Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0220473
Nº Convencional: JTRP00034453
Relator: AFONSO CORREIA
Descritores: DIVISÃO DE COISA COMUM
LOTEAMENTO URBANO
LOTEAMENTO RÚSTICO
Nº do Documento: RP200204230220473
Data do Acordão: 04/23/2002
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T J ESTARREJA 1J
Processo no Tribunal Recorrido: 39/99
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA A DECISÃO.
Área Temática: DIR PROC CIV.
Legislação Nacional: CCIV66 ART1376 ART1377 A ART204 N2.
DL 448/91 DE 1991/11/29 ART30.
Sumário: Não estando vedada a divisão de terrenos que sirvam de logradouro a prédios urbanos, nem sendo alterada, com a divisão, o fim que preside à sua afectação à RAN, não há obstáculo legal a uma divisão por forma a que cada comproprietário possa continuar a fruir de alguns metros quadrados de quintal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Relação do Porto

Ana..... e marido Adelino....., residentes em..... requereram contra Custódia.... e marido Silvino..... e Rosa..... e marido Manuel....., de....., .....a, acção de divisão de coisa comum de um assento de casas e aido sito no lugar de....., ... não descrito no registo predial e inscrito na matriz urbana sob o art. 26 e na rústica sob o art. 2725 (antigamente 1/2 do art. 1104 e totalidade do art.1103.
Alegaram para tanto - e em síntese - que em consequência das partilhas a que se procedeu por morte dos pais de A. e RR, conforme inventários apensos, aquele prédio ficou a pertencer
a) - a parte urbana, em comum e partes iguais à A. e RR;
b) - a parte rústica à A. e RR, na proporção de 7/18 para a A., 7/18 para a R. Custódia..... e 4/18 para a Ré Rosa.....
Na parte urbana, com a área de 362,3 m2, cada uma das A e RR construiu a sua casa de habitação, mas jamais dividiram ou demarcaram o terreno correspondente a cada construção, assim como jamais dividiram a parte rústica cuja área é de 3.300 m2.
A divisão só poderá operar-se por meio de loteamento em que cada uma das comproprietárias fique com um lote de área correspondente à sua fracção, ou seja, 1401,1 m2 para a A., outro tanto para a Ré Custódia.... e 89,1m2 para a Ré Rosa......
Juntou certidão matricial das três casas construídas na parte urbana e dos inventários a que se procedeu por óbito dos pais de requerente e requeridas.
Apenas contestou a requerida Rosa..... para dizer que a parte urbana, onde cada uma das comproprietárias construiu a sua própria casa, está dividida e demarcada; quanto à parte rústica não foi feita a demarcação, mas o prédio é divisível.
De seguida, considerando que não se mostra feita qualquer divisão, judicial ou extra-judicial da parte urbana, além de que não foi, sequer, invocado que qualquer dos comproprietários tenha exercido posse exclusiva sobre determinado quinhão previamente delimitado, o Ex.mo Juiz julgou a contestação improcedente.
Porque não fora posta em causa a divisibilidade do prédio e para tanto notificados, requerentes e requeridos indicaram Peritos que apresentaram relatório em que concluíram pela divisão da parte urbana em três parcelas - A, B e C -, contemplando as habitações actualmente existentes, construídas antes da entrada em vigor do Plano Director Municipal, e uma quarta parcela - D - correspondente à parte rústica, indivisível por integrada na Reserva Agrícola Nacional.
Advertiram, porém, os senhores Peritos que o estudo apresentado carecia da aprovação da Revisão do Plano Director Municipal em curso e sua Regulamentação, pois o actual exige áreas e frentes que as parcelas A, B e C não têm.
Perante este Relatório, a requerente Ana..... defendeu ser legalmente impossível a operação de loteamento proposta, devendo julgar-se indivisíveis tanto a parte rústica como a parte urbana; a requerida Custódia.... pronunciou-se no sentido de os autos aguardarem a revisão do PDM, devendo os Senhores Peritos avaliar a parte rústica, indivisível por integrada na Reserva Agrícola, a vender ou adjudicar, nos termos do art. 1054°, n° 2, do CPC; a requerida Rosa..... fez seu este requerimento da irmã Custódia......
A solicitação do Tribunal informou a Câmara Municipal de..... que, de acordo com o PDM em vigor as propostas parcelas A e B não reúnem a frente necessária (15 metros) e a parcela C não garante a superfície mínima (500 m2); embora se trate de construções existentes, estas disposições do PDM teriam de ser cumpridas na concretização de uma operação de loteamento. A Revisão do PDM poderá viabilizar o fraccionamento proposto, mas não se sabe quando tal ocorrerá.
À vista desta informação, a requerente Ana..... insiste na indivisibilidade do prédio. pelo que deve proceder-se à conferência a que se refere o art. 1056°. n° 2, do CPC; mas a requerida Custódia..... defende não haver lugar a loteamento porque nenhuma construção se vai efectuar, antes as casas estão há muito construídas, e a parte rústica mais não é que o aido das casas de habitação, o seu logradouro.
Foi suspensa a instância à espera de anunciado mas não concretizado acordo, e o Ex.mo Juiz, depois de analisado o relatório pericial e a informação municipal, concluiu pela indivisibilidade do prédio e designou data para a conferência a que alude o art. 1056°, n° 2, do CPC.
Inconformados, apelaram os requeridos Custódia..... e marido a pedir se declare a divisibilidade do prédio por se não estar perante qualquer operação de loteamento e constituir a parte rústica simples logradouro das habitações. Como melhor se vê da alegação que coroaram com as seguintes
Conclusões
1ª - Recorrentes e recorridos pugnaram inicialmente que o prédio objecto deste processo seria divisível em substância.
2ª - O prédio a dividir é descrito matricialmente como prédio misto ao qual corresponde os art.os urbano n° 26° e rústico n° 2725°.
3ª - Para efeitos civis, o prédio é classificado no seu todo como sendo um prédio urbano.
4ª - Em princípio, não se considera prédio rústico o terreno contíguo a prédio urbano para fruição de quem o utilize (Ac. Rei. Évora, C J, Ano IX, tomo II, pág. 274).
5ª - Do mesmo modo, nada impede o fraccionamento de "terrenos que constituam partes componentes de prédios urbanos" ( art.os 1376° e 1377° do Cód. Civil).
6ª - A afectação de parte do solo pertencente ao prédio à Reserva Agrícola Nacional visa apenas impedir a construção urbana nesse espaço e já não a sua divisão.
7ª - A perícia realizada inseriu as construções existentes em espaço urbano (categoria C) numa faixa de 50 metros considerando que a mesma poderá, no futuro, ser objecto de parcela-mento após a aprovação da proposta apresentada para a revisão do actual PDM, ficando a área remanescente afecta à Reserva Agrícola Nacional, indivisível.
8ª - O parecer emitido pela Divisão de Arquitectura, Planeamento e Gestão Urbanística da Câmara Municipal de..... entendeu que, mesmo estando já edificadas na parte urbana do prédio três casas de habitação, a sua divisão corresponderia uma operação de loteamento e que, portanto, seria aplicável o regime previsto no Decreto-Lei n° 448/91, de 29 de Novembro.
9ª - Haverá lugar a uma operação de loteamento quando, cumulativamente. seja pretendida.
- A divisão de um ou vários prédios:
- A divisão em lotes, qualquer que seja o seu número;
- O destino imediato ou subsequente de pelo menos um dos lotes à construção urbana.
10ª - A falta de preenchimento de algum destes elementos não nos permitirá qualificar determinada divisão de um prédio como operação de loteamento.
11ª - A divisão de todo o prédio em três parcelas urbanas que os recorrentes defendem ser possível não consubstancia uma operação de loteamento pois nenhuma das parcelas será destinada (imediata ou subsequentemente a nova(s) construções(s) urbana(s).
12ª - Tendo a Câmara Municipal emitido na devida altura os alvarás necessários à edificação das construções existentes, não pode agora impor o cumprimento de “condicionantes de edificabilidade” que são supervenientes, introduzidas pelo PDM actualmente em vigor, por tal consubstanciar um verdadeiro abuso de direito.
13ª - Coloca-se, assim, uma questão de aplicabilidade das leis no tempo cujo principio geral é o estabelecido no art. 12° do Cód. Civil.
14ª - No douto despacho recorrido, o Juiz "a quo" considerou irrelevante o esclarecimento pedido pelos recorrentes a fs. 89 no sentido de ser solicitado ao Director do Departamento de Obras Particulares do Município de..... para que informasse da existência de qualquer outra restrição imposta por norma(s) regulamentar(es) vigente(s) à data do licenciamento das construções que proibissem expressamente esta divisão.
15ª - Nada impede a adjudicação a cada um dos comproprietários do espaço onde cada qual construiu a respectiva casa nem a afectação da área remanescente a logradouro de cada habitação na proporção a que cada um tem respectivamente direito.
16ª - Assim, o despacho recorrido violou o disposto nos art.os 12°, 204° n.os 1, al. a) e 2, 1376° e 1377° do Código Civil, art. 3° al. a) do Decreto-Lei n° 448/91, de 29 de Novembro, além de que o tribunal “a quo” não fez uso da faculdade prevista no art. 1054° n° 3 do Código de Processo Civil.
Não houve resposta dos demais interessados.
Colhidos os vistos de lei e nada obstando, cumpre decidir as questões submetidas à nossa apreciação, as de saber se
I - a parte rústica, afecta à RAN, constitui logradouro das casas construídas na parte urbana, não impedindo aquela afectação a sua divisão por cada comproprietário - concl. 1ª a 6ª.
II - Se a divisão da parte urbana em 3 parcelas, correspondendo cada parcela à construção nela existente, como proposto pelos Peritos, constitui loteamento proibido pelo PDM de..... - conclusões 7ª a 15ª.
Para tal decidir teremos em atenção os seguintes
Factos:
1 - Em consequência das partilhas a que se procedeu por morte dos pais de A. e RR, conforme inventários apensos e certidões juntas, o prédio aí partilhado e descrito como um assento de casas e aido sito no lugar de....., ... não descrito no registo predial e inscrito na matriz urbana sob o art. 26 e na rústica sob o art. 2725 (antigamente 1/2 do art. 1104 e totalidade do art. 1103 ficou a pertencer
c) - a parte urbana, em comum e partes iguais à A. e RR;
d) - a parte rústica à A. e RR, na proporção de 7/18 para a A., 7/18 para a R. Custódia.... e 4/18 para a Ré Rosa......
2 - Na parte urbana cada uma das A e RR construiu a sua casa de habitação, mas, com excepção da casa original e seu logradouro, vedada em todo o seu perímetro por muros, jamais dividiram ou demarcaram o terreno correspondente a cada uma das duas construções novas. assim como nunca dividiram a parte rústica.
3 - As casas existentes na parte urbana têm os seguintes artigos matriciais:
- 2490 urbano, inscrita em nome dos requerentes Ana..... e marido, desde Agosto de 1983;
- 2516 urbano, sendo titular do rendimento o requerido Silvíno....., marido da requerida Custódia....., matricida desde 10 de Março e 1984 e
- 26 urbano, da requerida Rosa..... correspondente à original.
4 - Segundo relatório pericial e nos termos do vigente PDM de....., o prédio insere--se em espaço urbano (categoria C) numa faixa de 50 metros de profundidade a partir da rua a Poente e. para além desta faixa, em solo da Reserva Agrícola Nacional.
5 - O referido PDM permite, no espaço urbano de categoria C, a formação de parcelas desde que tenham frentes mínimas de l5 metros e área igual ou superior a 500 metros.
6 - Caso venham a ser aprovadas as disposições previstas na revisão do PDM, poderá vir a ser possível o fraccionamento da parte urbana nos moldes assim propostos pelos Peritos:
- Parcela A, com a área de 768 m2, contemplando a casa construída pelos requeridos Custódia.... marido;
- Parcela B, com a área de 664 m2, correspondendo à casa da requerente Ana..... e
- Parcela C, com a área de 455 m2. constituída pela casa original, pertencente à requerida Rosa......
7 - As Parcelas A e H não têm frente igual ou superior a l5 metros e a parcela C não atinge os 500 m2 de área.
8 - A Parcela D tem 1750 m2, situa-se logo a seguir à linha divisória da parte urbana e, como dito, integra-se na Reserva Agrícola Nacional.
Analisando o aplicável Direito
I - Natureza e (in)divisibilidade da parte rústica, afecta à RAN
Os senhores Peritos englobaram a parte do prédio para além da faixa dos 50 metros em uma só parcela - D - com a área de 1750 m2, afecta à reserva Agrícola Nacional e por isso indivisível. Reclamam os recorrentes que tal afectação visa apenas impedir a construção urbana nesse espaço e já não a sua divisão, tanto mais que esse terreno constitui logradouro do prédio urbano a que é contíguo e tem vindo a ser fruído como quintal pelos comproprietários dessas casas, devendo considerar-se urbano todo o prédio.
Nos termos do art. 1376° do CC, os terrenos aptos para cultura não podem fraccionar-se em parcelas de área inferior à unidade de cultura fixada para a zona do país em que se situam ou quando do fraccionamento possa resultar o encrave de qualquer das parcelas.
Mas, consoante disposto na al. a) do art. 1377° do CC, esta proibição não se aplica a terrenos que constituam partes integrantes de prédios urbanos.
«Apenas se deixou de subordinar a determinação do que constitui partes componentes dos prédios urbanos aos preceitos da legislação tributária, para se aplicarem os critérios da lei civil, naturalmente mais indicados para o efeito. Segundo o disposto no n° 2 do art. 204°, consideram--se partes componentes dos prédios urbanos os terrenos que lhes sirvam de logradouro. São estes, por conseguinte, os que podem ser fraccionados, independentemente do fim a que se destinem, atenta a sua função em face do prédio urbano que integram [P. Lima e A. Varela, CC Anotado, III, nota 2 ao art. 1377º]».
Nos termos do n° 2 do art. 204°, entende-se por prédio rústico uma parte delimitada do solo e as construções nele existentes que não tenham autonomia económica; e por prédio urbano qualquer edifício incorporado no solo, com os terrenos que lhe sirvam de logradouro.
-No ensinamento dos Prof. Pires de Lima e Antunes Varela [Ibidem, I, nota 3 ao art. 204º], não devem considerar-se prédios rústicos os logradouros de prédios urbanos, como os jardins, pátios ou quintais, antes deve atribuir-se ao logradouro a mesma natureza do edifício a que está ligado.
Não nos diz a lei o que deve entender-se por logradouro.
«E como a lei não estabelece directamente um critério para fazer a distinção compete ao intérprete determiná-la caso por caso. Na ausência de definição legal, logradouro de prédio urbano constitui no nosso direito um conceito jurídico indeterminado que só se determina na sua aplicação aos casos concretos. E as dificuldades daqui resultantes foram sentidas e correctamente expostas no acórdão da Rel. de Évora de 151 3/84 (in Col. Jur., ano IX, tomo 2, pág. 276). Para esse acórdão e seguindo a esteira de outros da Rel. de Coimbra, logradouro será o que é ou pode ser gozado, fruído ou desfrutado por alguém. Portanto, o logradouro de um prédio urbano há-de ser, em regra, o terreno contíguo que é ou pode ser fruído por quem se utilize daquele. Casa e terreno constituirão normalmente uma unidade cujas características variarão de região para região e até dentro da mesma localidade. E para fazer essa determinação julga-se ser irrelevante a circunstância de o prédio estar dividido na Repartição de Finanças em rústico e urbano, assim como a utilização que os residentes fazem do terreno e ainda a diferença de valor (entre) este e o edifício. O que importa é que um e outro sejam tidos como uma unidade, assim pensada essencialmente no seu desfrute.
Das condições expostas conclui-se que a determinação dessa unidade logradouro-prédio urbano constitui a fixação de um facto material da causa e não resulta da mera aplicação da lei substantiva [Ac. do STJ, de 25.3.93, na Col. Jur. 1993-11-34]».
«Quanto à expressão «logradouro», civilisticamente, ela tem assento no n° 2 do artigo 204° do Código Civil; aí se diz que se entende por «prédio urbano qualquer edifício incorporado no solo, com os terrenos que lhe sirvam de logradouro».
Daqui decorre que o logradouro sendo, basicamente, terreno, não é edifício; juridicamente, faz parte da unidade predial mas, fisicamente, tem diferença e autonomia; serve o edifício, ou seja, é complementar e serventuário do edifício.
Logradouro é uma palavra, semanticamente, decorrente de «lograr», isto é, «gozar, fruir, desfrutar» (Dicionário Enciclopédico, Koogan Larousse», I, pag. 516); é, na circunstância, essencialmente, «fruir» .
Portanto, logradouro, é o que pode ser logrado ou fruído por alguém; ou seja e fazendo apelo ao seu cariz complementar, em princípio por quem fruir o edifício correspondente [Ac. do STJ, de 6.7.93, no BMJ 429-766]».
Desde início os requerentes - e antes deles, nos inventários - classificaram o que vem sendo designado por parte rústica como aido e os Peritos consideram o todo um só prédio, totalmente delimitado a vermelho na planta junta, embora integrante da RAN a parte excedente aos cinquenta metros de profundidade. Não estabeleceram qualquer complementaridade desta parte rústica em relação aos edifícios, certamente porque assentaram na sua indivisibilidade por afectado à RAN .
Os recorrentes reafirmam agora que esta parte rústica mais não era que o aido da parte urbana, o seu quintal, que já os inventariados destinavam ao cultivo dos produtos agrícolas tradicionais para gozo do seu lar e que deve assim continuar, dividido pelos três comproprietários.
Se tal terreno tinha este destino e uso, servindo como logradouro, como aido ou quintal da casa originária e das depois construídas, nada obsta à sua divisão, mantendo a natureza de parte componente dos prédios urbanos.
Com efeito, «o objectivo principal da instituição da RAN (com o regime jurídico definido pelo Dec-Lei n° 196/89, de 14 de Junho, alterado pelos Dec-Lei n° 274/92, de 12 de Dezembro e 278/'95, de 25 de Outubro) é resguardar os solos de maior aptidão agrícola de todas as intervenções - designadamente urbanísticas - que diminuam ou destruam as suas potencialidades agrícolas e impeçam a sua afectação à agricultura (cfr. art. 8° a 11º). Daí que o art. 8° do Dec-Lei n° 196/89 proíba nos solos da RAN um conjunto de acções, contando-se entre elas a construção de edifícios e a realização de aterros e de escavações [F. Alves Correia, Manual de Direito do Urbanismo, 188] ».
Ora, não estando vedada a divisão de terrenos que sirvam de logradouro a prédios urbanos 1377°, a), do CC - nem sendo alterada, com a divisão, o fim que preside à sua afectação à RAN, não se vê obstáculo legal à pretendida divisão por forma a que cada comproprietário possa continuar a fruir de alguns metros quadrados de quintal.
Em suma: não há obstáculo legal à divisão do logradouro.
II - A (in)divisibilidade da parte urbana
Como se viu, o Ex.mo Juiz julgou indivisível o prédio, nomeadamente a parte urbana onde estão construídas as três casas de requerentes e requeridos, porque o contrário seria subverter o regime legal dos loteamentos e os objectivos que com tal regime se pretende alcançar, além de que a divisão do prédio não é consentânea com as regras e critérios definidos pelo Plano Director Municipal em vigor. Ao contrário, os recorrentes entendem que a divisão não integra qualquer operação de loteamento porque nada se vai construir, antes se trata de atribuir a cada comproprietário a parcela de terreno em que está, há muito, construída a casa de cada um.
A questão que nos ocupa não tem nada de linear e resulta de os comproprietários de um terreno terem nele construído, sem prévia divisão em forma legal. De tal atitude resultou esta situação: num prédio urbano foram construídas de novo duas casas, ao lado da então existente. Requerentes e Requeridos são comproprietários, em partes iguais, do terreno que constitui o prédio urbano original e proprietários a casa que cada um construiu ou reconstruiu.
A julgar-se indivisível o prédio onde foram construídas as referidas casas, teríamos que proceder à venda ou adjudicação do todo - art. 1056°, n° 2, do CPC - ficando algum ou alguns dos comproprietários privados da respectiva casa de habitação. Solução que não agrada a nenhum deles - os requerentes apenas pretendiam erguer um muro de vedação separando a sua casa da de sua irmã Custódia..... (n° 11° da petição) e esta recorrente, como a irmã Rosa..... (fs. 75) defendem a divisibilidade de todo o prédio - e custa aceitar de ânimo leve porque violentadora da consciência jurídica comum.
Há muito que a lei procura disciplinar o fraccionamento de terrenos para construção, tomando-o dependente de licença municipal.
Assim, logo o art. 27° do Dec.-Lei n° 289/73, de 6 de Junho, fazia depender de alvará as operações de loteamento referidas no art. 1º, tal como este, depois de definir como operação de loteamento a que tenha por objecto ou simplesmente como efeito a divisão em lotes de qualquer área de um ou vários prédios, situados em zonas urbanas ou rurais e destinados imediata ou subsequentemente à construção, torna dependente tal operação de licença da Câmara Municipal da situação do prédio.
O art. 3°, al. a), do Dec-Lei n° 448/91, de 29 de Novembro, manda entender por operações de loteamento todas as acções que tenham por objecto ou por efeito a divisão em lotes, qualquer que seja a sua dimensão, de um ou vários prédios, desde que pelo menos um dos lotes se destine imediata ou subsequentemente a construção urbana, proibindo o art. 4° as simples acções preparatórias das operações de loteamento sem prévia emissão de alvará.
A al. i) do art. 2° do Dec-Lei n° 555/99, de 16 de Dezembro, na redacção dada pelo Dec-Lei n° 177/2001, de 4 de Junho, define operações de loteamento as acções que tenham por objecto ou por efeito a constituição de um ou mais lotes destinados imediata ou subsequente mente à edificação urbana, e que resulte da divisão de um ou vários prédios, ou do seu emparcelamento ou reparcelamento.
Resulta destas sucessivas disposições legais que só há loteamento, dependente de prévia licença e observância dos planos urbanísticos, quando se pretende ou se obtém a divisão de um prédio em lotes destinados, imediata ou subsequentemente, a construção.
Não é a hipótese em apreço, pois não se trata aqui de retalhar um terreno urbano em lotes para em cada um desses lotes edificar. Aqui cura-se, tão só, por permissão do art. 1412° do CC, de situar um direito de compropriedade sobre um todo num direito de propriedade sobre uma concreta faixa de terreno em que cada um dos comproprietários construiu, há muito e com sujeição à lei então vigente, a casa de habitação de que é proprietário exclusivo. E não sendo operação de loteamento ou qualquer obra de urbanização não está a divisão sujeita a qualquer licença ou alvará.
Têm, pois, os recorrentes razão e não pode manter-se o decidido.
O processado da acção de divisão de coisa comum foi profundamente alterado pela reforma de 1995/96 por forma a evitar-se, sempre que possível, o enxerto de acções declarativas a propósito de qualquer litígio, seja sobre o pedido de divisão seja acerca do laudo pericial. Mas tal não significa que o Juiz não possa proceder às diligências que considere necessárias, antes lhe mandam os art. 1054°, n° 3, e 1055° do CPC, decidir segundo o seu prudente arbítrio, precedendo as diligências julgadas necessárias.
No caso, além de ser necessário proceder à divisão do logradouro por forma a que cada lote tenha acesso próprio, é indispensável encontrar o valor do terreno integrante de cada lote para que quem fique com mais área do que a que lhe pertence tome a quem adjudique menor área; e é, ainda, conveniente tomar em conta, na concretização das novas vedações, a existência de um poço que se diz comum da Ana..... e Custódia..... (fs. 88 e 100) e será o assinalado na planta de fs. 65. A diligência no local, sugeri da pela interessada Rosa..... (fs. 99), poderá ajudar a resolver a questão.
Decisão
Termos em que, na procedência da apelação, acordam os da Relação
a) - declarar divisível em substância todo o prédio objecto da acção;
b) - determinar o prosseguimento do processo com as diligências julgadas necessárias, algumas das quais são acima sugeridas, por forma a que seja adjudicado a cada um dos comproprietários o lote em que tem construída a respectiva casa e respectivo logradouro, dando tornas a quem pertencer.
Custas a final.
Porto, 23 de Abril de 2002
Afonso Moreira Correia
Albino de Lemos Jorge
Rui Fernando da Silva Pelayo Gonçalves