Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
10118/16.2T8VNG-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDA SOARES
Descritores: ERRO NA FORMA DO PROCESSO
ACÇÃO ESPECIAL
ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE DESPEDIMENTO
PEDIDO RECONVENCIONAL
CHAMAMENTO À DEMANDA
TERCEIRO
ACÇÃO COM PROCESSO COMUM
CONVOLAÇÃO
Nº do Documento: RP2018022810118/16.2T8VNG-A.P1
Data do Acordão: 02/21/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO - 1ª
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º270, FLS.182-188)
Área Temática: .
Sumário: I - Formulando o trabalhador – na contestação apresentada em acção de impugnação da regularidade e licitude do despedimento – pedido reconvencional contra a empregadora que proferiu o seu despedimento, e contra terceira, invocando a pluralidade de empregadores, e requerendo o chamamento desta última, mediante o incidente de intervenção provocada, a tramitação da acção especial – baseada na simplificação processual e na celeridade – não se compadece com a tramitação própria do incidente de chamamento de terceiro.
II - Confrontado com o referido pedido não pode o Juiz, ao abrigo do artigo 547º do CPC, convolar a acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento para acção com processo comum, por a tramitação da acção especial – constituída pelo apresentação do formulário, do articulado motivador do despedimento, do articulado contestação/reconvenção e da resposta – se diferenciar significativamente da tramitação da acção com processo comum, e deste modo, não permitir o exercício pleno dos princípios da igualdade e do contraditório e ainda contender com a aquisição processual de factos.
III - E na impossibilidade de convolação/adequação processual ocorre erro na forma de processo que conduz à absolvição da instância da empregadora e da terceira chamada posto que esta, entretanto, veio apresentar articulado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º10118/16.2T8VNG-A.P1
Relatora: M. Fernanda Soares – 1512
Adjuntos: Dr. Domingos José de Morais
Dra. Paula Leal de Carvalho
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I
B… apresentou, em 16.12.2016, na Comarca do Porto, Vila Nova de Gaia – Juiz 1, o formulário a que aludem os artigos 98º-C e 98º-D do CPT, declarando opor-se ao despedimento promovido em 26.10.2016 pela sua empregadora C…. CRL, pedindo dever declarar-se a ilicitude ou a irregularidade do mesmo. Com o formulário juntou decisão de despedimento.
A EMPREGADORA veio apresentar articulado para motivar o despedimento alegando que a TRABALHADORA foi admitida ao serviço da D… Lda., em 01.06.1999, mediante a celebração de contrato de trabalho a termo certo, e pelo período de seis meses, sendo que em 01.11.2001 o contrato de trabalho foi cedido à aqui EMPREGADORA tendo esta reconhecido a antiguidade da TRABALHADORA desde 01.06.1999. Sustenta a legalidade e a licitude do despedimento e opõe-se à reintegração da TRABALHADORA.
A TRABALHADORA veio apresentar articulado pedindo, em via reconvencional, a declaração da ilicitude do despedimento e a condenação da Ré, solidariamente com a chamada D… [para quem a TRABALHADORA também prestou trabalho, não obstante a sua vinculação formal apenas à aqui EMPREGADORA] a pagar-lhe as quantias, que indica, por força da ilicitude do despedimento, e outras remunerações. Para sustentar o chamamento alega que ao longo dos anos trabalhou para várias entidades/empresas que fazem parte do grupo empresarial D…, sendo que a TRABALHADORA foi reconhecida como funcionária/técnica da D… constituindo a Ré a alteração de denominação, ocorrida em Setembro de 2011, daquela sociedade.
A aqui EMPREGADORA, veio responder à contestação/reconvenção da TRABALHADORA, e no que aqui importa, invocou o erro na forma do processo pedindo a sua absolvição da instância quanto aos factos relacionados com a chamada e peticionados nos artigos 45 a 55, 57 a 67, 128 a 136, 237 a 241 da contestação. Mais refere que nunca foi celebrado com a D… qualquer contrato de trabalho ou em regime de pluralidade de empregadores [artigos 318 a 436 da resposta]. Com a resposta requereu a gravação de prova e arrolou testemunhas relativamente à reconvenção.
A TRABALHADORA veio responder defendendo a inexistência do invocado erro na forma do processo.
O Mmº. Juiz a quo, em 07.04.2017, proferiu o seguinte despacho: (…) “Atentos estes princípios de celeridade e simplificação que informam a presente acção, afigura-se-nos que o que o legislador teve em vista foram, como únicas partes possíveis, de um lado o trabalhador despedido e, do outro, a entidade empregadora que tenha, por escrito, comunicado a decisão de despedimento. No mesmo sentido aponta a circunstância de o único documento que a lei exigiu como pressuposto do recebimento do formulário inicial ser a «decisão de despedimento» - cf. artigo 98º-E do CPT – em função da qual se pode desde logo apreciar a existência de uma decisão de despedimento escrita, quem foi despedido (trabalhador) e quem despediu (empregador) ” (…) “Assim e a nosso ver, não se mostra processualmente possível a dedução de pedidos, na acção especial de impugnação do despedimento, contra terceiros que não constem da decisão de despedimento invocada. De todo o modo, não podemos olvidar que esta posição implica, para a responsabilização do terceiro visado, a instauração de uma nova acção, com uma duplicação de processos, de custos, de diligências e, sobretudo, de decisões que podem vir a ser tendencialmente contraditórias. Por outro lado e como sucede no caso dos autos, os factos alegados para a demanda do terceiro, contendem, não só com a responsabilização dele para além da Ré inicialmente demandada, mas também com a definição da antiguidade do trabalhador, o seu passado laboral, as suas funções e retribuição efectiva (alegadamente paga por terceiros), tendo pois reflexos até no montante em que poderá vir a ser calculada uma indemnização pelo despedimento, caso este se venha a reputar ilícito” (…) “Considerando estes aspectos e os princípios de adequação processual consagrados nos artigos 6º, nº1 e 547º do CPC, os quais não deixam de ser extensivos ao processo laboral (cf. artigos 1º, nº2, al. a) e 49º, nº2 do CPT), julgamos que a forma de compatibilizar a limitação processual, nesta matéria, da acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento com os interesses de economia processual, apreciação conjunta das pretensões e realização da justiça no caso concreto, é a seguinte: adaptar o processado, desde a dedução da reconvenção e pedido de intervenção do terceiro, convolando-o para processo comum (ainda que sem prejuízo da ressalva a este contida no artigo 98º-M do CPT quanto à ordem de produção de prova, dadas as regras especiais do ónus da prova em matéria de despedimento). É o que se decide, pelo que: se determina que o processo passe doravante a seguir os termos do processo comum, devendo como tal ser autuado; se admite, ao abrigo do artigo 316º, nºs.2 e 3, al. a) do CPC, o chamamento da sociedade D… Lda., a qual deverá ser citada para, querendo, contestar no prazo de 10 dias e nos demais termos do artigo 319º do mesmo Código. Face ao ora decidido, julga-se prejudicada a excepção de erro na forma de processo que a Ré/Empregador suscitou no seu articulado de resposta” (…).
A EMPREGADORA veio recorrer pedindo a revogação da decisão nos termos que indica nas conclusões de recurso [que sintetizou após convite formulado pela relatora], alegando que “o despacho em causa constitui uma decisão de simplificação ou de agilização processual e adequação formal, proferido nos termos previstos no nº1 do artigo 6º e no artigo 547º do CPC, de que cabe recurso nos termos do disposto no nº2 do artigo 630º do mesmo Código, sempre que contender com os princípios de igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual ou com a admissibilidade de meios probatórios”. Nas conclusões, que sintetizou, refere o seguinte:
1. Em consideração dos pedidos e da causa de pedir da TRABALHADORA, e que deram origem à presente acção, e à prova documental constante dos autos, não é possível a convolação do presente processo especial num processo comum, sem que com isso se coloque em causa o princípio da igualdade e do contraditório e o princípio da aquisição processual de factos, nos presentes autos.
2. Por outro lado, os fundamentos com base nos quais o Tribunal decide pelo chamamento da sociedade D… não têm reflexos na apreciação da licitude do despedimento da TRABALHADORA, ponto central da acção de que a mesma deu impulso e que, por esse motivo, não devem ser sujeitos à apreciação do Tribunal no âmbito do presente processo.
3. A acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento sendo uma acção especial não se compagina com a existência de uma relação laboral controvertida, a que acresce o facto de ser um processo urgente e que não se compadece com a demora na discussão deste tipo de questões, sujeitas aos termos do processo comum.
4. Apenas os pedidos formulados pela TRABALHADORA, que tanjam directamente com o processo de despedimento por extinção do seu posto de trabalho, poderão ser apreciados pelo Tribunal a quo, o que não se aplica ao reconhecimento de uma situação material de empregadores, com vista à responsabilização solidária de uma empresa que nunca teve a qualidade de entidade empregadora da TRABALHADORA – D… – nem com a mesma se encontra ou encontrou em relação de grupo ou partilhou estruturas organizativas comuns, nos termos e para os efeitos do nº1 do artigo 101º do CT. Neste sentido acórdãos da Relação de Évora de 16.04.2015 e da Relação de Lisboa de 26.03.2014 e de 26.03.2015.
5. A recorrente invocou a excepção de erro na forma de processo, cuja análise o Tribunal a quo, no despacho de que ora se recorre, entendeu encontrar-se prejudicada face à decisão de convolação da acção especial em processo comum.
6. Também no sentido da procedência da excepção invocada pela recorrente vão os acórdãos proferidos em 10.01.2011, 17.10.2011 e em 29.10.2012 pelo Tribunal da Relação do Porto e o acórdão de 20.06.2013 do Tribunal da Relação de Évora.
7. No que diz respeito ao chamamento da sociedade D… entende a recorrente que já existe prova suficiente nos autos para que se possa afastar a fundamentação justificativa e aduzida pelo Tribunal a quo.
8. Com efeito, com base no argumento de a TRABALHADORA ter alegadamente prestado actividade «do ponto de vista material e substantivo, à empresa D… Lda., não obstante a sua vinculação formal à aqui Ré» vem a mesma peticionar a responsabilização solidária desta e da recorrente, fazendo um suposto enquadramento de aspectos societários, que se encontra incorrecta e que a recorrente impugnou.
9. Sem prejuízo do atrás referido, é de salientar que nunca foi celebrado qualquer contrato com ou em regime de pluralidade de empregadores entre a TRABALHADORA e a recorrente ou entre aquela e a sociedade D… e nunca a recorrente prestou serviços à D… de forma subordinada ou independente.
10. A recorrente foi constituída em 18.10.1983, sob a forma de cooperativa, com a natureza de utente de serviços, visando o fornecimento de serviços aos seus membros no âmbito do respectivo objecto principal, designadamente a prestação de serviços e consultoria no desenvolvimento e coordenação de projectos e formação profissional – documento 1 junto com a resposta à contestação/reconvenção.
11. Não é pelo facto de ser uma cooperativa, que daí decorre a aplicabilidade do regime de pluralidade de empregadores a todos os trabalhadores que prestem trabalho para a recorrente, por referência a qualquer uma das cooperadoras utentes dos seus serviços, o que não significa que a TRABALHADORA, ou qualquer trabalhador da cooperativa, que desenvolvesse, através desta, trabalho a pedido de determinada cooperadora, se pudesse achar numa relação laboral de pluriemprego com estas.
12. A D…, no período relevante e que se discute nos autos, foi cooperadora da recorrente, tendo, a partir de 2013, deixado de o ser, passando a ser apenas cliente da mesma – documentos 16 a 29 juntos com a resposta.
13. O regime societário contido nos artigos 481º e seguintes do CSC não é aplicável às cooperativas.
14. Neste sentido, não é passível à recorrente, sendo uma cooperativa, encontrar-se em qualquer tipo de relação de domínio ou de grupo com as cooperadoras que tenha, em determinado momento, não existindo qualquer relação societária directa ou indirecta entre a recorrente e as mesmas.
15. A TRABALHADORA tão pouco logrou fazer prova das alegadas relações societárias, sendo que da prova documental que junta – documentos 8 a 12 com a contestação – apenas se conclui que inexistem tais ligações entre empresas.
16. E por força da inaplicabilidade do título VI do CSC às cooperativas, tão pouco poderá ter aplicação a responsabilidade solidária prevista no artigo 334º do CT.
17. Ao exposto acrescem ainda os requisitos de carácter formal, previstos para a aplicabilidade do regime de pluralidade de empregadores, cuja observância cumulativa no respectivo contrato tem de ser obrigatoriamente respeitada e que no caso também não se encontram verificados.
18. A TRABALHADORA apenas foi trabalhadora da recorrente e só prestou funções a favor desta empresa – documentos 24, 32, 33, 102 a 109, 110 a 122, 159, 185, 186, 267 a 269, 273 a 275, 279, 280, 283 a 292 juntos com a contestação e documentos 3, 4, 5, 6, juntos com a resposta.
19. Por último, para aplicação do regime da pluralidade de empregadores era, ainda, necessário que tivesse existido uma partilha dos meios utilizados na prossecução da respectiva actividade, o que tão pouco se verificou.
20. Não podem os factos alegados pela TRABALHADORA para o chamamento da D… contender com a definição da antiguidade da mesma, porquanto esta sociedade se mostra absolutamente alheia à relação laboral inicial com a D… e posteriormente com a recorrente, que lhe reconheceu, no final do contrato, a antiguidade que a mesma tinha desde 01.06.1999.
21. O despacho recorrido viola os princípios da igualdade e do contraditório, da aquisição processual de factos e ainda da estabilidade da instância, certeza e segurança jurídicas, devendo ser revogado.
22. Não obstante o despacho recorrido ressalvar que se mantêm as regras da acção especial relativas à produção de prova, não obstante a convolação em processo comum, a realidade é que, até essa convolação, a recorrente se mostrou limitada à tramitação específica e urgente da acção especial e, bem assim, aos respectivos prazos de propositura e ónus de alegação e à impossibilidade de deduzir reconvenção.
23. Ao decidir pela convolação do processo comum e consequente chamamento da sociedade D… o Tribunal a quo ignorou a prova já oferecida pelas partes e que impunha uma decisão em sentido diverso.
24. Deve o despacho recorrido ser revogado por manifesta violação dos princípios da igualdade e da aquisição processual de factos – artigo 530º, nº2 do CPC.
A D… veio apresentar articulado aderindo à resposta da EMPREGADORA, arguindo a sua ilegitimidade, o erro na forma do processo, a caducidade do direito de acção contra a chamada, concluindo pela procedência das excepções invocadas e pela improcedência do pedido reconvencional contra si formulado.
A TRABALHADORA veio responder ao articulado apresentado pela chamada.
A TRABALHADORA contra alegou pugnando pela manutenção da decisão recorrida concluindo do seguinte modo:
1. Não cabe recurso do despacho aqui em causa e visado pela recorrente, precisamente no quadro do invocado artigo 630º, nº2 do CPC, uma vez que tal despacho não contende com os princípios da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios.
2. Por outro lado, a impugnação de tal despacho com o recurso da decisão final não se afiguraria como absolutamente inútil, nem o fundamento invocado pela recorrente a tal propósito se mostra relevante para tal.
3. A configuração legal da acção especial em causa não se restringe ao julgamento da regularidade e licitude do despedimento.
4. É o próprio nº3 do artigo 98º-L do CPT que abre a acção à dedução de reconvenção e à possibilidade de o trabalhador peticionar créditos emergentes da relação laboral entretanto finda, o que a recorrida precisamente fez na sua contestação, pedindo a condenação solidária, a tal título, da recorrente e da chamada.
O Mmº. Juiz a quo admitiu o recurso e ordenou a suspensão da instância nos autos principais até decisão do presente recurso.
A Exma. Procuradora Geral Adjunta junto desta Relação emitiu parecer no sentido da rejeição do recurso por ausência de conclusões, com o fundamento de que estas são a cópia das alegações e como tal inexistem.
A EMPREGADORA veio responder reafirmando o provimento do recurso e requerendo, a título subsidiário, o convite ao aperfeiçoamento das conclusões.
A relatora, por despacho proferido em 23.10.2017, convidou a recorrente a sintetizar as conclusões do recurso, o que esta fez, e por despacho proferido em 21.12.2017 ordenou a notificação da apelante para no prazo de 10 dias, querendo, tomar posição quanto à não admissibilidade do recurso invocada pela recorrida nas contra alegações.
A EMPREGADORA veio responder defendendo que a adequação formal a que o Tribunal a quo procedeu contende com os princípios da igualdade e do contraditório, com a aquisição processual de factos, e ainda, da estabilidade da instância, certeza e segurança jurídicas. Invoca que a manutenção da ordem de produção de prova, conforme indicada no artigo 98º-M do CPT, desequilibra a posição processual da recorrente nos autos, encontrando-se esta impossibilitada de deduzir reconvenção (apenas prevista no processo comum). Defende igualmente que ao caso é aplicável a al. h) do nº2 do artigo 79º-A do CPT.
Cumpre decidir.
* * *
II
Questão preliminar
Da recorribilidade da decisão e da oportunidade da sua interposição.
A TRABALHADORA veio, nas contra alegações, defender a não admissibilidade do recurso por a decisão não contender com os princípios da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios. Mais refere que a impugnação de tal despacho com o recurso da decisão final não se afiguraria como absolutamente inútil, ou seja, que a ser admissível o recurso apenas deveria ser interposto com o interposto da decisão final. Que dizer?
Sob a epígrafe “Despachos que não admitem recurso” determina o nº2 do artigo 630º do CPC o seguinte: “Não é admissível recurso das decisões de simplificação ou de agilização processual, proferidas nos termos previstos no nº1 do artigo 6º, das decisões proferidas sobre as nulidades previstas no nº1 do artigo 195º e das decisões de adequação formal, proferidas nos termos previstos no artigo 547º, salvo se contenderem com os princípios da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios” [sublinhado da nossa autoria].
O despacho recorrido constitui decisão de adequação formal proferido ao abrigo do artigo 547º do CPC [«O juiz deve adoptar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos actos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo»].
Cumpre, deste modo, ponderar os fundamentos invocados no recurso tendo em vista concluir-se, ou não, pela sua admissibilidade.
Como já referido, a apelante defende não ser possível a convolação da presente acção especial em acção com processo comum, por a mesma ofender o princípio da igualdade e do contraditório e o princípio da aquisição processual de factos. Ou seja, quer no requerimento de interposição do recurso, quer nas alegações do recurso e nas conclusões, a recorrente fundamenta o recurso na parte final do nº2 do artigo 630º do CPC.
Deste modo, o recurso é admissível nos termos da citada disposição legal.
Cumpre, de seguida, apreciar se o recurso deveria ser interposto logo a seguir à prolação do despacho recorrido ou só a final.
Nos termos do nº2 do artigo 79º-A do CPT “Cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de 1ª instância (…) h) Decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil” [o despacho que procedeu à adequação processual não cabe em nenhuma das demais alíneas do nº2 do artigo 79º-A do CPT].
Decidiu-se no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, em 14.01.2003, o seguinte: “Um recurso torna-se absolutamente inútil nos casos em que, a ser provido, o recorrente não pode aproveitar da decisão, produzindo a retenção um resultado irreversivelmente oposto ao efeito que se quis alcançar” - CJ, ano 2003, tomo 1, página 10.
José Lebre de Freitas defende que “a eventual retenção deverá ter um resultado irreversível quanto ao recurso, não bastando uma mera inutilização de actos processuais” – CPC anotado, volume 3, página 155. António Abrantes Geraldes escreve que “não basta que a transferência da impugnação para um momento posterior comporte o risco de inutilização de uma parte do processo, ainda que nesta se inclua a sentença final. Mais do que isso, é necessário que imediatamente se possa antecipar que o eventual provimento do recurso não passará de uma «vitória de Pirro», sem qualquer reflexo no resultado da acção ou na esfera jurídica do interessado” – Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, página 160.
A apelante defende que se aplica ao caso o disposto na al. h) do nº2 do artigo 79º-A do CPT dado “que a impugnação do despacho proferido com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil, não apenas porque a referida decisão incide directamente sobre questões que influem sobre a determinação da prova a fazer em audiência de discussão e julgamento, logo carecendo de ser prévia à mesma” (…) “mas também porque a produção dessa prova, nos termos determinados pelo Tribunal a quo violaria as garantias de defesa e contraditório, pondo em causa a igualdade substancial entre partes nos presentes autos”. Vejamos então.
A recorrente pretende, com o presente recurso, que a convolação para o processo comum fique sem efeito e como tal a acção siga os trâmites iniciais, quais sejam, os da acção de impugnação judicial da licitude e regularidade do despedimento.
Ora, se a pretensão da apelante é precisamente assegurar a tramitação da acção especial – com todas as consequências que a mesma acarreta – então traduziria uma inutilidade à sua pretensão se o recurso apenas fosse impugnado com o recurso da decisão final, pois neste caso a acção seguiria a tramitação a que precisamente a recorrente se opõe [o que de algum modo acabou por acontecer na medida em que a chamada acabou por ser citada e apresentou articulado, quando, e com o devido respeito, deveria se ter aguardado o trânsito em julgado do despacho ora recorrido e só após proceder à citação da chamada na medida em que a prática desse acto processual – a citação da chamada – pressupunha, entre outros requisitos, a tramitação da acção como acção com processo comum].
Deste modo, o recurso deveria ter sido interposto logo após a prolação do despacho recorrido, ou seja, nos termos da al. h) do nº2 do artigo 79º-A do CPT, o que aconteceu.
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III
Objecto do recurso.
Se no caso deveria ter ocorrido a convolação para os termos da acção comum.
Segundo o disposto no artigo 98º-L do CPT “3. Na contestação, o trabalhador pode deduzir reconvenção nos casos previstos no nº2 do artigo 274º do Código de Processo Civil, bem como para peticionar créditos emergentes do contrato de trabalho, independentemente do valor da acção” (…) “5. É correspondentemente aplicável o disposto nos nºs.2 e 3 do artigo 60º e no nº6 do artigo 274º do Código de Processo Civil”.
Albino Mendes Baptista refere o seguinte: “Como na contestação o trabalhador pode peticionar créditos emergentes do contrato de trabalho (artigo 98º-L nº3 do CPT), enxerta uma verdadeira acção na acção principal, já que se trata de um pedido autónomo contra o empregador, passando a haver uma nova acção no mesmo processo” – A nova acção de impugnação do despedimento e a revisão do Código de Processo do Trabalho, página 107.
O pedido de condenação nos créditos emergentes do contrato de trabalho, tendo em conta a configuração da acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento [pois tratam-se «de despedimentos provados, assumidos como tal pelo empregador, em que o trabalhador não tem, a este nível, qualquer ónus da prova para cumprir» – acórdão desta Secção Social proferido no processo 213/10.7TTBRG.P1] tem de ser dirigida contra o empregador que proferiu o despedimento na medida em que esta acção assenta na especial tramitação processual prevista nos artigos 98º-B a 98º-P do CPT e no seu cariz urgente [artigo 26º, nº1, al. a) do CPT].
Assim, a especial tramitação da referida acção não se compadece com o chamamento de terceiros nem com a formulação de pedidos contra quem não figura, inicialmente, na acção, como é o caso dos autos [onde a TRABALHADORA vem invocar na contestação a pluralidade de empregadores, pedir o chamamento de terceira e formular pedidos contra a EMPREGADORA, que proferiu o despedimento, e também conta a chamada].
Por isso, os pedidos formulados na contestação/reconvenção contra terceira/chamada só poderiam ocorrer numa acção com processo comum [com a apresentação de petição inicial pela TRABALHADORA/Autora onde formularia pedidos contra a aqui EMPREGADORA/Ré e a CHAMADA/Ré, a que se seguiriam as contestações de ambas as Rés, contestações onde poderiam ser deduzidos pedidos reconvencionais contra a Autora, seguida de resposta da Autora].
O Mmª. Juiz a quo assim o entendeu mas em vez de tratar a questão em sede de erro na forma do processo procedeu à adequação formal ordenando que o processo passasse a ser tramitado sob a forma comum, julgando, deste modo, prejudicado o conhecimento do invocado erro na forma de processo.
A apelante defende o seguinte: o despacho recorrido viola os princípios da igualdade e do contraditório, da aquisição processual de factos e ainda da estabilidade da instância, certeza e segurança jurídicas, devendo ser revogado. Não obstante o despacho recorrido ressalvar que se mantêm as regras da acção especial relativas à produção de prova, não obstante a convolação em processo comum, a realidade é que, até essa convolação, a recorrente se mostrou limitada à tramitação específica e urgente da acção especial e, bem assim, aos respectivos prazos de propositura e ónus de alegação e à impossibilidade de deduzir reconvenção. Ao decidir pela convolação do processo comum e consequente chamamento da sociedade D… o Tribunal a quo ignorou a prova já oferecida pelas partes e que impunha uma decisão em sentido diverso.
E a adequação processual a que o Mmº. Juiz a quo procedeu contende com os princípios da igualdade ou do contraditório – artigo 4º do CPC – e da aquisição processual de factos – artigo 413º do CPC?
É o que vamos analisar.
Esta secção social já teve oportunidade de se pronunciar, mais do que uma vez, sobre a referida questão.
Vamos aqui transcrever, na parte que releva, o acórdão proferido na apelação 64/12.4TTMLG-A.P1 [no qual foi relatora a aqui 2ª adjunta]: “Quanto a esta questão desde já diremos que, salvo o devido respeito por diferente entendimento, discordamos também do tribunal a quo, chamando-se, em abono, à colação o Acórdão desta Relação de 17.10.2011, in www.dgsi.pt, Processo nº 652/10.03.TTVNG.P2, com o qual estamos de acordo e que passamos a transcrever: “(…) De acordo com o disposto no artigo 199º do CPC, “o erro na forma do processo importa unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei”( nº 1). “Não devem porém, aproveitar-se os actos já praticados, se do facto resultar uma diminuição de garantias do réu” (nº 2). No caso entendemos, salvo sempre melhor opinião, que o erro cometido não permite o aproveitamento de qualquer acto do processo, atenta a grande diferença de formalismo entre o processo declarativo comum e o processo especial referido, desde a fase inicial. Com efeito, o requerimento apresentado pelo recorrente não contém os requisitos mínimos de uma petição inicial (primeiro acto processual do processo declarativo comum), pois dele não constam, designadamente, os factos e as razões de direito que servem de fundamento à acção (art.º467 n.º 1, al. d) do CPC). Por outro lado, conforme se refere no Acórdão da Relação de Lisboa de 24/03/2011 «não se podem aproveitar todos os articulados que, entretanto, o tribunal indevidamente permitiu que fossem apresentados pois obedecem a uma tramitação e lógica diversa da acção comum, nos termos dos quais a acção devia ter sido proposta, nomeadamente em termos de prazos de propositura, e dos ónus de alegação e prova.» Além do mais, resultando do nº 2 do artigo 199º do CPC que apenas se devem aproveitar os actos já praticados, se do facto não resultar uma diminuição de garantias do réu, aproveitar no caso o processado já tramitado era uma forma de diminuir de forma drástica as garantias da Ré na medida em que, ao contrário do que acontece com a forma de processo comum, a acção especial de impugnação regularidade e licitude do despedimento não permite que esta formule pedido reconvencional. Sendo assim, não podemos perfilhar o entendimento daqueles que defendem que nestes casos devem ser aproveitados os articulados. Assim, o erro cometido determina a nulidade de todo o processado, ao abrigo do artigo 199 nºs 1 e 2 do CPC, o que constitui uma excepção dilatória que importa a absolvição da instância da ré, nos termos dos artigos 493 e 494 b) do CPC, pelo que confirmamos a decisão recorrida.” E, no mesmo sentido, o Acórdão da Relação de Lisboa de 24.03.2011, in www.dgsi.pt, Processo nº 72/10.0TTCDL.L1-4, citado no acórdão acabado de transcrever. Com efeito, e para além do formulário apresentado nos termos do artigo 387º, nº 2, do CT/2009 não conter, minimamente que seja, os fundamentos, de facto e de direito, que devem constar da petição inicial e do demais referido no citado acórdão, a verdade é que o paradigma das duas espécies processuais (a forma comum e a especial) são completamente diferentes, com a total inversão dos articulados e com repercussão nas regras relativas ao exercício do contraditório. Com efeito, não se vê como possa o articulado da empregadora, apresentado antes da contestação do trabalhador, passar a valer, agora, como contestação ao articulado deste, sendo certo que, quando aquele foi apresentado, não o foi tendo em vista contraditar os factos alegados pelo trabalhador (cujo articulado é posterior). E, por outro lado, no processo comum, à petição inicial pode o empregador, não apenas contestar, como também, nessa mesma peça processual, deduzir reconvenção, faculdade esta que lhe é vedada na acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento. Afigura-se-nos, pois, que da invocada adequação do processo à forma comum resultaria a diminuição das garantias do réu, o que, nos termos do artigo 199º, nº 2, do CPC, exclui a possibilidade de aproveitamento dos (todos) actos praticados. E, assim sendo, o erro cometido determina, nos termos do artigo 199º, nºs 1 e 2, do CPT, a nulidade de todo o processado, o que constitui uma excepção dilatória que importa a absolvição da instância da ré nos termos dos artigos 493 e 494 b) do CPC e, consequentemente, impõe a revogação da decisão recorrida” [fim de citação].
Concorda-se inteiramente com o exposto sendo certo que a referência aos artigos 199º, 467º, nº1, al. d), 493º e 494º, al. b) do anterior CPC em nada altera a posição defendida no acórdão em face do disposto nos artigos 193º, 552º, nº1, al. d), 278º, nº1, al. e) e 577º, al. b) do novo CPC, que são a reprodução daqueles artigos.
Pois bem, quando o despacho de adequação processual foi proferido existiam já todos os articulados admissíveis na acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, a saber, o formulário, o articulado motivador do despedimento, a contestação/reconvenção e a resposta. Todos os demais apresentados – articulado apresentado pela chamada e resposta a esse mesmo articulado por parte da aqui recorrida – foram, com o devido respeito, indevidamente apresentados, por não respeitarem à normal tramitação da acção especial, e como tal não podem ser aproveitados sob pena de diminuição das garantias da apelante, e até da própria chamada, as quais nem sequer podem deduzir pedido reconvencional contra a apelada.
Assim se conclui que o despacho de adequação processual – objecto do presente recurso – diminui as garantias da aqui EMPREGADORA, concretamente o princípio da igualdade, do contraditório e com a aquisição processual de factos, e como tal não pode manter-se.
Contudo, cumpre referir o seguinte.
O despacho recorrido ao ter convertido a acção especial em acção com processo comum e ao julgar prejudicado o conhecimento da excepção do erro na forma de processo, admitiu, implicitamente, que a forma a seguir seria, sempre, a do processo comum.
Consideramos, pois, que se verifica a situação prevista no artigo 665º, nº2 do CPC, sendo que, no caso, se mostra cumprido o contraditório na medida em que a questão do erro na forma do processo é abordada também no recurso.
Assim sendo, e com os fundamentos já expostos no acórdão relatado pela aqui 2ª adjunta – e que nos dispensamos de os repetir – ocorre, no caso, erro na forma do processo, o qual determina, nos termos do artigo 193º do CPC, a nulidade de todo o processado. Tal nulidade, sendo uma excepção dilatória, importa a absolvição da instância da apelante e da chamada nos termos dos artigos 278º, nº1, al. e) e 577º, al. b) do CPC.
Assim, e pelos fundamentos expostos, procede o recurso.
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Termos em que se julga a apelação procedente, se revoga o despacho recorrido que determinou que o processo passasse a seguir os termos do processo comum e que admitiu o chamamento da sociedade D… e consequentemente se julga procedente a excepção do erro na forma do processo e se absolve a apelante e a chamada da instância.
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Custas da apelação a cargo da apelada.
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Porto, 21.02.2018
Fernanda Soares
Domingos Morais
Paula Leal de Carvalho