esta extinção da execução não significa que o Recorrente fique impedido de obter a satisfação do seu crédito, pois que a exequente dispõe sempre de título executivo caso o revitalizado/executado não lhe satisfaça voluntariamente o crédito exequendo nos termos e condições que foram aprovados no plano de recuperação, sendo que esse título executivo será constituído pela sentença homologatória do plano de recuperação e plano de pagamentos (conjuntamente com o titulo executivo dado à presente execução).
Pelo exposto, e sem necessidade de mais alongadas considerações, decide-se julgar totalmente improcedente o Recurso e, consequentemente, manter integralmente a decisão recorrida.
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Sumário (elaborado pelo Relator- art. 663º, nº 7 do CPC):
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III - DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar:
- o Recurso interposto pelo Recorrente improcedente, com a consequência de se manter integralmente a decisão recorrida;
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Custas pelo Recorrente (artigo 527º, nº 1 do CPC).
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Porto, 13 de Janeiro de 2020
Pedro Damião e Cunha
Fátima Andrade
Eugénia Cunha
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[1] Menezes Leitão, in “Cire anotado”, pág. 263.
[2] Menezes Leitão, in “A Recuperação económica dos devedores”, pág. 69.
[3] Carvalho Fernandes e João Labareda, in “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, 3ª ed., pág. 137. No mesmo sentido, Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, in “PER O Processo Especial de Revitalização”, pág. 12, onde se lê: “O PER pretende criar condições para que se alcance um acordo conducente à revitalização do devedor. Não se pretende, portanto, um acordo quanto à liquidação do património do devedor, ou apenas com o objectivo de manter, por mais algum tempo, a sua actividade. O objectivo é revitalizar o devedor, isto é torná-lo saudável, o que no caso de uma empresa, implica a prossecução de uma actividade previsivelmente lucrativa. Um plano de revitalização que não preveja resultados líquidos do exercício positivos no futuro, por exemplo, não poderá ser susceptível de revitalizar uma empresa. Por outro lado, dificilmente um plano pode revitalizar uma empresa sem prever resultados operacionais no futuro” e acrescentam a fls. 14, que se visa “permitir a intervenção do mecanismo de revitalização num momento anterior à situação de insolvência. Pretenderá por certo o legislador que o PER seja utilizado em tempo útil, assim antecipando essa intervenção a fim de inclusivamente evitar que o devedor chegue a entrar em situação de insolvência (…), a utilidade do PER radica fundamentalmente na concessão de benefícios especiais que, por regra, não estão ao dispor do devedor e que restringem os direitos dos credores (desde logo o stand still generalizado) ou alteram as regras gerais de graduação de créditos (privilégio mobiliário geral aos credores que aportem capital no decurso do processo”.
[4] V. por exemplo, o Ac. da RP, de 05.01.2015 (relator: Fernanda Soares), e o ac. do STJ de 18.9.2018 (relator: José Rainho) onde se concluiu que: “O n.º 1 do art. 17.º-E do CIRE compreende tanto as acções executivas como as declarativas”. - disponíveis em dgsi.pt
[5] In “Recuperação de empresas: o processo especial de revitalização”, págs. 63 e 64, notas 154 (jurisprudência e doutrina que defendem a exclusão das acções declarativas) e 155 (inclusão). Com igual informação, v. Menezes Leitão, in “A recuperação económica dos devedores – RERE, PER, Plano de insolvência e exoneração do passivo restante”, pág. 45 e “CIRE anotado”, pág. 87.
[6] In “A recuperação económica dos devedores – RERE, PER, Plano de insolvência e exoneração do passivo restante”, pág. 50.
[7] In “CIRE, Anotado”, pág. 64.
[8] Ana Prata/Jorge Morais Carvalho/Rui Simões, in “CIRE, Anotado”, pág. 64.
[9] V. por o Ac. RG de 21/01/2016, Proc. 1963/14.4TBCL.1.G1, onde se sustenta que “a sentença homologatória do acordo de revitalização constitui título executivo, desde que naquele conste identificado o valor dos créditos ou remeta para acordo ou para peça processual onde conste como admitido o montante em dívida”; em sentido contrário, v., no entanto, o Ac. RC. de 12/07/2017, Proc. 3528/15.4T8CBR.1.C1, in dgsi.pt onde se concluiu que: “A sentença homologatória do plano de revitalização incumprido não constitui título executivo”.
[10] V. o ac da RL de 11.1.2017 (relator: Sérgio Almeida), in CJ (2017), t. 1, págs. 137 e ss.. No mesmo sentido, Menezes Leitão, in “A recuperação económica dos devedores – RERE, PER, Plano de insolvência e exoneração do passivo restante”, pág. 50 considerando que: “Naturalmente, no entanto, que essa extinção não se verifica em relação a créditos que tenham sido constituídos após a nomeação do administrador judicial e também não parece que se possa aplicar se a dívida em questão tiver sido omitida na relação de créditos que deu origem ao plano de recuperação, não tendo por isso sido contemplada pelo plano”.
[11] Neste sentido, v., também, Soveral Martins, in “Um Curso de direito da insolvência, pág. 522.
[12] Isabel Alexandre, in “Efeitos processuais da abertura do processo de insolvência” (II Congresso de Insolvência – Coord, Catarina Serra), Ponto 5.3. (Ebook).
[13] Neste sentido, v. os Acs. da RG de 22.10.2015 (relator: António Sobrinho), 21.4.2016 (relator: Antero Veiga) e de 19.01.2017 (relator: Antero Veiga), in dgsi.pt.
[14] V. por ex. os acs. do STJ de 17/03/2016, proferido no Proc. n.º 33/13.7TTBRG.P1.G1, e de 26/11/2015 proferido no Proc. n.º 1190/12.5TTLSB.L2.S1, disponíveis em Dgsi.pt.