Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
213/08.7TJVNF-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: M. PINTO DOS SANTOS
Descritores: ASSUNÇÃO DE DÍVIDA
SOCIEDADE
ACTO CONTRÁRIO AO FIM
INTERESSE DA SOCIEDADE
Nº do Documento: RP20111213213/08.7TJVNF-A.P1
Data do Acordão: 12/13/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A assunção (cumulativa) de uma dívida (de outras sociedades) por parte de uma sociedade comercial traduz a constituição de uma garantia conferida ao credor.
II - Não é pelo simples facto de ter garantido uma dívida de terceiros que, sem mais, o respectivo acto (no caso, a assunção da dívida) deva ser considerado contrário ao fim/interesse da sociedade que o prestou, ainda que dele não decorra uma vantagem económica imediata para esta.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Pc. 213/08.7TJVNF-A.P1 – 2ª Sec.
(apelação)
__________________________________
Relator: Pinto dos Santos
Adjuntos: Des. Ondina Carmo Alves
Des. Ramos Lopes
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Acordam nesta secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:

I.1. Os articulados, a tramitação na 1ª instância e a decisão.
B…, Lda., com sede em Vila Nova de Famalicão, deduziu, por apenso à execução para pagamento de quantia certa que lhe foi movida por C…, Lda., com sede em Braga, a presente oposição à execução, alegando que nunca teve qualquer relação comercial com a exequente, que nunca contraiu ou assumiu qualquer dívida para com ela, que nada lhe deve e que ela, exequente, se apoderou abusivamente da letra dada à execução, tendo-a apresentado a pagamento e, depois, instaurado a acção executiva de que esta oposição é dependência.
Concluiu pugnando pela procedência da oposição, pela extinção da execução e pela condenação da exequente como litigante de má fé, em multa não inferior a 100 UC e indemnização não inferior a 3.000,00 €.

A exequente, notificada, contestou a oposição, alegando que a letra dada à execução foi emitida na sequência de um acordo que não foi cumprido e que a executada decidiu assumir juntamente com os primeiros devedores.
Terminou defendendo a improcedência da oposição à execução, o prosseguimento da acção executiva e requereu a condenação da executada como litigante de má fé, em multa e indemnização condignas, a segunda não inferior a 5.000,00 €.

Saneado o processo, sem selecção dos factos assentes nem elaboração da base instrutória, realizou-se depois a audiência de discussão e julgamento no termo da qual, após produção da prova, foi proferido despacho de fixação da matéria de facto dada como provada e como não provada, sem reclamação das partes.

Seguiu-se a prolação de sentença que:
julgou a oposição procedente
e condenou a oponente, como litigante de má fé, em 4 UC de multa e em 2.000,00 € de indemnização a favor da exequente, sendo 1.500,00 € para pagamento de honorários e 500,00 € por encargos.
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I.2. O recurso.
Inconformada com o sentenciado, a executada interpôs o recurso de apelação em apreço, cuja motivação culminou com as seguintes conclusões (cuja numeração se corrige, por a constante das conclusões conter erros sequenciais):
“I - O presente recurso versa sobre a sentença, aqui proferida, que julgou improcedente a oposição à execução apresentada pela executada condenando-a ao pagamento de uma multa de 4UCs e ao pagamento de uma indemnização de € 2.000,00 sendo €1.500,00 de honorários para a mandatária da exequente e €500,00 por encargos próprios desta.
II - O Tribunal a quo deu como provado que a exequente deu à execução uma letra de câmbio no valor de € 150.000,00, com data de emissão de 07.02.15 e com vencimento em 07.05.15, sacada por C1…, Lda. e aceite por B…, Lda.
III - Perante a matéria dada como provada nos autos, considerou o Tribunal a quo, válido o título executivo dado a execução nos presentes autos, julgando improcedente a oposição à execução apresentada pela executada, condenando-a ao pagamento de uma multa de 4UCs e ao pagamento de uma indemnização de € 2.000,00 sendo €1.500,00 de honorários para a mandatária da exequente e €500,00 por encargos próprios desta.
IV - Da a prova produzida em audiência de julgamento não poderia o Tribunal a quo ter dado como provada nomeadamente a matéria de facto identificada nos artigos 7 a 14 e 18 a 21 da sentença.
V - De facto, na modesta opinião da Recorrente, não resulta da prova produzida em audiência, que a Recorrente tenha assumido o pagamento de qualquer valor à exequente/recorrida e muito menos que tenha entregue a letra de câmbio dada à execução.
VI - A exequente manteve relações comerciais com a sociedade “D…”e no âmbito dessas relações comerciais a referida “D…” era devedora à exequente do valor de cerca de €105.000,00.
VII - Assim, por acordo entre as sociedades “D…” e “E…” e os sócios gerentes destas duas empresas, F…, G… e H…, foi elaborado um contrato de assunção de dívida onde os sócios se reconheceram fiadores do pagamento daquela quantia à exequente, conforme resulta do documento aos autos pela Recorrida a fls. 56 a 58.
VIII – Tal documento de assunção de divida foi dado à execução, processo que corre seus termos no 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Santo Tirso sob o nº 2695/07.5TBSTS.
IX - Tendo sido no âmbito dessa acção executiva que foi efectuada a penhora de bens dos devedores solidários F…, G… e H….
X - Quanto ao título dado à execução nestes autos, o mesmo não foi entregue pela Recorrente à Recorrida uma vez que, além de não existir qualquer tipo de relação comercial entre ambas, a executada não assumiu com a exequente qualquer divida e, por conseguinte, não entregou à exequente o título executivo dos presentes autos.
XI - De facto, e na modesta opinião da Recorrente, da prova produzida em audiência de julgamento não se conseguiu efectivamente apurar que o título executivo dos autos tenha sido entregue pela Recorrente à Recorrida.
XII - Não concorda a Recorrente como pode o Tribunal a quo valorar e considerar coerente o depoimento de parte do legal representante da exequente/recorrida, Sr. I…, bem como o depoimento da testemunha da exequente J..., quando estes dois depoimentos são contraditórios entre si acerca de quem, na versão da exequente, lhe terá, supostamente, entregue a letra.
XIII - Tendo sido estes os depoimentos que essencialmente foram valorados pelo Meritíssimo Juiz do tribunal a quo para dar por provada a matéria de facto que vai impugnada neste recurso.
XIV - Do depoimento de parte do gerente da exequente resulta que o Sr. F… e o filho K…, terão contactado o sócio gerente da Exequente no sentido da “B…” assumir o pagamento da dívida anteriormente reconhecida pelas sociedades “E…”, “D…” e respectivos sócios gerentes.
XV - Para o efeito, afirmou o representante legal da Exequente que o referido F… e o filho lhe propuseram que a exequente aceitasse uma letra no valor total de € 150.000,00, valor que incluía juros e despesas de desconto.
XVI – Contudo, quando questionado quem havia preenchido a letra e lha havia entregado, o gerente da Exequente afirmou que tinha sido o seu funcionário (a testemunha J…) quem havia colocado os carimbos da empresa e que depois a deixou na secretária para que a assinasse no lugar do sacador.
XVII - Do depoimento do dito gerente da Exequente resulta que o mesmo, embora tenha defendido a tese de que houve um acordo com o Sr. F… e filho no sentido que estes iriam entregar-lhe uma letra da exequente, a verdade é que não se conseguiu apurar como é que essa letra chegou às mãos da Exequente.
XVIII - Ou seja, a versão de que existiu uma suposta reunião entre aquele F…, o filho, o gerente da exequente e o empregado de escritório, J…, foi sustentada quer pelo gerente da Ré quer pelo funcionário.
XIX - Todavia, nenhum dos dois soube explicar quem efectivamente entregou a letra à exequente ou o modo como ela lá foi parar.
XX - Pelo que os mesmos não disseram a verdade.
XXI - E tal conclusão sai reforçada quando confrontamos tal depoimento da testemunha J….
XXII - Resulta assim dos depoimentos de parte do gerente da Exequente e da testemunha J… que os mesmos são absolutamente contraditórios pelo que não poderia o Tribunal a quo ter valorado tais depoimentos.
XXIII - E a ser assim, não poderia ter considerado como provados os factos mencionados nos artigos 7 a 14 e 18 a 21 identificados na sentença.
XXIV - De facto, é igualmente incongruente todo o depoimento da testemunha J…, quando afirma que embora (es)tivessem na posse da letra a exequente havia combinado com o F… e o filho K… que dariam à execução o contrato de assunção de dívida, de forma a tentar conseguir receber algum dinheiro dos executados H… e G…, descontando depois o que recebessem na letra dada à execução nestes autos.
XXV - Também aqui se verifica que, do depoimento da referida testemunha, resulta que antes de instaurar a tal execução contra o referido F… e os L1…, a exequente já havia feito averiguações no sentido de verificar a existência de bens desses L1…, não tendo conseguido apurar a existência de quaisquer bens de valor.
XXVI - Não fará assim qualquer sentido que, mesmo sabendo da inexistência de bens, a exequente tenha, ainda assim, executado o tal contrato de assunção de divida com a pretensão de conseguir obter qualquer pagamento que haviam que deduzir ao valor da letra alegadamente entregue pela executada à exequente.
XXVII - Resultam assim do depoimento desta testemunha várias contradições com a defendida tese da Exequente e sustentada por esta testemunha.
XXVIII - Pois, se foi confirmado pela testemunha que havia(m) sido feitas pesquisas para averiguar a existência de bens da titularidade dos outros devedores, e não haviam encontrado nada, a não ser bens móveis (aqueles que acabaram depois, em sede executiva, por ser penhorados e removidos da casa de um dos L…).
XXIX - Como pode ser credível que, estando supostamente a exequente na posse de uma letra que garantiria o pagamento do capital, acrescido de juros e de despesas de desconto, tenha, ainda assim, intentado uma execução no único propósito de conseguir obter qualquer pagamento que depois seria para abater ao montante da letra aceite.
XXX - Não parece pois, na modesta opinião da recorrente, que o tribunal a quo pudesse ter valorado o depoimento da testemunha da Exequente, J..., para dar como provados os factos dos artigos 12, 13, 20 e 21 da sentença.
XXXI - De todo o modo, em contraposição com os depoimentos supra referidos surge o depoimento da testemunha F….
XXXII - A referida testemunha, F…, veio contradizer toda a versão anteriormente sustentada pelo depoimento de parte da Exequente e do depoimento da testemunha J….
XXXIII - Pois que o próprio F… afirmou que nunca tinha entregue, por ele, ou pela B…, conforme pretende fazer crer a exequente, qualquer letra ou assumido qualquer divida.
XXXIV - Sendo que, a única forma pela qual o dito F…tinha assumido na qualidade de fiador o pagamento de uma dívida de €105.000,00 à exequente, havia sido por contrato de assunção de dívida também assinado pelas sociedades E… e D… e pelos restantes sócios dessa sociedade.
XXXV - Por outro lado, a justificação apresentada, e que decorre dos depoimentos de parte e testemunhal da exequente, de que a execução a instaurar contra os restantes devedores seria para os pressionar a pagar também não colhe.
XXXVI - Porquanto, resultou claro daqueles depoimentos que os mesmos sabiam que quem poderia ter bens susceptíveis de penhora seria o Sr. F… e que os restantes não teriam quaisquer bens em seu nome.
XXXVII - Se assim era, porque razão aceitaria a exequente uma letra de um terceiro quando podia proceder desde logo à penhora de bens do referido Sr. F…?
XXXVIII – Não faria qualquer sentido que a exequente tivesse feito diligências para averiguar a existência de bens, de todos devedores da quantia em divida.
XXXIX – E verificando que aqueles nada possuem de valor, ainda assim, viesse dar à execução o contrato de assunção de divida com a justificação de tentar penhorar bens, para depois os deduzir no valor da letra!? (que de antemão sabia que não existiam).
XL - Tal tese da Exequente não faz qualquer sentido à luz das regras da experiência comum.
XLI - Sendo que, a única justificação dada pela executada, para aceitar a letra, foi porque os outros devedores não tinham bens em seu nome e que seria o Sr. F… quem teria um armazém.
XLII - Donde só se pode concluir que a letra dos autos chegou às mãos da Exequente por outros meios que não os da executada.
XLIII - Porque pura e simplesmente a letra desapareceu da casa do referido F… na data em que ocorreu a penhora em sua casa.
XLIV - E dado que a letra apenas continha uma assinatura, ou seja sem qualquer valor ou data de emissão, facilmente se poderia apor nessa letra de câmbio qualquer data ou valor.
XLV - Sem prescindir, dispõe o art. 6º nº 1 do Cód. das Soc. Comerciais que "a capacidade da sociedade compreende os direitos e as obrigações necessárias ou convenientes à prossecução do seu fim, exceptuados aqueles que lhe sejam vedados por lei ou sejam inseparáveis da personalidade singular".
XLVI - Por sua vez, prescreve o nº3 do mesmo preceito que "considera-se contrária ao fim da sociedade a prestação de garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades, salvo se existir justificado interesse próprio da sociedade garante ou se tratar de sociedade em relação de domínio ou de grupo".
XLVII - Ora no caso dos autos a recorrente/executada, caso tivesse assumido aquela divida de terceiro perante a exequente, o que não sucedeu, tal conduta sempre seria contrária ao fim da sociedade, nos termos do referido n.º 3 do Cód. das Soc. Comerciais e, por conseguinte, nula nos termos do art. 294.º do C.C.
XLVIII - De facto como ficou demonstrado em Tribunal a recorrente/executada, não mantinha quaisquer relações comerciais com a exequente.
XLIX - Por outro lado, a sociedade havia sido constituída em Novembro de 2006 e iniciado a sua actividade em Janeiro, ou seja, estava ainda a iniciar a sua laboração e, naturalmente, não tinha meios de assumir uma dívida de terceiro no valor de €150.000,00, sem mais, sem qualquer contrapartida.
L - Não havia assim, da parte da executada qualquer interesse que justificasse a garantia de pagamento da dívida de um terceiro, com quem, como aqui já se referiu, não mantinha qualquer relação comercial, nem se tratava de sociedade em relação de domínio ou de grupo.
LI - Não tendo por isso qualquer interesse em assumir dívidas fosse de quem fosse.
LII – De qualquer forma, aqueles actos, a serem verdadeiros – que não são!!! - consubstanciariam um mero desvalor para o património social da executada.
LIII – Assim, não se verificando in casu as excepções do n.º 3 do art. 6.º do Cód. das Soc. Comerciais, sempre seria nulo, nos termos do art. 294 do CC, o título dado à execução pela exequente.
LIV - Nesta conformidade, considerando todos os depoimentos e documentos (a) que acima se aludiu, impunha-se que o tribunal a quo, não considerasse como factos provados os constantes dos artigos 7 a 14 e 18 a 21 da sentença.
LV - Ao invés, perante a prova produzida em audiência de julgamento, o tribunal a quo deveria ter dado como provada a matéria de facto alegada pela Ré na sua oposição à execução, donde resultava que a mesma nunca havia assumido qualquer dívida perante a exequente e que não havia entregue à exequente a letra em causa nos autos.
LVI - Por outro lado, deveria o tribunal a quo, face à prova produzida em audiência de julgamento, ter considerado nulos tais actos e por conseguinte o título executivo uma vez que o mesmo sempre se traduziria num acto contrário ao fim da sociedade executada.
LVII - Sendo certo que também ficou demonstrado em audiência que a executada não tinha qualquer interesse justificado em garantir o pagamento de uma dívida de um terceiro, nem havia qualquer relação de grupo com a executada que o justificasse.
LVIII - Assim, ao julgar improcedentes a oposição à execução deduzida pela executada, condenando-a ainda como litigante de má-fé, o tribunal a quo, violou nomeadamente as normas dos artigos 6.º do Cód. das Soc. Comerciais e 294 do CC.
Termos em que, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, por todas as razões expostas nestas alegações, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a oposição à execução deduzida pela recorrente/executada, absolvendo-a, em consequência, da multa e indemnização em que foi condenada por litigância de má fé, (…)”.

A exequente contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso e pela confirmação da sentença recorrida.
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II. Objecto do recurso:

O recurso é balizado pelas conclusões das alegações da apelante, estando vedado ao tribunal apreciar e conhecer de matérias que nelas não se encontrem incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso (arts. 684º nº 3 e 685º-A nºs 1 a 3 do CPC, na redacção aqui aplicável, resultante das alterações introduzidas pelo DL 303/2007, de 24/08, já que a execução, de que esta oposição é dependência, foi instaurada em data posterior a 01/01/2008, como decorre do número do processo), na medida em que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova e o seu âmbito está delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.
Por isso, as questões que importa apreciar e decidir são as seguintes:
Saber se a factualidade impugnada deve ser alterada no sentido pretendido pela recorrente;
Saber se ocorre a invocada nulidade por inadmissível assunção de dívida por parte da executada, com a consequente nulidade do título dado à execução;
Saber se a oposição à execução deve ou não proceder;
E saber se a condenação por litigância de má fé, de que a apelante foi alvo, é merecedora de censura.
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III. Factos provados:

Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos:
1) A exequente deu à execução uma letra de câmbio no valor de € 150.000,00, com data de emissão de 07.02.15 e com vencimento em 07.05.15, sacada por C1…, Lda. e aceite por B…, Lda. - cfr. documento de fls. 5 do processo principal que aqui se dá por reproduzido.
2) F…, pai do sócio-gerente da executada, K…, em 01/08/2006, confessou-se devedor à aqui exequente da quantia de € 105.254,93, a qual era proveniente de fornecimentos efectuadas por esta, à sociedade "D…, Lda.".
3) O sobredito F… obrigou-se a pagar tal quantia, em 60 (sessenta) prestações mensais, iguais e sucessivas de € 1.940,57, cada uma, com vencimento a primeira em 31 de Janeiro de 2007 e as restantes em igual dia dos meses subsequentes.
4) Sucede que, naquele sobredito dia 31 de Janeiro, o dito F…, não procedeu ao pagamento da prestação vencida nessa mesma data.
5) O que originou o imediato vencimento das restantes prestações.
6) E a exigibilidade imediata da dívida.
7) Sabendo que era o único dos subscritores do dito documento que possuía património susceptível de ser penhorado, o mesmo F… e o filho deste, K…, sócio-gerente da ora opoente, em meados de Fevereiro de 2007, deslocaram-se à sede da ora exequente.
8) Onde propuseram ao legal representante desta, I…, se aceitava que a sociedade ora executada, assumisse a responsabilidade integral pelo pagamento da dívida de € 105.254,93, e, bem assim, que o pagamento dessa mesma dívida fosse efectuado no prazo de 3 anos, através do aceite, e posterior reforma, de uma letra de câmbio, por parte daquela (a ora opoente).
9) Os ditos F… e K…, disponibilizaram-se, ainda, a pagar os juros de mora vencidos e os vincendos e, ainda, as despesas bancárias com o desconto da dita letra.
10) Mais propuseram englobar (n)uma única letra quer o montante da sobredita dívida, quer os montantes referidos no artigo anterior.
11) O legal representante da aqui exequente aceitou a proposta vinda de expor.
12) Na sequência do assim acordado, os mencionados F… e K…, procederam à entrega à exequente, da letra de câmbio que se encontra dada à execução, no valor de € 150.000,00.
13) Ficou, ainda, acordado que a opoente daria à execução o documento de fls. 56 a 58, e no caso de receber qualquer quantia, de qualquer um dos outros subscritores desse mesmo título, abateria o montante então recebido, ao valor da letra aceite pela ora opoente.
14) Sucede que a letra em causa, na data do respectivo vencimento, e diversamente do que tinha sido acordado, não veio a ser reformada, nem paga, pela ora opoente.
15) A exequente instaurou uma execução contra o referido F….
16) Tendo promovido uma diligência para penhora que ocorreu na habitação do pai, em 9 de Novembro de 2007.
17) Tendo a senhora solicitadora – a mesma que agora foi indicada para a presente execução –, acompanhada de uma outra pessoa da aqui exequente, entrado na habitação do mencionado F… e no respectivo escritório.
18) A execução efectuada na Comarca de Santo Tirso tinha, única exclusivamente, por objectivo pressionar os outros subscritores desse mesmo título, H… e G…, face à iminência de uma penhora sobre o recheio das respectivas casas, a pagar alguma quantia por conta dos referidos € 105.254,93.
19) Quantia essa que seria abatida ao montante da letra aceite pela ora opoente.
20) Quer a exequente, quer o Sr. F… e o seu filho, sócio-gerente da opoente, tinham perfeito conhecimento que o H… e o G…, ambos de apelido L…, não possuíam qualquer tipo de património e ou rendimentos susceptíveis de penhora, para além dos bens móveis que compõem o recheio das respectivas habitações.
21) E para que o H.. e o G… não tivessem conhecimento do acordado entre a opoente e a exequente, a aqui exequente, no âmbito daquele outro processo executivo, e em conformidade com o acordado com o F… e o sócio-gerente da opoente, para além de ter procedido à penhora de outros bens móveis que se encontravam nas residência dos ditos H… e G…, procedeu também à penhora dos bens móveis existentes na residência do F….
22) A executada não teve nunca qualquer relação comercial com a exequente.
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IV. Apreciação das questões enunciadas em II:

1. Se a factualidade impugnada pela apelante deve ser alterada no sentido que pretende.
1.1. A apelante, na maior parte das suas doutas conclusões, impugna a matéria de facto decidida na 1ª instância, sustentando, por um lado, que a factualidade constante dos nºs 7 a 14 e 18 a 21 dos factos provados devia ter sido dada como «não provada» e, por outro, que, relativamente à materialidade que alegou na petição da oposição, devia ter sido considerado «provado» que ela, executada/oponente, nunca assumiu qualquer dívida perante a exequente e que não lhe entregou a letra dada à execução.
Mostram-se cumpridos os ónus impostos pelas als. a) e b) do nº 1 e pelo nº 2 do art. 685º-B do CPC (na redacção actual), uma vez que a recorrente indica os concretos factos que considera incorrectamente julgados e quer ver reapreciados, refere os concretos meios de prova em que assenta a sua discordância com o que foi decidido, fundamenta a sua dissensão e menciona os segmentos dos registos (cd) onde estão gravados os depoimentos em que se estriba (procedendo à transcrição sumária dos segmentos que considera relevantes) – isto apesar de nas actas da audiência de discussão e julgamento não se ter cumprido o prescrito no nº 2 do art. 522º-C do CPC, já que nelas apenas foi feita menção ao número do CD onde os depoimentos foram registados, mas sem que fossem assinalados o início e o termo de cada um deles.
Antes de abordarmos directamente a questão enunciada, importa recordar que o nº 1 do art. 712º do CPC estabelece que “a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685º-B, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou”.
E o nº 2 acrescenta, ainda, que “no caso a que se refere a segunda parte da alínea a) do número anterior, a Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados”.
Quanto aos poderes de reapreciação da prova por parte dos Tribunais da Relação, quando esta assenta, exclusiva ou principalmente, em depoimentos gravados (em cassete, CD áudio ou vídeo, ou DVD), e para os efeitos do disposto nos preceitos acabados de referenciar, importa frisar que, contrariamente ao que acontecia até há pouco tempo, em que dominou uma orientação restritiva que sustentava que os Tribunais de 2ª instância não podiam procurar uma nova convicção e que deviam limitar-se a aferir se a do julgador «a quo», vertida nos factos provados e não provados e na fundamentação desse seu juízo valorativo, tinha suporte razoável no que a gravação permitia percepcionar e em conjugação com os demais elementos probatórios que os autos fornecessem, impera actualmente uma concepção bem mais ampla que, embora reconheça que “a gravação dos depoimentos áudio ou vídeo não consegue traduzir tudo quanto pôde ser observado no tribunal «a quo»”, designadamente, o modo como as declarações são prestadas, “as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória” e que existem “aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas são percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia”, entende, ainda assim, que as Relações têm “a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância, devendo proceder à audição dos depoimentos ou fazer incidir as regras da experiência, como efectiva garantia de um segundo grau de jurisdição”. E quando um Tribunal de 2ª instância, ao reapreciar a prova, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção, a que também está sujeito, “conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, deve proceder à modificação da decisão, fazendo «jus» ao reforço dos poderes que lhe foram atribuídos enquanto tribunal de instância que garante um segundo grau de jurisdição” [assim, Abrantes Geraldes, in “Recursos em Processo Civil – Novo Regime”, 2008, pgs. 279 a 286 e in “Reforma dos Recursos em Processo Civil”, Revista Julgar, nº 4, Janeiro-Abril/2008, pgs. 69 a 76; idem, Amâncio Ferreira, in “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 2008, pg. 228, e, i. a., Acórdãos do STJ de 01/07/2008, proc. 08A191, de 25/11/2008, proc. 08A3334, de 12/03/2009, proc. 08B3684, de 28/05/2009, proc. 4303/05.0TBTVD.S1 e de 01/06/2010, proc. 3003/04.2TVLSB.L1.S1, todos disponíveis in www.dgsi.pt/jstj].

1.2. Voltando ao caso «sub judice» diremos que para reapreciação da matéria fáctica impugnada procedemos à audição dos três depoimentos indicados pela apelante, ou seja, do depoimento de parte do gerente da exequente, I…, e dos testemunhos de F… (arrolado pela executada/oponente) e J… (arrolado pela exequente). Desconsideraram-se os depoimentos das demais testemunhas inquiridas em julgamento, M… e N… (igualmente gravados num dos CD junto aos autos), em virtude dos mesmos não serem chamados à colação nas alegações-conclusões da recorrente e/ou da recorrida e porque o Tribunal «a quo» também os considerou inócuos na fundamentação do despacho de fixação da matéria de facto provada e não provada, de fls. 317-321, aí tendo ficado consignado que “os depoimentos das testemunhas M… e N… não foram tidos em consideração dado que os mesmos pouco sabiam sobre os factos em questão, nomeadamente sobre as razões que estiveram na base da letra dada à execução”.
Assim, de relevante para o que aqui está em causa, constatámos que:
O gerente da exequente, I…, no seu depoimento de parte, declarou: O Sr. F… e o filho ficaram de lhe entregar a letra dada à execução. Quem lhe entregou a letra em mão foi «o meu funcionário» (expressão que utilizou; não disse o nome). Não sabe quem a entregou a esse seu funcionário (se foi o Sr. F.. ou o filho ou outrem a mando ou com o consentimento deles). A letra estava toda preenchida, à excepção da assinatura do depoente e dos carimbos da exequente que foi o depoente que os apôs. Constava que a executada era uma empresa do Sr. F…, pois era ele quem mandava nela (era ele que «comandava» os empregados e que permanecia na sede da empresa), embora quem fosse o respectivo gerente (de direito) fosse o filho K…. A letra foi para liquidar uma dívida de 105 mil e pouco euros que as sociedades “D…” e “E…”, das quais o Sr. F… era gerente, tinham para com a sociedade exequente, dívida essa que era em prestações mensais e sucessivas conforme haviam acordado por escrito. Vencida a 1ª prestação da referida dívida, mas que aquelas sociedades não pagaram, o Sr. F…, em Fevereiro de 2007, com o consentimento do filho, o Sr. K…, propôs ao depoente, que aceitou, a passagem de uma letra para resolver a situação, na qual, além do capital em dívida, seriam incluídos os juros em dívida e outras despesas. Para tal, a letra foi passada pelo montante de 150.000,00 € (a letra tem data de emissão de um dos dias seguintes ao do acordo a que chegou com o Sr. F…). A letra seria reformada de três em três meses durante o prazo de três anos, mas chegada a data da 1ª reforma aquela não foi reformada. No dito acordo (entre o depoente, o Sr. F… e o filho K…) ficou combinado que a letra seria emitida pela sociedade executada. Aquando da emissão da referida letra, o Sr. F… informou o depoente – e este assentiu - que iria continuar a pressionar os sócios das sociedade “D…” e “E…” para que eles procedessem ao pagamento de, pelo menos, parte da dívida, parte essa que depois seria deduzida na dívida relacionada com a letra que está em causa neste processo. Por isso é que o acordo escrito de confissão de dívida junto aos autos deu também origem a uma outra execução que a exequente instaurou contra quem no referido acordo se obrigou a pagar a dívida. Até hoje a exequente nada recebeu no âmbito dessa outra execução. Quando a penhora foi efectuada em casa do Sr. F…, no âmbito da execução que teve por base a acordo escrito já várias vezes referido, o depoente já tinha na sua posse, há vários meses, a letra dada à execução nestes autos (disse que a penhora levada a cabo na indicada execução ocorreu em Novembro de 2007 e que a letra aqui dada à execução já estava na sua posse desde Fevereiro do mesmo ano). Perguntado se com a emissão da letra dada à execução só a executada passou a ser devedora da exequente, com exoneração dos devedores anteriores, respondeu, não sem alguma hesitação, que o que ficou combinado entre ele e o Sr. F… foi no sentido de também poder instaurar uma acção contra os devedores anteriores com base no mencionado acordo escrito junto aos autos, para tentar cobrar-lhes, pelo menos, uma parte da dívida, parte essa que seria depois deduzida na dívida da executada.
● A testemunha F…, pai do gerente da executada e que foi gerente das sociedades “D…” e “E…” identificadas no “contrato de confissão de dívida, cessão parcial de créditos e acordo de pagamento” junto a fls. 56-58 e 189-191, disse: Nunca exerceu funções de gerente de facto na executada. Depois de celebrado o contrato/acordo junto a fls. 56-58 e 189-191, os sócios do depoente nas sociedades “D…” e “E…” desfizeram-se do património destas sociedades, sem conhecimento do depoente. A letra dada à execução não foi emitida pela executada a favor da exequente nem entregue por aquela a esta. Entre as duas sociedades nunca houve nenhum negócio. A 09/11/2007 houve uma penhora em casa do depoente, no âmbito da execução que a (também) aqui exequente moveu com base no contrato/acordo atrás mencionado, em que estiveram presentes dois agentes da autoridade, uma solicitadora de execução e a advogada da exequente. Nessa ocasião foram-lhe penhorados bens móveis que não foram removidos porque estavam já penhorados noutros processos, informação que o depoente deu à advogada da exequente. A letra dada à execução só pode ter chegado à posse da exequente por ter sido retirada (furtada) do escritório do depoente aquando da dita diligência de penhora. A mesma estava em cima de uma secretária, apenas com a assinatura de O… (aposta transversalmente, no local do aceite) que era um dos gerente da executada e o endereço e o carimbo desta. Quanto aos restantes dizeres, a letra estava em branco. A letra dada à execução estava junta com outras letras da executada, em cima da secretária no seu escritório (aquando da referida penhora), e destinavam-se, todas elas (incluindo a que veio a ser dada à execução), ao pagamento de uma carrinha que a executada havia adquirido. As outras letras que acabou de referir são as que estão juntas, por fotocópia, a fls. 125 a 136 e estavam assinadas (como continuam), no local do aceite, pelo K… e pelo O…. Foi confrontado com aquelas fotocópias e com a letra dada à execução. Perguntado porque é que a letra que veio a ser dada à execução só continha a assinatura do O…, enquanto as restantes continham as assinaturas deste e do K…, não conseguiu dar qualquer explicação plausível, nem mesmo quando foi confrontado com o teor da certidão da CRComercial junta a fls. 205-210 (da qual resulta que entre Janeiro e Junho de 2007 o O… era o único gerente de direito da executada e que depois da segunda data a gerência, como até Dezembro de 2006, voltou a pertencer, em conjunto, ao O… e ao K…), assim como não deu nenhuma explicação para o facto de, na sua versão, e apesar de todas elas se destinarem ao pagamento das prestações da viatura que a executada havia adquirido, uma dessas letras (a que veio a ser dada à execução) continha apenas a assinatura de um dos sócios, numa altura (Novembro de 2007; data da aludida penhora em sua casa) em que a sociedade se vinculava com a assinatura dos dois gerentes (ao ser confrontado com este facto, ainda tentou alterar o que havia dito antes afirmando que por vezes havia letras com a assinatura de apenas um dos sócios e que, afinal, a que foi dada à execução poderia não se destinar ao pagamento das prestações pela aquisição da referida viatura). Acrescentou, ainda, que não foi apresentada qualquer queixa pelo furto da letra e que só em Fevereiro de 2008, quando a executada foi citada na execução de que esta oposição é dependência, é que os ditos K… e O… deram conta do desaparecimento da letra. Quanto à renúncia temporária (entre Janeiro e Junho de 2007) do K… à gerência da executada, referiu que tal aconteceu única e exclusivamente para que o mesmo pudesse receber da segurança social, durante o período em causa, um subsídio de desemprego.
● A testemunha J…, empregado de escritório na exequente há cerca de 10 anos, disse: Conhece o Sr. F… como sendo um dos «donos» da executada (pelo menos ele assim se comportava). A “D…” tinha uma dívida elevada para com a exequente. Foi devido a essa dívida, de 105 mil e poucos euros, e à falência da “D…” que foi celebrado o contrato/acordo junto a fls. 56-58 e 189-191, no qual as pessoas aí indicadas se obrigaram a pagar a dívida à exequente. Em Janeiro de 2007 não foi paga a 1ª prestação acordada naquele contrato. E nos meses seguintes também não foi paga nenhuma das prestações subsequentes. No princípio de Fevereiro de 2007, o Sr. F… e o filho K… estiveram nas instalações da exequente para tentarem resolver o problema da dívida e do não pagamento da 1ª prestação. Teve então lugar uma reunião entre as duas pessoas acabadas de referir e o Sr. I… (gerente da exequente), na qual o depoente também esteve presente. O Sr. F… e o filho K… propuseram assumir o pagamento da dita dívida emitindo uma letra em nome da executada “B…”. A emissão dessa letra não excluía a responsabilidade dos devedores anteriores. A letra incluiria o capital em dívida, os juros e outras despesas e teria data de vencimento a três anos, durante os quais seria sucessivamente reformada de três em três meses. Ficou acordado que não seria dado conhecimento da emissão de tal letra aos devedores anteriores, G… e H…, e que o contrato já várias vezes mencionado seria também executado para pressionar esses devedores a pagarem parte da dívida, pagamento esse que, se fosse feito, seria deduzido à dívida a cargo da executada. A letra não foi, no entanto, entregue à exequente logo no próprio dia da referida reunião; foi entregue na exequente (não sabe por quem da executada) dois ou três dias depois, tendo então o Sr. I… (como também é conhecido o gerente da exequente) feito entrega da mesma ao depoente. A letra dada à execução acabou por nunca ser reformada pela executada. Aquando da emissão da letra, os outros obrigados no contrato junto a fls. 56-58 e 189-191, G… e H…, não possuíam bens. O Sr. F… possuía, pelo menos, um armazém; era o único que possuía património. A execução com base no contrato junto a fls. 56-58 e 189-191 foi instaurada contra quem se obrigou nesse contrato, mas nada foi pago no seu âmbito apesar de terem sido feitas penhoras e diligências para penhora em casa dos irmãos L… e na do Sr. F…. A letra, quando chegou às mãos do depoente, estava preenchida e tinha apostas as datas de emissão e de vencimento. Não referiu quantas assinaturas estavam apostas na letra em vinculação da executada.

1.3. Feita a transcrição dos depoimentos relevantes, importa agora joeirá-los e conjugá-los com outras provas e aferir se o Mmo. Julgador «a quo» os valorizou correctamente.
Como é fácil de constatar, foi com base no testemunho de J… que foram dados como provados os factos constantes dos nºs 7 a 14 e 18 a 21 (ora descritos sob a mesma numeração no ponto III deste acórdão); isso mesmo vem referido na fundamentação do despacho de fixação dos factos provados e não provados (cfr. fls. 320-321).
Em nossa opinião, tal valoração mostra-se correcta pela maior credibilidade que merece o depoimento daquela testemunha e pela maior consistência e isenção que revelou, por contraposição ao depoimento demasiado «apaixonado» e «interessado» que foi prestado por F…. Se é verdade que aquele J… era e é empregado da exequente, esta testemunha F… é pai de um dos gerentes da executada (do referido K…) e é um dos primitivos devedores da exequente (com base no contrato/acordo junto a fls. 56-58 e 189-191), o que torna, à partida, o seu depoimento mais comprometido com uma das partes (a executada) do que o da testemunha J… cuja única ligação à exequente é a de ser seu empregado. Além disso, face ao teor do seu depoimento e ao modo como o prestou, ficámos até com a nítida sensação de que a ligação de F… à executada era, pelo menos à data dos factos, bem mais estreita que a que referiu, mais concretamente de um verdadeiro gerente de facto da mesma (ligação que ele negou, mas que o gerente da exequente e a testemunha J… afirmaram peremptoriamente), só assim se compreendendo que, na sua versão (além do profundo conhecimento que revelou acerca dos negócios da executada), quer a letra que veio a ser dada à execução, quer as que se encontram juntas por fotocópia a fls. 125-136 (e estas últimas, como delas decorre em parte e como ele próprio referiu, foram emitidas pela executada para pagamento de uma carrinha Mitsubishi que esta havia adquirido) estivessem em sua casa (no seu escritório) e sobre a sua secretária quando teve lugar a diligência de penhora levada a cabo no âmbito da execução referida no nº 18 dos factos provados (instaurada com base no contrato/acordo junto a fls. 56-58 e 189-191).
Além disso, contrariamente ao que aconteceu com o depoimento de J…, o testemunho de F… revelou-se contraditório e pouco consistente em pontos essenciais, como aconteceu quando tentou convencer o Tribunal que a letra dada à execução havia sido furtada do seu escritório em Novembro de 2007, quando teve lugar, na sua residência, a diligência para penhora atrás indicada. Não conseguiu explicar por que razão a letra dada à execução continha apenas a assinatura do gerente da executada O…, ao passo que as restantes continham as assinaturas deste e de K…, não obstante, na sua primeira versão (que depois tentou alterar, quando confrontado com o facto de em Fevereiro de 2007 a gerência da executada pertencer apenas ao O…, diversamente do que acontecia em Novembro do mesmo ano), todas elas se destinarem ao pagamento da viatura a que atrás se fez referência. Ora, tal diferença entre a letra dada à execução e as letras fotocopiadas a fls. 125-136 (aquela só com a assinatura do O… no local do aceite; estas com as assinaturas de O… e de K…) é determinante para a opção (aceitação) pelo testemunho de J… (credibiliza-o e dá-lhe consistência), em detrimento do de F…, já que cabendo a gerência da executada, em Fevereiro de 2007, apenas a O… (o K… havia renunciado à gerência no final de Dezembro de 2006, renúncia que se manteve até Junho de 2007, altura em que «retomou» o cargo, mantendo-o daí para a frente em conjunto com aquele O…, como se afere da certidão da CRComercial junta a fls. 205-210), faz todo o sentido que a letra dada à execução contivesse apenas a assinatura do primeiro quando foi emitida e entregue à exequente (em Fevereiro de 2007, na versão da testemunha J… e do gerente da exequente) e que as restantes contivessem, aquando da realização da aludida diligência de penhora em casa de F… (Novembro de 2007), as assinaturas de O… e K…. E a circunstância de o O… não ter intervindo nas negociações que estiveram na base da emissão da letra em questão não interfere com a credibilidade e a consistência do testemunho de J…, pois, tendo sido ele que emitiu efectivamente a letra dada à execução – nenhuma dúvida foi suscitada quanto à assinatura que nela apôs no local do aceite, com o carimbo da executada - e tendo esta sido entregue à exequente, daí também decorre, por um lado, que o O…, apesar de não ter intervindo nas ditas negociações com o gerente da exequente, deu o seu assentimento a esse acordo e, por outro, que nessas negociações o F… e o K… intervieram como verdadeiros gerentes de facto da executada.
A agravar a pouca consistência da tese do furto da letra dada à execução, apresentado pela testemunha F… (em confirmação da versão da executada na petição da oposição), estão ainda duas outras circunstâncias que não se coadunam com essa tese: a ausência de queixa, por parte da executada, pelo furto da letra, apesar de, com base nela, estar a ser demandada para pagar uma dívida de 150.000,00 € (que não é um montante desprezível; bem pelo contrário) e o facto de, segundo a testemunha F…, o desaparecimento dessa letra de câmbio só ter sido notado pelos gerentes da executada quando esta foi citada no âmbito da execução de que esta oposição é dependência.
Num outro prisma e rebatendo a argumentação da apelante, na tentativa de descredibilizar o testemunho de J…, diremos, ainda, que nenhuma contradição relevante se vislumbra entre o depoimento desta testemunha e o depoimento de parte do gerente da exequente (depoimento que, na parte que excede a factualidade que confessou – factualidade que lhe era, necessariamente, desfavorável – podia ser livremente valorado pelo Tribunal e conjugado com outros meios de prova, como defende a apelante a fls. 6 e 7 das alegações – fls. 336 e 337 dos autos -, estribada em Jurisprudência desta Relação e do STJ).
Começando pela questão de saber quem emitiu a letra dada à execução, é cristalino que contendo ela a assinatura do referido O… (que, repete-se, em Fevereiro de 2007 era o único gerente - de direito – da executada) e não tendo essa assinatura sido impugnada pela executada/oponente, só poderá concluir-se que foi ele quem emitiu aquele título cartular (necessariamente por ter aceite o acordo que o F… e o K… haviam estabelecido com o gerente da exequente). Quanto a saber quem procedeu à entrega da mesma à exequente, também se apresenta lógica a «resposta» dada pelo Tribunal «a quo», pois se as negociações que estiveram na base da emissão da letra foram com a testemunha F… e o filho K…, é natural (presunção judicial que basta para esta afirmação – art. 351º do CCiv.) que tenham sido também eles (ambos ou um deles) a proceder à sua entrega à exequente. Aliás, em parte alguma do seu depoimento (de parte) o gerente da exequente referiu que quem a recebeu em primeira mão tenha sido a testemunha J…, pois o que disse foi apenas que a letra foi entregue a um funcionário seu (ao «meu funcionário», disse), sem acrescentar que esse funcionário fosse a identificada testemunha (nada lhe foi perguntado acerca disso, nem se alcança que pudesse estar a referir-se ao J…); e como a testemunha J… declarou que não foi ele que recebeu, em primeira mão, a letra da executada (ela foi-lhe entregue pelo gerente da exequente já depois da sua entrega por parte da executada), daí só podemos concluir que o tal funcionário da exequente que a recebeu da executada foi um outro funcionário daquela que não o que depôs como testemunha no âmbito destes autos.
E quanto ao porquê de ter sido primeiramente instaurada uma execução fundada no contrato junto a fls. 56-58 e 189-191, a testemunha J… também foi suficientemente clara, remetendo-se para o que disse acerca do assunto sem que se antolhem contradições ou dúvidas no que disse acerca disso.

1.4. Tudo, pois, para concluirmos – e com relevância para o efeito não existem outros elementos de prova – que não merece censura a valoração da prova feita pela 1ª instância e que também nós, nesta Relação, entendemos que a factualidade constante dos nºs 8 a 14 e 18 a 21 do ponto III deste acórdão deveria ter sido dada, como foi, como provada e que, por contraponto, não poderia ser dada como provada, como não foi, a factualidade que a apelante refere na conclusão LV das suas doutas alegações (segundo a numeração constante do ponto I deste acórdão).
Nesta parte improcede a apelação, mantendo-se inalterada a materialidade que vem dada como provada.
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2. Saber se ocorre a invocada nulidade por inadmissível assunção de dívida por parte da executada, com a consequente nulidade do título dado à execução.
2.1. Nas conclusões XLIII e segs. das suas alegações, a apelante defende, ainda (caso viesse a resultar provada, como ficou, a versão da exequente), que o acto de assunção de dívida em que se traduziu a emissão da letra dada à execução é nulo, em atenção ao disposto nos arts. 6º nº 3 do CSC (Código das Sociedades Comerciais) e 294º do CCiv., sendo, por via disso, também nulo o título dado à execução.
Que a emissão, pela executada, da letra dada à execução se traduziu, face ao que ficou apurado, numa assunção cumulativa de dívida, prevista no art. 595º nºs 1 e 2 do CCiv., não há qualquer dúvida; por um lado, porque a executada (não tanto pelo acordo, propriamente dito, concretizado entre F…, o filho deste, K… e o gerente da exequente, mas principalmente por, na sequência desse acordo, o então único gerente da executada, O…, ter emitido a letra de câmbio dada à execução, dando, assim, também o seu assentimento à assunção da dívida), acordada com a credora (a exequente), aceitou tornar-se devedora de uma dívida que impendia sobre terceiros (os identificados como tal no contrato que se encontra junto a fls. 56-58 e 189-191); por outro, porque a assunção de tal dívida, com a consequente emissão da dita letra de câmbio, não determinou a exoneração da obrigação dos devedores anteriores (não houve declaração expressa da credora nesse sentido), os quais continuaram, outrossim, vinculados à obrigação que tinham contraído já que a exequente continuou a poder demandá-los, como efectivamente demandou, com base naquele contrato junto a fls. 56-58 e 189-191 [sobre a figura da «assunção cumulativa de dívida», vejam-se Menezes Cordeiro, in “Tratado de Direito Civil Português”, II, Direito das Obrigações, Tomo IV, 2010, pgs. 240-242, Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, vol. II, 7ª ed., pgs. 378-379, Almeida Costa in “Direito das Obrigações”, 8ª ed., pgs. 763 e segs., Menezes Leitão, in “Garantias das Obrigações”, 2ª ed., pgs. 161-166 e, ainda, o Ac. do STJ de 17/09/2009, proc. 267/09.9YFLSB.S1, disponível in www.dgsi.pt/jstj].
Questão é saber se tal assunção de dívida configura, nas circunstâncias em que surgiu, a nulidade que a apelante invoca.

2.2. Dispõe o art. 6º do CSC:
“1 – A capacidade da sociedade compreende os direitos e as obrigações necessários ou convenientes à prossecução do seu fim, exceptuados aqueles que sejam vedados por lei ou sejam inseparáveis da personalidade singular.
2 – As liberalidades que possam ser consideradas usuais, segundo as circunstâncias da época e as condições da própria sociedade, não são havidas como contrárias ao fim desta.
3 – Considera-se contrária ao fim da sociedade a prestação de garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades, salvo se existir justificado interesse próprio da sociedade garante ou se se tratar de sociedade em relação de domínio ou de grupo.
4 – (…)
5 – (…)”.
Estabelece, por sua vez, o art. 294º do CCiv. que “os negócios celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei”.
A assunção cumulativa de dívida, como figura próxima da fiança, que é [Menezes Leitão, na obra atrás citada, refere que a assunção cumulativa de dívida se distingue da fiança “pelo facto de o assuntor não adquirir, como o fiador, uma obrigação acessória dependente da obrigação principal do devedor, mas antes possuir uma responsabilidade independente, como se ele próprio tivesse adquirido a dívida”], importou a constituição de uma garantia, pois ao património dos primitivos devedores passou a acrescer o património da apelante como garante do pagamento do crédito da exequente/recorrida [cfr. Ac. desta Relação de 30/05/2011, proc. 1393/08.7TBMAI.P1, disponível in www.dgsi.pt/jtrp].
Há, pois, que ver se a prestação de tal garantia, traduzida na emissão da letra dada à execução, cabe na previsão do nº 3 do apontado art. 6º.
Como salienta o STJ [no Acórdão de 17/09/2009, supra referenciado], do preceito acabado de indicar, “em consonância, (…), com o disposto no art. 160º do C.Civil, não decorre uma incapacidade absoluta das sociedades para a prática de liberalidades. Apenas na ponderação do circunstancialismo que acompanhou a situação concreta se deve aferir da licitude, ou não, da liberalidade efectuada pelos órgãos sociais da sociedade. (…) As sociedades podem validamente praticar actos gratuitos, nomeadamente prestar garantias a dívidas de terceiros quando a esses actos presida um interesse próprio da sociedade garante, ainda que deles não decorra uma vantagem económica imediata. Basta que haja o objectivo de ser alcançado um fim conveniente à prossecução de vantagens de cariz económico da sociedade e não de proporcionar uma vantagem ao credor garantido” [idem, Ac. do STJ de 17/06/2004, in CJ-STJ, ano XII, 2, 94].
Por isso é que, “a nossa Jurisprudência tem entendido que é à sociedade garante que invoca a nulidade da garantia, por si prestada, com o objectivo de se valer de tal nulidade para não ter de cumprir a obrigação garantida, que compete alegar a provar a inexistência de interesse próprio, ou seja, provar os requisitos da tal nulidade de que se pretende aproveitar”, “isto porque ninguém melhor do que a própria sociedade garante estará habilitada a provar se tal garantia foi ou não efectuada no seu interesse próprio” [cfr. Ac. do STJ de 07/10/2010, proc. 291/04.8TBPRD-E.P1.S1, disponível in www.dgsi.pt/jstj; idem, Ac. do STJ de 13/05/2003, proc. 03A318, disponível no mesmo sítio do ITIJ e Ac. desta Relação de 30/05/2011, atrás citado].

2.3. No caso «sub judice» a apelante logrou apenas provar que a dívida que assumiu tinha como devedores outras sociedades e pessoas singulares (os identificados no contrato junto a fls. 56-58 e 189-191) e que nunca teve qualquer relação comercial com a apelada.
Esta factualidade é, contudo, manifestamente exígua para demonstrar que a mencionada assunção (cumulativa) de dívida foi contrária ao fim social da executada (ao seu interesse), não bastando para tal a constatação de que dela não decorreu para a sociedade “B…” uma vantagem económica imediata.
Como era a apelante que tinha que fazer prova que aquele acto foi contrário ao seu fim social (ao seu próprio interesse), outra solução não pode ser dada à questão que temos vindo a analisar que não seja a da sua improcedência, não se verificando, consequentemente, a nulidade invocada por aquela (na petição da oposição e nas alegações do recurso).

2.4. Aliás, mesmo que tivessem ficado provados factos suficientes para preenchimento de tal nulidade, ainda assim esta não poderia ser declarada «ex vi» do prescrito no art. 334º do CCiv. que define a figura do abuso de direito.
Considera este artigo que age em abuso de direito ou que é ilegítimo o exercício de um direito “quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
Para que o exercício de um direito seja abusivo exige-se, assim, que o titular, observando embora a estrutura formal do poder que a lei lhe confere, exceda manifestamente os limites que lhe cumpre observar, em função dos interesses que legitimam a concessão desse poder ou, dito de outro modo, que o direito seja exercido em termos clamorosamente ofensivos da justiça. Basta que o excesso se verifique objectivamente, não se exigindo que o agente tenha consciência dele. Mas só haverá abuso de direito se houver contradição entre o modo ou o fim com que o titular exerce o direito e o interesse ou interesses a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito. E no preenchimento dos conceitos constantes da parte final daquele normativo - de «boa fé», «bons costumes» e «fim social ou económico» - haverá que atender, quanto aos dois primeiros, às concepções ético-jurídicas dominantes, e quanto ao último nos juízos de valor positivamente consagrados na própria lei [cfr. Antunes Varela, obr. e vol. cit., pgs. 564-565 que cita também Manuel de Andrade; veja-se tb Coutinho de Abreu, in “Do Abuso de Direito”, 1999, pgs. 15 e segs., que entende que há abuso de direito “quando um comportamento aparentando ser exercício de um direito, se traduz na realização dos interesses pessoais de que esse direito é instrumento e na negação de interesses sensíveis de outrem”].
O abuso de direito comporta várias cambiantes ou modalidades, sendo uma delas – e a mais usual - a do «venire contra factum proprium», ou da conduta contraditória. Dentro desta distinguem-se o «venire» negativo, em que o agente manifesta uma intenção ou, pelo menos, gera uma convicção de que não irá praticar certo acto e, depois, pratica-o mesmo (ainda que o acto em causa seja permitido por integrar o conteúdo de um direito subjectivo) e o «venire» positivo, em que o agente em causa demonstra ir desenvolver certa conduta e, depois, nega-a, podendo estas actuações dizer respeito quer ao exercício de um determinado direito potestativo, quer ao exercício de um direito subjectivo comum. No fundo, nesta modalidade, o abuso de direito ocorre quando alguém exerce um direito em contradição com uma conduta (sua) anterior em que a outra parte tenha legitimamente confiado, vindo esta, com base na confiança gerada e de boa fé, a programar a sua vida e a tomar decisões na convicção de que aquele direito já não seria exercido [assim, Menezes Cordeiro, in “Tratado de Direito Civil Português”, I, Parte Geral, Tomo I, 2000, pgs. 250-255 e Tomo IV, 2005, pgs. 275-297; mesmo Autor, in “Da Boa Fé no Direito Civil”, vol. II, pgs. 742-745 e Baptista Machado, in “Tutela da Confiança e Venire Contra Factum Proprium”, RLJ ano 118, pgs. 169, 227 e 228].
Desta descrição decorre que o «venire contra factum proprium» demanda:
● em primeiro lugar, um comportamento anterior, suficientemente inequívoco/concludente no seu conteúdo, da parte que exerce o direito que seja susceptível de gerar uma situação objectiva de confiança no destinatário (parte contrária);
● depois, uma actuação deste destinatário, objectivamente justificada, baseada na boa fé e na confiança gerada por aquele comportamento;
● finalmente, um comportamento posterior (actual) daquele primeiro declarante, objectivamente contraditório com o inicialmente manifestado.
E, como é bom de ver, todos estes pressupostos ocorrem «in casu», pois:
● a executada assumiu voluntariamente (através do órgão competente) a dívida que a “D…” e a “E…”, bem como os sócios-gerentes desta última, tinham para com a exequente, tendo emitido a letra dada à execução;
● a exequente, confiando na legalidade e correcção da actuação da executada, aceitou a letra que esta emitiu e, por não ter sido reformada nem paga na data prevista, accionou-a judicialmente;
● contudo, depois de demandada, a executada veio arguir a nulidade da assunção de dívida, com base em (indemonstrado) acto contrário ao seu fim social.
Daí que, como começámos por dizer na abordagem deste ponto, mesmo que se verificassem os pressupostos integradores da nulidade invocada pela apelante, não seria, ainda assim, de decretá-la, já que isso se traduziria no deferimento de uma actuação abusiva da mesma (executada/Apelante), na apontada modalidade do «venire contra factum proprium».

Improcede, deste modo, a invocada nulidade da assunção de dívida (e a consequente nulidade do título executivo).
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3. Se, face ao que decorre dos itens 1 e 2 deste ponto IV, a oposição à execução podia ter sido julgada procedente.
A resposta a esta questão apresenta-se agora fácil e linear.
Os fundamentos da oposição deduzida pela executada foram:
● a inexistência de obrigação cartular, por a letra dada à execução não ter sido legitimamente emitida e entregue à exequente (ter-lhe-ia sido, na versão da executada, ilegitimamente subtraída por esta e indevidamente accionada como título executivo)
● e a nulidade da garantia (assunção cumulativa de dívida) que esteve (na versão da exequente) na origem da emissão da letra de câmbio.
Como, por um lado, ficou provado que o referido título cartular foi legitimamente emitido por quem representava então a executada e, por outro, não ficou demonstrado que a assunção da dívida tivesse sido contrária ao interesse (ou ao fim social) da executada, é manifesto que a oposição à oposição não poderia ter outro desfecho senão o que foi decretado na sentença recorrida, ou seja, a sua total improcedência, bem tendo, pois, andado a 1ª instância na decisão de mérito que proferiu.
Por aqui também improcede a douta apelação.
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3. Se é merecedora de censura a condenação por litigância de má fé de que a apelante foi alvo.
A recorrente põe, ainda, em causa, nas suas alegações-conclusões, a condenação por litigância de má fé de que foi alvo na sentença recorrida. Fá-lo, porém, apenas para o caso da apelação proceder relativamente às demais questões ali colocadas e como decorrência da pretendida procedência da oposição à execução – veja-se o teor da conclusão LVIII, única em que aquela impugna a sua condenação como litigante de má fé.
Como as questões (de facto e de direito) suscitadas pela apelante não obtiveram provimento, conforme decorre do que se deixou exposto nos itens anteriores deste ponto IV, fica prejudicado o conhecimento da problemática ora em epígrafe, na medida em que a aludida condenação não vem impugnada enquanto assente na factologia que foi tida em conta na 1ª instância (e que se manteve inalterada nesta 2ª instância), não cabendo a esta 2ª instância proceder à análise oficiosa da bondade dessa condenação.
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Síntese do que de mais relevante fica enunciado:
● A assunção (cumulativa) de uma dívida (de outras sociedades) por parte de uma sociedade comercial traduz a constituição de uma garantia conferida ao credor.
● Não é pelo simples facto de ter garantido uma dívida de terceiros que, sem mais, o respectivo acto (no caso, a assunção da dívida) deva ser considerado contrário ao fim/interesse da sociedade que o prestou, ainda que dele não decorra uma vantagem económica imediata para esta.
● É à sociedade garante que compete alegar e provar a inexistência de interesse próprio ou que o acto integrador da garantia concedida é contrário ao seu fim social, para que proceda a nulidade prevista no nº 3 do art. 6º do CSC, com referência ao art. 294º do CCiv..
● Tendo a executada prestado voluntariamente a dita garantia e emitido a letra dada à execução, a nulidade acabada de referenciar nunca seria de decretar já que tal traduziria o deferimento de uma actuação abusiva por parte daquela, sob a veste de um «venire contra factum proprium».
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V. Decisão:

Nesta conformidade, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação do Porto acordam em:
I) Julgar improcedente a apelação e confirmar a douta sentença recorrida.
II) Condenar a apelante nas custas.
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Porto, 2011/12/13
Manuel Pinto dos Santos
Ondina de Oliveira Carmo Alves
João Manuel Araújo Ramos Lopes